1 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 14ª Câmara Cível AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0022074-92.2013.8.19.0000 AGRAVANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO AGRAVADO: DANIEL SOUZA LIMA REP/P/S/MÃE LUCIANA DE SOUZA DA CRUZ LIMA RELATOR: DESEMBARGADOR JUAREZ FERNANDES FOLHES AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM FACE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. AUTOR PORTADOR DE HIPERATIVIDADE, ATRASO COGNITIVO, E TRANSTORNO DE COMPORTAMENTO QUE NECESSITA DOS MEDICAMENTOS TRILEPTOL 300 MG E NEULEPTIL 1%. DECISÃO QUE DEFERE O PEDIDO DA AUTORA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, DETERMINANDO AOS RÉUS O FORNECIMENTO IMEDIATO DOS MEDICAMENTOS RELACIONADOS NA INICIAL, AUTORIZADO DESDE LOGO, A CONCESSÃO DO MEDICAMENTO EXCEPCIONAL, COM O CADASTRO DO BENEFICIÁRIO NO PROGRAMA ESTADUAL DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS. O JUÍZO DEFERIU PRAZO DE 07 (SETE) DIAS PARA A PARTE AUTORA PROVIDENCIAR O RECOLHIMENTO DOS MEDICAMENTOS APREENDIDOS SE NÃO FOR CUMPRIDA A ORDEM DE FORMA DIRETA, SENDO NECESSÁRIA A EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO E DEVOLUÇÃO DO MEDICAMENTO AOS ESTOQUES DO ESTADO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO QUE INTERPÔS AGRAVO AO ARGUMENTO DE QUE NÃO HÁ COMPROVAÇÃO DE INDICAÇÃO TERAPÊUTICA DO MEDICAMENTO PARA A DOENÇA EM QUESTÃO, ALÉM DO QUE TAL MEDICAMENTO NÃO É PADRONIZADO NAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS, ALÉM DO QUE NÃO É RAZOÁVEL COMPELIR O ENTE PÚBLICO AO TRATAMENTO RECLAMADO, DEVENDO SER PRIVILEGIADO O TRATAMENTO OFERECIDO PELO SUS EM DETRIMENTO DE OPÇÃO DIVERSA ESCOLHIDA PELO PACIENTE. NÃO ASSISTE RAZÃO AO AGRAVANTE. JUÍZO QUE CONSIDEROU PRESENTES OS REQUISITOS DO ARTIGO 273 PARA DEFERIR A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 59 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. NEGA-SE SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO (ART. 557, caput, CPC) DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão de fls. 32/33, proferida nos autos de Ação de Obrigação de Fazer em face do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, no seguinte teor: (RO) Agravo de instrumento nº 0022074-92.2013.8.19.0000 JUAREZ FERNANDES FOLHES:000009714 Assinado em 20/08/2013 15:42:31 Local: GAB. DES JUAREZ FERNANDES FOLHES 2 “Pelo exposto, DEFIRO a antecipação da tutela para determinar que os réus, por suas Secretarias de Saúde, tomem as providências necessárias ao fornecimento imediato do(s) medicamento(s) relacionado (s) na inicial, de forma coordenada, a fim de evitar o desperdício de recursos públicos, sob as penas da lei. Desde logo, autorizo a concessão do (s) medicamento (s) genérico (s) idôneo (s) ao tratamento prescrito, (...) nos termos do Aviso nº 32/2008, publicado no D.O. de 03/10/2008, fls. 02, em se tratando de medicamento excepcional, determino o cadastro do beneficiário no Programa Estadual de Dispensação de Medicamentos Excepcionais (...).” O Estado do Rio de Janeiro ajuizou o presente agravo de instrumento, alegando em síntese que: 1) a parte autora ajuizou a presente ação, objetivando o fornecimento de medicamentos, para o tratamento de Hiperatividade, atraso cognitivo e transtorno de comportamento, no entanto, o medicamento em questão não é padronizado nas listas de dispensação do SUS; 2) não há qualquer comprovação de que o medicamento seja indicado para doenças que afligem a parte autora, não constando sequer na bula deste medicamento a informação de que ele possa ser usado para o tratamento de hiperatividade, de atraso cognitivo, e de transtorno de comportamento; 3) não é razoável compelir o ente público ao tratamento reclamado, sendo a finalidade experimental; 4) qualquer ingerência do Poder Judiciário no sentido de se sobrepor ao juízo técnico do Ministério da Saúde e da ANVISA deve ser considerada ilegítima, em explícita violação ao princípio da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º da CRFB; 5) a lei 12.401/11 estabelece que a assistência terapêutica integral é limitada ao fornecimento dos medicamentos previstos nos protocolos clínicos incorporados ao SUS; 6) deve se privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente. “Requer: após a concessão do efeito suspensivo, que V.Exa. se digne de dar provimento ao recurso para reformar in totum a decisão agravada pelos motivos narrados nas razões do presente recurso, revogando a decisão que deferiu a tutela antecipada para o fornecimento dos medicamento (...)”. Contrarrazões às fls. 61/67 prestigiando o julgado. É o relatório. Decido. O recurso é tempestivo e encontram-se presentes os demais requisitos de admissibilidade. A questão gravita em torno de paciente portador de hiperatividade, atraso cognitivo e transtorno de comportamento necessitando dos medicamentos TRILEPTOL – 300mg ao dia e NEULEPTIL 1%, conforme descrito na petição inicial. Em sede de antecipação dos efeitos da tutela o Juízo às fls. 32/33 deferiu o pedido para determinar aos réus o imediato fornecimento da medicação pleiteada, a autorização para a concessão de medicamento genérico idôneo, e a inscrição do beneficiário no Programa Estadual de Dispensação de Medicamentos Excepcionais. In casu, o paciente necessita com urgência dos medicamentos face ao risco do agravamento de seu estado de saúde, considerando que a possibilidade de dano decorre do próprio fato objetivo do paciente. No entanto, as alegações do Estado do Rio de Janeiro não merecem amparo. Os textos constitucionais destacam a relevância da questão referente ao direito fundamental à saúde, tema que tem sido reiteradamente suscitado no meio jurídico, em decorrência das sucessivas demandas que buscam o fornecimento de medicamentos e tratamento pelos entes da administração pública federal, estadual ou municipal. (RO) Agravo de instrumento nº 0022074-92.2013.8.19.0000 3 No caso em tela o Juízo considerou a presença dos requisitos autorizadores da antecipação dos efeitos da tutela previstos no artigo 273 do CPC. Nos documentos de fls. 25/26 consta receituário do Hospital Universitário Pedro Ernesto comprovando que o autor necessita da medicação pleiteada. No que tange à alegação recursal, de que a Lei 12.401/2011 promoveu alterações na Lei 8080/90, é preciso que tais alterações sejam lidas conforme o texto Constitucional. Ademais, como é de sabença, o SUS, segundo o disposto no art. 23, II, da CF, afigura-se como um conjunto de ações integradas, regulamentadas em nível infraconstitucional pela Lei 8.080/90 que não prevê responsabilidades estanques e nem poderia, frente à citada norma, donde se conclui pela existência de obrigação solidária entre as pessoas jurídicas de direito público, entendimento já consagrado. Destaque-se o julgado abaixo do E. STJ, que simboliza o pensamento da jurisprudência pátria quanto a obrigação do Estado de fornecer os medicamentos, exames e tratamentos necessários para a recuperação da saúde da parte agravada. “... AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO ADOLESCENTE A CIRURGIA DE QUE NECESSITA. OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE FORNECÊ-LOS. É assente o entendimento de que a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos em conjunto. Nesse sentido, dispõem os arts. 2º e 4º da Lei 8.080/90. Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Art.4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).” Assim, conclui-se que as ações e serviços de saúde devem ser desenvolvidos pelo Estado, de forma integrada, por meio de um sistema único. O legislador Pátrio instituiu, portanto, um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros, para o tratamento de enfermidades. Ademais, a Constituição Federal é clara ao dispor sobre a obrigação do Estado em propiciar ao homem o direito fundamental à saúde, de modo que todos os entes federativos têm o dever solidário de fornecer gratuitamente medicamento ou congêneres às pessoas carentes. (C.STJ.. Resp nº 1011302. Decisão Monocrática. Min. Humberto Martins. Julgado 24/06/2008) No caso em tela, estão presentes os pressupostos autorizadores do deferimento de antecipação de tutela, uma vez que se trata de medida fundamental à saúde da parte autora, sendo que o agravante não traz aos autos qualquer elemento que infirme a necessidade da agravada na obtenção dos medicamentos, limitando-se a alegar genericamente que tais medicamentos não fazem parte da lista da ANVISA. Neste sentido, a tese de que o medicamento indicado não consta na relação da ANVISA não tem o condão de restringir a norma Constitucional garantidora do Direito à Saúde quanto ao tipo de medicamento de que necessita o enfermo. A Lei nº 8080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde, em seu art. 6º, I, "d", estabelece que o dever da assistência seja prestado de forma integral. No mais, a decisão harmoniza-se com a jurisprudência dominante neste respectivo Tribunal de Justiça e no E. Superior Tribunal de Justiça, a justificar, ainda, a observância do verbete nº 59, da Súmula desta Corte, in verbis: (RO) Agravo de instrumento nº 0022074-92.2013.8.19.0000 4 Súmula nº 59. "Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos." Neste sentido: 0031399-91.2013.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa DES. ANDRE RIBEIRO - Julgamento: 23/07/2013 - VIGESIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAÚDE PÚBLICA. DECISÃO QUE DEFERIU A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DETERMINANDO AO MUNICÍPIO-RÉU O FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO DESCRITO NA INICIAL E INDICADO EM RECEITUÁRIO MÉDICO. DECISÃO QUE NÃO MERECE REFORMA. Atendimento aos princípios constitucionais que regem a matéria. Paciente portadora de esclerose múltipla. Tese de que o medicamento indicado (Gilenya) não consta na "Relação de Medicamentos Municipais" (REMUME), não tem o condão de restringir a norma Constitucional garantidora do Direito à Saúde quanto ao tipo de medicamento de que necessita o enfermo. A Lei nº 8080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde, em seu art. 6º, I, "d", estabelece que o dever da assistência seja prestado de forma integral. Cumprimento da obrigação constitucionalmente imposta (art. 198, da CRFB), bem como nos termos da lei 8.080/90. Aplicação da Súmula n° 65 desta Corte. Decisão antecipatória da tutela que deve ser mantida, pois não se revela teratológica, nem contrária à prova dos autos ou à lei, nos termos da Súmula 59 deste Tribunal. Configuração dos pressupostos exigidos pelo artigo 273, do código de processo civil. Entendimento jurisprudencial. Decisão que não merece reparo. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC. 0059100-61.2012.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO 2ª Ementa DES. DENISE LEVY TREDLER - Julgamento: 14/05/2013 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA ANTECIPATÓRIA DOS EFEITOS DA TUTELA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ACESSO À SAÚDE. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. Indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela, sob o fundamento de não estarem presentes os seus pressupostos. Fornecimento de medicamentos. Garantia constitucional de acesso à saúde. Obrigação solidária dos entes estaduais e municipais. Jurisprudência consolidada no verbete nº. 65, da súmula deste Tribunal de Justiça. Impossibilidade de limitar-se o rol dos medicamentos de que poderá necessitar o paciente. Matéria que foi objeto de amplo debate no Supremo Tribunal Federal, com a realização de audiência pública. Ponderação de interesses a justificar a prevalência do direito à vida e à saúde. A decisão que versa sobre medida antecipatória dos efeitos da tutela só deve ser reformada se adequar-se à Súmula nº. 59 desta Corte estadual. Presença dos pressupostos à concessão da antecipação dos efeitos da tutela, em face da verossimilhança das alegações e do perigo da demora na prolação do final julgamento. Agravo que se conhece e a que se dá provimento, na forma do §1º-A, do artigo 557, do Código de Processo Civil. Por essas razões, nego seguimento ao agravo de instrumento do Estado do Rio de Janeiro, com fundamento no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, e mantenho a decisão agravada (fls.32/33), em todos os seus termos. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2013. DESEMBARGADOR JUAREZ FERNANDES FOLHES RELATOR (RO) Agravo de instrumento nº 0022074-92.2013.8.19.0000