Livro " Teoria do lazer" : Quais as relações históricas que podemos estabelecer entre o lúdico e o lazer. Teoria do Lazer, Resumo "Dos clássicos aos contemporâneos: revendo e conhecendo importantes categorias referentes às teorias do lazer" Lúdico: o princípio de tudo? O lúdico, segundo Huizinga (1971) e Caillois (1990) , seria um elemento anterior à própria civilização (mola propulsora da humanidade), visto que o homem não é único que brinca. Para esses autores, é provável que elementos culturais e instituições sociais tenham recebido forte impulso lúdico quando de sua geração. A dinâmica lúdica é estéril por essência e não evoca consequências na vida real para além do descanso e da diversão. Paradoxalmente, desacreditaria o espírito de jogo como coisa séria, encontrou, em estudos na Psicologia e na História, a defesa de se tratar de "uma das molas principais do desenvolvimento das mais altas manifestações culturais em cada sociedade e da educação moral e do progresso intelectual dos indivíduos". O processo de civilização consiste em contínuos aperfeiçoamentos na organização de uma sociedade, tornando-se gradativamente mais administrada e assentada em direitos e deveres comuns. Nesse tipo de coletividade, a cada indivíduo caberia criar e dar sua contribuição nos limites antepostos em cada realidade. O jogo cria um mundo próprio. Nas sociedades nascentes, o espírito de jogo inspirou que grupos sujeitos à confusão e à rudeza do dia-a-dia estipulassem o comportamento em público com seus direitos, deveres, responsabilidades e privilégios, tal qual na situação de jogo. Pois, assim, o comportamento de jogo passara a organizar inicialmente a vida ordinária, de tal modo que o sistema de justiça acabava por se derivar das regras e a crueldade nos cultos se assemelhava à imaginação necessária nas brincadeiras. O termo jogo está sendo visto de forma mais restrita, concebido por Oliveira (1982), como atividade lúdica com predominância de regras, enquanto brincadeira seria a atividade lúdica com predominância de imaginação. Jogo e brincadeira fazem parte do universo lúdico, o qual não está restrito a ocorrer somente nesses conteúdos ou em determinada fase da vida. Em escala menor, busca-se induzir essa influência de lúdico no contexto da educação das crianças, visando tomar o jogo como meio de desenvolvimento cognitivo (relativo ao conhecimento), moral e motor. Desde os humanistas do Renascimento, especialmente Rosseau, a atividade lúdica passou a vigorar como conteúdo de ensino, particularmente o infantil. Não é possível se adestrar esse impulso lúdico, mas é possível intervir nesse fenômeno porque, como se argumenta, 'criança já nasce sabendo brincar'. Trata-se da confusão entre a propensão lúdica do ser humano e a vivência lúdica, como o brincar/jogar/festar, que não é inata e necessita de mediação cultural para ser aprendida, fruída, questionada e transformada. Por se tratar de algo que interage o particular ao universal, o lúdico é parte indissociável da condição humana e tem participação criadora no cotidiano. O projeto da modernidade subestimou o aspecto lúdico a tal ponto que era tratado como adjetivo para se referir àquilo que possui a qualidade de jogo. Por exemplo, o brinquedo é um objeto lúdico porque é usado para brincar e jogar. Huizinga (1971), ao dar a entender o lúdico como ânimo (almar) que move o ser humano no contexto do jogo, quando uma pessoa se encontra em um estado mental de total envolvimento com a atividade, se diz que a mesma incorporou o espírito de jogo, o lúdico. O lúdico ainda não é totalmente admitido para se referir a um fenômeno próprio. Em outros casos o lúdico é tratado como sinônimo de suas manifestações (jogo, brincadeira, festas, entre outros). O vocábulo ludus surge estritamente para designar o jogo organizado (em oposição ao paedia mais espontâneo). Sendo linguagem humana, pode manifestar-se de diversas formas (oral, escrita, gestual, visual, artística, dentre outras). Gomes, 2004. Um aspecto quase condicional é a relação entre lúdico e lazer. Como relata Caillois (1990) o jogo é um luxo que pressupõe tempo livre. A ideia de exclusividade do lúdico ao tempo livre só se sustenta quando se ignora a rede de obrigações e coerções nos demais momentos da vida. Logicamente, por isso o lúdico se manifesta em diversas tradições, como na linguagem, na alimentação, na moda, na ciência e na política. Bruhns, 1993. Outra visão recorrente é a de que o 'verdadeiro' lazer seria lúdico. O lazer se traduziria por uma "dimensão privilegiada da expressão humana dentro de um tempo conquistado, materializada através de uma experiência pessoal criativa, de prazer e que não se repete no tempo/espaço, cujo eixo principal é a ludicidade. Bramante, 1998. Nessa visão, pode-se observar que o lazer é carregado de dimensões positivas, como prazer e criatividade, cujo arrebatamento residiria em seu principal eixo: a ludicidade. Rojek (2005) trata das fortes conotações ideológicas que visam manter o lazer como mudança, liberdade e autodeterminação. Porém, tal visão tem gerado perspectivas distorcidas sobre o elemento lúdico, por mais que estejam canalizados para reforçar os valores vigentes, ainda assim proporcionam relaxamento de regras, o que tanto pode resultar em transformações críticas na sociedade, como ainda poderia conduzir a práticas ilegais com resultados maléficos para o indivíduo e a sociedade. Ou as fugas da realidade, a alienação, o consumismo, o fetichismo e o hedonismo associados ao lúdico, podendo ser manipulado pela Indústria Cultural. O ambiente virtual tenta substituir a sensorialidade natural por informação digitalizada, oferecendo ao participante a sensação de inclusão ou imersão na projeção, apesar das emoções como medo, ansiedade e outras serem semelhantes àquela vivenciadas no mundo presencial. As relações travadas impõem um rearranjo para exposição ao tecnologicamente possível do corporalmente permitido. Situar o lúdico na virtualidade promete ser uma problemática das mais recorrentes nas pesquisas empíricas do lazer. Frente aos desafios teóricos e empíricos, as Teorias do Lazer têm muito a ganhar com a compreensão do lúdico (não existe discussão acumulada para se dizer que já existe um estado da arte amadurecido sobre a ludicidade em relação a sua existência fenomênica). O lúdico é um componente vital para se compreender o lazer em nossa sociedade. Concluindo, se o entendimento de lazer ainda é motivo de querelas, a compreensão do lúdico requisitará ainda muitos estudos.