SEGURIDADE SOCIAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL BRASILEIRO Maria Aparecida Garcia Moura1 RESUMO A Seguridade Social brasileira, instituída com a promulgação da Constituição Federal de 1988, traz uma nova concepção para a proteção social no país, propondo o distanciamento da lógica do seguro social e sua efetivação na perspectiva do direito social. No entanto, tal proposta é alvo da ‘ofensiva neoliberal’ que se instala no Brasil a partir dos anos 1990, provocando a desregulamentação de direitos sociais. Assim, o presente artigo explana brevemente esse contexto, discutindo sobre seus principais reflexos na realidade social, que representam um processo de regressão social. Palavras-Chave: Seguridade Social. Neoliberalismo e Direitos Sociais. ABSTRACT The Brazilian Social Security, established with the enactment of the Constitution of 1988, brings a new concept for social protection in the country, suggesting the detachment of the logic of social insurance and its implementation in the context of social law. However, this proposal is target of 'neoliberal offensive' that settles in Brazil since the 1990s, causing deregulation of social rights. Thus, this paper presents briefly this context, discussing its main effects on social reality, they represent a process of social regression. Keywords: Social Security. Neoliberalism and Social Rights. INTRODUÇÃO A seguridade social representa um conjunto de conquistas da classe trabalhadora na sua luta histórica por melhorias sociais. Essa luta se gesta em uma conjuntura marcada pelas relações de dominação e exploração, estas estabelecidas pelo sistema capitalista que visa à acumulação de riquezas, por meio da apropriação injusta da produção de riquezas realizada pelo proletariado. Esse processo de organização e mobilização da classe trabalhadora se desenvolve no contexto posterior a Segunda Guerra Mundial, momento em que o Estado passa intervir na economia, bem como há uma maior atenção quanto aos aspectos sociais, momento em que a sociedade se organiza em prol de avanços sociais. Dessa forma, Mota (2009, p. 40-41) explana que, 1 Assistente Social. Mestranda em Serviço Social na Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]. 480 Originárias do reconhecimento público dos riscos sociais do trabalho assalariado, as políticas de seguridade ampliam-se a partir do segundo pós-guerra, como meio de prover proteção social a todos os trabalhadores, inscrevendo-se na pauta dos direitos sociais. Em geral, os sistemas de proteção social são implementadas através de ações assistenciais para aqueles impossibilitados de prover o seu sustento por meio do trabalho, para cobertura de riscos de trabalho, [...] e para manutenção da renda do trabalho, [...]. (grifos da autora). No caso brasileiro, a Seguridade Social ocorre em um período diferenciado do âmbito internacional, em virtude do seu contexto particular econômico, político e social. Sendo assim, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é instituída a Seguridade Social brasileira, que dá uma nova direção para a proteção social no Brasil, ao instituir como políticas públicas integrantes a saúde, a previdência e assistência social. Essas políticas são voltadas para a concepção do direito social, aspectos que são garantidos legalmente, sendo que suas determinações são norteadas pelos princípios da universalidade e da igualdade. Nesse sentido, Boschetti e Salvador (2009, p. 52) explanam que, [...] A seguridade social, na definição constitucional brasileira, é um conjunto integrado de ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, incluindo também a proteção ao trabalhador desempregado, via seguro-desemprego. Pela lei, o financiamento da seguridade social compreende, além das contribuições previdenciárias, também recursos orçamentários destinados a este fim e organizados em um único orçamento. Deste modo, a Seguridade Social propõe um sistema de ações conjuntas e articuladas, por meio de princípios que nortearão a sua operacionalidade. No entanto, o cenário brasileiro da década de 1990 não é favorável para implementação dessas conquistas, uma vez que se instaura no país a política neoliberal, com o objetivo de adequar o país a economia internacional, aderindo as suas determinações. Portanto, a Seguridade Social se submete ao ajuste neoliberal. Nessa perspectiva, nos anos 1990 há um conjunto de ações que visam rebaixar as conquistas firmadas na Constituição Federal de 1988. Contexto em que a Seguridade Social é alvo dessas ações, ocasionando a sua fragmentação, focalização e acentua-se a exclusão social. Além disso, há uma tendência de privatização das políticas de saúde e 481 previdência, em contrapartida a expansão da assistência social, que nessas circunstâncias assume papel central na proteção social brasileira na atualidade. UMA DISCUSSÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL A Seguridade Social resulta de um processo de lutas da sociedade na busca pela garantia de direitos sociais. Nesse processo, se destaca a classe trabalhadora, da qual se exige cada vez mais para atender as necessidades de reprodução do capitalismo, com altas jornadas de trabalho, más condições para desenvolverem as atividades laborais, baixas remunerações, ausência de direitos, entre outros elementos que expressam a exploração do proletariado. Essas circunstâncias provocam o pauperismo e a desigualdade social provenientes da relação de submissão do trabalho ao capitalismo, que desencadeiam um conjunto de problemáticas que impedem que uma parcela da sociedade viva com dignidade e exerça de forma plena a cidadania. É preciso ressaltar, que com a expansão do sistema capitalista intensificam-se as formas de exploração do trabalho, que refletem de maneira opressora sobre as diversas populações no mundo. No sistema capitalista o trabalhador não tem alternativa, se não vender sua força de trabalho, uma vez que não possui os meios de produção necessários para desenvolvimento do mesmo. Por conseguinte, o capital se institui como uma relação social, na qual o capital e o trabalho estabelecem uma relação de dependência mútua e necessária, de compra e venda da força de trabalho. Dessa forma, sendo elemento central o trabalho, capaz de valorizar o capital e gerar a acumulação de riquezas por meio da exploração e da alienação (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Nesse contexto, observam-se duas classes sociais que procuram defender seus interesses econômicos, sociais e políticos, sendo elas a classe burguesa (donos dos meios de produção) e a classe trabalhadora (donos da força de trabalho). Tais classes possuem objetivos antagônicos, sendo que a primeira busca preservar sua organização e extrair o máximo de riqueza do trabalho, principalmente por meio da mais-valia, inovando e intensificando as formas de exploração da força de trabalho para atender as suas necessidades de reprodução. No que se refere à classe trabalhadora, ponderando a vivência de uma conjuntura dotada de circunstâncias de exploração e injustiça - nas quais 482 é alvo principal - busca através de luta organizada, conquistar direitos e melhores condições de vida e de trabalho. Por conseguinte, a Seguridade Social pode ser considerada como resultante da resistência da classe trabalhadora frete ao sistema capitalista, no qual os trabalhadores pressionam os donos dos meios de produção para que haja benefícios que venham suprir suas necessidades de sobrevivência, bem como remunerações mais justas e melhores condições de trabalho. Diante dessa pressão social, o Estado passa a intervir nas problemáticas sociais, com o objetivo de preservar o sistema capitalista, buscando suprir suas necessidades de reprodução. Conforme Mota (2009), as políticas de Seguridade Social se ampliam no período posterior a Segunda Guerra Mundial, no qual se aproxima do caráter de direito social. Isso ocorre com o intuito de proporcionar proteção social aos trabalhadores, sobretudo para aqueles que não se encontram mais em condições para o trabalho e para prover o seu sustento, sejam elas temporárias ou permanentes. Diante disso, percebe-se que a Seguridade Social representa um marco na luta histórica da classe trabalhadora, uma vez que se configura como um grande avanço no que diz respeito à garantia de direitos. Ponderando a ocorrência de medidas protetivas, ainda que tímidas, as mesmas representam o produto da mobilização dos trabalhadores e incentivam outras reivindicações para ampliação do acesso a direitos sociais e trabalhistas. Considerando o contexto pós-segunda Guerra Mundial, ressalta-se que nesse período iniciou-se uma ampliação das iniciativas de proteção social, com influência do Plano Beveridge, publicado na Inglaterra em 1942. Esse plano indicava uma nova direção para as políticas sociais, sob o ponto de vista do direito social em contraposição aos seguros sociais bismarckianos que eram alvos de sua crítica. Além disso, é nessa época que se adentra na fase madura do capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Nesse sentido, observa-se que a sociedade se depara com dois modelos que podem nortear a organização da Seguridade Social: o modelo bismarkiano, restritivo e voltado para a lógica do seguro; e o modelo beveridgiano que propõe a instituição de direitos universais. Por conseguinte, a Seguridade Social possui uma tendência de dualidade em sua constituição, sendo que os diferentes países adotam um ou outro modelo, conforme suas particularidades históricas, políticas e econômicas. 483 Deste modo, a Seguridade Social possui como direção a organização social do trabalho, tendo como referência os direitos relacionados ao trabalho, sendo constituída em cada país com caráter diferenciado, em razão do seu contexto interno, logo o trabalho assume papel central na gênese da Seguridade Social. Neste caso, sob a influência seja do modelo alemão bismarckiano, seja sob influência do inglês beveridgiano, mas com a incumbência de garantir benefícios para aqueles, sobretudo, que já não possuem a capacidade laborativa para prover a sua subsistência. (BOSCHETTI, 2009). Entretanto, as medidas de proteção social são percebidas pelo capital como uma forma de manipular os sujeitos, provocando alienação social para ocultar os efeitos devastadores inerentes ao seu sistema. Dessa forma, a função do Estado é reconfigurada para atender os interesses da classe burguesa, contexto que se acentua no estágio monopolista do capital, sobretudo no período posterior a Segunda Guerra Mundial. Assim, a ideologia neoliberal é uma forte aliada para alcance desses objetivos. Deste modo, Netto (2012, p.89) afirma que, A grande burguesia monopolista tem absoluta clareza da funcionalidade do pensamento neoliberal e, por isto mesmo, patrocina a sua ofensiva: ela e seus associados compreendem que a proposta do “Estado Mínimo” pode viabilizar o que foi bloqueado pelo desenvolvimento da democracia política – o Estado máximo para o capital (grifos do autor). Nessa perspectiva, a Seguridade Social é alvo das investidas do capitalismo para estruturá-la de acordo com suas determinações, para que não interfira no alcance dos seus objetivos, sendo de caráter paliativo e seletivo. Assim, é utilizada como forma de causar um conformismo entre os trabalhadores para que não prejudiquem sua estrutura e a acumulação de riquezas. A INSTITUIÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL A sociedade brasileira, após um longo período de repressão social e negação de direitos, tem como reação uma forte organização social na luta pela democracia e garantia de direitos humanos, sociais e políticos. Assim, resultando em 1988, na promulgação da Constituição Federal que representa um marco no que diz respeito a avanços sociais, expressando a intenção de uma sociedade mais justa e igualitária. Dessa forma, Boschetti e Salvador (2009, p. 52) afirmam que, 484 As reivindicações e pressões organizadas pelos trabalhadores na década de 1980, em período de redemocratização no país, provocam a incorporação, pela Constituição Federal (CF), de muitas demandas sociais de expansão dos direitos sociais e políticos. Um dos maiores avanços dessa Constituição, em termos de política social, foi a adoção do conceito de seguridade social, englobando em um mesmo sistema as políticas de saúde, previdência e assistência social. [...]. Portanto, a Carta Magna de 1988, expressa ainda que tardiamente, o progresso social no estabelecimento, por meio de instrumento legal, de garantias sociais, entre as quais se destaca a seguridade social, que se distancia da perspectiva do seguro social. “[...] A noção de seguridade social inova no padrão clássico de proteção social brasileiro, ao trazer os princípios de universalização dos direitos de cidadania e de responsabilidade pública e estatal na provisão e financiamento dos serviços sociais” (SENNA; MONNERAT, 2008, p. 193). Dessa forma, a instituição da Seguridade Social representa o avanço no que diz respeito à proteção social brasileira, que pretende efetivar uma articulação entre as políticas que a compõem, por meio de um conjunto integrado de ações para promover o acesso aos direitos sociais. A firmação dessas políticas como constituintes da Seguridade Social expressa “[...] a noção de direitos sociais universais como parte da condição de cidadania, antes restrita apenas aos beneficiários da Previdência Social” (MONNERAT; SOUZA, 2011, p. 42). Segundo Behring e Bochetti (2008), os princípios estabelecidos com o objetivo de nortear a operacionalização da Seguridade Social no Brasil são: universalidade; uniformidade e equivalência dos benefícios; a seletividade e a distributividade na prestação de serviços; a irredutibilidade do valor de benefícios; a diversidade das bases de financiamento; caráter democrático e descentralizado. Sendo que a finalidade desses princípios constitucionais genéricos seria impulsionar mudanças relativas às suas políticas integrantes, com a intenção de articulá-las formando um sistema de proteção ampliado, mas esse propósito não se consolida devido ao avanço neoliberal, que se gesta no Brasil a partir da década de 1990. Portanto, a Seguridade Social no Brasil, apresenta um novo sentido a sua proteção social, uma vez que assume características norteadas pelos princípios da universalidade e da igualdade, propondo a execução de ações articuladas entre seus elementos 485 integrantes para promover o desenvolvimento social. No entanto, tais propostas se deparam com governos que bloqueiam a sua implementação, efetivando a sua fragmentação, desviando-a do propósito da universalidade, sendo gerida conforme o ajuste neoliberal. De acordo com Soares (2002), o neoliberalismo surge como reação à crise global que se gesta em meados dos anos 1970. Dessa forma, abre espaço para esse novo modelo de acumulação, que determina a precarização do trabalho. Além disso, os direitos sociais perdem sua identidade, se acentua a separação entre público e privado - sendo o último o principal detentor de riquezas – e se expande o assistencialismo. Nesse sentido, o ajuste neoliberal configura-se como a redefinição do âmbito político-institucional e da reprodução das relações sociais. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o neoliberalismo configura-se como uma das expressões da crise capitalista, sistema que organiza diversas estratégias para sua redefinição e reação a crise, refletindo no campo político, econômico, cultural e social. Portanto, essas estratégias capitalistas de reação à crise global iniciada nos anos 1970, ocasionam o agravamento da questão social. Por conseguinte, acentuam-se as formas de dominação, exploração e alienação sobre povos e nações, oprimindo especialmente os chamados países periféricos. Assim, o ajuste neoliberal representa a perda de direitos, uma vez que prioriza a ascensão econômica em detrimento das conquistas sociais. Deste modo, possui o objetivo de fortalecer o processo de acumulação de riquezas por meio da exploração do trabalho, negação de direitos adquiridos e privatização de políticas e bens públicos. Essas circunstâncias influenciam diretamente na Seguridade Social, fragilizando o seu propósito social. Conforme Boschetti (2009), no Brasil a Seguridade Social se organiza com influências tanto do modelo alemão bismarckiano - sistema de seguros destinados aos trabalhadores, por meio de contribuição - quanto do modelo inglês beveridgiano – tem como principal objetivo o enfrentamento da pobreza - ao restringir a previdência aos trabalhadores contribuintes, universalizar a saúde e limitar a assistência social ao público que dela necessitar. Portanto, a Seguridade Social brasileira fica entre o seguro e a assistência social, pois, a previdência social é influenciada pelo modelo bismarckiano, enquanto que a saúde e a assistência social sofrem influência do modelo beveridgiano. 486 Nessa perspectiva, a política de Seguridade Social brasileira assume características híbridas, pois, as políticas que a constituem assumem características distintas e atendem grupos sociais diferenciados. Sendo assim, não é destinada para toda sociedade, sendo que cada uma das suas políticas integrantes possui objetivos e diretrizes distintos, pois, se criam requisitos para determinar o público de cada política, com exceção da política de saúde que é de caráter universalizante, sendo as demais restritivas e seletivas. Dessa forma, a saúde tem como parâmetro o princípio da universalidade, que não se aplica a todos os elementos constituintes, mas se direciona apenas para a saúde, sendo a previdência destinada para aqueles inseridos no mercado de trabalho formal ou informal e a assistência social designada para aqueles que dela necessitarem. Compreende-se, que embora a Carta Magna de 1988, como aponta Vianna (S/D), defina em seu artigo 194 a Seguridade Social com uma aproximação com o modelo Beveridge, o qual serviu como referência para a reforma do sistema de proteção social no Reino Unido em 1946 - que influenciou na implantação do Welfare State no mundo desenvolvido - há de considerar que os princípios desse modelo nunca foram efetivados no Brasil. Portanto, o Brasil não acompanhou o processo de transformações sociais que ocorriam no campo internacional, sendo que adquiriu conquistas sociais somente no final da década de 1980, em uma conjuntura específica resultante do longo período antidemocrático, que impulsionou a mobilização social pela garantia de direitos. Deste modo, é importante ressaltar, conforme Iamamoto (2009, p. 30) que, A desigualdade de temporalidades históricas tem na feição antidemocrática assumida pela revolução burguesa no Brasil um de seus pilares. As soluções políticas para as grandes decisões que presidiram a condução da vida nacional têm sido orientadas por deliberações “de cima para baixo” e pela reiterada exclusão das classes subalternas, historicamente destituídas da cidadania social e política. Nessa perspectiva, a formação sócio histórica brasileira possui suas particularidades, ponderando os seus aspectos econômicos, sociais e políticos, nos quais a submissão ao capital estrangeiro é determinante. Por conseguinte, as medidas de proteção social no Brasil ocorrem de maneira tardia, em um contexto resultante da forte repressão social e negação de direitos. 487 Deste modo, Behring e Bochetti (2008), com base na percepção de Coutinho (1989) 2, enfatizam que no Brasil não ocorreram reformas de caráter socialdemocrata, mas uma revolução passiva. Nesse sentido, as autoras afirmam que essas circunstâncias ocasionaram mudanças objetivas nas condições de vida e de trabalho, porém dotadas de determinações que as colocam em uma posição de submissão à classe burguesa, sendo geridas e controladas pela mesma. Sendo assim, a conquista dos preceitos constitucionais de 1988 ocorre em um contexto particular, de radicalização democrática, posterior a 20 anos de ditadura. Diante disso, é importante destacar que a Carta Magna de 1988, expressa avanços que ocorrem tardiamente devido a essas condições e características internas. Vale ressaltar, que o texto constitucional - no que concerne a Seguridade Social - embora propusesse a integração de políticas, tendo como parâmetro a universalidade, deixa lacunas ao determinar características diferenciadas para cada política que a compõe. Nesse sentido, o que se pode observar é que os avanços sociais brasileiros ocorrem tardiamente e, de maneira imediata, adentram na década de 1990, em um processo de regressão social. Esse processo é proveniente da adoção da política neoliberal no país, trazendo sérios prejuízos para a população brasileira, na qual uma pequena parcela detém o produto da acumulação de riquezas e bloqueiam a efetivação da garantia de direitos sociais, descaracterizando-os em virtude da expansão das privatizações e incentivo ao terceiro setor. Destarte, entende-se que a proteção social no Brasil, sobretudo a Seguridade Social, não proporcionou progresso social de fato, considerando que suas propostas expressas na Constituição Federal de 1988, não foram firmadas, em virtude de não haver terreno fértil para que a mesma pudesse efetivar os princípios da universalidade e da igualdade, devido à ofensiva neoliberal que influencia no seu funcionamento até os dias atuais. A SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL FRENTE AO NEOLIBERALISMO Considerando o contexto da década de 1990, percebe-se que o progresso proposto pela Constituição Federal de 1988, não foi implementado, pois, não se depara com 2 COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989. 488 condições favoráveis para sua efetivação. Pelo contrário, se instaura no país a política neoliberal, adotada com a finalidade de adequar o Brasil a economia internacional. Esta política vai em desencontro com os objetivos da referida Carta Magna, especialmente da Seguridade Social, descaracterizando-a e dificultando sua implementação, uma vez que não convêm com as necessidades de acumulação capitalista, estas que passam a ser prioridade. Nos anos de 1990, difundem-se nos diversos meios de comunicação, políticos e intelectuais, discursos voltados para difusão do propósito de reformas, sendo enfáticos nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Embora o termo reforma seja utilizado no sentido social-democrático, tais “reformas” são direcionadas para o mercado, em um momento em que os problemas estatais são compreendidos como as causas da crise econômica e social vivenciados pelo país na década de 1980. Nesse sentido, há uma apropriação ideológica do termo reforma, este utilizado pelo movimento socialista, em suas estratégias revolucionárias (BEHRIG; BOCHETTI, 2008). Sendo assim, a década de 1990 é um cenário para a negação das conquistas alcançadas na década anterior, se instaurando no Brasil a ideologia de que seria necessária à “reforma” do Estado como forma de superar a crise dos anos 1980, buscando através desse discurso causar um conformismo social e imobilizar a organização social. Para tanto, utiliza os meios de comunicação para divulgar a ideia de que essas medidas ocasionariam melhorias e avanços sociais, sendo que essa ideologia buscava camuflar os reais interesses da política neoliberal, que seria atender as necessidades do mercado. Assim, buscando adequar o Brasil aos ditames da economia internacional, na qual os interesses econômicos estão em posição privilegiada, enquanto os aspectos sociais são tratados de maneira desfavorável, ocasionando a ausência de medidas que contribuam para o desenvolvimento social. Essas circunstâncias influenciam diretamente na forma como tem sido operacionalizada a Seguridade Social no Brasil, que diante das determinações do ajuste neoliberal, a mesma se distancia dos princípios da universalidade e da igualdade, conforme determina a Carta Magna de 1988. Dessa forma, sendo alvo de privatizações e de limitações que impedem a efetivação desses princípios. Diante desse contexto desfavorável para Seguridade Social, Senna e Monnerat (2008) destacam que o ajuste econômico e a “reforma” do Estado assumem papel central nas determinações neoliberais. Essas determinações são difundidas por agencias 489 internacionais, com um conjunto de ações direcionadas para a privatização do patrimônio estatal, reforma administrativa com a participação do setor privado, redução dos gastos públicos e desresponsabilização do Estado na provisão de serviços sociais. Dessa forma, nesse período assiste-se a uma reconfiguração do papel do Estado por meio dos diversos governos dos anos posteriores à década de 1980, que impulsionam a expansão do setor privado através das privatizações e parcerias com o mesmo, proporcionando sua participação administrativa. Assim, esses governos contribuíram para legitimação da burguesia brasileira e acirramento da desigualdade social, por meio do rebaixamento da Seguridade Social, que na sua operacionalização a desvia dos seus princípios fundantes. Por conseguinte, abre espaço para que os interesses capitalistas sejam concretizados. Nesse sentido, Marcosin e Santos (2008), apontam que o Brasil possui um desenvolvimento maculado pela subordinação econômica. Consequentemente, resulta em um sistema de proteção social fragilizado e distante de um sistema mais amplo, no qual os esforços da sociedade não alcançaram o objetivo de transformação dessa conjuntura. Vale ressaltar, que o Brasil é um país detentor de um mercado de trabalho precarizado e marcado por medidas frágeis de proteção social. Portanto, essa subordinação econômica favorece a implantação da política neoliberal no Brasil, que inicia um processo de desmobilização social por meio de ideologias conformistas e ‘desmonte’ dos direitos sociais, especialmente da Seguridade Social. Deste modo, causando efeitos perversos, uma vez o Estado compartilha suas responsabilidades com o setor privado, que se amplia e se restringe para um grupo específico, ou seja, aqueles que podem para pelos seus serviços. Assim, excluindo os indivíduos incapazes de prover sua subsistência. O orçamento da Seguridade Social é um exemplo da submissão da política social com relação à política econômica. Nesse sentido, Senna e Monnerat (2008) esclarecem que esse orçamento fica sob domínio da área econômica, resultando em sérias consequências para sua implementação, ocorrendo à dispersão da arrecadação dos recursos financeiros, proporcionando a detenção do poder pelo Ministério da Fazenda. Conjuntura que configura a subordinação da política social à política econômica, sendo que parte considerável dos recursos da Seguridade Social é desviada para custear gastos governamentais. Circunstâncias que provocam uma disputa interna entre as políticas integrantes da Seguridade Social por recursos na busca por ações intersetoriais. 490 Esse contexto reflete na realização das políticas que compõem a Seguridade Social, com a precarização dos seus serviços e descaracterização de suas finalidades. Assim, impossibilitando uma articulação entre essas políticas e desregulamentando os direitos garantidos constitucionalmente, logo se distanciando dos princípios de universalidade e igualdade, provocando o acirramento das problemáticas sociais e impulsionando a privatização, sobretudo da saúde e da previdência social. Mota (2010) explana que as políticas que constituem a Seguridade Social brasileira não se configuram em um sistema amplo e articulado de proteção. Isto ocorre por se tratar de uma unidade contraditória, uma vez que se ampliam a mercantilização e a privatização da saúde e da previdência social, na medida em que a assistência social - de caráter não contributivo - é utilizada para o enfrentamento da desigualdade social, se configurando como principal mecanismo da proteção social brasileira. Assim, a autora enfatiza que desde o início dos anos 1990, a Seguridade Social brasileira tinha a tendência de se organizar em dois pólos, que seriam a sua privatização e a sua assistencialização, tendência que se concretizou nos dias atuais. Nessa perspectiva, observa-se a descaraterização do acesso a benefícios e serviços sociais enquanto direito, se distanciando desse propósito e se aproximando da lógica do mercado. Conjuntura em que o pauperismo é percebido como único lócus de intervenção estatal e a assistência social como política capaz de resolvê-lo, sendo que a mesma é alvo de ações pontuais e seletivas. No contexto de avanço neoliberal, no qual são presentes processos de privatizações e redução de direitos. Essas circunstâncias têm como efeitos, segundo Behring e Bochetti (2008), uma defasagem entre direito e realidade, aumento da pobreza e da demanda por benefícios e serviços, restrição do acesso universal a bens de consumo coletivos e aos direitos sociais e expansão do mercado direcionado para o cidadão-consumidor. Sendo assim, o processo de privatização provoca o que as autoras chamam de dualidade discriminatória entre os que podem e os que não podem pagar pelos serviços. Enquanto que a seletividade integrada à focalização garante o acesso somente aos comprovadamente pobres. Compreende-se que o neoliberalismo provoca uma segmentação social, formando grupos conforme sua condição de prover ou não o acesso a serviços, que de maneira superficial e discriminatória podem ser caracterizadas como população consumidora e população “extremamente pobre”. Tais aspectos representam a negação da conquista de 491 direitos, ignorando a luta da sociedade brasileira nos anos de 1980 para que se avançasse no que diz respeito aos direitos sociais. Com base no ideário neoliberal de “reformas” com o discurso de que proporcionarão o avanço econômico e social, no Brasil se efetivam algumas “reformas” que resultam em sérias consequências para a população brasileira. Essas “reformas” contribuem para fragmentação da Seguridade Social e fragilização no acesso a serviços e benefícios sociais. Boschetti (2009) aponta que as contrarreformas expressam o desmonte dos direitos garantidos constitucionalmente. Sendo assim, na previdência social ocorrem diversas contrarreformas, em 1998, 2002 e 2003, que representam a desregulamentação dos direitos e o reforço da lógica do seguro. No tocante à saúde, os seus princípios são desconfigurados pelas ações cotidianas limitadas que se realizam em meio à precarização do serviço de saúde pública. No âmbito da assistência social, esta não supera as características de focalização e seleção, que por meio de programas como, por exemplo, o programa bolsa família, demonstra a sua tendência para a política de transferência de renda. Entende-se que há uma regressão social no que concerne às conquistas da década de 1980 expressas na Constituição Federal de 1988, que não se efetivaram, como já se discutiu, em virtude da ofensiva neoliberal que se instaura no Brasil, nos anos de 1990. Diante disso, compreende-se que o propósito da Seguridade Social que se instituiu tardiamente e nunca se efetivou no Brasil, uma vez que foi e continua sendo alvo de medidas que colocam a Seguridade Social, em uma posição de submissão aos interesses econômicos. Portanto, essa condição bloqueia os preceitos legais da Seguridade Social, resultando em uma contraposição entre o que é proposto pela Carta Magna para garantia de direitos com a realidade social, pois não possui condições favoráveis para sua implementação. Esse fato ocorre por conta dos governos brasileiros do período pós-constitucional terem como objetivo central, adequar o país ao ajuste neoliberal, característico do capitalismo contemporâneo. CONCLUSÃO Considerando os aspectos explanados, esclareço que não se cessam nessa discussão as possibilidades de ampliação do debate referente à desregulamentação da 492 Seguridade Social brasileira no contexto neoliberal. Assim, essa temática é dotada de ampla complexidade, ponderando os seus reflexos para a sociedade brasileira. Compreende-se que a Seguridade Social brasileira, representou um grande avanço no que diz respeito à proteção social, sendo constituída pela saúde, previdência e assistência social, com a sua direção voltada para o direito social e se afastando da lógica do seguro. Essas inovações ocorreram tardiamente e enfrentam um contexto posterior desfavorável, que impede a sua implementação e descaracteriza sua perspectiva do direito social, uma vez que se depara com a subordinação da política social à política econômica. Isso ocorre, em virtude do ajuste neoliberal implantado no Brasil pelos governos que se gestam a partir da década de 1990, que se empenham na execução de medidas que provocam o desmonte da Seguridade Social. Consequentemente, esses governos negam as conquistas da sociedade brasileira dos anos 1980, camuflando seus reais interesses direcionados pelo neoliberalismo, por meio da ideologia de “reformas” atreladas a concepção de avanços sociais e econômicos. Tal conjuntura resulta na privatização da saúde e previdência social em contraposição a precarização na realização dos seus serviços. Diante disso, há uma centralização da assistência social na Seguridade Social, na qual a mesma passa a ter a “incumbência” de solucionar o pauperismo, que é percebido pelos governos neoliberais como se fosse a única problemática social que requer a intervenção estatal, restringindo a proteção social a esse aspecto. Dessa forma, nota-se que a forma como tem sido gerida a Seguridade Social no Brasil difere do que proposto na Carta Magna de 1988, uma vez que não condições favoráveis para sua efetivação. Portanto, percebe-se uma contradição entre o instrumento constitucional e a realidade social, sendo que os preceitos da Seguridade Social nunca se concretizaram no Brasil, fato resultante da busca dos governos brasileiros, a partir da década de 1990, em adequar o país aos ditames neoliberais. 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