Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes Processos gerais e síntese de aminoácidos 1- Um determinado número de moléculas de cada proteína endógena sofre hidrólise durante um dia mas, em geral, um número equivalente é sintetizado. A percentagem de moléculas afectadas por este processo de renovação depende principalmente da proteína em análise. Em geral, um indivíduo adulto saudável mantém constante a quantidade de proteínas endógenas e a degradação é equivalente à síntese. 2- A hidrólise das proteínas endógenas é catalisada por protéases e a dos polipeptídeos formados por peptídases acabando na formação dos aminoácidos constituintes. No caso de proteínas com taxas de renovação elevada ou com alterações estruturais estes processos hidrolíticos ocorrem no citosol. As proteínas que vão ser degradadas por protéases do citosol são previamente conjugados com a ubiquitina (um proteína) numa reacção em que se consome ATP. As proteínas extracelulares ou associados à membrana são sobretudo degradadas por hidrólases dos lisossomas, as chamadas catepsinas. 3- A maioria dos aminoácidos formados durante a hidrólise das proteínas endógenas é reutilizado na síntese de novas moléculas proteicas mas uma parte (cerca de 20 a 30 gramas/dia no adulto) dos aminoácidos formados no catabolismo das proteínas endógenas são transformados de tal forma que ficam excluídos do ciclo de reutilização. O azoto destes aminoácidos é maioritariamente transformado em ureia (que se perde na urina) e o seu esqueleto carbonado (a parte desprovida de azoto) pode ser oxidado a CO2 ou, via gliconeogénese, gerar glicose, em última análise contribuindo para a síntese de ATP. 4- Num indivíduo em fase de crescimento, que está a engordar ou que, através de exercício físico, está a aumentar a sua massa muscular a quantidade total de proteínas aumenta. O contrário acontece normalmente a partir dos 40-50 anos de idade ou em alguém que emagrece ou que diminui a sua actividade física. Contudo, num indivíduo adulto saudável que mantém constante a sua massa muscular a quantidade total de proteínas mantém-se também sensivelmente constante; nestas condições os aminoácidos excluídos do ciclo de reutilização são repostos por ingestão e incorporados nas proteínas sintetizadas. (i) Uma parte dos aminoácidos excluídos do ciclo não podem ser sintetizados pelo organismo humano pois não dispomos das enzimas indispensáveis para o processo e nestes casos os aminoácidos dizem-se nutricionalmente indispensáveis (ou essenciais). Para substituir uma molécula de um determinado aminoácido nutricionalmente indispensável que sofreu catabolismo essa molécula terá de ser ingerida. (ii) Uma outra parte dos aminoácidos excluídos do ciclo podem ser repostos por síntese endógena a partir de intermediários do metabolismo da glicose e/ou a partir de outros aminoácidos e nestes casos os aminoácidos dizem-se nutricionalmente dispensáveis (ou não essenciais). 5- Para repor as perdas diárias é preciso ingerir proteínas em quantidade suficiente que garanta a absorção intestinal de, pelo menos, 20 a 30 gramas de aminoácidos/dia. No caso dos aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do metabolismo da glicose (serina [3C,1N,1OH], glicina [2C,1N], alanina [3C,1N], aspartato [4C,1N], asparagina [4C,2N], glutamato [5C,1N], glutamina [5C,2N] e prolina [5C,1N]) embora o esqueleto carbonado possa ser formado a partir destes intermediários os grupos amina resultam da transferência directa ou indirecta de grupos amina de aminoácidos para esses intermediários. Para que um indivíduo adulto tenha a capacidade de manter constante a massa das suas proteínas precisa de absorver, na forma de aminoácidos, tantos átomos de azoto como os que perde para o metabolismo quando transforma os grupos azotados dos aminoácidos em ureia e amoníaco que excreta. A deficiência de aminoácidos nutricionalmente dispensáveis corresponde a uma ingestão quantitativamente inadequada de proteínas. 6- Através da acção catalítica de variadas enzimas os aminoácidos podem libertar o azoto do seu grupo amina (ou outros átomos de azoto) na forma de amónio (NH4+). O ião amónio é a forma protonada do amoníaco (NH3) e o seu pKa é cerca de 9,3. A maior parte do NH4+ (azoto Página 1 de 4 Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes inorgânico) dá origem a ureia que se perde na urina mas, pelo menos em parte, pode ser recuperado para o metabolismo por acção catalítica (i) da desidrogénase do glutamato (αcetoglutarato + NH4+ + NADPH → glutamato + NADP+ + H2O) e (ii) da sintétase da glutamina (glutamato + NH4+ + ATP → glutamina + ADP + Pi). Por acção destas enzimas o azoto inorgânico do amónio pode ser convertido em azoto aminoacídico. 7- Para além de poder ter origem na acção da desidrogénase do glutamato a síntese de glutamato também tem lugar em reacções de transaminação (α-aminoácido + α-cetoglutarato ↔ glutamato + α-cetoácido) em que diversos aminoácidos cedem o grupo amina (azoto orgânico) ao αcetoglutarato gerando glutamato e os α-cetoácidos correspondentes. 8- A síntese de alanina e aspartato é o resultado da transferência do grupo amina do glutamato para os α-cetoácidos correspondentes: o piruvato e o oxalacetato, respectivamente. Estas reacções podem ser catalisadas pela transamínase do glutamato (glutamato + α-cetoácido ↔ αcetoglutarato + α-aminoácido) que catalisa a transferência directa da amina do glutamato para variados α-cetoácidos. Existem muitas transamínases com especificidades distintas. A transamínase da alanina, por exemplo, pode catalisar a transferência do grupo amina de distintos aminoácidos para o piruvato (α-aminoácido + piruvato ↔ α-cetoácido + alanina). 9- Transamínases com diferentes especificidades intervém no processo de síntese da serina a partir de 3-fosfoglicerato (um intermediário da glicólise) e da glicina a partir de glioxilato (o αcetoácido correspondente). 10- A reacção catalisada pela hidroximetiltransférase da serina (serina + H4-folato ↔ glicina + N5,N10-metileno H4-folato) para além de permitir a síntese de glicina a partir de serina (e o inverso) também permite a metilação do H4-folato: o N5,N10-metileno H4-folato formado nesta reacção é indispensável na síntese de timina e portanto do DNA. 11- A prolina pode ser sintetizada a partir do glutamato. Na via metabólica forma-se o semialdeído do glutamato que pode seguir duas vias metabólicas: (i) uma que dá origem à prolina e (ii) uma outra que origina a ornitina e a arginina. 12- A asparagina forma-se a partir do aspartato por acção catalítica da sintétase da asparagina (aspartato + glutamina + ATP → asparagina + glutamato + AMP + PPi). Ao contrário do caso da síntese da glutamina em que o azoto incorporado é azoto inorgânico o dador do azoto na síntese da asparagina é a glutamina. 13- A tirosina é sintetizada a partir de fenilalanina, um aminoácido nutricionalmente indispensável. Uma deficiência nutricional de tirosina pode ser colmatada desde que ocorra a ingestão de fenilalanina em quantidade adequada para satisfazer as necessidades dos dois aminoácidos. A reacção de formação da tirosina é catalisada pela hidroxílase da fenilalanina, uma oxigénase de função mista (fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2 → tirosina + dihidrobiopterina + H2O). Para que o processo possa continuar a dihidrobiopterina formada é reduzida pelo NADPH numa reacção catalisada por uma redútase (dihidrobiopterina + NADPH → tetrahidrobiopterina + NADP+). 14- O átomo de enxofre da cisteína (3C,1N,1S) tem origem na metionina (5C,1N,1S), um aminoácido indispensável. Neste caso também uma deficiência nutricional de cisteína pode ser colmatada desde que ocorra a ingestão de metionina em quantidade adequada para satisfazer as necessidades dos dois aminoácidos. Os carbonos da cisteína têm origem na serina. 15- Oito (valina, leucina, isoleucina, treonina, metionina, lisina, fenilalanina, triptofano) dos vinte e quatro aminoácidos que fazem parte da estrutura das proteínas dizem-se nutricionalmente indispensáveis pois, no homem, não existem as enzimas capazes de catalisar a formação dos seus esqueletos carbonados. Com duas excepções (treonina e lisina) existem, contudo, transamínases que (com maior ou menor eficácia) são capazes de catalisar a troca entre o grupo cetónico dos αcetoácidos correspondentes e o grupo amina do glutamato. Por este motivo, pelo menos Página 2 de 4 Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes teoricamente, seria possível usar os α-cetoácidos correspondentes para substituir na dieta a maioria dos aminoácidos nutricionalmente indispensáveis. 16- A arginina (6C,4N) é sintetizada no ciclo da ureia (1C,2N) a partir de ornitina (5C,2N) e esta pode formar-se (via semialdeído do glutamato) a partir do glutamato. A quantidade de arginina formada endogenamente é, contudo, inadequada nos indivíduos em crescimento. No caso da histidina embora não se conheçam, nos mamíferos, vias metabólicas de síntese de novo, pelo menos no adulto, a deficiência deste aminoácido só se torna aparente após longos períodos de dietas sem histidina. É possível que na origem desta resistência esteja a capacidade de formar histidina a partir de carnosina, um dipeptídeo (β-alanil-histidina) abundante no tecido muscular. A arginina e a histidina dizem-se semi-essenciais. 17- Os aminoácidos hidroxiprolina e hidroxilisina constituem casos especiais pois existem na estrutura do colagénio (a proteína mais abundante dos mamíferos) mas não existem no RNA codificador do colagénio codões para estes aminoácidos. A síntese da hidroxiprolina e da hidroxilisina ocorre por acção de oxigénases do retículo endoplasmático que catalisam a hidroxilação de resíduos de prolina e lisina do colagénio durante o processo de acabamento póstradução (resíduo prolil ou lisil + O2 + α-cetoglutarato → resíduo hidroxiprolil ou hidroxilisil + succinato + CO2). 18- O caso do aminoácido carboxiglutamato (constituinte de várias proteínas como a protrombina e outras proteínas envolvidas no processo de coagulação sanguínea) tem algumas semelhanças com os casos da hidroxiprolina e hidroxilisina já que a sua formação resulta da transformação de resíduos de glutamato após a síntese da proteína. A transformação envolve a actividade de uma oxiredútase [resíduo glutamil + O2 + vitamina K (forma de hidroquinona) → resíduo glutamato na forma de carbanião + vitamina K (forma epóxido)] e uma reacção não enzímica (resíduo glutamato na forma de carbanião + CO2 → resíduo carboxiglutamato). A regeneração da forma hidroquinona da vitamina K a partir da forma epóxido envolve a acção de outras oxiredútases. 19- Em algumas proteínas (como a peroxídase do glutatião) existem resíduos de selenocisteína, um aminoácido semelhante à cisteína e à serina (Se em vez do S ou do O dos grupos tiol e hidroxilo). A síntese deste aminoácido ocorre a partir da serina quando esta está ligada a um tRNA que tem como anticodão a sequência ACU (tRNASec); a reacção é catalisada por uma transférase (selenofosfato + seril-tRNASec → selenocistinil-tRNASec + Pi) em que o dador de selénio é o seleno-fosfato (“selénio activado”). O codão correspondente ao tRNASec (UGA) é normalmente um codão de terminação mas em determinados RNA mensageiros contendo sequências específicas este codão liga-se ao anticodão do selenocistinil-tRNASec ocorrendo a incorporação do aminoácido selenocisteína na estrutura da proteína em processo de síntese. Página 3 de 4 Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes glicose cisteína metionina 3-P-glicerato colina serina glicina glioxilato treonina piruvato alanina aspartato oxalacetato asparagina arginina prolina ornitina α-ceto-glutarato glutamato fenilalanina glutamina tirosina prolina hidroxiprolina lisina hidroxilisina glutamato carboxiglutamato Selenocistinil-t-RNASec Seril-t-RNASec Página 4 de 4