REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Teorias universais do Direito Constitucional Sumário: 1. Introdução. 2. Constitucionalismo na Inglaterra. 3. Constitucionalismo nos Estados Unidos da América. 4. Constitucionalismo na França. 5. Considerações finais. Bibliografia Resumo: O trabalho em foco objetiva apresentar informações teóricas acerca do Direito Constitucional. Assim, ancorado no processo histórico-jurídico crítico traçar-se-á um panorama do constitucionalismo moderno. Concluí-se que as teorias constitucionais modernas devem ser desnudadas e compreendidas antes de formulações teóricas neoconstitucionais contemporâneas. 1. INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos algumas teorias foram produzidas e determinados fatos aconteceram no cenário mundial em lugar e ocasião propícia que servem de referência na aplicação ou comparativo de novas teorias hodiernas. Dentre diversas teorias constitucionais mundiais idealizadas e aplicadas em países ocidentais, aleatoriamente escolhemos componentes relevantes das teorias constitucionais inglesas, norte-americanas e francesas. À guisa de introdução, “O constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade (...). Numa outra acepção – histórico-descritiva fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos políticos, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de organização e fundamentação do poder político” (CANOTILHO, 2000, p. 51-52) Diante do exposto, torna-se necessário uma revista nas teorias já pontuadas, imprescindíveis ao estudante pesquisador. 2. CONSTITUCIONALISMO NA INGLATERRA O constitucionalismo de inspiração iluminista/liberal já despontara de forma germinativa na Idade Média, quando, no século XIII, em 1215, o rei inglês conhecido pela alcunha de João-Sem-Terra viu-se forçado a pactuar com parcela de súditos (oligárquicos rurais ingleses), iniciando, assim, um processo em escala ascendente de fragmentação do sistema vigente e construção de novas formas estatais de atuar. A monarquia inglesa, a partir desse lapso temporal, vê-se forçada a reconhecer direitos individuais de grupos sociais. Frise-se, porém, que o reconhecimento desses direitos não era estendido para toda população inglesa, restrigindo-se unicamente aos abastados economicamente, embora exclusos dos direitos civis políticos. Esses “contratos” firmados entre monarcas e súditos modificaram as relações de governo, pois, reduziram gradativamente o atuar dos reis, exigindo que os mesmos rezassem obediência aos pactos descritos. Entre tantos pactos, forais e franquias, a Magna Carta (1215), e a Pettion of Rights (1628) são os mais importantes, visto que se ampliou o leque de pessoas beneficiadas a partir destes institutos jurídicos. Ainda que soe redundante, esses acordos forçosamente acatados não se estendiam aos estrangeiros, as pessoas desprovidas de recursos financeiros, muitos menos contemplavam os camponeses nativos. A Magna Carta obrigava a Coroa inglesa a respeitar os direitos dos súditos e, por sua vez, a Pettion of Rights facultava a um maior número de pessoas que lhes fossem dados direitos de defesa, de assistência advocatícia, de isenção arbitrária do julgador no processo, entre outros procedimentos judiciais. Justifica-se, nesse proceder, que o pensamento inglês do período medieval contribuíra significativamente com o Constitucionalismo Moderno, embora os manuais de Direito Constitucional brasileiro, em sua maioria, não apresentem escritos sobre esses antecedentes sócio-históricos e políticos. Talvez as omissões dos teóricos práticos tenham-se dado pelo fato da Constituição Inglesa ser em grande parte consuetudinária, dificultando a exposição argumentativa linear, que procura reduzir expressões complexas em termos simples. Porém, já se sabe que nem todos os fenômenos são possíveis de serem reduzidos ou, quem sabe, tais omissões tenham acontecidos por preconceitos acadêmicos, em face do tradicionalismo liberal inglês, o que, para muitos estudiosos, apresenta distinções profundas do modelo constitucionalista brasileiro. Nessa evolução de pensamento, vejamos como reportara-se renomado jurista: “Na Inglaterra, elaboraram-se cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais como a Magna Carta (1215-1225), a Pettion of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688). Não são, porém, declarações de direitos no sentido moderno, que só apareceram no século XVIII com as revoluções americanas e francesas. Tais textos, limitados, às vezes estamentais, no entanto, condicionaram a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais.” (SILVA, 1998, p. 155-156) Outro autor, não menos importante, em “Formação da Teoria Constitucional”, relata que: “A experiência inglesa forma em seu conjunto uma imagem histórica muito singular e específica, que se manteve sempre diversa dos modelos chamados ‘continentais europeus’, embora por outro lado ela tenha ficado como constante exemplo, e tenha sido matriz de grande parte das estruturas assumidas e discutidas pelos povos modernos (...). A gênese da Magna Carta é bastante conhecida. Ela foi redigida e assinada, depois de uma série de lutas e contramarchas dentro de uma sociedade feudal, expressando o poder dos barões e a necessidade em que viu o rei de pactuar com eles.” (SALDANHA, 2000, p. 50-51) Da citação acima extraímos que a experiência inglesa pode ser vista quase que num plano paradoxal. Isto porque nela coexistem especificidade e abrangência ao mesmo tempo, pois tal experiência apresenta características diferenciadas de outras relações de governabilidade européias e, ainda, torna-se utilitária para que outras nações se beneficiem do seu modus operandi. 3. CONSTITUCIONALISMO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA As causas da migração dos ingleses em busca do território norte-americano foram principalmente religiosas e políticas. Já em “território americano” após décadas de permanência e ao longo do tempo surgindo uma população própria, eclodem vários movimentos em prol da independência da região. Nesse momento, os conflitos aguçados pela metrópole britânica fazem surgir líderes locais que, inflamando o povo contra os colonizadores, conseguem êxitos em suas campanhas. Nos idos de 1776, uma das treze colônias inglesas na América, Virgínia, declarava sua independência, com base nas doutrinas de Locke, Rousseau e Montesquieu. Encabeçavam o movimento Thomas Jefferson e outros líderes locais. Num dos artigos da Declaração, pode-se encontrar a seguinte mensagem: “Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.” Um diferencial entre essa Declaração e legislações oriundas da metrópole inglesa, no dizer de José Afonso da Silva, encontra-se na preocupação com a forma democrática de governo nela existente, enquanto que os textos ingleses tinham como objetivo limitar o poder do monarca, que deveria respeitar direitos individuais e reconhecer o poder do Parlamento. A Declaração, no entendimento do autor, é de uma abrangência democrática mais ampla do que os direitos expostos nos documentos britânicos. Em outro comentário, uma jusfilósofo conta que: “sob o ângulo norte-americano, a luta contra a metrópole equivalia à luta contra o poder absoluto que os britânicos tinham desenvolvido em sua própria terra anteriormente; por isso, como por outras coisas, se pode aceitar que a guerra de independência das colônias unidas tenha sido chamada de ‘revolução americana’ e figure entre as experiências revolucionárias clássicas da burguesia ocidental.” (SALDANHA, 2000, p. 61) Do conhecimento produzido acima, reflete-se que o sistema absolutista, que concentrava poderes nas mãos do monarca, sofreu um processo de fissura muito profundo, visto que todo poderio ditatorial da Coroa, que já vinha sendo corroído em lutas internas, começara a se desgastar via forças externas. 4. CONSTITUCIONALISMO NA FRANÇA A França foi palco de conflitos sócio-políticos e econômicos, que culminaram em 1789, com a Revolução Francesa e, no ano de 1791, por meio da racionalidade jusnaturalista, com a criação da primeira constituição escrita francesa. O arcabouço dessa constituição funda-se na Teoria Constitucionalista Moderna, que fora buscar subsídios filosóficos em ideais iluministas liberais. Nesse sentido, jamais poderíamos esquecer de responder à seguinte indagação: qual a classe que arquitetou a Teoria do Constitucionalismo Moderno? Sem sombra de dúvida foi a burguesia – na época identificada, por teóricos jusnaturalistas, com o povo. A Teoria tentava, assim, ludibriar as pessoas menos esclarecidas, utilizando-se de artifícios tais que davam aparência de universalidade aos direitos fundamentais. Contudo, apenas a classe burguesa saíra fortalecida, pelo menos nos primeiros anos de implementação dessa Constituição. A indagação acima instiga mais ainda a seguinte questão: quais as vantagens e desvantagens dessa construção teórica para o mundo ocidental? O liberalismo político-econômico de embasamento filosófico iluminista conseguira derrubar o ancien régime, que concentrava poderes nas mãos da monarquia que, por sua vez, desconsiderava os direitos individuais. O poder encontrava-se enfeixado de forma absoluta nas fronteiras dos castelos monárquicos, que aglutinavam, assim, todo processo decisório. Chegou-se ao descalabro de determinado rei francês afirmar: “L’ÉTAT c’est moi” – o Estado sou eu. Ora, as relações entre governantes e governados eram de total subserviência, uma vez que o monarca não respeitava limites legais, pois a produção legislativa era elaborada via “racionalidade real”, sem nenhuma consulta a outras formas de poder. A ascensão da classe emergente burguesa ao poder econômico iniciava novas formas de disputas entre liberais burgueses e absolutistas nobres. O eminente cientista político e jurista Paulo Bonavides traz ao conhecimento a seguinte citação: “foi assim – da oposição histórica e secular, na Idade Moderna, entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca – que nasceu a primeira noção do Estado de Direito, mediante um ciclo de evolução teórica e decantação conceitual, que se completa com a filosofia política de Kant (...). A burguesia, classe dominada a princípio e, em seguida, classe dominante, formulou os princípios filosóficos de sua revolta social. E, tanto antes como depois, nada mais fez do que generalizá-los doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social. Mas, no momento que se apodera do controle político da sociedade, a burguesia já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios, como apanágio de todos os homens. Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Foi essa contradição mais profunda na dialética do Estado moderno”. (Vide obra: Do Estado Liberal ao Estado Social, 1996: p. 41-42). As observações precisas do autor supracitado vêm reforçar as argumentações que se fizeram da natureza do Constitucionalismo Moderno francês. È necessário, também, informarmos sobre a importância das declarações francesas, principalmente a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, formulada no século XVIII, mais precisamente no ano de 1789, imbuída de uma acentuada racionalidade e pretensão de universalidade, que trazia em todo o texto valores como liberdade e igualdade. A liberdade propalada na Declaração, segundo críticos, não é termo sinonímico de democracia. Ainda do dizer de Bonavides, o teórico Leibholz demonstra oposições entre os termos, enfatizando que os valores citados apenas foram unidos para combater um “inimigo comum”, a monarquia absoluta. Vejamos como se processou essa distinção: “A possibilidade de dissociar a democracia do liberalismo se cinge, em última análise, à distinção dos valores fundamentais sobre os quais se baseiam. O valor essencial que inspira o liberalismo não se volta para a comunidade, mas para a liberdade criadora do indivíduo dotado de razão. Partindo deste ponto de vista, havia o liberalismo desenvolvido num sistema metafísico completo, fundado na fé de que uma solução racional total podia resultar do livre concurso das opiniões individuais em todos os domínios da vida (...).” (BONAVIDES, 1996, p. 52-53) A Declaração francesa também apregoava a filosofia de um princípio igualitário, para todos. Assim dispunha em um dos artigos: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. (Grifo nosso). Eis, então, o momento de refletir da possível igualdade decantada por todo o Ocidente. Na primeira fase do Constitucionalismo Moderno francês, esse princípio igualitário não vingou, em sua concretude, isto porque os homens, ao crescerem, travavam relações com outros indivíduos no seio social, surgindo desse relacionamento tipos diferenciados, isto é, às vezes acontecem relações subordinadas, outras vezes relações hierárquicas, em outros momentos relações ditatoriais, e somente em alguns instantes é que ocorrem relações isonômicas, nas quais os indivíduos coexistem numa dialógica mais aproximada com o princípio formal da igualdade. Além do mais, a Declaração ora discutida, ao adotar o princípio da propriedade, objetivava como condição necessária ao alcance dos princípios da liberdade e da igualdade dispor da seguinte premissa: quem possuir recursos econômicos vultosos se credenciará e, posteriormente, gozará dos princípios de liberdade e igualdade. Daí, a Declaração, num momento inicial, ser facetada apenas no plano formal. A crítica que se faz ao Constitucionalismo liberal francês encontra-se na separação entre a teoria, assentada em documentos jurídico-políticos, e a concretude – realização da teoria na prática. Dito de outro modo, cientistas políticos e juristas inquietos, entre outros pesquisadores, ao analisarem empiricamente uma possível relação entre teoria e prática, concluíram que os escritos racionais alinhavados pela burguesia liberal não se estenderam positivamente a outras classes sociais. Ao contrário, ocorrera um agravamento das condições sociais, políticas e econômicas de então. Os socialistas utópicos já teciam críticas profundas ao capitalismo burguês, que considerava o homem em sua inserção interativa, mas, como indivíduo abstrato, desprovido de relações sociais, dissociado das experiências e vivências ocorridas no cotidiano do seu mundo. Era nessa perspectiva que o Estado Moderno francês vislumbrava minimizar suas atividades sócio-econômicas, ainda que injustiças graves fossem cometidas. Enfim, somente anos depois, constatadas as arbitrariedades liberais contadas por intermédio da História, foi possível um abrandamento das posições burguesas. Por sua vez, a organização de trabalhadores, em sindicatos e outras atividades dos movimentos sociais, tornou-se reconhecida e, a partir desse processo de mudança, os direitos individuais e os “novos” direitos sócio-coletivos foram estendidos a um maior grupo social. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As teorias constitucionais modernas são ambivalentes, na medida em que trazem consigo o germe do Estado Democrático de Direito, mas também interesses exclusivos do capitalismo burguês. Sem embargo, torna-se imprescindível que estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores ao debruçarem-se sobre o objeto de estudo em alusão, antes de acatar pacificamente teorias emergentes descritas como revolucionárias carreiem consigo aspectos característicos das teorias do constitucionalismo moderno em seu duplo movimento de ambivalência. Ademais, quase todas as teorias contemporâneas neoconstitucionais valem-se, ao menos de determinadas componentes determinantes dessas teorias. Enfim, as Teorias Constitucionais Modernas, a Inglesa, a Norte-Americana e a Francesa são constructos do Direito e da Ciência Política em escala universal ocidental, que não devem ser mitificadas nem reproduzidas de maneira aleatória. Em síntese, deveriam ser observados os contextos e as peculiaridades histórico-sociais de cada sociedade na importação das teorias pretensamente universais abordadas, bem como na formulação de novas teorias. Bibliografia BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito constitucional: uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras, 2003. BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4 ed. Coimbra: Portugal. Livraria Almedina, 2000. SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.