O sentido da arte em Merleau-Ponty: experiência e expressão do mundo [email protected] Cintia de Oliveira Teixeira “Não pinto idéias, pinto o mais inatingível ou “para sempre”. Ou “para nunca”, é o mesmo. Antes de mais nada, pinto pintura”. Clarice Lispector1 “Mas ainda queria dizer algo sobre Cézanne: que, antes dele, nunca foi tão evidente o quanto o pintar depende das cores, e como é preciso deixá-las sozinhas, para que elas discutam umas com as outras. O seu intercâmbio mútuo: é nisto que consiste a pintura. Quem se intrometa, quem faz arranjos, quem deixa intervir sua concepção humana, seu engenho, sua destreza, sua agilidade intelectual, este perturba e obscurece a atividade. (...) O fato de podermos ler as cartas de Van Gogh com tanto proveito, de que elas sejam tão ricas, no fundo atesta contra ele, assim como atesta contra o pintor (comparado com Cézanne) que ele quis, soube, experimentou isto e aquilo; que o azul exigiu o laranja e o verde, o vermelho: que ele, auscultando secretamente o interior do seu olho, tenha ouvido estas coisas lá dentro, o curioso.” Rilke.2 Resumo O presente trabalho não prima por investigar o itinerário temático acerca da arte no pensamento de Merleau-Ponty. A intenção é sinalizar para algo, a saber, a intuição de que, na arte, assim como na vida(e isso o filósofo quer mostrar) esse consórcio entre o corpo, as coisas e os outros está, antes do que explicado, plenamente realizado. Nesse sentido, partimos da intuição elementar, que ocorre a qualquer leitor das obras de Merleau-Ponty, de que a obra de arte é não só o ponto de passagem do mundo da percepção para o mundo da cultura, mas resguarda em si o segredo desse desenlace intercorporal de um só mundo que é antes vivido do que explicado. Abstract The aim of this paper is not to investigate the thematic itineraryabout arts according to Merleau Ponty’s insights and streamlines. The goal of this issue is to demonstrate and lead one somewhere in the pathway,namely, In order to clarify that in arts similarly to real life (and that is what I supose its what the phylosopher wanted to show) this deep connection among body, things and other people is before it was even explained, implicitly already completely fulfilled. In that sense we go from the intuition which elementary takes place with any of those who reads Merleau Ponty’s works, that is, a piece of art it is not only the inside starting point of the world through the perception to the external world of culture, although it keeps in itself the secret of the interaction sprouting of a single world which is previously experienced than explained. Aprendemos com o nosso filósofo que “a verdadeira filosofia é re-aprender a ver o mundo”3 , e sua filosofia desvela, entre tantas outras coisas, essa possibilidade tanto de reexaminar a tradição, quanto de refletir sobre novas formas de ver o mundo de que fazemos parte. O método fenomenológico é a chance para Merleau-Ponty de compreender o mundoe o homem. É interrogar o que a filosofia vem fazendo nos últimos séculos, bem como a ciência, manipulando as coisas do mundo ao seu modo. Ora, quando investigamos o sentido da arte em sua obra, percebemos que ela será uma espécie de “porto seguro” para o seu pensamento. Notemos que em todo o percurso de sua filosofia, a arte “aparece” para propor um caminho possível de “expressão”, o que pretendemos explicitar no decorrer deste artigo. 1 2 3 LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 18. RILKE, Rainer. Cartas Sobre Cézanne. Rio de Janeiro: Editora Sete Letras, 2001, p. 81,82. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção, op.cit, p. 19.