O papel do médico auditor frente aos desafios da saúde

Propaganda
O papel do médico auditor frente aos desafios da saúde suplementar
dezembro/2014
O papel do médico auditor frente aos desafios da saúde
suplementar
Mônica da Costa Fernandes – [email protected]
MBA Gestão e Auditoria em Sistemas de Saúde
Instituto de Pós-Graduação – IPOG
Belém, PA, 10 de outubro de 2013
Resumo
O presente artigo descreve o surgimento e o desenvolvimento do Sistema de Saúde
Suplementar, analisando os principais desafios existentes na prestação de serviços pelas
operadoras. O modelo assistencial vigente, focado na medicina curativa e no aparato
tecnológico; associado à judicialização da saúde, vem causando uma dificuldade progressiva
para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das empresas prestadoras de
assistência em saúde. Através de revisão da literatura, é feita uma avaliação dos principais
problemas enfrentados pelo Sistema de Saúde Suplementar na atualidade. Tendo por base
esta avaliação, são propostas ações que, uma vez desenvolvidas pelos médicos auditores,
objetivam melhorar a qualidade da prestação dos serviços por essas empresas, garantindo
assim a solvência e a liquidez das mesmas. Desta forma, concluímos que o serviço de
auditoria médica é um importante instrumento para assessoramento dos gestores das
operadoras de saúde.
Palavras-chave: Auditoria. Saúde. Desafios. Ações.
1. Introdução
A Constituição Brasileira de 1988 determina que
a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (http://www.planalto.gov.br).
Entretanto, a própria Constituição prevê a presença da livre iniciativa na assistência à saúde,
desde que a mesma esteja sujeita a regulação, fiscalização e controle pelo Estado. Como nos
descreve Oliveira (2011), a partir da década de 1950, surgiram os serviços de saúde
destinados somente aos funcionários públicos estaduais, porém sem a participação da
Previdência Social. Este sistema de prestação de assistência em saúde funcionava tanto com
serviços próprios como através de ressarcimento de despesas de serviços médicos e
odontológicos. Na década seguinte, com a unificação dos institutos de aposentadorias e
pensões criando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a prestação de serviços de
saúde pública continuava a ser acessível somente a uma parcela da população, ou seja, ao
cidadão empregado ou que contribuísse para o sistema. Com isso, a população em geral, que
não participava do sistema da previdência, foi se tornando cada vez mais carente da
assistência em saúde. Por essa razão, o governo estimulou o chamado convênio-empresa,
sendo esse fato considerado o marco da expansão do setor de Saúde Suplementar.
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014
2
Desde a década de 1960, os planos privados de assistência à saúde vêm exercendo suas
atividades no Brasil. Inicialmente sob a forma de medicina de grupo, o sistema privado foi
sendo dividido em novas modalidades de prestação de serviços, tais como as cooperativas
médicas, as seguradoras, as empresas de auto gestão e administradoras de planos de saúde.
Desta forma, organizou-se um sistema privado, paralelo e complementar ao sistema público,
constituído por profissionais e por estabelecimentos que prestam serviços para as Operadoras
de Planos de Saúde, formando, assim, o Sistema de Saúde Suplementar (SANTOS E
BARCELLOS, 2009).
Os investimentos cada vez menores em Medicina Preventiva e em atendimento básico em
saúde fizeram com que a sociedade, cada vez mais, procurasse atendimento em serviços
particulares. Desde então, observamos o crescimento contínuo deste setor suplementar, em
grande parte devido à falta de capacidade do Estado em cumprir com a sua missão
constitucional de garantir a saúde para toda a população.
Segundo dados de 2012 da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, a saúde
suplementar assiste à quase 50 milhões de pessoas, número este que vem crescendo ano a ano,
como podemos observar na tabela abaixo:
Ano
Beneficiários em planos privados de assistência
médica com ou sem odontologia
Dez/2006
37.248.388
Dez/2007
39.282.791
Dez/2008
41.298.505
Dez/2009
42.563.098
Dez/2010
45.801.579
Dez/2011
47.590.080
Set/2012
48.660.705
Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 2006-2012)
Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários/ANS/MS - 09/2012
De acordo com Bancher (2004), o modelo assistencial proposto pela Sistema Suplementar
sempre foi baseado na valorização da medicina curativa e do aparato tecnológico em
detrimento da prevenção. Associado à esse modelo assistencial, a fragmentação do cuidado, o
desperdício dos recursos disponíveis e a falta de resolubilidade poderão culminar com o
desmoronamento do setor suplementar de saúde.
A auditoria em saúde é um campo novo de atuação de diversos núcleos profissionais, e vem
evoluindo de forma a tornar-se, nos dias atuais, um instrumento essencial para o controle de
perdas e para a melhoria no cuidado da assistência prestada ao paciente (SILVA, 2009).
3
De acordo com o Ministério da Saúde (1998), a Auditoria classifica-se em:
Regular ou Ordinária - realizada em caráter de rotina é periódica, sistemática e
previamente programada, com vistas à análise e verificação de todas as fases
específicas de uma atividade, ação ou serviço.
- Especial ou Extraordinária - realizada para atender a apuração das denúncias,
indícios de irregularidades, por determinação do Ministro de Estado da Saúde,
outras autoridades ou para verificação de atividade específica. Visa a avaliação e o
exame de fatos em área e períodos determinados. Aqui se incluem os exames
realizados por peritos especializados em determinadas áreas de atuação profissional,
designados por autoridade competente, com emissão de laudo pericial. (MANUAL
DE NORMAS DE AUDITORIA,1998:9).
Segundo Medeiros e Andrade (2007), uma auditoria eficiente e eficaz exerce um sistema de
educação e aperfeiçoamento contínuo, preocupado com a qualidade, a segurança e a
humanização da atenção em saúde. Desta forma, a atuação dos auditores pode se dar de
diversas maneiras, de acordo com Guedes et al. (2012):
- Auditoria Preventiva: também conhecida como auditoria prévia, tem como finalidade auditar
os procedimentos antes que aconteçam, a fim de prevenir não-conformidades e glosas
posteriores;
- Auditoria Operacional: é aquela que se efetua in loco, ou seja, no próprio prestador. Neste
tipo de auditoria, os procedimentos são auditados durante e após terem acontecido;
- Auditoria de Contas: é parte integrante da auditoria operacional, e caracteriza-se por ser um
processo minucioso, realizado, atualmente, por equipes de profissionais multidisciplinares,
para a avaliação de diversas informações, tais como: o diagnóstico médico, os procedimentos
realizados, os exames e seus respectivos laudos, os materiais e medicamentos gastos, a
utilização de órteses/próteses e/ou materiais especiais - OPME, dentre outras;
- Auditoria Analítica: compreende as atividades de análise dos dados levantados pela
Auditoria Preventiva e Operacional, e sua comparação com os indicadores gerenciais e com
indicadores de outras organizações.
É importante, também, que o auditor atue como um mediador para a conciliação e solução de
conflitos, os quais podem surgir nas relações entre profissionais, pacientes, parentes e
instituições. Neste contexto, o médico é parte fundamental da equipe multidisciplinar, que
poderá contar ainda com psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais.
No presente estudo iremos analisar qual o papel do médico auditor frente aos crescentes
desafios impostos para a gestão das operadoras de saúde suplementar. Através da realização
de pesquisa documental, procuramos identificar quais as principais ações que poderão ser
desenvolvidas, implementadas e executadas pelos médicos auditores das operadoras, com o
objetivo de assessorar de forma independente os gestores em sua tomada de decisão.
2. Os desafios em saúde suplementar
Cada vez mais, é necessário um Sistema de Saúde, seja ele público ou privado, que agregue
valor; incorpore os novos benefícios diagnósticos e terapêuticos; seja sustentável e acabe com
os desníveis assistenciais existentes. Em outras palavras, é preciso aliar a racionalização dos
custos com a manutenção da qualidade da assistência, porém sem aumento do custo
administrativo. Neste cenário, vários são os desafios que se apresentam para os gestores e
auditores em Saúde Suplementar.
Santos e Barcellos (2009) descrevem que a assistência à saúde melhorou acentuadamente nas
últimas décadas. A realidade atual é de uma expectativa de vida crescente, de uma população
4
cada vez mais informada e exigente; de custos assistenciais em ascensão; de falta de recursos;
de incorporação vertiginosa de novas tecnologias e novos tratamentos, além da interferência
crescente do Judiciário. Todos esses fatores exigem dos administradores em saúde uma gestão
moderna e cada vez mais profissional, priorizando a avaliação de todos os processos
envolvidos no sistema de saúde. Desta forma, é papel do auditor a busca pela otimização do
atendimento, juntamente com a manutenção da saúde econômico-financeira das operadoras e
das prestadoras de serviços em saúde. Através de ações de controle, avaliação, inspeção,
supervisão e acompanhamento, os auditores deverão definir novas estratégias para a regulação
entre a qualidade dos serviços prestados e seus respectivos custos. Os desafios destacados
abaixo são:
2.1 Judicialização da saúde
Por definição, a judicialização da saúde é a busca da concretização de direitos à saúde por
intermédio da via judicial (OLIVEIRA, 2011 apud SALAZAR, 2009). A partir do advento do
Código de Defesa do Consumidor - CDC, “os usuários passaram a ter mais consciência de
seus direitos e a exigir mais de seus fornecedores” (OLIVEIRA, 2011:1). Essas exigências
estenderam-se às operadoras de serviços em saúde, gerando as mais diversas solicitações,
inclusive pedidos de coberturas de procedimentos fora do rol determinado pela ANS,
consequentemente sem cobertura pelos contratos estabelecidos entre usuário e operadora.
A existência destas duas posturas antagônicas - paciente versus operadora - deu origem a um
embate, desencadeando um grande número de ações judiciais em todo o país, na maioria das
vezes julgadas em favor do usuário. Essa postura do judiciário passou a gerar uma grande
insatisfação para as operadoras, que passaram a procurar novas formas de minimizar suas
perdas.
2.2 Normatizações mais efetivas
O sistema de Saúde Suplementar no Brasil, apesar de existir desde a década de 1960, só foi
regulamentado em 1998 através da Lei nº 9.656. Antes da referida lei, eram comuns as
práticas de negativa de atendimento ao usuário; exclusão de doenças, notadamente as
patologias que envolviam altos custos de diagnóstico e terapêutica; seleção de clientela,
evitando portadores de doenças crônicas ou com idade avançada; rescisão unilateral de
contratos e reajustes sem controle. A Lei nº 9.656/1998 modificou aspectos importantes da
estrutura dos planos de assistência à saúde. Vários avanços foram estabelecidos, tais como:
- Regulação da cobertura assistencial obrigatória, sob o formato de um produto referência que
todas as operadoras mantém para comercialização;
- Obrigatoriedade de não limitação de tempo de internação;
- Cobertura à emergência e urgência;
- Não impedimento de ingresso ao plano em razão de doença ou idade do consumidor;
- Fixação de normas para os reajustes de preços, dentre outros.
A partir daí, iniciou-se um novo período na história da Saúde Suplementar, que culminou com
a elaboração da Lei nº 9.961/2000 criando a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Esta autarquia, ligada à estrutura do Ministério da Saúde, tem como funções institucionais:
regular as atividades das operadoras de planos de assistência à saúde; proteger os direitos dos
usuários dos referidos planos; fiscalizar as operações, a solvência e a liquidez das operadoras;
e regular as condições de concorrência no mercado (http://www.ans.gov.br). A maior
regulação do setor aumentou a segurança e a confiança do usuário ao contratar uma
5
operadora, gerando um aumento progressivo na população coberta pela saúde suplementar,
conforme podemos observar na figura a seguir:
Taxa de cobertura dos planos de assistência médica por Unidades da Federação (Brasil - dezembro/2012)
Fonte: www.ans.gov.br
2.3 Competição crescente de mercado
O surgimento de diversas empresas prestadoras de serviços em saúde suplementar, aliado ao
aumento gradativo dos custos em saúde, promoveu o aumento da disputa entre elas.
Conforme Koyama (2006), as empresas passaram a realizar programas e sistemas de
avaliação de qualidade, tentando atender às expectativas dos clientes naquilo que este define
como atributo de qualidade. Para manter a sua capacidade competitiva, as empresas passaram
a desenvolver ações voltadas para:
- Avaliação de sua participação no mercado e de sua possibilidade de crescimento;
- Análise dos pontos fortes e fracos da concorrência;
- Avaliação da lucratividade da empresa e de seus custos operacionais;
- Desenvolvimento de sua capacidade operacional e de seus processos;
- Foco na qualidade de seus produtos e no talento dos seus administradores e funcionários.
Em outras palavras, as empresas passaram a investir na pesquisa de mercado para a obtenção
de uma carteira de clientes mais lucrativa. A partir daí, passamos a observar o aquecimento da
demanda por Planos Coletivos, o crescimento do mercado de Odontologia, e a projeção das
mudanças no comportamento e hábitos do consumidor, visando estabelecer um modelo de
vida saudável, com a valorização da Medicina Preventiva em detrimento do modelo centrado
na atenção médico-hospitalar (BANCHER, 2004). A ilustração seguinte demonstra, em
valores absolutos, o número de operadoras em atividade no ano de 2012 no Brasil:
6
Operadoras em atividade por Unidade da Federação da sede (Brasil - dezembro/2012)
Fontes: CADOP/ANS/MS - 12/2012 e SIB/ANS/MS – 12/2012
Caderno de Informação da Saúde Suplementar - março/2013
2.4 Aumento dos custos em saúde
Com o surgimento do sistema suplementar de saúde na década de 1960, o modelo assistencial
caracterizava-se por estar centralizado na atenção médico-hospitalar; pela exigência de uma
crescente especialização médica; pela utilização exagerada de novos procedimentos, muitas
vezes como estratégia de marketing para atrair novos clientes. Este modelo de gestão era
possível devido a pouca informação em saúde disponível na época; à menor expectativa de
vida da população em geral; ao foco da assistência no tratamento de doenças infecciosas em
detrimento de doenças crônico-degenerativas; e à presença de um arsenal
diagnóstico/terapêutico reduzido.
O surgimento de novas tecnologias em saúde, aliado ao envelhecimento da população criaram
um novo cenário. A saúde suplementar passa a ser um setor regulamentado, principalmente
após a criação da ANS. A população é mais informada e ciente de seus direitos, exercendo um
papel mais participativo na sua relação com a prestadora, exigindo um tratamento de maior
qualidade e a incorporação vertiginosa de novas tecnologias, muitas vezes sem a
comprovação necessária quanto ao custo versus benefício. Todos esses fatores levaram a
elevação progressiva dos custos assistenciais e regulatórios das operadoras, ocasionando a
redução de recursos para o atendimento aos usuários. Com isso, passamos a observar diversos
conflitos entre os componentes do Setor, culminando com a participação cada vez maior do
Judiciário como fator moderador na resolução destes conflitos.
Os gráficos abaixo demonstram o envelhecimento progressivo da população brasileira,
através da Pirâmide Etária Absoluta. Pode ser observado, numa projeção de 20 anos (2010 a
2030), o estreitamento da base e o alargamento da pirâmide em direção às faixas etárias mais
elevadas, notadamente entre os 40 e os 70 anos:
7
Pirâmide Etária Absoluta
Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/piramide
Neste gráfico fica evidente o crescimento progressivo e constante da população acima dos 80
anos, com predomínio do sexo feminino, através de uma projeção de 1980 a 2050:
População de 80 anos ou mais
Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/piramide
3. Ações do médico auditor
Como é descrito por Ciconelli e Paim (2007), a auditoria em saúde aparece pela primeira vez
em um trabalho realizado em 1918 pelo Dr. George Gray Ward, médico americano que
propôs a verificação da qualidade assistencial prestada ao paciente através de registros em
prontuário. Com a evolução da Medicina e o consequente aumento dos custos operacionais
em um mercado cada vez mais competitivo, tornou-se imperativo a implantação de serviços
de auditoria médica dentro das operadoras de planos de saúde como forma de controle e
avaliação da assistência prestada. Contudo, a regulamentação desta atividade ocorreu somente
em fevereiro de 2001, através da Resolução nº 1.614 do Conselho Federal de Medicina CFM. De acordo com esta resolução, “a auditoria do ato médico constitui-se em importante
mecanismo de controle e avaliação dos recursos e procedimentos adotados, visando sua
resolubilidade e melhoria na qualidade da prestação dos serviços”. No entanto, somente em
8
dezembro de 2001 a Comissão Mista de Especialidades, constituída por representantes do
próprio CFM, da Associação Médica Brasileira (AMB), e da Comissão Nacional de
Residência Médica, contemplou a Auditoria Médica como Área de Atuação Especial, ou
seja,”é uma modalidade de organização do trabalho médico, derivada e relacionada com uma
ou mais especialidades,e como tal deve ser exercida por profissionais capacitados”.
Desta forma, após um ciclo inicial focado em glosar, fixar normas e valorizar a quantidade e o
preço, a auditoria médica passou à avaliação da qualidade dos processos e dos resultados da
assistência (SANTOS E BARCELLOS, 2009:5). O auditor deixa de ser um analista de contas,
e passa a ser um consultor de qualidade em saúde, desempenhando diversas funções, que vão
desde às visitas hospitalares, até o desenvolvimento de diretrizes clínicas e credenciamento de
prestadores. Neste contexto, analisaremos as diversas ações do médico auditor, que poderão
ser desenvolvidas para fazer frente aos desafios crescentes enfrentados pelos gestores em
saúde.
3.1 Visitas hospitalares
Também denominada por Koyama (2006) como Auditoria externa, esta atividade tem como
foco de atuação a visita direta aos pacientes internados nos hospitais e clínicas terceirizadas
para verificação de dados do prontuário médico e/ou exame clínico. Desta forma, os auditores
podem avaliar o tipo de acomodação em que o usuário está internado; podem acompanhar a
evolução do paciente, emitindo autorização ou prorrogação para continuidade de tratamento
custeado pelo convênio; podem avaliar os procedimentos solicitados e os tratamentos
instituídos, interagindo com os médicos assistentes. O médico que realiza a auditoria externa
tem a função de atuar como um facilitador, sendo o intermediário entre o paciente e a
operadora. É, no entanto vedado ao médico, na função de auditor, modificar procedimentos
propedêuticos e/ou terapêuticos prescritos pelo médico assistente, conforme regulamentação
dada pela Resolução nº 1.614/2001 do CFM.
3.2 Estabelecimento de regras e protocolos
Historicamente, as decisões clínicas no dia-a-dia da prática médica, seja em consultório ou no
ambiente hospitalar, fundamentam-se na experiência e no conhecimento do profissional
assistente. Essas condutas isoladas transformavam-se em grandes desafios para justificar a
liberação ou a glosa de determinados procedimentos e tratamentos pelos auditores das
operadoras dos planos de saúde. Desta forma, houve necessidade de procurar uma maneira de
uniformizar as ações dos seus prestadores de serviço, integrando as melhores evidências de
pesquisa à habilidade do profissional e à preferência do paciente (CRUZ E PIMENTA 2002,
apud GALVÃO 2002). Neste contexto, a partir da década de 1990, ganha força o conceito de
Medicina Baseada em Evidências, como forma de embasar o conhecimento e a experiência
clínica com dados epidemiológicos, complementadas com revisões sistemáticas da literatura
(Castiel e Póvoa, 2002). Isso quer dizer que, antes de se usar uma informação numa decisão
clínica, ela deve ser avaliada quanto a sua acurácia, relevância e aplicabilidade na situação em
questão. Portanto, o auditor deverá, após análise dos problemas de saúde relevantes na sua
população-alvo, propor diretrizes internas tanto para autorização de tratamentos e
procedimentos já existentes, como para a inclusão de novos procedimentos que garantam a
qualidade da assistência prestada. Desta forma, a operadora garante o respeito às normas
técnicas, éticas e administrativas previamente estabelecidas; assegurando que o paciente
receberá o melhor tratamento possível, livre de interesses diversos.
Além dos protocolos técnicos, existem também as regras administrativas que devem ser
propostas pelo Serviço de Auditoria e estabelecidas pela operadora, sempre obedecendo às
9
normativas da ANS. Dentre elas destacamos: as normas para credenciamento e/ou
descredenciamento de fornecedores e prestadores, as exclusões ou inclusões contratuais, a
definição dos agravos à saúde preexistentes, a adoção de “pacotes” para determinados
procedimentos, entre outros.
3.3 Avaliação de Custos/Gastos
Segundo Antonini (2003), esta avaliação pode ser global ou segmentada, de acordo com o
interesse do momento. Quando feita de forma segmentada (focando o tipo de contrato ou
procedimento ou conveniado), permite comparar os resultados encontrados com os resultados
de outros planos, a fim de detectar desvios no padrão. Através de análises estatísticas,
podemos contemplar os custos do plano por doença, por credenciado ou ainda por usuário; os
custos com consultas e exames por usuário/ano; os custos com internações e a média de
permanência, dentre outros. A análise destes dados pode orientar a implementação de medidas
que visem tanto à redução dos custos quanto à promoção da saúde dos usuários. Dentre estas
medidas, temos:
- Gerenciamentos dos casos: dos pacientes internados, das carteiras, dos pacientes de alto
custo e longa permanência;
- Criação de centrais especializadas de controle e autorização (Auditoria interna);
- Criação de Comitês de Especialidades: avaliação de novas tecnologias, utilização de
OPMEs, procedimentos e materiais de alto custo;
- Ações de direcionamento na rede credenciada, conforme o perfil do usuário.
Atualmente vêm ganhando força entre as operadoras os Programas de promoção da saúde e
Prevenção de riscos e doenças: as chamadas “linhas de cuidado”. De acordo com o Ministério
da Saúde, as linhas de cuidado:
[...] constituem-se em políticas de saúde matriciais que integram ações de proteção,
promoção, vigilância, prevenção e assistência, voltadas para as especificidades de
grupos ou às necessidades individuais, permitindo não só a condução oportuna dos
pacientes pelas diversas possibilidades de diagnóstico e terapêutica, mas também
uma visão global das suas condições de vida. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2008:72).
Desta forma, de acordo com o público-alvo prioritário, o auditor pode propor a criação de
Programas de Saúde da Criança e do Adolescente, de Saúde do Idoso, de Saúde da Mulher, de
Saúde Mental, Programas de controle de crônicos, dentre outros.
3.4 Controle de qualidade da rede credenciada
Nos dias atuais, especialmente após o advento do CDC, há o entendimento que, entre as
operadoras de saúde, os prestadores de serviço e seus usuários é estabelecida uma relação de
consumo. Com isso, a seguradora de saúde é responsável solidária pela reparação dos danos
causados aos usuários por atos praticados pelo estabelecimento que integra a sua rede
credenciada, bem como por eventuais erros cometidos pelos médicos que compõem a sua
equipe (PAIM, 2011). Em outras palavras, a operadora do plano de saúde, na condição de
fornecedora de serviço, deve responder perante o consumidor pelos defeitos em sua prestação.
Uma das ferramentas para o controle da qualidade da rede, além das visitas hospitalares já
descritas, é a visita de credenciamento realizada pelos auditores. Através desta visita, o
auditor pode verificar in loco o funcionamento da instituição a ser credenciada; seu quadro de
10
pessoal e os recursos humanos existentes; a utilização de normas, rotinas e protocolos
institucionais; a obediência à legislação específica e às boas práticas necessárias ao serviço de
saúde; além de outras informações consideradas importantes pela equipe. Habitualmente,
essas visitas dão origem à relatórios, que irão subsidiar o gestor da operadora quanto à
eficácia do sistema ou do serviço prestado.
3.5 Perícias Médicas
A perícia é “o processo de verificação da veracidade dos fatos ou de pertinência de uma
solicitação ou cobrança, sendo geralmente associada ao exame físico do periciado”
(ANTONINI, 2003:6). No contexto da saúde suplementar a perícia pode ser realizada no
momento da admissão ao plano, para confirmação das informações prestadas pelo usuário e
como forma de avaliar a presença ou não de patologias preexistentes. Também pode ocorrer
antes da realização de determinados procedimentos, com a finalidade de coibir a realização de
procedimentos estéticos descritos como cirurgia funcional, além de constatar a pertinência e
adequação do procedimento solicitado para aquele usuário específico (a chamada perícia
prévia). Normalmente, a perícia prévia é condição essencial para a liberação de
procedimentos ou tratamentos de alto custo.
3.6 Auditoria de Contas
É uma das atividades mais comuns de auditoria em saúde, podendo ser realizada tanto por
médicos quanto por enfermeiros. Consiste na análise do faturamento das cobranças efetuadas,
buscando principalmente o controle dos custos, a redução de perdas e a identificação de
abusos e fraudes, pagando um valor justo pelos serviços prestados. Para atingir esses
objetivos, o auditor deve :
- Verificar a coerência entre o diagnóstico e os procedimentos propostos e realizados;
- Atentar para horários de internação, alta hospitalar e tipo de acomodações;
- Avaliar as visitas de especialistas e suas cobranças; e
- Analisar a cobrança de material e medicamentos.
As contas podem ser abertas ou compactadas (fechadas/ pacote). Nas contas abertas é feita a
cobrança separadamente de todos os itens utilizados para a execução de determinado
procedimento, enquanto nas contas compactadas todos os itens utilizados para realização de
determinado procedimento são negociados entre prestador e operadora, de forma que seja
pago um valor único para cada atendimento realizado. A vantagem dos pacotes em relação à
conta aberta é que, no pacote o auditor gasta menos tempo na análise das faturas; podendo
dedicar-se mais tempo para analisar as internações de alto custo, verificar os relatórios de
análise e conhecer o perfil de cada prestador. As desvantagens são as dificuldades de diálogo
entre operadora e prestador, em casos de negociação não ajustada; o risco de ocorrer liberação
de eventos desnecessários; o risco de elevação nos custos, se negociação não refletir a
realidade do mercado; e a necessidade de reavaliação periódica do custo do pacote, para
acompanhamento do real valor de cada procedimento no mercado.
A auditoria de contas pode ser feita tanto na operadora quanto no próprio prestador. A
vantagem da auditagem da conta hospitalar diretamente no prestador é dispor do prontuário e
de outras informações necessárias no momento da análise (evitando glosas equivocadas),
possibilitando assim a emissão de relatórios de contas sem divergências quanto a cobrança
apresentada. Desta forma, o auditor diminui a quantidade de recursos de glosa desnessários,
contribuindo para redução do retrabalho das equipes envolvidas com a apresentação e a
análise das contas.
11
3.7 Consultoria para assuntos que envolvam aspectos éticos e legais
Cada vez mais, são encaminhados à Justiça pedidos fundamentados no risco presumido de
morte do requerente, em caráter de emergência. O magistrado, diante da alegação de tão
graves riscos, geralmente decide pela concessão dos benefícios ao usuário; muitas vezes sem
o respaldo técnico necessário, extrapolando a cobertura dos planos além do estabelecido na
legislação regulamentadora e nos contratos. Torna-se claro a necessidade de juizados e varas
especializadas para a atuação em Saúde, com profissionais preparados para dar suporte às
decisões judiciais. O médico auditor, como parte de uma equipe multidisciplinar voltada à
solução de questões relativas à saúde (tanto no sistema suplementar quanto no sistema
público), poderá permitir significativa economia do Poder Judiciário e do sistema de saúde
como um todo. Através dessa nova dinâmica, todos podem ser beneficiados. De um lado, as
operadoras evitarão a necessidade de concessão de serviços não previstos em seus cálculos
atuariais e que lhes são obrigados por força de determinação judicial. Do outro lado, os
usuários podem ter acesso mais rápido aos seus direitos, inclusive com a redução dos preços
dos planos de saúde (OLIVEIRA, 2011).
4. Conclusão
Nas últimas décadas, o Sistema de Saúde Público vem, progressivamente, entrando em
colapso, em contraponto ao crescimento da Saúde Suplementar. Mais recentemente, porém,
em virtude de diversas mudanças no cenário social, a sobrevivência das operadoras de saúde
encontra-se ameaçada. A realidade atual é de uma população com maior expectativa de vida,
levando ao aumento contínuo dos custos assistenciais devido ao surgimento de novas
tecnologias e à maior prevalência de doenças crônicas. Considerando-se a necessidade de
aperfeiçoamento dos modelos de gestão em Saúde Suplementar, a Auditoria em Serviços de
Saúde é uma importante ferramenta, que deverá ter como seus objetivos: manter o equilíbrio
do sistema, possibilitando o direito à saúde para todos os usuários; garantir a qualidade dos
serviços oferecidos e prestados; e fazer cumprir os preceitos legais estabelecidos pela
legislação, de acordo com os princípios éticos e a defesa do consumidor. Neste contexto, o
médico auditor tem um papel fundamental como o mediador de conflitos entre a operadora de
Saúde Suplementar, o paciente, e o prestador de serviços em saúde. Desta forma, o auditor
podendo atuar nas diversas fases da prestação de serviços. Na pré-auditoria ou auditoria
prévia, auditando a solicitação dos procedimentos, verificando a conformidade ou não dos
mesmos. Nas auditorias operativas e analíticas; através do acompanhamento dos pacientes e
avaliação das contas hospitalares durante a prestação da assistência. Na pós-auditoria, com a
elaboração de relatórios que irão subsidiar a tomada de decisão por parte dos gestores. E
finalmente nas atividades especiais de auditoria, tais como as atividades em nível pericial ou
através da participação do médico auditor em Câmaras Técnicas ou Comitês de
Especialidade. Concluímos, então que o serviço de auditoria médica é um importante
instrumento para assessoramento dos gestores das operadoras de saúde.
Referências
ANTONINI, Bruno. Modelos de Gestão de “Auditoria Médica” em Organizações de
Saúde do Estado de São Paulo – Brasil. 2003.Disponível em: http://www. Fineprint.com
BANCHER, A. Medicina preventiva no setor suplementar de saúde: estudo das ações e
programas existentes e das motivações para sua implantação. Dissertação de Mestrado em
Administração de Empresas. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas/EAESP, 2004.
12
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Diretrizes e recomendações para o cuidado integral de doenças crônicas não
transmissíveis: promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília:
Ministério da Saúde, 2008c. 72 p. (Série B. Textos Básicos de Atenção à Saúde); (Série
Pactos pela Saúde 2006; v. 8).
CASTIEL, D.C; PÓVOA, E.C. Medicina Baseada em Evidências: “novo paradigma
assistencial e pedagógico”? Comunic, Saúde, Educ, v6, n11, p.117-32, ago 2002.
CICONELLI, R.M.; PAIM, C.R.P Auditoria de avaliação da qualidade dos serviços de
saúde. RAS Vol. 9, No 36 – Jul-Set, 2007.
Conselho Federal de Medicina. Resolução 1614/2001. Diário Oficial da União Brasília, DF
2001 10 abr. Disponível em: http://www.cfm.org.br.
Conselho Federal de Medicina. Brasília. Resolução 1634/2002. Comissão Mista de
Especialidades. 11 abr 2002. Disponível em: http://www.cfm.org.br.
CRUZ, D.A.L.; PIMENTA, C.A.M. Prática baseada em evidências, aplicada ao raciocínio
diagnóstico. Rev Latino-am Enfermagem maio-junho; 13(3):415-22.
GUEDES, Diego Nunes et al. O papel do Sistema Nacional de Auditoria e sua base legal
na otimização da Gestão de serviços oferecidos pelo SUS. Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XV, n. 104, set 2012. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br
INSTITUTO
BRASILEIRO
http://www.ibge.gov.br
DE
GEOGRAFIA
E
ESTATISTICA
(IBGE):
KOYAMA, Marcos Fumio. Auditoria e qualidade dos planos de saúde: percepções de
gestores de operadoras da cidade de são paulo a respeito do programa de qualificação
da saúde suplementar da ANS, Dissertação de Mestrado em Administração de Empresas.
São Paulo: Fundação Getúlio Vargas/EAESP, 2006.
MEDEIROS, U. V.; ANDRADE, J. M. V. Guia de estudo de auditoria. Apostila do Curso
de Especialização em Odontologia do Trabalho. São Paulo: Faculdade de Odontologia São
Leopoldo Mandic, Mundi Brasil, 2007.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Normas de Auditoria, 1998.
OLIVEIRA, Sérgio Brito. A Judicialização da Saúde Suplementar e a Necessidade de
Justiça Especializada, nov 2011. Disponível em: http://www.jurisway.org.br
PAIM, C. R. P.; ZUCCHI, P. Auditoria de avaliação dos serviços de saúde no processo de
credenciamento. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2011, vol.16, suppl.1, pp. 1163-1171.
PORTAL PLANALTO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Seção II. Art.196. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br
13
SANTOS, L. C.; BARCELLOS,V.F. Auditoria em saúde: uma ferramenta de gestão.
Artigo para Título de Especialista em Gestão e Auditoria em Saúde. Brasília, DF, Centro
Universitário UNIEURO, 2009.
SILVA, José Roberto. A auditoria como instrumento de melhoria na qualidade da
assistência em saúde. Campinas, SP, 2009.
Download