visível. Tudo que vejo por princípio está ao meu alcance, pelo menos ao meu alcance, pelo menos ao alcance de meu olhar, assinalado no mapa do “eu posso”. Cada um dos dois mapas é completo. O mundo visível e de meus projetos motores são partes do mesmo ser”.35 Essa idéia de um corpo que vê, e assim, penetra nos objetos do mundo, guarda um conceito básico na teoria de Merleau-Ponty, que é a idéia de “vidente visível”. Ora, o visível é o corpo que olha o mundo e o vidente é o corpo que olha para si. O corpo é visível e vidente e, ao se aproximar das coisas pelo olhar, o mundo se abre como conhecimento e “re-conhecimento” (lembrando sempre que não é a idéia de um conhecimento como a filosofia da consciência pretendia). No texto O Olho e o Espírito, Merleau-Ponty aborda o que ele chama de “enigma da visão”, que em princípio reside neste “corpo vidente e visível”. No texto, ele busca na pintura (e em trabalhos de pintores como Cézanne e Klee) manifestações desse enigma da visibilidade, em que estão inscritos ambos o homem e o mundo. O pintor através de seu quadro “celebra” o enigma da visibilidade. “Enquanto pinta, o pintor, qualquer que seja, pratica uma teoria mágica da visão (...) Cumpre que ele confesse, como diz o filósofo, que a visão é o espelho ou concentração do universo, ou que, como diz outro, o ídios Kósmos, abre-se por meio dela para um koinòs Kósmos, enfim, que a mesma coisa lá no coração do mundo e cá no coração da visão, a mesma ou, se fizer questão, uma coisa semelhante, porém, segundo uma similitude eficaz, que é parenta, gênese, metamorfose do ser em visão. É a própria montanha que, lá longe, se mostra ao pintor, é ela que ele interroga com o olhar”. 36 O pintor faz da pintura essa potência de ser metamorfose da percepção, e podemos mesmo dizer que ele instaura a surpresa de ver tudo como quem vê pela primeira vez. Se o pintor interroga a montanha, é porque ela tem algo a lhe “dizer”. Do contrário, ele não a interrogaria e simplesmente a representaria conforme sua convicção. Mas, não. O artista, mesmo que não saiba, em seu trabalho deixa que o mundo fale. Referências Bibliográficas ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. BONONI, Andréa. Fenomenologia e Estruturalismo. São Paulo: Perspectiva, 2001. BUZZI, Arcângelo. Filosofia para principiantes. Petrópolis: Editora Vozes, 1991. CHAUÍ, Marilena. Experiência do Pensamento – Ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DASTUR, F. “Le fondement corporel de la subjectivité”, in Chair et Langage, essais sur MerleauPonty, Fougères: Encre Marine, 2001, pp. 29-47. DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2002. ESCOUBAS, E. “Merleau-Ponty (1908-1961): une esthétique de la ‘chair’”, in L’Esthétique, Paris: Ellipses, 2004, pp. 204-216. CARMO, Paulo Sérgio e COELHO, Nelson. Merleau-Ponty como corpo e existência. São Paulo: Editora Escuta. 35 36 MERLEAU-PONTY, M. Ibid, p.16. MERLEAU-PONTY, M. Ibid, p. 20.