Direito constitucional

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CONSTITUCIONALISMO
1. INTRODUÇÃO
Para alguns autores o constitucionalismo é um vocábulo que permite
diversas significações, de modo que, em sentido amplo, significa que todos
os Estados (países soberanos) possuem uma Constituição independente do
momento histórico que vivem, do regime político adotado ou do perfil
jurídico que possa ter; e, em sentido estrito, traduz técnica jurídica de
proteção das liberdades, surgida no final do século XVIII, permitindo aos
cidadãos protegerem-se contra o arbítrio dos governos absolutistas.
A sua origem, segundo Dirley da Cunha Junior, remonta à antiguidade
clássica, mais especificamente ao povo hebreu, como afirma Karl
Loewenstein, “(…) de onde partiram as primeiras manifestações deste
movimento constitucional em busca de uma organização política da
comunidade fundada na limitação do poder absoluto1”.
Deste modo, o constitucionalismo está diretamente vinculado a noção
e importância da Constituição, pois é justamente por meio da Constituição
que o movimento constitucionalista (de caráter político e filosófico)
pretende realizar o ideal de liberdade humana, com a criação de meios e
instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se,
desde a sua origem, a governos arbitrários, independente de época e de lugar.
Não se trata de pregar a elaboração de Constituição escrita, pois onde
havia uma sociedade politicamente organizada já se podia dizer que havia uma
constituição fixando os fundamentos de sua organização. As Constituições
escritas são produto do século XVIII e estão relacionadas com o advento do
constitucionalismo moderno, ao passo que o constitucionalismo surgiu junto
aos povos da antiguidade.
1
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5.ed. Salvador:
Juspodivm, 2011. p. 33
Como bem nos lembra Michel Temer, na sua obra “Elementos do
Direito Constitucional”, o constitucionalismo como movimento, não se
destinou a conferir Constituições aos Estados, que já as possuiam – pois o
Estado absoluto precursor do Estado de Direito tinha uma organização que
prescrevia obediência irrestrita ao soberano -, pelo menos em sentido material,
mas sim, a fazer com que as Constituições (Estados) abrigassem preceitos
asseguradores da separação das funções estatais e dos direitos fundamentais. É
mesmo um movimento de afirmação da soberania popular.
Assim, desde os primórdios, o constitucionalismo despontou como
movimento político e filosófico inspirado por ideias libertárias, que ocorreu
em diversas épocas e locais, reinvindicando um modelo de organização
política baseada no respeito dos direitos dos governados e na limitação do
poder dos governantes.
Como
movimento
constitucional,
pode-se
dizer
que
o
constitucionalismo compreende algumas fases: constitucionalismo antigo,
moderno e contemporâneo (ou neoconstitucionalismo).
1.1
Constitucionalismo
antigo:
(Influenciado
pela
filosofia
jusnaturalista)
Está representado por quatro experiências: a dos hebreus, a dos
gregos, a dos romanos e a da Inglaterra.
O constitucionalismo dos hebreus está associado a idéia de Estado
teocrático, ou seja, o Estado estava limitado por dogmas religiosos, ou seja, o
poder do governante estava limitado pelas leis divinas. O modelo de
constituição daquele povo estava baseado na ideia de limitação do poder
absoluto e arbitrário dos governantes, pelas leis divinas (direito natural).
Já entre os gregos, ocorreu a forma mais avançada de governo que se
tem notícia, até hoje, um regime político-constitucioal de democracia direta,
onde as pessoas participavam diretamente das decisões políticas do Estado,
por conta da absoluta igualdade entre governantes e governados. Isso porque,
no século V, inicia-se o processo de racionalização do poder, nas CidadesEstados gregas. Exemplos do poder atribuído ao povo está na possibilidade
de o povo poder eleger os governantes e de tomar diretamete em Assembléia
as principais decisões políticas, como: adoção de novas leis, declaração de
guerra, etc…
Em Roma, o constitucionalismo está associado com a criação de um
sistema de freios e contrapesos para dividir e limitar o poder politico. Isto quer dizer
que, em Roma, com a instauração do governo republicano, o poder político
passou a sofrer limitações, não propriamente pela soberania popular ativa nos
moldes da democracia grega, mas em razão da elaboração de um processo
complexo de controle dos órgãos políticos.
Todavia, é na Inglaterra, especialmente com a Magna Carta de 1215,
que o constitucionalismo ganha maiores proporções, com a limitação do
poder absoluto do rei, através do reconhecimento naquele texto escrito da
garantia da propriedade e da liberdade, de modo que o governo das leis surgiu
em substituição ao governo dos homens. Esta experiência contribuiu
basicamente com o desenvolvimento de duas ideias: a) o governo limitado; e,
b) igualdade dos cidadãos perante a lei.
Sobre o movimento constitucionalista inglês aprofunda a doutrina de
Jorge Miranda e Zulmar Facchin, destacando que este passou por diversas
fases, incialmente, na Idade Média, a Magna Carta Libertatum –Rei João Sem
Terra, posteriormente como decorrência das constantes lutas entre o rei e o
parlamento a edição da Petition of Rights em 1628 e do Habeas Corpus Act em
1679 e, finalmente, a Declaração de Direitos Bill of Right de 1689.
Explica-se. O principal documento antecedente ao reconhecimento
dos direitos fundamentais é a Magna Charta Libertatum firmado em 1215 pelo
Rei João Sem-Terra, por imposição dos barões ingleses e dos senhores
feudais. Inobstante tal documento apenas garantir a nobres ingleses alguns
privilégios feudais alijando, em princípio, a população do acesso aos direitos
consagrados no pacto, serviu como ponto de referência para alguns direitos e
liberdades clássicos, tais como o habeas corpus, o devido processo legal e a
garantia da propriedade. É que, os barões e senhores feudais insatisfeitos com
a política autoritária do rei João-Sem Terra impôs a assinatura de um
documento que determinava que, “(…) a partir de então, os reis ingleses só
podiam aumentar impostos ou alterar leis com a aprovação do Grande
Conselho, composto por membros do clero, condes e barões, Conselho este
que, mais tarde, se constituiria no Parlamento Inglês2”.
Todavia, não se pode considerar esses direitos e privilégios da época
medieval como verdadeiros direitos fundamentais, pois são outorgados pela
autoridade real, em um contexto social e econômico marcado pela
desigualdade, sobretudo da classe burguesa.
De suma importância também foi a Reforma Protestante, que levou a
reivindicação e ao gradativo reconhecimento da liberdade de opção religiosa e
de culto em diversos países da Europa. “Não há como desconsiderar a
contribuição da reforma e das conseqüentes guerras religiosas na consolidação
dos modernos Estados nacionais e do absolutismo monárquico, por sua vez
precondição para as revoluções burguesas do século XVIII, bem como os
reflexos já referidos na esfera do pensamento filosófico, conduzido à
laicização da doutrina do direito natural, e na elaboração teórica do
individualismo liberal burguês”.
Inobstante a decisiva contribuição desses documentos concessivos de
liberdades, não há como atribuir-lhes a condição de direitos fundamentais,
pois consoante já ressaltado, podiam ser nova e arbitrariamente subtraídas
pela autoridade monárquica.
Como decorrência da Petition of Rights de 1628 , do Habeas Corpus
Act de 1679 e do Bill of Rights de 1689, os direitos e as liberdades
2
FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. São Paulo: Método, 2008. p.
36
reconhecidas aos cidadão ingleses surgem como enunciações gerais do direito
costumeiro, resultado da progressiva limitação do poder monárquico e da
afirmação do Parlamento perante a coroa inglesa. Tais declarações do século
XVII significaram a evolução das liberdades e privilégios estamentais
medievais e corporativos para liberdades genéricas no plano do direito
público, implicando em expressiva ampliação das liberdades reconhecidas e da
titularidade dos cidadãos ingleses.
Assim, apesar dos direitos e liberdades limitarem de certo modo o
poder real em favor da liberdade individual, ainda não se pode falar em
nascimento e garantia de direitos individuais, pois estes não vinculam o
parlamento, carecem, portanto, da necessária supremacia e estabilidade. O que
só ocorrerá a partir do século XVIII.
2. Constitucionalismo moderno:
Pode ser apontada duas grandes fases do constitucionalismo moderno:
o ligado a formação dos Estados liberais e o ligado a formação dos Estados
sociais. É produto da cultura ocidental, pois valoriza em sua construção os
valores cultivados no Ocidente.
É denominado moderno, pois foi na modernidade que aflorou, nos
homens, a idéia de que podiam intervir no mundo, isto é, que podiam
construir as normas jurídico-constitucionais, transmutando-se a concepção do
Direito e da Constituição da natureza para o homem. Trata-se do momento
filosófico do positivismo, onde impera a racionalidade humana que supera a
ideia de direito natural e direito divino.
Não se descarta assim, a contribuição dada pela Idade Média
(Constitucionalismo antigo), ao estabelecer o principio da primazia da lei, o
qual afirma que todo poder político tem de ser legalmente limitado, mas é que
tal princípio naquela época carecia de instituto que legitimamente controlasse
o exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à lei pelo
Estado. O que foi próprio do constitucionalismo moderno3.
Portanto, nas lições de Canotilho, a principal contribuição do
constitucionalismo moderno está relacionada com o princípio do governo
limitado indispensável à garantia dos direitos que organizam político e
socialmente uma comunidade4.
A valorização das Constituições escritas, que representam o documento
fundamental do povo, se deu justamente nesta fase moderna, em virtude da
criação e edição da Constituição norte-americana em 1787 e pela Revolução
Francesa em 1789. Portanto, começou a surgir com o final do século XVII,
decorrente das revoluções liberais da burguesia, visando limitar o poder ainda
arbitrário do Estado.
Foi pretedendo construir o seu próprio caminho, que as Treze
Colônias, romperam com a dominação do Poder Central inglês e
formalizaram essa decisão política com a Declaração (Norte-americana) de
Direitos do povo da Virginia em 1776, elaborada por Thomas Jefferson. A
partir de então as ex-colônias passaram a elaborar cada qual sua própria
Constituição, dando origem ao constitucionalismo norte-americano, sob
influência dos pensamentos de John Locke e Montesquieu.
Segundo Canotilho, “(…) a Constituição não é um contrato entre
governante e governado, mas sim um acordo celebrado pelo povo e no seio
do povo a fim de criar e constituir um governo vinculado à lei fundamental5”.
Somado ao desenvolvimento norte-americano, e sob a influência da
Declaração Francesa de 1789 (Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão) ficou marcada a transição dos direitos e liberdades legais dos ingleses
para os direitos fundamentais constitucionais, como aponta Ingo Wolfgang
Sarlet.
3
Pois, a Declaração do Povo da Virginia de 1776 é a primeira
Ibidem.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6.ed.
Coimbra: Almedina, 2002. p. 51
5
Ibidem, p. 59
4
Constituição escrita que se tem notícia e por meio dela é que em 1787 surgiu a
constituição dos EUA como é até hoje.
As contribuições do constitucionalismo norte-americano foram: a supremacia da
constituição sob a ordem jurídica e a garantia jurisdicional dos direitos da
pessoa. A constituição é norma suprema, porque ela que distribui de forma
equilibrada as competências do executivo, legislativo e judiciário (quem, como
e até onde cada um pode mandar). Então, para que estas regras sejam
respeitadas, logicamente, deve estar acima daqueles que participam do jogo.
Ainda, o poder judiciário é o poder mais neutro politicamente, porque não é
eleito pelo povo, por isso é o mais indicado para garantir a supremacia
constitucional.
Já a contribuição da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e
do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, para o constitucionalismo está
relacionada com a efetiva derrocada do antigo regime (autoritário),
instaurando uma nova ordem social burguesa na França (Estado Liberal de
Direito), onde os direitos civis e políticos de todos os cidadãos estariam
protegidos.
A experiência constitucional francesa de 1791 é inovadora, pois é a
primeira constituição escrita de toda a Europa, contribuindo com duas ideias
principais para o constitucionalismo: a garantia de direitos e a separação dos
poderes.
Essas ideias foram até incorporadas pelo artigo 16 da Declaração
Universal dos Direitos dos Homens e Cidadãos que preconiza que, toda a
sociedade que não tem garantia de direitos e separação dos poderes não
possui Constituição.
Trata-se de produto do pensamento liberal-burgês do século XVIII,
de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do
indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa,
demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de
autonomia individual em face de seu poder.
Destaca-se que, o surgimento destes direitos dos cidadãos ocorreu, em
grande parte, devido ao papel exercido pelo Poder Legislativo na conformação
dos direitos fundamentais, pois representava uma segurança para as relações
dos indivíduos a positivação das suas liberdades. Tinha-se como elemento
básico do Estado de Direito o princípio da legalidade, ou seja, a lei como
única fonte do direito, atribuindo-se ao Poder Judiciário o mero dever de
aplicação e execução das normas vigentes.
Nesse sentido, o Estado liberal remete à primazia da lei sobre a
administração, jurisdição e sobre os cidadãos, caracterizando-se por ser um
Estado legislativo, no qual vige o princípio da legalidade, de maneira que este
princípio expressa a ideia de que a lei é suprema e irresistível até mesmo em
relação às demais fontes do Direito, o que representa a verdadeira derrota das
tradições jurídicas do absolutismo (supremacia do Poder Executivo). Ademais,
nesta forma de Estado de referência positivista, as leis eram formuladas
mediante pressupostos fáticos abstratos, destinadas a valer indefinidamente,
portanto, tudo o que pertencia ao mundo do direito (o direito e a justiça)
estava resumido na lei, cabendo ao jurista somente aplicá-la de forma
subsuntiva. (Gustavo Zagrebelsky)
Fica evidente que, o Estado Liberal visava romper com o regime
absolutista e tinha como principais características: a limitação do poder estatal
e a garantia formal dos direitos individuais, sem preocupação com valores
como justiça; o predomínio da lei sobre a própria Constituição; a separação
entre o direito e a moral, porque a abertura a certos padrões de justiça poderia
reconduzir aos padrões absolutistas; a primazia da lei, visto que a lei decorria
da vontade geral do Parlamento; o predomínio das ideias positivistas de mera
subsunção da lei ao caso concreto, sem interpretação pelo aplicador do
Direito, porque a lei era o padrão de justiça; e o predomínio da regra e do
procedimentalismo.
Com efeito, a primeira fase do constitucionalismo moderno
prima pela garantia de liberdade individuais, ao passo que a segunda
fase do constitucionalismo moderno surge da necessidade por uma
igualdade substancial entre os cidadãos, uma vez que o liberalismo não
podiam atender as demandas sociais do século XIX, provocando grandes
inequidades entre os detentores de poder econômico.
Com efeito, o marco da segunda fase do constitucionalismo moderno
é o final da primeira guerra mundial e os movimentos dos partidos socialistas
e cristãos que exigiam que as novas Constituições deveriam se preocupar com
a esfera econômica e com a esfera social, pois somente com a intervenção
estatal seria possível garantir direitos à todos os cidadãos.
Diante do novo cenário social e econômico decorrente do período do
1º pós-guerra, não bastava a garantia formal dos direitos de defesa diante do
Estado para tutelar e proteger os interesses dos indivíduos e da sociedade,
razão pela qual começa a se delinear o Estado Social, preocupado em atingir
uma igualdade fática, onde os direitos sociais seriam um instrumento para
alcançá-la, permitindo que todas as pessoas usufruíssem dos demais direitos
antes consagrados6.
Sobre o surgimento deste modelo de Estado, o social e categoria de
direitos, os direitos prestacionais, destaca Luis Roberto Barroso que eles
visavam justamente equilibrar as distorções sociais geradas pela crise
econômica do período industrial, garantindo direitos ligados à segurança
social, ao trabalho, ao salário digno, à educação, ao acesso à saúde e à cultura,
6
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros
para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 23.
Conforme a linha seguida pela autora somente a partir do Estado Social é que se adotou a
ideia de que os direitos humanos só seriam respeitados quando o Estado proporcionasse
aos indivíduos os recursos necessários para à preservação dos direitos.
entre outros7. Pois, além das antigas preocupações com a limitação do poder
estatal sobre a autonomia privada, agora há necessidade de prestações
positivas pelo Estado, a fim de viabilizar melhores condições de vida para os
cidadãos e promover a liberdade e a igualdade material8.
Outrossim, a partir do Estado Social aparecem mais mudanças. Como
na perspectiva do Poder Judiciário, deixa o juiz de ser “mero aplicador” do
direito e passa a “interpretar e ponderar” as normas diante do caso concreto,
procurando adequar a lei às necessidades da sociedade, o direito passa a ser
compreendido como um conjunto normativo, abrangendo normas e valores
morais e o Poder Executivo passa a ter papel fundamental na concretização
dos direitos fundamentais, por meio da implementação de políticas públicas9.
4. Constitucionalismo contemporâneo:
É chamado por alguns autores de neoconstitucionalismo, o que é
criticado
sobremaneira
por
outros
doutrinadores
e
também
de
reconstitucionalizacão, pelo professor Luis Roberto Barroso. Por meio dele se
possibilitou o florescimento de um novo paradigma jurídico: o do Estado
Democrático de Direito.
Surge como resposta às atrocidades cometidas na Segunda Guerra
Mundial, protegidas pelo manto da legalidade mas não de critérios de justiça e
moral, e ensejam um conjunto de transformações responsável pela definição
do direito constitucional fundado na dignidade da pessoa humana.
Iniciou-se na Europa, em 1949 com a Constituição da Alemanha (Lei
Fundamental de Bonn)e no Brasil, a partir da Constituição de 1988, o que
7
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas
normas - limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 9.ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009. p. 101
8
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional:
entre...Op. cit., p. 142
9
É nesse sentido as lições de Susanna Pozzolo (POZZOLO, Susanna. Um
Constitucionalismo Ambíguo. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s).
Madrid: Editorial Trotta, 2003. p. 187-210); Gustavo Zagrebelsky (ZAGREBELSKY,
Gustavo. Op. cit., p. 33-41); dentre outros.
promoveu a transição do Estado Brasileiro de um regime autoritário para o
Estado Democrático de Direito.
Nele, a valorização e os avanços na atuação do Judiciário são mais
sentidos10, havendo uma vinculação maior à vontade de Constituição,
afastando-se da estrita legalidade, de modo que o Direito passa a encerrar
valores morais e a moral apresenta virtudes jurídicas, representando a
superação da mera aplicação da lei por subsunção, pois reconhece-se o
tratamento das normas constitucionais como princípios, aplicadas pelo
método ponderativo11. (sistema proposto por Dworkin e Alexy). É o
momento da filosofia pós-positivista.
Ocorre uma mudança significativa de paradigma: “de Estado
Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, consolidando a
passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema
jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade
para o centro de todo sistema, em face do reconhecimento da força
normativa da Constituição. (caráter vinculativo e obrigatório de suas
disposições)
Então, basicamente, as contribuições do constitucionalismo contemporâneo são
as seguintes:
10
Registre-se, aqui, que no plano dos modelos de Estado, o presente trabalho
adotou a proposta de Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais, que apresenta três
“tipos” básicos: o Estado liberal, o Estado social e o Estado Democrático de Direito.
(STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do
estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 87-99).
11
FIGUEROA, Alfonso Garcia. La teoria del derecho em tiempos de
constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s). Madrid:
Editorial Trotta, 2003. p. 164-168. Sobre a valorização do poder judiciário no Estado
Democrático de Direito afirma Lenio Luiz Streck: “Inércias do Poder Executivo e falta de
atuação do Poder Legislativo podem ser supridas pela atuação do Poder Judiciário,
justamente mediante a utilização de mecanismos jurídicos previstos na Constituição que
estabeleceu o Estado Democrático de Direito”. (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição
constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 20)
a)
a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada
como valor constitucional supremo, o que significa que o Estado existe
para o indivíduo e não o contrário. Todos os indivíduos são dotados de
mesma dignidade, não se podendo tratar de forma diferente os direitos
fundamentais das pessoas.
b)
Rematerialização constitucional, com a inserção de valores
morais e opções políticias fundamentais, além da supremacia da
Constituição.
c)
Reconhecimento da força normativa da CF: Konrad
Hesse. Consiste em reconhecer que, ainda que em certos casos a
Constituição escrita não seja capaz de conformar a realidade social
cambiante, ela possui uma força normativa, que muitas vezes é capaz
de conformá-la (são os fatores reais de poder). Para isso basta que
exista vontade de constituição (vontade de cumprir a Constituição) e
não apenas vontade de poder.
d)
Interdependência na separação dos poderes.
Nesse diapasão, importantes contribuições ao tema traz Alfonso
García FIGUEROA, para quem o constitucionalismo atual possui aspectos
material, estrutural, funcional e político. Pois, na esfera material representa
uma rematerialização em face da superação do positivismo tradicional, com a
compreensão de que o sistema jurídico está vinculado à moral; no âmbito
estrutural se fala de uma irradiação dos princípios constitucionais sobre todo o
ordenamento jurídico, uma vez que estes incidem sobre todos os direitos; sob
a vertente funcional, fala-se que os princípios constitucionais fornecem uma
forma distinta de aplicação do Direito, a ponderação; e, em termos políticos, a
constitucionalização apresenta grandes conseqüências na relação de força
entre os poderes do Estado, com uma valorização do Judiciário12.
Portanto, a compreensão da perspectiva neoconstitucional considera
toda essa macrovisão do constitucionalismo contemporâneo, partindo-se da
premissa de que o texto constitucional (enunciado semântico), não pode ser
confundido com as normas constitucionais (resultado da interpretação do
texto).
Consequências do constitucionalismo contemporâneo: alteração da
teoria da norma, da teoria das fontes do direito e da interpretação.
No que se refere à teoria da norma: a primeira modificação
substancial foi quanto aos princípios. Na doutrina clássica havia distinção
entre norma (vinculante e obrigatória) e princípio (como mera diretriz).
Porém, hoje não é assim. Os princípios estão compreendidos dentro das
normas, juntamente com as regras. Logo, o princípio é norma. (Paulo
Bonavides). Para Paulo Bonavides, os princípios gerais do direito nada mais
são do que princípios constitucionais, estando no ápice do ordenamento
jurídico.
A aplicação da norma não se dá mais por mera subsunção do fato à
norma (norma aqui entendida como regra). No caso dos princípios sua
aplicação demanda a ponderação de interesses.
Já, quanto à teoria das fontes, o principal protagonista do
positivismo era o poder legislativo, o que não é mais, pois na atualidade
considera-se que o juiz assumiu este papel, com certo equilíbrio entre os
poderes. Quando se fala do protagonismo do judiciário está se referindo ao
12
FIGUEROA, Alfonso Garcia. La teoria del derecho em tiempos de
constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalsimo (s). Madrid:
Editorial Trotta, 2003.
ativismo judicial. (Isso porque como o legislador não faz o que deveria fazer,
o judiciário acaba assumindo este papel).
Por fim, basicamente são duas mudanças ocorridas na teoria da
interpretação: quanto ao método de interpretação das Constituições e os
princípios ou postulados de interpretação são estabelecidos pela doutrina.
“Toda interpretação jurídica é uma interpretação constitucional”.
Deste postulado extrai-se que, 1) a lei deve ser compatibilizada com a
Constituição Federal (aplicação indireta negativa), deve haver um controle de
constitucionalidade das leis; 2) deve-se fazer uma interpretação conforme a
constituição (aplicação finalística da CF), é a filtragem constitucional da lei,
para extrair o seu sentido mais adequado; 3) aplicaçao direta da Constituição
(verificada na eficácia horizontal dos direitos fundamentais).
5. Conclusões:
Desta forma, é possível verificar que do processo histórico pelo qual
passou o constitucionalismo e os seus respectivos momentos políticos, com a
superação do absolutismo, ascensão do liberalismo e hoje, o foco mais social,
influenciaram para que ordem jurídica constitucional passasse a ser
considerada um sistema unitário.
É o que advoga Riccardo GUASTINI, “por constitucionalización del
ordenamiento jurídico propongo entender um proceso de transformación de
um ordenamiento al término del cual el ordienamiento em cuestión resulta
totalmente impregnado por las normas constitucionales13”.
Não obstante, a partir destas constatações, pode-se dizer na
perspectiva neoconstitucional que, o ordenamento jurídico encontra-se
constitucionalizado, permeado de normas constitucionais (decorrente da
interpretação do texto), caracterizado por uma Constituição ativa, que
13
GUASTINI, Riccardo. La “constitucionalización”del ordenamiento jurídico: el
caso italiano. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Editorial
Trotta, 2003. p . 49
condiciona a elaboração de leis infraconstitucionais e os órgãos jurisdicionais
na formação da jurisprudência, bem como a doutrina e ainda os atores
políticos e as relações sociais, querem sejam públicas ou privadas.
Então, superando a idéia positivista de Direito, própria do liberalismo
e, considerando as transformações político-sociais, a Constituição passou a ser
instância mais alta do ordenamento jurídico, de um Estado Social e
Democrático de Direito, assumindo a função de unificação e de paz entre as
sociedades, devendo assegurar a consecução da unidade.
E, é justamente nesse sentido que Gustavo ZAGREBELSKY leciona,
La ley, um tiempo medida exclusiva de todas las cosas em el campo del
derecho, cede así el paso a la Constituición y se convierte ella misma en objeto de
mediación. Es destronada en favor de uma instancia más alta. Y esta instancia más
alta asume ahora la importantísima función de mantener unidas y em paz
sociedades enteras divididas en su interior y concurrenciales. Uma función
inexistente en otro tiempo, cuando la sociedad política estaba, y se presuponía que
era en si misma, unida y pacífica. En la nueva situación, el principio de
constitucionalidade es el que debe asegurar la consecución de este objetivo de
unidad14.
A idéia de unidade aqui representa então que, a Constituição
passou a ser instrumento de mediação entre a previsão legislativa de direitos e
garantias fundamentais em face do Estado e na solução de conflitos destes
direitos do particular em face do Estado e entre os próprios particulares.
Portanto, a unidade da Constituição apresenta-se sobre uma dupla
perspectiva interna e externa. Uma que cuida do estabelecimento de um
núcleo central da constituição de direitos inatingíveis pelo Estado, como a
igualdade, liberdade, garantia do patrimônio. E outra, apresentada por Konrad
Hesse e Hans Peter Schneider, que é a unificação política da sociedade15.
Em última instância, trata-se de uma função atribuída à Constituição
de garantir a heterogeneidade, ou seja, de vislumbrar o ordenamento jurídico
14
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid:
Editorial Trotta, 2007. p. 40
15
SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o
privado e o regime dos direitos fundamentais. op. cit.
como um todo, inserido numa realidade social, num determinado período de
tempo, aplicando-se tanto os interesses públicos quanto os privados.
6. O Constitucionalismo para o futuro.
É o reconhecimento nos ordenamentos jurídicos da interculturalidade,
ou seja, do reconhecimento da diversidade cultural, promovendo a conciliação
entre todas as práticas culturais. Especialmente, por conta do esvaziamento da
soberania de Estados nacionais, por vários núcleos de poder supranacionais,
fazendo com que haja uma reestruturação e ampliação das capacidades de
ação política em um plano supranacional. (Ex.: União Européia). É que, os
Estados não estão mais sujeitos apenas às suas leis e sua Constituição, mas
inclusive às normativas produzidas no âmbito comunitário.
Como sustenta o professor Alexandre Coutinho Pagliarini sobre a
noção de uma Constituição Européia: “(…) começa a ser delineado no
horizonte político-jurídico uma espécie de novo constitucionalismo que
supera as básicas lógicas daquilo que era tido como verdade aos olhos de
outro constitucionalismo (…). Esse novo constitucionalismo, na realidade, até
já podia ser percebido no desenvolvimento de uma comunidade de países
europeus a partir do momento em que eles, passo após passo, cederam partes
de suas soberanias a órgãos supranacionais16”.
16
PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. A Constituição Européia como Signo: da
superação dos dogmas do estado nacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 20
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