que, além de ser um movimento orgânico e involuntário, é

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que, além de ser um movimento orgânico e involuntário, é “grávido” do sentir e pensar, do ser e do
mundo que o cerca. Segundo Merleau-Ponty, “a visão é o encontro, uma encruzilhada, de todos os
aspectos do ser” 9. O olhar fenomenológico se faz pelo corpo num entrelaçamento. Neste sentido,
julgamos correto dizer que o olhar não apenas “vê”, ele olha, toca, sente e compreende o mundo e
com o mundo. Na fenomenologia de Merleau-Ponty, a percepção se faz com o corpo através de sua
existência em um mundo, e não por ele (corpo) ou apenas pela mente (alma). Não se trata aqui de
pensar nem a percepção no sentido dos racionalistas, nem aquela pensada pelos empiristas. A primeira emite juízos do percebido, sem levar em conta que a percepção é que lhe abriu caminho para
o pensamento. A segunda, a filosofia dos empiristas, decompõe o percebido em partes menores do
que aquela que vemos na sua totalidade. A percepção, para Merleau-Ponty, não está em parte alguma a não ser em meu corpo, no livro O visível e o Invisível ele afirma que a percepção não nasce
em qualquer lugar, “mas emerge no recesso do meu corpo” 10. Vejamos aqui que Merleau-Ponty
projeta na realidade este novo tipo de “consciência”, que é o corpo-sujeito. Sujeito como corpo que
não é mais como um simples paralelo do objeto representado. É este “corpo” que pode reformular
todos os argumentos, que pode falar e perceber o que é ser-mundo, ser-coisa, ser consciente.
Merleau-Ponty ainda percebe que a tradição delimitou os traços essenciais de nossa vivência fenomênica. Aqui, os fenômenos são somente o correlativo exterior de nossas representações
subjetivas. Ou, então, eles não dizem respeito a nossas experiências, mas apenas a nossa capacidade de representá-los.O que muda em Merleau-Ponty é que os fenômenos estão indissociavelmente ligados às nossas experiências, vinculados à organização espontânea por nosso corpo junto
aos dados sensíveis. Isto resultará num reexame de alguns truísmos filosóficos, como ele bem diz,
a necessidade de uma reflexão que restabeleça a primordialidade da experiência na consecução
dos fenômenos. A tarefa da fenomenologia, se é que podemos admitir que exista uma tarefa, não é
a representação de nossas experiências. Trata-se, sim, de levar nossas experiências à expressão
de seu sentido. O que implica o reconhecimento de que há, junto às nossas experiências, uma capacidade expressiva.
Julgamos aqui o lugar oportuno para mostrar como, segundo Merleau-Ponty, a arte trabalha
já neste sentido. Primariamente, o fenomenólogo da percepção reencontra na pintura (especialmente na de Cézanne11) uma preocupação idêntica à sua: reverter à experiência primordial donde
todas as coisas são inseparáveis.
“Ele (Cézanne) não quer separar as coisas fixas ao nosso olhar e sua maneira fugaz de
aparecer, quer pintar a matéria em via de se formar, a ordem nascendo por uma organização espontânea”. Não “estabelece um corte entre os”sentidos” e a ‘inteligência”, mas entre a ordem espontânea das coisas percebidas e a ordem humana das idéias e das ciências”12.
Nesta passagem, Merleau-Ponty aponta uma outra maneira de acercar-se das artes, desvendando a dimensão ontológica do sensível, e oferecendo a possibilidade de outra ontologia. 13
Como já foi dito na introdução de nosso estudo, embora muitos filósofos tenham se debruçado
sobre os pilares da Estética (que se solidificaram deste a terceira crítica kantiana), o pensamento
9
MERLEAU-PONTY, M. O Olho e o Espírito, op.cit, p. 20.
10
MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível, op.cit, p. 21.
11
Geralmente, quando utilizamos um pintor para exemplificar o pensamento de Merleau-Ponty sobre a pintura, pontuamos o pintor impressionista Cézanne, pelas inúmeras vezes que o filósofo questiona seu trabalho. No entanto, sabemos que ele
também observa outros como Van Gogh, Leonardo da Vinci e Klee.
12
MERLEAU-PONTY, M. O Olho e o Espírito, p. 128.
13
Para compreender o sentido que o termo “ontologia” adquire no pensamento merleau-pontiano, é preciso citar uma
nota do livro póstumo O Visível e o Invisível, onde ele diz: “Ontologia – Tomar como modelo do ser o espaço topológico. O
espaço euclidiano é o modelo do ser perspectivo, é um espaço sem transcendência, positivo – profunda conveniência dessa idéia
de espaço (e velocidade, do movimento, do tempo) com a ontologia clássica do Ens realissimum, do ente infinito. O espaço
topológico, pelo contrário, meio onde circunscrevem relações de vizinhanças, de envolvimento, é a imagem de um ser, que, como
as manchas coloridas de Klee, é, ao mesmo tempo mais antigo que tudo “no dia primeiro”(Hegel). (...) Acha-se não somente no
nível do mundo físico, mas é também constitutivo, da vida e por fim funda o princípio selvagem do Logos – é este ser selvagem ou
bruto que intervém em todos os níveis para ultrapassar os problemas da ontologia clássica”. (op. cit., pp. 196,197).
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