ATUALIDADE DA ABORDAGEM CONTINGENCIAL NA GESTÃO EMPRESARIAL Autoria: Adalberto Ramos Cassia RESUMO: Este artigo tem o objetivo de apresentar os reflexos da Teoria Contingencial nas teorias, modelos e técnicas de administração que surgiram e ganharam projeção ao longo da segunda metade do século XX. Importantes pesquisas, realizadas nas décadas de 50 e 60, refinaram a orientação contingencial que, em anos posteriores, vieram alicerçar derivações teóricas, como “Administração Estratégica” e “Vantagem Competitiva”, entre outras. Nos dias atuais, a abordagem contingencial permeia modelos e técnicas gerenciais, apoiando o uso de amplas e sofisticadas estruturas tecnológicas voltadas à competitividade empresarial. Neste artigo, busca-se identificar a influência do enfoque contingencial nas práticas e teorias administrativas, ressaltar a correção de seus pressupostos, a competência de seu posicionamento, a atualidade de seus estudos para o momento econômico vivido pelas empresas nacionais, mormente aquelas que passaram recentemente pela experiência da privatização. Se antes aquelas empresas estavam acobertadas pelo manto do Serviço Público, hoje, enfrentando a concorrência no mercado globalizado, precisam reorientar suas atenções e ações. A Teoria Contingencial tem muito a contribuir nesta reorientação. 1. Introdução A moderna teoria administrativa encontra fortes alicerces nos estudos e pesquisas que serviram de base para o que hoje se denomina Teoria Contingencial. Observa-se que, trabalhos como os de Woodward, Burns e Stalker (MOTTA, 1980), focalizaram a identificação de estruturas e comportamentos organizacionais, buscando explicar o desempenho empresarial a partir de um enfoque sistêmico e de natureza sociológica. Nas conclusões de muitos daqueles estudos e pesquisas, inseriam-se o ambiente e a tecnologia como vetores determinantes das características organizacionais, tanto em termos de estratégias, estruturas hierárquicas e funcionais, quanto em termos de comportamentos gerenciais, administrativos e operacionais. As pesquisas de Woodward contribuíram para o ajustamento deste foco, ao delinear os contornos organizacionais em função da tecnologia de produção utilizada pelas empresas. Professora de sociologia industrial, na Universidade de Londres, preocupou-se em estabelecer ligações entre a teoria e a prática da administração, no desenvolvimento de suas pesquisas, iniciadas em 1953 e apresentadas em detalhados trabalhos (WOODWARD, 1958; 1965; 1970) que demonstravam seu foco de atenção no campo da observação dos impactos da tecnologia no contexto organizacional. Em um de seus trabalhos mais conhecidos, após analisar uma centena de indústrias inglesas, concentrando-se em aspectos administrativos, como número de empregados, número de níveis hierárquicos, sistemáticas de comunicações internas e outros elementos, não chegou à respostas significativas sobre a natureza de suas estruturas e comportamentos. Passou, então, a estudar aspectos ligados à tecnologia utilizada, identificando-a como fator de primeira ordem no processo de estruturação organizacional, observando que a tecnologia utilizada na produção determinava toda a estrutura administrativa, assim como o direcionamento do comportamento das empresas. 1 Analisando-se, comparativamente, o momento atual brasileiro, pode-se observar o processo em andamento nas ex-estatais do setor de telecomunicações, buscando a modificação de uma estrutura organizacional formada e desenvolvida sob condições de monopólio estatal para um modelo baseado em competição global. Aquelas empresas que atuaram, por cerca de 30 anos, fundamentadas no trabalho de engenharia de infra-estrutura, com atuação em torno de requisitos tecnológicos, focalizando ações em hardware para melhorar a eficiência das redes de telecomunicações, especialmente no tráfego de voz, agora vivem o desafio da competitividade, da busca pelo atendimento ao cliente, da atuação em um mercado que vai se abrindo à concorrência externa e de transformações tecnológicas aceleradas. Seus principais desafios estavam focalizados na disputa por recursos financeiros destinados à expansão da planta de telefonia, definidos por comitês exclusivamente preocupados com aspectos técnicos. Os recursos financeiros, gerados por suas operações, eram administrados pelo governo federal, que, em geral, estava comprometido com necessidades diversificadas. Estas empresas atravessam, atualmente, processos de grandes transformações. A tecnologia básica, extremamente complexa em suas características internas, reveste-se de simplicidade de implementação, operação, manutenção e um poder de processamento de transações exuberante, tornando-a componente fundamental para implementação de estratégias de uso intensivo de tecnologia e estruturas administrativas enxutas. Estas conjunções têm produzido drásticas reduções nos quadros de pessoal, incrementos em produtividade e novos arranjos organizacionais, em função de seus novos desafios mercadológicos, onde a competição elevou-se para níveis extremos. Neste sentido, observa-se a atualidade das pesquisas e conclusões de Woodward, referindo-se à tecnologia como componente sintonizado aos objetivos da empresa, em função de seus mercados de atuação e seus produtos comercializados, determinando, assim, a estrutura organizacional e seu comportamento. A maior complexidade do sistema produtivo seria um fator determinante dos níveis de controles operacionais, refletidos nas estruturas administrativas, exatamente como tem ocorrido nas mencionadas empresas recémprivatizadas. Outro resultado importante de suas pesquisas foi a constatação de que melhores desempenhos, tanto financeiros quanto mercadológicos, não estavam associados a um tipo específico de organização ou sistema produtivo, sugerindo que seriam diversas as estruturas e práticas administrativas que viabilizariam bons desempenhos empresariais. Este aspecto viria a se constituir em um dos fundamentos da teoria contingencial, assinalando que não existiria uma melhor maneira (“the best way”) para se estruturar e organizar uma empresa, a fim de se obter bons resultados financeiros e mercadológicos. Muitos teóricos formularam modelos ideais para administração empresarial, acreditando que arquiteturas ideais poderiam ser empregadas em qualquer tipo de organização, em qualquer tempo, lugar e ciclo de vida da organização, ou seja, um modelo genérico, seguindo uma linha fixa de raciocínio estratégico e operacional, poderia ser empregado tanto em uma empresa industrial, quanto em uma empresa prestadora de serviços médicos, exemplos estão em Taylor, Fayol e Weber. As conclusões de Woodward, ao contrário, projetavam um raciocínio sobre a necessidade de utilização de um modelo de administração específico para cada empresa, considerando suas particularidades de atuação, competências básicas e conhecimentos requeridos em tecnologia, além das estruturas hierárquicas necessárias e habilidades gerenciais. De uma forma geral, Woodward identificou a existência de um “imperativo tecnológico”, no sentido em que a tecnologia (de produção, naquele caso) determinaria a 2 estrutura e o comportamento organizacionais, explicitando que a complexidade tecnológica obrigaria a subdivisão do conhecimento em partes sucessivamente menores, até propiciar a especialização máxima, permitindo a compreensão do modelo e do processo produtivo, desenvolvendo respostas adequadas e alinhadas as interesses da empresa e às necessidades dos clientes. Dois outros pesquisadores da Grã-Bretanha, Thomas Burns, professor de sociologia da Universidade de Edimburgo e o psicólogo G. M. Stalker, desenvolveram estudos sobre o relacionamento da empresa ao seu ambiente de negócio, classificando e descrevendo as organizações como sistemas administrativos “mecanísticos” e “orgânicos”. Seus conceitos muito contribuem para a análise das empresas, nos tempos atuais, envoltas por um processo de globalização econômica, por novas regulamentações governamentais e transformações tecnológicas que impõe a necessidade de refinamento das atenções aos clientes, concorrentes, competidores potenciais, produtos e serviços substitutos, além dos acionistas. Suas pesquisas produziram fortes influências nos estudos sobre desenvolvimento organizacional e abordagem contingencial, sobretudo nos centros de estudos americanos, contrapondo-se, da mesma forma que Woodward, ao modelo do melhor meio (“one best way”) para administrar organizações, delineado pelas correntes da administração científica, funcional e burocrática. As suas conclusões fundamentais focalizavam os tipos de organizações “mecanísticas” e “orgânicas”, demarcando a existência de um “imperativo ambiental”, onde estrutura e comportamento organizacionais não seguiriam um modelo pré-determinado, sendo definidos em função “das pressões e mudanças na situação dos mercados, nos requisitos técnicos e na própria estrutura da sociedade” (BURNS & STALKER, 1961). Pretendiam demonstrar, através de suas pesquisas, a existência de características organizacionais além do “tipo ideal de modelo administrativo baseado na burocracia”, proposto por Max Weber. Reforçaram o direcionamento para a multiplicidade de meios e modelos válidos para a administração e organização que pudessem produzir resultados empresariais positivos. O modelo weberiano influenciou profundamente o pensamento de muitos teóricos e administradores brasileiros, que defendiam seus postulados e pretendiam, inicialmente, seguir à risca suas concepções à respeito da implementação de estruturas meticulosamente projetadas, detalhadas e implementadas através de sistemas administrativos extremamente rígidos e centralizados. Tais concepções formaram a base do extenso aparato estatal implementado pelo governo brasileiro, envolvendo a economia sob estruturas monopolísticas, privilegiando a formação de mega-corporações, como Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás, Radiobrás, etc. Este modelo político-econômico permitiu o desenvolvimento de tecnologia de base, em escala limitada e sem incrementos significativos em competitividade. Nos Estados Unidos, Alfred D. Chandler, Jr., da Universidade de Harvard, realizou uma longa pesquisa sobre quatro grandes corporações americanas (Du Pont, General Motors, Standard Oil e Sears). Pretendia confirmar a hipótese de que as mudanças na estrutura e no comportamento organizacionais decorreriam das estratégias de negócios, formuladas e implementadas pelas administrações daquelas quatro grandes corporações industriais citadas, em função de suas etapas de desenvolvimento empresarial. Ao identificar e descrever as etapas por que passaram tais organizações, demonstrou que suas estratégias foram alteradas em função das mudanças ambientais e tecnológicas – seus imperativos – e que alterações em suas estratégias desencadearam mudanças em suas estruturas e comportamentos organizacionais, em geral, em prazo prolongado (CHANDLER JR, 1962). Observa-se a viabilidade de suas conclusões em corporações brasileiras ao longo dos últimos anos que, sob as condições de monopólio, preocuparam-se em expandir sua atuação no mercado interno, protegido. Com o advento da abertura econômica, uma transformação 3 estrutural exigiu respostas rápidas e diferenciadas que, na maioria dos casos, não ocorreu, determinando a extinção de muitos grupos tradicionais e o crescimento na participação do capital externo em outras tantas organizações brasileiras. A adaptação, no caso, ocorreu pela associação ou venda do patrimônio. Os estudos dos professores Paul R. Lawrence e Jay W. Lorsch, da Universidade de Harvard, demonstraram, também, o impacto dos imperativos ambientais e tecnológicos sobre as estruturas e comportamentos organizacionais. Através de suas pesquisas apresentaram os conceitos de “diferenciação” e “integração”, como sendo processos básicos utilizados pelas organizações em resposta às necessidades de adequação e resposta, na forma de suas estruturas e comportamentos organizacionais, aos imperativos ambientais e tecnológicos. A diferenciação estaria ligada à necessidade, em função do aumento da complexidade dos desafios ambientais e tecnológicos, de proceder à divisão organizacional em busca de subsistemas que possibilitassem a máxima especialização, disponibilizando recursos e esforços extremamente concentrados, em tarefas particularizadas e de conhecimento restrito, a fim de compreender os problemas e produzir respostas completas e coerentes com os requisitos dos problemas empresariais (LAWRENCE & LORSCH, 1967). Como complemento à “diferenciação”, definiram o conceito de “integração”, com a função de agregar as partes então subdivididas em busca de uma resposta homogênea, integrada, sincronizada, orgânica e que se configurasse na resposta coordenada pela organização ao ambiente externo. Em período anterior, o executivo americano Alfred P. Sloan, Jr., em seu longo tempo à frente da administração da General Motors, utilizou-se de articulações semelhantes, quando definiu, delineou e implementou um modelo de organização descentralizada com controle viabilizado através da coordenação, estruturando comitês executivos e técnicos, encarregados de analisar, decidir e controlar a implementação de ações de “diferenciação” e de “integração”. Sua gestão, de grande sucesso, na GM, entre 1920 e 1955, transformou-se num dos marcos fundamentais do estudo da administração nos Estados Unidos e no mundo. Sloan aplicou, em sua época e em termos práticos, o que muitos anos depois os teóricos da administração contingencial viriam a apresentar sob forma conceitual e analítica. Seu histórico empresarial transformou-se em fonte de muitos exemplos de capacitação profissional, liderança e utilização de modelos para gestão empresarial, focando o posicionamento da empresa em função de seu ambiente de negócio e idealizando sua estrutura organizacional em função de suas estratégias (SLOAN JR., 1965). 2. Reflexos da abordagem contingencial na Teoria da Administração Estratégica Outros estudos e pesquisas de autores importantes foram publicados ao longo da segunda metade do século XX, muito colaborando para o desenvolvimento da teoria contingencial, entre eles, os trabalhos do professor H. Igor Ansoff. Sob uma abordagem histórica, Ansoff apresenta a evolução dos sistemas de administração como conseqüência da evolução dos desafios empresariais. Assim, caracteriza a época de “produção em massa”, como sendo um período da indústria americana de grande fervor em torno da consolidação da infra-estrutura industrial criada naquele país, ao lado do extenso sistema ferroviário, cujas construções iniciaram-se com a Revolução Industrial, no século XIX. 4 Este período, de grande turbulência, pioneirismo e empreendedorismo, foi marcado pelo avanço das grandes corporações diante dos vastos mercados a explorar, que permitiram o desenvolvimento organizacional voltado para implementação de capacidade produtiva e busca concentrada na eficiência dos sistemas de produção. Neste contexto, o sistema de administração utilizado, estava focado em orçamentos e planejamento de longo prazo, considerando o futuro como simples extrapolação do desempenho passado. Os desafios estavam voltados para o crescimento quantitativo e, para tanto, foram estabelecidas as formatações da produção em larga escala, buscando custo reduzido. As empresas concentraram seus esforços em seus mercados e no incremento contínuo de melhorias em seus produtos que lhe trouxessem custos mais baixos, atingindo, desta forma, ampla base de consumidores. Exemplo clássico desta abordagem, a Ford Motors foi, por muitos anos, modelo de gestão empresarial. Alterações ambientais significativas foram provocadas pelos movimentos de outra gigante da indústria automobilística americana, General Motors, então comandada por Alfred Sloan que implementou e operacionalizou com acréscimos organizacionais pioneiros, o que C. Durant havia concebido como estratégia de negócio. A GM inovou em direção ao “marketing de massa”, deslocando a preocupação básica com a eficiência produtiva para a eficiência mercadológica, o que gerou profundas alterações nas estruturas organizacionais e deslocou o poder político inter-divisional. Os movimentos da GM rapidamente espalharam-se pelos demais setores industriais e provocaram aumento significativo nos níveis de reestruturações organizacionais. Tais transformações forçaram as organizações empresariais para implementação de novas articulações de adaptação ao ambiente, então mais instável, incerto, descontínuo: iniciava-se a “Era Pós-Industrial”. Em função dos novos desafios empresariais, surgiram os modelos de planejamento estratégico, permitindo que as empresas monitorassem, mais eficientemente, um ambiente em crescente transformação e que trazia grandes níveis de incerteza com relação ao futuro. O processo do planejamento estratégico foi delineado com o objetivo de se transformar em um sistema de administração associado aos imperativos ambientais e tecnológicos, descrevendo o mecanismo de adaptação das estratégias empresariais ao ambiente de negócios, em função dos pontos fortes e fracos da organização e das oportunidades e ameaças identificados. Com o aumento da turbulência ambiental, os sistemas de administração, baseados no planejamento estratégico, começaram a apresentar problemas. O fenômeno da resistência organizacional às mudanças, definidas como necessárias pelo processo do planejamento estratégico, foi identificado como principal fonte do insucesso no posicionamento competitivo empresarial. Uma organização resistente à mudança não conseguiria adaptar-se ao ambiente com a velocidade necessária, trazendo risco para suas estratégias de crescimento e até para sua sobrevivência. Ao lado desta resistência, o crescimento acelerado dos níveis de turbulência ambiental, notadamente a partir da década de 1970, tornou urgente a implementação de novos modelos e articulações nos sistemas de administração, com o objetivo de responder de forma adequada às demandas do mercado, às necessidades e exigências dos consumidores e aos novos contornos geopolíticos de um mundo que iniciava seu processo de expansão tecnológica, impulsionando o processo de globalização dos mercados financeiros e de comércio internacional. Em 1973, com a edição do “Primeiro Seminário sobre Administração Estratégica”, realizado na Universidade de Stanford, Ansoff e seus colegas lançaram as bases para a 5 evolução do sistema baseado no modelo do planejamento estratégico para o sistema baseado na administração estratégica (ANSOFF, 1987). O núcleo da argumentação do novo modelo refletia uma preocupação em sincronizar a estratégia ao nível de turbulência ambiental, assim como em sincronizar a potencialidade organizacional à estratégia. Baseado no reconhecimento de que somente adotando uma postura de agressividade nas transformações de estratégia e organização a empresa poderia responder adequadamente às mudanças ambientais, a administração estratégica propôs a gestão baseada na contínua adaptação da empresa ao ambiente e na contínua adequação organizacional às estratégias. Houve um pleno reconhecimento dos imperativos ambientais e tecnológicos agindo sobre os fatores contingenciais à empresa, assim como um reconhecimento da necessidade de implementar uma abordagem sistematizada em torno da gestão da inovação, gestão da mudança e gestão da aprendizagem, no contexto organizacional. Ansoff, Declerck e Hayes apresentaram dois tipos de modelos de relacionamento empresa-ambiente que determinariam molduras organizacionais baseadas em seu comportamento: o operacional-competitivo e o estratégico-empreendedor. Argumentaram que, ao longo dos anos, com o aumento das descontinuidades e turbulências ambientais, as empresas foram sendo obrigadas a adotar cada vez mais, o comportamento estratégico-empreendedor, como modelo de sustentação, sobrevivência e crescimento. O problema estratégico identificado era a provável incapacidade de reconhecer as mudanças ambientais e gerir as transformações organizacionais necessárias em tempo hábil. Através de processos de análise e diagnóstico, em níveis estratégicos, poderiam ser identificados os níveis de turbulência ambiental, de agressividade da estratégia e da capacidade de reação da potencialidade organizacional. Em complementação ao diagnóstico estratégico, formularam as bases para o planejamento da transformação da atitude estratégica e identificaram os atributos que se tornariam alvo do trabalho de mudança. Estabeleceram os contornos dos processos de transformações organizacionais, focados nos aspectos e conflitos culturais e de integração entre as atividades competitivas (operacionais) e empreendedoras (estratégicas), abordando tais transformações como um processo planejado de aprendizagem organizacional. Ansoff aprofunda a argumentação sobre a necessidade de adaptação constante da empresa ao seu ambiente e o desenvolvimento planejado de suas potencialidades de reação organizacional, levantando questões fundamentais relativas às competências da administração geral e logística (ANSOFF, 1977). A primeira ligada à orientação e controle das atividades da organização e a segunda preocupada com a transformação de seus recursos em bens e serviços. Retratou a evolução dos desafios empresariais a partir da “Era Industrial” e traçou um paralelo com a evolução dos sistemas de administração empregados em cada etapa (ANSOFF, 1993). Assim, discorreu sobre a evolução dos desafios e dos sistemas de administração, apresentando os fundamentos que produziram o modelo da administração estratégica como evolução ao planejamento estratégico, descrevendo as características básicas da potencialidade organizacional e maneiras de diagnosticar a turbulência ambiental, o posicionamento estratégico e a potencialidade da administração, ao que complementou com especificações que sustentariam o desenvolvimento de potencialidades futuras. Em termos gerais, voltou-se para caracterizar, como elementos fundamentais da potencialidade organizacional, os arquétipos gerenciais, os sistemas administrativos e as arquiteturas organizacionais capazes de promover a adaptação da empresa ao seu ambiente de negócios, utilizando a base conceitual da Teoria Contingencial. 6 3. Reflexos da abordagem contingencial na Cadeia de Valores Assim como Ansoff, também Michael Porter, professor de administração industrial da Universidade de Harvard, dedicou-se à compreensão da estrutura da indústria e da concorrência como formas de melhor compreender o ambiente e fundamentar suas concepções sobre estratégias para obtenção de vantagem competitiva. Porter buscou, no ambiente empresarial e na análise de suas forças competitivas, os elementos básicos para formulação de estratégias que permitissem obtenção de vantagem competitiva em relação aos demais participantes, fossem concorrentes, clientes, fornecedores, entrantes potenciais ou substitutos (produtos ou serviços). As empresas definiriam suas estratégias genéricas e específicas a partir do resultado da análise efetuada sobre as cinco forças básicas que determinariam a rentabilidade, em termos de longo prazo, do setor em que atuava ou pretendia atuar. Os determinantes da intensidade da concorrência e da rentabilidade estariam vinculados ao poder de negociação dos clientes e fornecedores, à ameaça de serviços e produtos substitutos, à ameaça de novos entrantes e à rivalidade existente entre as empresas do setor. Como elementos centrais de sua metodologia definida para análise da concorrência, focou a atenção em quatro componentes: metas futuras, estratégias em curso, hipóteses sobre si e sobre a indústria e as capacidades estratégicas. Estes componentes forneceriam os “inputs” necessários para formatação do “perfil de respostas do concorrente”, que viriam a expor o nível de satisfação do concorrente com sua atual posição no setor, seus prováveis movimentos estratégicos, seus pontos vulneráveis e os principais fatores que produziriam suas mais efetivas retaliações como resposta aos movimentos da concorrência (PORTER, 1985). Aproximaram-se, Porter e Ansoff, propondo um mecanismo articulado em nível estratégico, para monitorar os sinais estratégicos e competitivos do ambiente. Porter discorreu sobre os “sinais de mercado” e Ansoff sobre os “sinais de baixa e de alta freqüência”, ambos identificando a necessidade de um mecanismo aguçado de percepção sobre alterações, modificações e transformações no ambiente externo. Semelhante ao conceito de Ansoff sobre a potencialidade logística da organização, Porter formulou o conceito de “cadeia de valor” como núcleo da preocupação estratégica para a obtenção e manutenção da vantagem competitiva (PORTER, 1989), em que buscou aprofundar o mecanismo da “diferenciação” pesquisado por Lawrence e Lorsch, agregandolhe o atributo de “valor” como medida de desempenho, assim como aprofundou o estudo quanto ao mecanismo da “integração”, acrescentando-lhe a conectividade representada pelos “elos”. Expandiu a abrangência da “integração” ao delinear a “cadeia de valores” de uma empresa como um subsistema inserido na corrente do “sistema de valores”, que agregaria as “cadeias de valores” dos fornecedores, dos canais de distribuição, dos compradores e, eventualmente, das demais unidades de negócios de uma corporação. Este arcabouço conceitual (“sistema de valores”) está sendo articulado no espaço da Nova Economia, apoiado em infra-estrutura operacional disponibilizada pela inovação tecnológica, especialmente no campo da tecnologia da informação, cujos resultados têm sido apresentados ao mundo empresarial e à sociedade, de forma geral, através de arquiteturas de negócios, com denominações como: “e-Businnes”, “e-Commerce”, “e-Procurement”, “Business-to-Business”, “Business-to-Consumer”, “Supply-Chain”, “Outsourcing Management”, entre outros. 7 Em geral, estas arquiteturas de negócios promoveram uma extraordinária interligação entre as cadeias de valores de fornecedores e clientes, de forma a disponibilizar mecanismos adaptativos em tempo real como resposta às descontinuidades ambientais. Houve uma aceleração, sem precedentes, na velocidade de captação, armazenamento, recuperação e tratamento de dados sobre variados elementos e componentes que municiaram os estrategistas empresariais com informações de toda ordem, magnitude e relevância. Além do apoio ao vetor “administração”, estas articulações também forneceram suporte aos novos formatos de negócios sob novas exigências dos clientes, órgãos reguladores, agências governamentais, instituições sociais de variados objetivos, presentes no âmbito de atuação empresarial, além do despertar da concorrência intensiva. Com os “sistemas de valores” interconectados, os benefícios foram muitos e em variadas áreas de negócios, mas também os riscos aumentaram de forma vertiginosa. Uma deficiência em um ponto da cadeia poderia evoluir e se transformar numa mutação descontrolada, causando aumento na turbulência do sistema e trazendo conseqüências dramáticas ao longo desta corrente, destruindo empresas, abrindo novos mercados, estimulando novos empreendimentos e uma série de transformações descontínuas. Como base para estes modelos, a Teoria Contingencial proporcionou o enfoque conceitual que orientou empresas e teóricos no sentido de posicionar as organizações em relação ao mercado e seu ambiente de negócios. 4. Influência da abordagem contingencial nas novas técnicas e métodos de administração Neste princípio de século XXI, a globalização econômica trouxe mais oportunidades e ameaças às empresas. Em termos de interligação econômica mundial, estão recentes os problemas nos mercados financeiros do México, Brasil, Rússia, Cingapura, etc., as crises na Argentina, desencadeadas pela desvalorização cambial brasileira, os desafios enfrentados por economias nos processos de integração em blocos econômicos, problemas do desemprego e desequilíbrios sociais causados por questões estruturais e tecnológicas. Porter assinalou que a inovação tecnológica assumiu uma significativa posição de modeladora da concorrência, ao propiciar a criação de novas indústrias, novos produtos, novos mercados, novas empresas e, mesmo nas indústrias estabelecidas, definiu os novos líderes de mercado (PORTER, 1999). A inovação tecnológica apresentava impacto direto na cadeia de valores e, por conseqüência, no “sistema de valores”, ao possibilitar a implementação de novas formas de relacionamento entre fornecedores e clientes, novos métodos de produção, logística, gestão de recursos e configurações organizacionais, reais ou virtuais. Conceituou que a tecnologia iria afetar os padrões de competitividade de uma empresa se esta viesse a representar um modelo superior na determinação da posição do custo relativo ou da diferenciação na indústria à qual estava ligada. Como a inovação tecnológica assumiu posição de elevado impacto no aspecto da competitividade, tornou-se de alta importância a análise e a identificação da trajetória de sua evolução, permitindo antecipações tecnológicas e reposicionamento estratégico antecipado à ocorrência dos fatos e utilização efetiva das facilidades e recursos proporcionados pelo avanço tecnológico. A tecnologia da informação, que também assumiu posição de alto impacto nas estratégias empresariais, caracterizou-se, entre outros pontos, por uma extrema dinamicidade, 8 de amplo alcance e de profundas transformações dentro das organizações e no ambiente de negócios. Os níveis de inovação no campo da tecnologia da informação produziram indústrias totalmente novas, indústrias interligadas com setores tradicionais, além de provocar alterações no núcleo de vários negócios. O componente “inovação” contribuiu de forma significativa para o aumento da turbulência no ambiente empresarial e, neste contexto, a tecnologia da informação influiu diretamente no aumento nas margens de rentabilidade de muitas empresas, tanto pela redução de custos, como pela diferenciação ao permitir a adição de valor aos produtos do comércio tradicional e na área de serviços. Porter salientou que a tecnologia da informação assumiu papel estratégico ao proporcionar maior rentabilidade através da oferta de maior valor às atividades desenvolvidas pela empresa (PORTER, 1999). Ao subsistema organizacional categorizado por Ansoff como sendo um subsistema “logístico”, cuja preocupação básica era a conversão de recursos em bens e serviços, Porter delineou como sendo o modelo da “cadeia de valores”, oferecendo uma abordagem centrada em aspectos econômicos. O conceito da “cadeia de valores” configurou-se como um modelo teórico representativo das atividades primárias e de apoio que as empresas utilizariam como núcleo formador do suporte às suas estratégias empresariais. Este modelo foi estendido para representar a imensa rede de relacionamentos de negócios que a empresa precisava formar para obter recompensas do ambiente e repor os recursos consumidos no processo de conversão, sendo que a margem resultante seria o “valor adicionado” ou “valor econômico agregado”. Neste contexto logístico-operacional, as transformações tecnológicas causaram profundo impacto, sendo que a busca pela eficiência ao longo da cadeia de atividades foi decisiva para a competitividade e para a rentabilidade da empresa. Os avanços tecnológicos, notadamente nos campos da micro-eletrônica, computação eletrônica e telecomunicações proporcionaram as condições necessárias à aplicação prática dos modelos teóricos da “cadeia de valores” e do “sistema de valores”. As organizações aplicaram recursos significativos em automação industrial e nos sistemas de operações básicas, produzindo imensos ganhos nas áreas de custos operacionais e despesas comerciais e administrativas. Como conseqüência natural da reestruturação produtiva, houve a expansão do uso das tecnologias em direção ao sistema de valores, desencadeando a formação de redes interempresariais. O suporte tecnológico incentivou a iniciativa estratégica da expansão dos relacionamentos inter-empresariais, através das alianças e parcerias. Surgiram os projetos de infra-estrutura, como o EDI – Troca Eletrônica de Documentos, Home-Banking, Redes de Teleprocessamento, Processamento Eletrônico Cooperativo, MRP – Planejamento de Materiais, CIM – Manufatura Apoiada em Computação, CAD – Projetos Apoiados em Computação, CAE – Engenharia Apoiada em Computação, além de estruturas técnicas baseadas na Internet, denominadas Intranets – Redes internas à empresa e Extranets – Externas à empresa, permitindo conexões diretas com fornecedores e clientes. Com a expansão da Internet, estas estruturas gerenciais baseadas em conectividade ganharam impulso extraordinário. Incrementaram-se os projetos de ERP – Planejamento dos Recursos Empresariais, CRM – Gerenciamento do Relacionamento com os Clientes, BI – Inteligência Empresarial, KM – Gerenciamento do Conhecimento Empresarial, TM – Gerenciamento dos Talentos Empresariais e sistemas de gestão baseados em focos 9 estratégicos e medidas de desempenho como Balanced Scorecard, Gestão Estratégica de Custos, entre outros. Viabilizaram-se as orfertas de serviços de outsourcing de CPD´s, de Sistemas Aplicativos e, recentemente, outsourcing de Redes de Telecomunicações, em escalas impressionantes e envolvendo recursos financeiros elevados. A Internet se popularizou e os negócios virtuais transformaram-se em focos de atenção e investimentos, formando os provedores de acesso, de conteúdo, portais eletrônicos, entre dezenas de novos negócios ligados à tecnologia. Os novos desafios empresariais apresentaram-se com a mesma força propulsora da “produção em massa” e do “marketing de massa”. Os sistemas de administração que responderam às alterações do ambiente e da tecnologia, precisam acompanhar o passo, com maior velocidade do que em tempos passados e enfrentar maiores complexidades, incertezas, riscos, turbulências sob uma responsabilidade gigantesca de movimentar volumes de capitais que já superam o PIB de muitos países. Neste ponto, sob a ótica do problema administrativo, Ansoff descreveu os perigos aos quais as empresas estariam expostas. Quanto maior a utilização de recursos tecnológicos, maior deveria ser a capacidade do potencial da administração geral, no sentido de evitar os problemas do lançamento de produtos e serviços de avançado perfil tecnológico, mas destoantes de poder mercadológico da empresa e da capacidade de absorção destes produtos e serviços pelos clientes. Muitos negócios avançados tecnologicamente, literalmente muitos anos à frente de seu tempo, ofereceram produtos reais e de inquestionáveis requisitos e características intrínsecas mas que, no entanto, não obtiveram o retorno mercadológico esperado ou desejado. Ao contrário, além das perdas financeiras dos projetos em si, muitas empresas simplesmente pereceram, tão rapidamente quanto a velocidade de suas operações e seu ritmo de trabalho. Observa-se que, embora existam negócios em que os investimentos mal-sucedidos possam ser absorvidos pelas empresas, este não tem sido o caso do atual cenário empresarial mundial. Os grandes grupos globais concentram, cada vez mais, seus capitais para investimento em projetos que exigem imensos aportes de recursos, tempo de desenvolvimento e maturação tecnológica e reduzido tempo para lançamento de produtos e serviços nos mercados, muitos não permitindo a recuperação total dos investimentos. Falhas neste processo provocam a queda de grandes projetos e grupos empresariais, espalhando, pelos mercados de capitais, o temor sobre perdas financeiras. Casos recentes ilustram as observações de Ansoff quanto à necessidade da administração geral estar à frente de negócios de uso intensivo de tecnologia. Pode-se citar o ocorrido no início do ano 2000 com a Motorola, empresa americana da área de tecnologia de ponta, com negócios globais anuais da ordem de US$ 34 bilhões. Liderando um projeto revolucionário na comunicação celular via satélite – o projeto Iridium – empregou, juntamente com outros grandes grupos, elevada soma de recursos, formou uma estrutura organizacional de extrema competência tecnológica que, inclusive comandava a empresa formada especificamente para lançar o produto no mercado e gerir suas operações. A Iridium não alcançou o resultado esperado, não conseguiu retorno com o negócio e encerrou suas atividades de forma espetacular, ao decidir pela futura destruição de seus sessenta e quatro satélites, desviando-os em direção à atmosfera terrestre. Por outro lado, a Motorola está sentindo a concorrência avançar num mercado até há pouco tempo atrás de seu domínio exclusivo. A Nokia, empresa européia que atua na área de produtos para comunicações celulares, está invadindo os grandes centros consumidores com produtos altamente adaptados às preferências dos consumidores e tem oferecido o que o 10 mercado necessita, no tempo presente, ao lado de novos produtos sincronizados com o avanço da tecnologia. Outra grande empresa, a Microsoft, rainha das bolsas de valores de empresas de alta tecnologia dos Estados Unidos, avaliada pelo mercado, em finais de 1999, em mais de US$ 500 bilhões, caracterizando-se por uma atuação extremamente agressiva, não conseguiu compreender o fenômeno “Internet”, como quase todas as suas concorrentes também não conseguiram. Considerada comprometida em sua estrutura, por muitos analistas do mercado, reagiu de forma espetacular, mas suas práticas comerciais e tecnológicas desalinhadas com o equilíbrio competitivo e responsabilidades sociais, consideradas “desleais”, fizeram com que a justiça americana utilizasse a lei “anti-truste” para determinar sua atuação no mercado. À frente de seus negócios julgados “desleais” estava uma brilhante equipe de técnicos que resolveram implementar funcionalidades quase que “obrigatórias” aos usuários, justamente no momento em que visualizam a Internet como um ambiente livre de controles e obrigações. Há cerca de treze anos atrás, a IBM, consagrada por sua reputação de excelência tecnológica e comercial, investiu em um projeto de integração empresarial que utilizaria sua extensa rede de teleprocessamento. Este projeto pretendia interligar instituições financeiras, indústrias de variados setores de atividade, empresas comerciais, atacadistas e varejistas, além de permitir conexões de usuários particulares para acesso aos sistemas e informações de seus pares comerciais. Apesar do cuidadoso planejamento e acompanhamento dos componentes tecnológicos do projeto, sua aplicação efetiva, em termos mercadológicos, não estava ao alcance e sob conhecimento da organização. Ao final de alguns anos e tendo consumido recursos significativos, o projeto foi encerrado, as equipes foram alocadas em outras áreas de interesse da companhia. Os conceitos e arquiteturas técnicas pensadas naquele projeto, hoje se tornaram realidade, através de outras empresas, outros produtos, suportados por infra-estrutura semelhante, sendo que um dos componentes que viabilizaram estes novos negócios foi justamente a Internet. Hoje os bancos estão oferecendo aos seus clientes os serviços de “home-banking” e interconexões corporativas para planejamento e acompanhamento financeiro, as indústrias estão se beneficiando das redes interconectadas com seus fornecedores e clientes, há extensa ligação entre filiais e unidades de negócios de corporações que atuam em amplas áreas geográficas e a potencialidade da administração foi aperfeiçoada para o gerenciamento desta complexidade ao mesmo tempo em que novas técnicas de análise mercadológica permitiram melhores respostas às demandas ambientais. Porter focalizou sua atenção nas estruturas e funcionalidades dos modelos teóricos para explicar e sinalizar as melhores práticas empresariais que viabilizariam ganhos de competitividade. Ansoff demonstrou que os recursos tecnológicos, modelos e estruturas organizacionais somente trariam benefícios competitivos se o desenvolvimento considerasse primordialmente as potencialidades de administração geral, tanto em nível estratégico quanto operacional. A gestão da inovação tecnológica deveria ser igualmente correspondida pela gestão da inovação organizacional, considerando um enfoque relacionado ao ambiente de negócios e às estratégias competitivas e empreendedoras. Em todos estes casos, percebe-se a necessidade da constante adequação das estratégias empresariais ao passo do mercado. Exatamente a relação funcional captada pela abordagem contingencial. 11 4. Perspectivas e Desafios aos Sistemas de Administração Dentre os vários setores e empresas brasileiras, as ex-estatais constituem-se em férteis fontes de pesquisas para observação da abordagem contingencial, tanto no que se refere à reorientação estratégica em função de alterações em suas estruturas de capital, quanto em relação à turbulência que passaram a enfrentar, a partir da abertura econômica promovida pelo país na década de 90. A partir do Plano Nacional de Desestatização, inaugurado pelo governo Collor, como um dos elementos de sua política neo-liberal, o país experimentou a crescente entrada do capital estrangeiro, visíveis nos investimentos realizados em multinacionais já estabelecidas, em novos empreendimentos industriais, nos mercados financeiros e na participação em processos de privatizações de empresas estatais, nos setores de telecomunicações, eletricidade, transportes rodoviários, portuários e ferroviários. Tais movimentos econômicos provocaram um aumento significativo da turbulência ambiental para as empresas, nacionais ou multinacionais já estabelecidas e, de certa forma, acomodadas às variações dos negócios e políticas governamentais. A entrada do capital internacional trouxe mudanças ao capitalismo brasileiro. A inversão de recursos financeiros externos implementou uma nova dinâmica na forma de se realizarem negócios, provocando uma gigantesca mudança cultural no ambiente organizacional. O novo ambiente de competição acirrada, desencadeou um movimento de profissionalização da gestão empresarial, possibilitou maiores investimentos em inovação tecnológica e reformulação nas práticas de relacionamento com clientes e fornecedores. Neste cenário, observa-se o potencial de utilização dos conceitos formulados pelos teóricos da abordagem contingencial. Diante dos novos desafios empresariais, que surgem e se modificam com enorme velocidade, as organizações e seus administradores necessitam de instrumentos teóricos que os posicionem adequadamente diante das exigências ambientais e das transformações tecnológicas que, se por um lado permitem ganhos em competitividade e agilidade, também determinam os seus destinos. Em termos de desenvolvimento futuro, muitos teóricos conceituam que o conhecimento científico estará cada vez mais presente e inserido no contexto tecnológico. A capacidade da administração geral das empresas será muito mais exigida no sentido de controlar e extrair resultados produtivos de complexas estruturas organizacionais, funcionalmente ligadas à estratégias abrangentes e dotadas de novas ferramentas de apoio. Caberá aos pensadores da Administração Estratégica apresentar os novos contornos de uma concepção que evolui, que se transforma para interpretar e explicar as próprias transformações estruturais dos desafios empresariais e do ambiente e tecnologia que a envolvem e moldam. Os desafios são imensos, as respostas deverão ser de igual magnitude. O amplo e profícuo material teórico, desenvolvido em torno do tema ao longo dos últimos anos, tem apoiado a gestão de grandes corporações e de pequenas empresas, que buscam diretamente ou através de consultorias especializadas, suporte em tecnologia de gestão para compreender as forças propulsoras de um ambiente empresarial cada vez mais turbulento e de um avanço tecnológico sem precedentes, tem termos de inovações, oportunidades e ameaças. Os enfoques das Teorias Contingencial e da Administração Estratégica vêm, ao longo dos últimos anos, constituindo-se em importante contribuição ao processo de desenvolvimento empresarial, especificamente na compreensão do posicionamento 12 estratégico em função do ambiente externo e sua postura organizacional em função de suas estratégias. Neste contexto, torna-se desafiadora a tarefa de descrever os contornos destas teorias e sua aplicação prática nas organizações empresariais com o intuito de interpretar os movimentos estratégicos iniciados por estas organizações, suas bases analíticas e as conseqüências de suas decisões estratégicas a partir de um ângulo externo e preocupado com o emprego de métodos teóricos de comprovada excelência aos desafios práticos do espaço empresarial. Este artigo procurou apresentar os fundamentos teóricos que possibilitaram às organizações empresariais ajustar seu posicionamento e seu relacionamento com um ambiente de turbulência crescente. A turbulência ambiental está se elevando rapidamente em dois sentidos básicos, nos eixos da variabilidade e da previsibilidade. Em termos de variabilidade, o ambiente ganha acelerada complexidade e produz novos desafios para as empresas em ritmo desconcertante. Quanto à previsibilidade, suas características nos remetem à observação da relação entre as velocidades da evolução dos desafios e das reações da empresa, assim como nos remetem ao desafio da previsibilidade do futuro pela empresa. Em uma escala de medida da turbulência, como a proposta por Ansoff, talvez devêssemos acrescentar algarismos de dois dígitos, assim como nas escalas de reação e potencialidades, devêssemos permitir números negativos, tamanha é a velocidade que o ambiente empresarial e as configurações organizacionais estão assumindo novas dinâmicas, novos contornos, novos delineamentos e novos desafios. Diante de um quadro com esta configuração, torna-se importante valorizar os fundamentos conceituais e resgatar os estudos e as pesquisas daqueles que souberam identificar a natureza básica do posicionamento e do relacionamento da empresa com seu ambiente e, a partir de suas concepções teóricas, atualizar conceitos, resgatar enfoques que valorizaram o reconhecimento dos imperativos ambientais e tecnológicos, assim perfazendo, em novos patamares, os processos de aprendizagem organizacional planejada, segundo as sólidas premissas do enfoque contingencial. O ambiente ganhou em turbulência, os riscos em magnitude e os projetos empresariais em necessidade de recursos financeiros e humanos, sendo que, na busca pelo imediato reconhecimento de mudanças ambientais e antecipação das transformações tecnológicas, muitas empresas apostaram em projetos que, apesar de apresentarem propostas de elevado gabarito, não chegaram a bom termo, muitos causando consideráveis perdas de recursos econômicos e de posição estratégica de mercado. Eficiência operacional é uma questão de emprego correto e equilibrado de tecnologia material e tecnologia gerencial, cada vez mais a tecnologia material exige altos investimentos, produzindo retornos somente a longo prazo, o que acaba por dificultar as ações das empresas brasileiras e as encaminha para grupos mais fortes e globais. Estratégia exige visão, criatividade, imaginação e determinação em se perseguir e alcançar objetivos inovadores. Os teóricos formulam conceitos e explicam a dinâmica empresarial sob ângulos inovadores e que produzem resultados aos que os aplicam. Já os administradores necessitam de competências, habilidades e atitudes inovadoras e flexíveis para adaptar as empresas ao ambiente de negócios e adequar as estruturas e comportamentos organizacionais às estratégias. O fator humano, como grande diferencial neste ambiente globalizado, recoloca as empresas brasileiras diante de oportunidades que precisam ser percebidas e desenvolvidas. As abordagens da Teoria Contingencial, da Administração Estratégica e da Vantagem Competitiva podem fornecer a base para este desenvolvimento. 13 Conclusão As pesquisas realizadas por pioneiros como Woodward, Burns, Chandler, Lawrence e Lorsch, propiciaram o delineamento básico da teoria contingencial. Sendo que, ao longo dos últimos anos, várias foram as contribuições de pesquisadores e administradores para o refinamento da abordagem contingencial, através de estudos e pesquisas ou mesmo da prática empresarial. Também, ao longo dos últimos anos, pôde-se observar a validade dos pressupostos da teoria contingencial, notadamente seu caráter sistêmico e sua natureza orgânica para projetar modelos abertos de relacionamento da empresa ao seu ambiente de negócios e ao emprego da tecnologia como fonte de vantagem competitiva. Ao assumir a postura da necessária adaptação empresarial ao ambiente de negócios e da contínua adequação da estrutura e do comportamento organizacionais às estratégias, criou as condições básicas e fundamentais para a reorientação dos sistemas de administração, saindo de modelos e percepções ideais e únicos, para a concepção de sistemas articulados de acordo com as características particularizadas de cada organização e de cada ambiente de negócios, permitindo o uso de variadas técnicas e métodos que proporcionassem melhores condições competitivas. Dentre as várias derivações teóricas formuladas com base na abordagem contingencial, as teorias da Administração Estratégica e da Vantagem Competitiva, que receberam fortes contribuições de Ansoff e Porter, apoiaram a expansão da postura adaptativa e da atitude empreendedora como formas de promover o sucesso empresarial. Vários foram os casos de empresas bem sucedidas que contaram com administradores e estruturas organizacionais sintonizados com as premissas da teoria contingencial, assim como também foram muitos os casos onde a visão empresarial rígida, focalizada em modelos ideais, mostraram as conseqüências dos erros estratégicos. Especialmente no Brasil, que vive o momento de privatização e abertura de setores importantes de sua economia, as organizações precisam reorientar suas estratégias em função de um ambiente que sofre o impacto direto da concorrência internacional, de novas exigências dos consumidores e regulamentações governamentais, além da necessidade de aproveitar a oportunidade para adequar suas estruturas organizacionais para antecipar-se às transformações tecnológicas e obter suas novas fontes de vantagem competitiva. A Teoria da Contingência tem muito a contribuir para o desenvolvimento organizacional. Novos modelos, métodos, abordagens, e técnicas, fundamentados na Teoria da Contingência, estão sendo difundidos pelo ambiente empresarial e tendem a melhorar o desempenho estratégico. Melhorar o desempenho empresarial, significa melhorar o desempenho econômico do país, que pode e deve resultar em benefício social. 14 Referências Bibliográficas ANSOFF, H. Igor. A nova estratégia empresarial. São Paulo. Atlas. 1990. __________. Estratégia empresarial. São Paulo. McGraw-Hill, 1977. ANSOFF, H. Administração Estratégica, São Paulo. Atlas, 1978 ANSOFF, H. Igor, DECLERCK, R. & HAYES, Robert L. Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo. Atlas, 1987. ANSOFF, H. Igor & McDONNELL, Edward J. Implantando a administração estratégica. São Paulo. Atlas. 1993. BURNS, Thomas & STALKER, G.M. The management of innovation. Londres. Tavistock Publ., 1961. CHANDLER JR., Alfred D. Strategy and structure: chapters in the history of the american industrial enterprise. Cambridge, MA. MIT Press, 1962. DONALDSON, Lex. Teoria da contingência estrutural. In: CLEG, Stewart R. & outros. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise de novas questões em estudos organizacionais. vol.1. São Paulo. Atlas, 1999. LAWRENCE, Paul R. & LORSCH, Jay W. Organization and environment: managing differentiation and integration. Boston. Division of Research, Graduate School of Business Administration on Harvard University, 1967. MOTTA, Fernando C.P. Teoria geral da administração – uma introdução. 8ª ed. São Paulo. Pioneira, 1980. PORTER, Michael E. Competição. Rio de Janeiro. Campus. 1999. __________. Estratégia competitiva – técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 2a. edição. Rio de Janeiro. Campus, 1985. __________. Vantagem Competitiva – criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro. Campus, 1989. SLOAN JR., Alfred P. Minha vida na General Motors. Rio de Janeiro. Record. 1965. WATSON JR., Thomas J. Pai, filho & cia. – minha vida na IBM. São Paulo. Ed.Best Seller, 1990. WOODWARD, Joan. Management and technology. Londres. Oxford University Press, 1958. __________. Industrial organizations: theory and practice. Londres. Oxford University Press, 1965. __________. Industrial organizations: behavior and control. Londres. Oxford University Press, 1970. 15