REPENSANDO O PAPEL DO EDUCADOR A PARTIR DE ALGUNS PRESSUPOSTOS VYGOTSKYANOS Rosa Elisabete Militz Wypyczynski Martins – UPF Com o objetivo de pesquisar os processos mentais ou características psicológicas humanas, Vygotsky procurou identificar as diferenças ou semelhanças entre o ser humano e o psiquismo dos animais. As características do funcionamento psicológico humano são constituídas ao longo da vida social, através de um processo de interação entre o indivíduo e seu meio físico e social. Através dessa interação e numa relação dialética, o homem se constitui como um ser social e promove a transformação de si e do ambiente. As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam a tese de que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se desenvolvem ao longo da sua história social, numa relação mediada pelo uso de instrumentos e signos, que se constituem em elementos importantes no desenvolvimento dos seres humanos. O instrumento é utilizado pelo homem para transformar a natureza, possibilitando sua intervenção e provocando mudanças no seu contexto. Os signos são usados como meios auxiliares na solução de problemas de ordem psicológicas, ampliando a capacidade de atenção e memória. O conceito de mediação simbólica significou um avanço no estudo dos processos mentais superiores, característicos dos seres humanos, evidenciando a importância das relações sociais na construção dos processos psicológicos. Nesse processo de mediação, a linguagem tem um papel fundamental de intercâmbio social entre os grupos humanos. “O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-se no sócio-histórico” (Oliveira,1993, p.45). Outro tema de grande importância na obra de Vygotsky é o estudo da relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Ele considera que essa relação acontece desde o nascimento da criança, fazendo parte da sua constituição e resultante de um processo dialético socialmente construído. Essa perspectiva defendida por Vygoysky deixa clara a importância das relações sociais para o desenvolvimento do ser humano. Nesse sentido, a escola tem um papel fundamental no processo de socialização e desenvolvimento da aprendizagem. 2 Para melhor explicar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky identifica dois níveis no processo de aprendizagem: um que se chamaria nível de desenvolvimento real, que compreende o conjunto de atividades que a criança desenvolve de forma autônoma; o outro, nível de desenvolvimento potencial, que compreende aquilo que a criança é capaz de fazer com ajuda de outras pessoas adultas ou crianças mais experientes. A constatação desses dois níveis de desenvolvimento possibilitou a Vygotsky formular o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela consegue fazer com a colaboração de alguém (nível de desenvolvimento potencial). Segundo Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é: a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (1998, p.112). O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de fundamental importância para a ação dos educadores. “É na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros indivíduos é a mais transformadora” (Oliveira, 1993 p.61). Cabe, então, ao professor a elaboração de estratégias pedagógicas que permitam interferir na ZDP dos seus alunos, proporcionando avanços na sua aprendizagem. Na segunda parte deste ensaio, será discutida a questão do fracasso escolar e o papel do educador diante dessa problemática, considerando os fatores intra-escolares para analisar essa questão. No Brasil, o problema do fracasso escolar vem sendo discutido há décadas, e as tentativas para sua solução têm sido variadas e acompanham cada mudança de governo. A busca de culpados por esse problema, e a transferência de responsabilidades têm-se perpetuado em ações ineficazes, com políticas educacionais que pouco têm contribuído para alguma mudança nesse sentido. Enquanto isso, segundo Soares, “de cada 1000 crianças que iniciam a 1ª série, menos da metade chega à 2ª, menos de um terço consegue atingir a 4ª, e menos de um quinto conclui o 1º grau” (2002, p.09). Esta 3 realidade de repetência e abandono da escola é que vai constituindo a chamada “pirâmide educacional brasileira”, que atinge os alunos das camadas populares. A literatura aponta divergências quanto às causas do fracasso escolar. Alguns teóricos admitem como causas os fatores extra-escolares, principalmente de ordem social; outros defendem a idéia de que o sistema escolar tem participação nesse processo e buscam analisar “os mecanismos intra-escolares de seletividade social da escola, privilegiando a investigação de aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da instituição escolar” (Patto,1999, p.152). Nos anos setenta, pesquisas procuravam investigar o fracasso escolar sob a ótica da participação do próprio sistema escolar “na produção do fracasso, através da atenção ao que se convencionou chamar de fatores intra-escolares e suas relações com a seletividade social operada na escola” (idem, p.152). Essas pesquisas contribuíram para diagnosticar a precariedade da escola pública e a sua inadequação à realidade da clientela atendida, situação que se perpetua até hoje nas escolas brasileiras. Não raras vezes, as dificuldades de aprendizagem são atribuídas às precárias condições de vida dos alunos e justificam-se as dificuldades de aprendizagem escolar como sendo de responsabilidade do aluno ou da família, argumentos que ainda podem ser observados no meio educacional. Esse pressuposto só tem contribuído para que a escola continue operando como um mecanismo de seletividade. O interesse em pesquisar a questão do fracasso escolar e o papel do educador frente a esta problemática está relacionado ao trabalho que realizo como educadora que trabalho a mais de quinze anos em escolas públicas. Na escola que trabalho atualmente como coordenadora pedagógica, estamos reorganizando o projeto político pedagógico, e, uma das questões a ser repensada é a avaliação. Por esta razão, buscarei com este ensaio, analisar a questão da prática avaliativa e a sua relação com o fracasso escolar. O conceito de avaliação é muito discutido no sistema educacional, desde a escola básica até o nível superior. Essa prática revela diversas concepções acerca do assunto, e acaba por se configurar como um instrumento de disciplina, de controle, com o objetivo de normatizar, homogeneizar e determinar “quem sabe” e “quem não sabe”, excluindo os que não se encaixam nos padrões pré-determinados. “O conceito de avaliação tem uma amplitude variável de significados possíveis. Impõem-se ou não na prática segundo as necessidades às quais a avaliação serve e em função das diferentes formas de concebê-la” (Sacristán,1998 p.298). A avaliação, usada de uma maneira 4 tradicional, como um instrumento de massificação, cumpre uma função de seleção e classificação, contribuindo para uma prática de controle dos alunos. Na sociedade capitalista, a avaliação adquire uma função de controle e regulação do sistema educacional, legitimador do processo educacional, passando a fazer parte da própria organização do trabalho pedagógico. As formas de conceber a avaliação estão ligadas à função que a escola cumpre na sociedade. De acordo com Luckesi, “o atual exercício da avaliação escolar não está sendo efetuado gratuitamente. Está a serviço de uma pedagogia que nada mais é do que uma concepção teórica da educação, que por sua vez, traduz uma concepção teórica da sociedade” (1984, p.06). Algumas reflexões precisam ser feitas acerca da avaliação e o seu papel na escola para que o educador assuma não mais uma postura de controlador do ensino, mas de mediador do processo de ensino-aprendizagem. O desafio é repensar a prática pedagógica e fundamentá-la em referenciais que dêem suporte para uma ação que considere a aprendizagem como uma construção mediada. Esse processo envolve sujeitos que se constituem socialmente e se desenvolvem pela interação com outros sujeitos. Nesse sentido, a escola como um espaço cultural, que trabalha com a produção de um conhecimento formal e sistemático, precisa privilegiar ações que contribuam para a socialização e propiciem o desenvolvimento da aprendizagem. Esse processo exige repensar a avaliação, e requer que se elaborem estratégias metodológicas que considerem a aprendizagem como um processo ativo, que se desenvolve na interação entre os sujeitos e destes com o objeto. “A intervenção do professor tem, pois, um papel central na trajetória dos indivíduos que passam pela escola” (Castorina, 2002 p.62). A partir das concepções de Vygotsky sobre desenvolvimento e aprendizagem, pode-se considerar que o papel do ensino escolar é de extrema importância. Na escola, a intervenção pedagógica é intencional e fundamental para promover o desenvolvimento. Em termos de atuação pedagógica, os postulados Vygotskyanos traduzem claramente que o papel do professor é de extrema relevância para provocar nos alunos os avanços que não ocorreriam espontaneamente. Consiste esse papel em uma interferência na zona de desenvolvimento proximal (Castorina, 2002). Ao considerar que o homem é um ser social e culturalmente constituído, Vygotsky permitiu que se passasse a pensar o processo de construção do conhecimento como um processo dinâmico e construído pela mediação. Sua obra oferece grandes contribuições para a educação, fornecendo elementos que ajudam a compreender o 5 processo de construção da aprendizagem, permitindo que se possa avaliar e repensar as práticas efetivadas nas escolas. A compreensão das teorias psicológicas e a sua relação com a prática educativa é importante para a superação dos “modismos” e a criação de propostas que realmente contribuam para a realização de uma prática pedagógica eficiente. Segundo Rego, “a qualidade e originalidade do pensamento de Vygotsky é inegável, assim como suas contribuições ao plano educacional, já que sugere um novo paradigma que possibilita um modo diferente de olhar a escola, o conhecimento à criança, o professor e até a sociedade” (1995, p.124). Todavia, a autora alerta que a escola não deve se ater exclusivamente aos princípios dessa abordagem como um único referencial possível de resolver as questões que afetam a escola, mas, sim, como um ponto “de partida para novos estudos e descobertas” (idem, p.126). Repensar as práticas pedagógicas e, conseqüentemente, a avaliação, requer um processo de reflexão, de pesquisa, de diálogo e de reconstrução. Isso só é possível com a apropriação de um saber que permita ao educador refletir sobre o seu papel na escola, bem como, uma discussão sobre a questão do fracasso escolar, considerando este como um elemento central da problemática educacional. A busca de alternativas para os problemas vivenciados no cotidiano escolar é essencial para a construção do conhecimento e o entendimento dos sujeitos que convivem nesse ambiente, considerando esses como seres humanos e não somente como intelectos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTORINA, José Antonio. Piaget, Vygotsky: novas contribuições para o debate. 6ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2002. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo. São Paulo: Cortez, 1984. OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sóciohistórico. São Paulo: Editora Scipione, 1983. PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 6 SACRISTÁN, J. Gimeno. Compreender e transformar o ensino. 4ª edição. Porto Alegre: ArtMed, 1998. SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2002. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.