Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos ATIVIDADES EXPERIMENTAIS INVESTIGATIVAS NO ENSINO DE QUÍMICA PARA SURDOS Anastacia Yokie Morita1 Neide Maria Michellan Kiouranis2 RESUMO O presente artigo discute e reflete sobre a forma como os conteúdos são trabalhados no ambiente da sala de aula, pois, atualmente, os discentes surdos é uma realidade no contexto escolar. Este trabalho apresenta os resultados de uma sequência de ensino sobre materiais e processos de separação, que utiliza recursos didáticos alternativos e foi aplicada a uma turma de Educação de Jovens e Adultos - Ensino médio, composta de 27 alunos, sendo uma aluna surda. A ênfase dada ao desenvolvimento das atividades foi a investigação, com base nos conteúdos relacionados ao cotidiano dos alunos. As atividades práticas desenvolvidas promoveram uma melhor compreensão e interesse da aluna surda, mediada pela visão, visto que muitos conceitos químicos não existem na língua de sinais. Palavras-chave: Recursos Alternativos. Surdo. Experiências Investigativas. Visão. 1. INTRODUÇÃO O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), instituído pelo Governo Estadual do Paraná tem por objetivo a atualização de docentes e também a possibilidade de discutir questões relacionadas à prática pedagógica dos professores. Assim, o PDE proporciona momentos de reflexões e propõem alternativas que possam superar e/ou minimizar os problemas enfrentados pelos docentes. O grande diferencial, inédito e valioso, é que o professor é o autor do projeto e desenvolve a unidade didática na escola em que atua. Destacando que este momento é seu e único, o professor PDE elabora materiais diferenciados e específicos sob a orientação de um professor pertencente a uma instituição de ensino superior. Neste contexto educacional, optou-se pela educação inclusiva, especificamente, para alunos surdos que se encontram em muitas das salas de 1 Professora de Química na modalidade Educação Especial: Graduada em Química. Professora da Rede Estadual de Ensino-SEED-Pr- Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA), [email protected] 2 Professora do Departamento de Química – Área de Ensino: Doutora em Ensino de Ciências – Modalidade Química. UEM-PR, [email protected] aulas. Esta escolha se deu, visto que, na turma na qual seria implementado o projeto PDE, no ano de 2014, estava previsto a matrícula de uma aluna surda, com a presença de intérprete. Esta proposta prevê a contribuição dos materiais alternativos de natureza experimental relacionado ao cotidiano a melhoria e a compreensão de conteúdos químicos por meio de estímulos visuais para aluno surdo. 1.1 Local da intervenção pedagógica O desenvolvimento da intervenção pedagógica se deu no ano de 2014, na Escola Manoel Rodrigues da Silva, modalidade Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio. Sua estrutura consiste em: fundamentação teórica, percurso metodológico, discussão dos resultados e considerações finais. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Atualmente a inclusão é uma realidade, o que não deixa de ser um assunto preocupante aos educadores e comunidade escolar e apesar de convivermos com sujeitos surdos, o sistema educacional não tem avançado nessa perspectiva. No que se refere ao surdo, de acordo com Lacerda (2000), após anos de escolarização esses sujeitos apresentam uma série de limitações, tanto na leitura, como na escrita e não tendo um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos. Desta forma, é comum reproduzirem o que está escrito nos textos e na maioria das vezes, mesmo com intérpretes, têm dificuldades para entender o que o professor está explicando (BELTRAMIN e GÓIS, 2012). Analisando o contexto histórico dos surdos é possível entender, porque estes sujeitos foram isolados da sociedade. Segundo Goldfeld (1997, p.24) “Na antiguidade, os surdos foram percebidos de formas variadas: com piedade e compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiçadas, e por isso eram abandonados ou sacrificados”. Para Vygotski (1925), é fundamental que uma criança cega ou surda seja tratada normalmente, visto que estas situações devem ser consideradas apenas como fatores biológicos e não como doenças. Para a criança, representa a sua normalidade e, por meio de sua experiência social, ela percebe a sua deficiência. A educação de uma criança cega ou surda, em princípio, não difere em nada de uma criança normal, que poderá ter o seu pleno desenvolvimento. A ideia de deficiência, no futuro terminaria; desse modo, os surdos e cegos seriam considerados apenas surdos e cegos e não deficientes. Nesse sentido, a “deficiência não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos; ela tem possibilidades diferentes” (Góes, 1996, p. 35). Assim, é fundamental para o planejamento educacional considerar no diagnóstico da deficiência, os pontos fortes da criança e não apenas a falta deles. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, em seu artigo 59 afirma que: Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais e: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades; III – Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns (LDB, 1996, p.21-22). A utilização de imagens, conforme a LDB (1996), como recursos educativos devem auxiliar os surdos nas atividades educacionais. Desta forma a “experiência visual envolve todo tipo de significações, representações e/ou produções, seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, artístico, cognitivo, cultural, etc.” (SKLIAR, 1999, p.11). Perlin (1998) também compartilha desse pensamento, destacando o uso da comunicação visual para identificar o surdo. Neste sentido, para o surdo o mecanismo da visão e os outros sentidos devem ser explorados para favorecer a compreensão dos conteúdos e, isso pode ser feito por meio de representações, tais como figuras, gráficos e diagramas. No que se refere às atividades experimentais, também de importância fundamental para surdos, destacamos o papel investigativo e sua função pedagógica de auxiliar o aluno por meio da problematização e discussão, enfim, na significação dos conceitos químicos (PARANÁ, 2008). O ensino por investigação é uma abordagem que se encontra em crescente interesse entre pesquisadores e educadores da área de ciências. Atualmente as atividades investigativas são as que colocam o aluno como centro e o professor mediador do processo para conduzir a experimentação. De acordo com Oliveira (2009, p.38), “a experimentação investigativa permite ao aluno fazer inferências que os possibilitem encontrar soluções para a situação problemática inicial proposta pelo professor, construindo assim o seu conhecimento escolar”. Da mesma forma os PCNs, ao mesmo tempo em que enfatizam a importância da experimentação em química, comentam sobre a forma como é conduzido este recurso, ou seja, os alunos recebem uma receita a ser seguido, com resultados previamente conhecidos, o que não condiz com a educação atual. O PCN+ (2002) é um documento complementar aos PCNs3, ele sugere que: As atividades experimentais devem partir de um problema, de uma questão a ser respondida. Ao professor cabe orientar os alunos na busca de resposta. As questões propostas devem proporcionar oportunidades para que os alunos elaborem hipóteses, teste-as, organizem os resultados obtidos, reflitam sobre o significado de resultados esperados e, sobretudo o dos inesperados e usem as conclusões para a construção do conceito pretendido. Os caminhos podem ser diversos e a liberdade para descobrilos é uma forte aliada na construção do conhecimento individual. As habilidades necessárias para que se desenvolva o espírito investigativo nos alunos não estão associados a laboratórios modernos, com equipamentos sofisticados. Muitas vezes, experimentos simples, que podem ser realizados em casa, no pátio da escola ou na sala de aulas, com materiais do dia-a-dia podem levar a descobertas importantes (BRASIL, 2002, p.72). O PCN+ (2002) destaca a existência de vários pontos comuns relativos às atividades investigativas descritas por vários autores e, alguns desses pontos estão presentes na obra de Zômpero e Laburú (2011, p.74), são eles: Deve haver um problema para ser analisado; A emissão de hipóteses; Planejamento para a realização do processo investigativo, visando à obtenção de novas informações; Interpretação dessas novas informações; Posterior comunicação das mesmas; De acordo com Zômpero e Laburú (2011) todas as atividades investigativas devem partir de problemas o que pode colocar os estudantes em situações que favorecem a aprendizagem, quando os mesmos são convidados a trazer suas experiências pessoais, tomar conhecimentos de suas idéias prévias e buscar explicações para os fenômenos estudados. Nesse sentido, eles devem ser estimulados a formularem hipóteses e por meio de um conjunto de estratégias, interpretarem os resultados, bem como avançar no que se refere aos conhecimentos científicos. 3 Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio – ciência da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: 1999. Em vista das considerações apresentadas, buscamos com este projeto organizar uma proposta denominada por Cachapuz et al (2005) de investigação orientada, que prevê a participação ativa dos estudantes, ou seja, o estudante participa do processo como investigador principiante. Considerando que todos esses aspectos devem levar em conta as diferentes formas de comunicação dos conhecimentos químicos e os diferentes sujeitos que frequentam uma sala de aula, é importante, quando se trata de aluno surdo, a linguagem de sinais. 2.1 A língua de sinais e a intérprete em sala de aula O intérprete educacional que atua na área de educação é atualmente, bastante requisitado e deverá ter um perfil adequado para intermediar as relações entre professores e alunos, e também, colegas surdos e ouvintes (QUADROS, 2004). O profissional intérprete tem como função traduzir e interpretar a língua de sinais para a língua portuguesa e vice-versa em qualquer modalidade em que se apresentar (oral ou escrita), de modo a mediar situações de comunicação entre os alunos surdos e os demais membros da comunidade escola (FERNANDES, 2007, p. 45). A importância do papel da intérprete na educação dos surdos é apresentada na Lei no 12.319, de 1o de setembro de 2010, que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua de Sinais – LIBRAS. As atribuições do profissional tradutor/intérprete são de muita responsabilidade e sua presença em sala de aula assegurará ao surdo o acesso aos conteúdos ministrados pela professora regente, que na maioria das vezes não domina a língua de sinais. Desta forma a intérprete é uma ponte entre professor (a) regente, e o aluno surdo. Devido à especificidade linguística dos surdos, muitos conceitos científicos não existem na língua de sinais e há necessidade de combinar alguns sinais provisórios, entre aluno surdo/intérprete e também o recurso da datilologia4. Essas reflexões foram fundamentais para este trabalho, em vários aspectos, principalmente, no que se refere a procedimentos que poderiam apresentar contribuições significativas para aluno surdo. 4 Assim, o percurso metodológico que É um sistema de representação, quer simbólica, quer icônica, das letras dos alfabetos das línguas orais escritas, por meio das mãos. segue, reflete a preocupação com o sujeito surdo, tanto em suas características pessoais e intelectuais, quando à relação professor/aluno, quanto aluno/aluno. 3. PERCURSO METODOLÓGICO A implementação do projeto ”Atividades experimentais investigativas para aluno surdo” foi realizado no Centro Estadual de Educação Básica para jovens e Adultos – CEEBJA “Professor Manoel Rodrigues da Silva”, na cidade de Maringá estado do Paraná, numa turma de Ensino Médio, composta por 26 alunos ouvintes e uma aluna surda5, no turno da tarde, acompanhada de intérprete. Considerando que o campo de investigação compreendeu um total de 27 estudantes, em função da necessidade de se trabalhar as diferenças em contexto normal das aulas, as atividades foram desenvolvidas para a turma como um todo, contudo, neste trabalho, utilizamos os registros de dados referentes à aluna surda. A escola possui características diferenciadas do regular, de forma que poderá optar por atendimento individual ou coletivo, sendo que o programa do curso é oferecido e desenvolvido por disciplinas. Assim, o planejamento da intervenção pedagógica foi feito considerando a natureza da modalidade de ensino e os estudantes. O quadro 01 apresenta-se, em aspectos gerais, as atividades implementadas na intervenção pedagógica. 3.1 Resumo das atividades, dos objetivos e dos aspectos metodológicos Essas atividades foram desenvolvidas de acordo com o planejamento e os resultados se apresentam discutidos como seguem. Quadro1: Resumo das atividades, objetivos e aspectos metodológicos. Atividades Objetivo Aspectos metodológicos Reconhecer os conhecimentos Apresentação da temática geral e de um 1Levantamento prévios que alunos surdos questionário composto de questões dos apresentam, ao refletirem acerca abertas. conhecimentos das substâncias e dos processos prévios. de separação. 2Identificar os estados físicos de Trabalho em grupo: Debate acerca de Estados físicos diferentes materiais e a sua imagens presentes no cotidiano da matéria. utilidade, agrupando-os com os (VERÍSSIMO, 2011, p.96). semelhantes. 3Identificar as substâncias e Realização da leitura do texto em grupo, Substâncias e misturas por meio da leitura de para a identificação das substâncias e misturas. texto. misturas do texto adaptado (VERÍSSIMO, 2011, p.100). 5 A aluna surda será identificada neste trabalho pelo nome fictício de Maria. 4Substâncias misturas. e Identificar os diferentes materiais, constituindo diferentes sistemas. 5Linguagem cotidiana e linguagem química. 6Rótulos de diferentes marcas de água mineral. 7Rótulos de diferentes graduações alcoólicas. 8Atividades experimentais envolvendo diferentes substâncias e materiais. 9Separação de materiais. Reconhecer diferentes linguagens de senso comum e conhecimento científico. 10Cromatografia de papel. Identificar se é uma mistura ou uma substancia com base na técnica de cromatografia em papel, que compõem uma determinada cor de canetas coloridas, é uma mistura ou uma substancia. Possibilitar ao estudante compreender como funciona um sistema de destilação simples, explorando os conhecimentos acerca de alambiques. Relacionar a destilação da canade-açúcar com os processos de separação de misturas. 11Construção de um destilador alternativo. 12-Destilação Apresentação de diferentes materiais, para identificação das misturas e substâncias. Os materiais são apresentados em frascos numerados, contendo diferentes tipos de misturas e substâncias (CARMO e MARCONDES, 2008, p.39, adaptado). Elaboração pela professora PDE, de um texto que se remete à vida cotidiana, antigamente que foi apresentado, para discussão (SANTOS e MÓL, 2013). Identificar as diferentes substâncias simples e compostas presentes em rótulos de água mineral. Discussão em grupo acerca do estudo com rótulos (VERÍSSIMO, 2011, p.92, adaptado). Reconhecer, com base em rótulos, as graduações alcoólicas de diversas bebidas. Discussão sobre as graduações alcoólicas e implicações para o organismo humano. Identificar os materiais homogêneos e heterogêneos e suas fases. Trabalho em grupo: Realizar a mistura dos materiais, a critério da equipe e classificar em homogêneo ou heterogêneo (SANTOS e MÓL, 2013, p.51, adaptado). . Identificar e aplicar o método mais adequado para a separação de materiais. Através da TV pen drive foram passados imagens da separação de misturas como: filtração, peneiração, evaporação, ventilação, separação magnética, flotação, catação, decantação, destilação simples e fracionada, etc. Em grupo, identificaram os materiais em homogêneas e heterogêneas e aplicaram o método mais adequado para a separação dos materiais (SANTOS e MÓL, 2013, p.54, adaptado). Realização do experimento em grupo: utilização de canetas coloridas de várias cores (SANTOS e MÓL, 2013, p.54). Atividades em grupo para a construção de um destilador alternativo (BELTRAN e CISCATO, 1991, p.43). Atividades experimentais em grupo: destilação da cana-de-açúcar (mosto).Discussão, debates, atividades investigativas conduzida pela professora. (BELTRAN e CISCATO, 1991, p.41, adaptado). Essas atividades foram desenvolvidas de acordo com o planejamento e os resultados se apresentam discutidos como seguem. 3.2 O contexto No primeiro contato, foi apresentado o projeto de intervenção pedagógica, elaborado pela professora PDE, com o intuito de implementar uma unidade didática sobre materiais e processos de separação, junto à turma. Todos os esclarecimentos relacionados ao desenvolvimento das atividades foram prestados, além deles serem informados da função da intérprete, no contexto da sala de aula. 3.3 Atividades e Resultados Iniciando a atividade, foi apresentado um texto de Santos e Mól (2013, p.320) sobre as normas de segurança no laboratório, lido pela professora e intérprete. O conteúdo do texto dava ênfase aos cuidados que devem ser tomadas, para evitar acidentes e adotar sempre uma atitude de precaução no que faz. 3.3.1 Atividade: Levantamento dos Conhecimentos Prévios Neste momento a professora iniciou a implementação da unidade didática, por meio de um questionário, com o objetivo de investigar as concepções prévias dos estudantes. Ao perguntar para Maria, se gosta de estudar química, a resposta apresentada foi que gosta mais ou menos e quanto à importância do estudo de química na sua vida pessoal, ela justificou sua resposta relacionando-a com os medicamentos, água e coca cola. Quando foi perguntado: o que você sabe sobre a fabricação do etanol ou da cachaça, a resposta foi: “Cana - de -Açúcar” e deixou de responder a questão sobre situações cotidianas que envolvem separação de misturas. Segundo a intérprete, ela não conseguiu entender o que significava “separação de misturas”, mesmo a intérprete ter explicado a pergunta junto à professora regente, a aluna preferiu deixar em branco. 3.3.2 Atividade: Estados Físicos da Matéria No segundo momento, através da TV pen drive, foram passados imagens de diversos materiais, como por exemplo: suco de uva, água mineral, gelo, perfume detergente, panela de aço, caneca de alumínio, balão de gás hélio e equipamentos de oxigênio. Em grupos, os alunos, identificaram os estados físicos dos materiais agrupando-os de acordo com as suas semelhanças. Os resultados foram apresentados por escrito. As impressões sobre a Maria indicam que a mesma não encontrou muita dificuldade na realização da tarefa. Sua justificativa está relacionada à apresentação das imagens, o que facilitou a compreensão e desenvolvimento da atividade proposta. É importante considerar que a apresentação dos materiais foi para ampliar a ideia de substâncias nos estados: sólido, líquido e gasoso e não somente a água, como comumente é apresentada nos livros didáticos. 3.3.3 Atividade: Substâncias e Misturas – 1ª parte Os alunos continuaram em grupo para a leitura e identificação dos aspectos relevantes do estudo de texto (Com base na leitura do texto adaptado). Quadro2: Adaptação do texto de Veríssimo. Como Maria está fazendo a disciplina de Química, começou a observar os materiais que estão relacionados no seu dia a dia. Em uma tarde de Sol, Maria convidou a amiga Ana para ir a um horto florestal do Parque Ingamar para caminharem meio às árvores e respirar o ar rico em oxigênio e, de preferência, sem poluição. Como estavam estudando substâncias e misturas de substâncias e também misturas homogêneas e heterogêneas, elas estavam muito interessadas em observar o cotidiano. Para passarem à tarde no Parque, levaram água do filtro, bolachas com recheio de chocolate, iogurte com pedaços de frutas e suco de laranja pronto, lancharam e depois foram caminhar. Só que Maria não percebeu um pedaço de ferro semienterrado e tropeçou, caiu e teve um ferimento no cotovelo. Foram até a torneira para tirar a areia que ficou impregnada no ferimento. Nesse momento, estava passando uma jovem senhora com duas crianças que, por sorte, carregava um estojo com os primeiros socorros e ofereceu água oxigenada, que foi utilizada no ferimento. (VERÍSSIMO, 2011, p.100, adaptado). A partir do texto, sublinhar as palavras desconhecidas e procurar no dicionário. E de acordo com as informações, formar dois grupos para classificar os materiais. Segundo a informação da intérprete, houve dificuldade para a aluna, em compreender o texto, por não conter nenhuma imagem o que exigiu mediação constante entre professora X intérprete X aluna. E, segundo o comentário da aluna: “[...] para vocês é tudo muito fácil, porque vocês escutam e eu não”, denota a dificuldade em lidar com o texto, da forma como apresentado. Cabe ressaltar que a intérprete fez toda a leitura do texto pausadamente, enquanto o conteúdo necessário para a compreensão de substâncias e misturas foi desenvolvido pela professora PDE. Nesse sentido, é importante destacar que, neste caso, é fundamental dar atenção especial aos aspectos visuais para que a aluna possa se desenvolver em termos de conhecimentos científicos. 3.3.4 Atividade: Substâncias e Misturas – 2ª parte Nesta etapa do desenvolvimento das ações buscamos trabalhar com materiais do cotidiano. Aos grupos, já formados, foram distribuídos frascos identificados por números, contendo diferentes materiais para que identificassem as substâncias puras ou misturas de substâncias e o critério utilizado pela equipe para chegar a essa conclusão. A aluna apresentou dificuldade na diferenciação de “pura”, porém, na “mistura” de substâncias, no caso da água e do óleo, por terem suas fases bem visíveis à tarefa foi realizada sem nenhum problema. 3.3.5 Atividade – Linguagem Cotidiana e Linguagem Química Para esta atividade buscamos novamente envolver os alunos com a leitura de um texto, conforme segue: Quadro 3: História de Infância. Na minha infância, tenho recordações da época em que morava no sítio. Havia uma mina, onde todos os dias meu pai buscava água. Utilizando um suporte de madeira com um balde em cada extremidade, apoiado nos ombros, descia e subia o morro, sempre ao entardecer. Ele sempre dizia: “Esta água é pura e cristalina, não tem cheiro, e é fresquinha, pode beber à vontade que só faz bem à saúde.” (Fonte: autora desta produção). Após a leitura, os alunos foram questionados sobre o termo puro com a finalidade de discutir senso comum e conhecimento científico. Neste sentido, é importante que o professor conheça as concepções prévias dos alunos para que estes estabeleçam conexões entre os conceitos do cotidiano e cientifico. Carmo e Marcondes (2008) realizaram estudos com estudantes do Ensino Médio de 2° e 3° séries de escolas públicas sobre os conhecimentos prévios acerca do conceito de soluções. Os resultados desses estudos indicaram que boa parcela dos alunos que participaram da investigação compreendeu a diferença entre uma substância pura e uma mistura de substância. Na fala de Maria nota-se que a mesma emprega o termo puro no sentido do senso comum, como no exemplo, “é pura, pois dá para beber”. Este foi um momento importante para promover uma discussão sobre o assunto e tentar esclarecer os diferentes tipos de linguagem. 3.3.6 e 3.3.7: Atividades: Rótulos de Diferentes Marcas de Água Mineral e de Diferentes Graduações Alcoólicas Para diferenciar substâncias simples e compostas foi realizada uma atividade, em grupo, de leitura de rótulos de diferentes marcas de água mineral, com base na seguinte questão. Após a identificação das substâncias, cada aluno respondeu, individualmente, por escrito, a seguinte questão: É possível dizer que a água é pura ou é uma mistura? Nas respostas é possível identificar diferentes pontos de vista. Para Maria a água “é pura, mas quando questionada respondeu que deve ser uma mistura, pois tem muita coisa misturada, olhando para o rótulo”. A atividade foi bastante proveitosa por despertar o interesse dos alunos em relação a vários aspectos, como por exemplo, diferentes pH, o que motivou a demonstração da condutividade elétrica de diferentes marcas de água. A discussão foi ampliada para as questões de saúde e o custo diferenciado dessas águas. Por fim, os participantes gostaram de ter aprendido ler rótulos e desenvolver o senso crítico e conhecimento científico. Outra atividade envolvendo rótulos teve como objetivo a leitura do teor alcoólico de diferentes bebidas. A discussão gerada desta leitura foi interessante por envolver questões sociais como, vício, acidente e desagregação familiar. As atividades com rótulos foram bem aceitas por todos, especialmente, a aluna surda, pelo envolvimento nas discussões e interação com o grupo. 3.3.8 Atividade: Atividades Experimentais Envolvendo Diferentes Substâncias e Materiais A atividade sobre materiais homogêneos e heterogêneos foi desenvolvida com base na apresentação de diferentes materiais como: areia, água, óleo, vinagre, sal de cozinha, açúcar, pó de serra, enxofre, álcool, limalha de ferro, cascalho, tubo de ensaio ou copo transparente. Cada grupo misturou esses materiais livremente e, em seguida identificaram as fases e classificaram os materiais em homogêneas ou heterogêneas. Essa atividade se mostrou bastante interessante, visto que o fenômeno é totalmente visual, como pode ser percebido no registro de Maria. Figura 01: Registro de Maria sobre os materiais homogêneos e heterogêneos . Santos et al ( 2012) realizaram trabalhos semelhantes, envolvendo diferentes metodologias didático-pedagógicas com alunos surdos. Uma das atividades consistiu na demonstração de materiais do cotidiano, imagens ilustrativas de substâncias para identificação e seus métodos de separação. Os resultados encontrados pelos pesquisadores revelaram que os surdos apresentaram desempenho significativo em relação aos ouvintes, demonstrando assim, um importante nível de abstração e compreensão visual. 3.3.9 Atividade-Separação de Materiais Os métodos de separação foram explorados por meio de imagens com o auxílio da TV pen drive. Na sequência, preencheram uma tabela com diferentes misturas para identificarem qual processo de separação utilizariam para separar as misturas. As discussões indicaram que os diferentes processos de separação foram compreendidos, contudo, uma aprendizagem mais efetiva poderia se dar por meio de atividades práticas. Essa parte não foi realizada em função do tempo e foi possível perceber que Maria encontrou dificuldades no desenvolvimento da atividade escrita, como pode ser observado na figura 02. Figura 02: Registro de Maria, sobre a dificuldade na escrita : 3.3.10 Atividade: Cromatografia de Papel Atividade experimental sobre cromatografia em papel teve início com a questão: A tinta de caneta esferográfica é uma substância ou mistura? Inicialmente, os estudantes afirmavam que se tratava de uma substância simples. No entanto, ao realizar o experimento se surpreenderam com as cores visíveis no papel (filtro de café), o que tornou fácil o entendimento de que se tratava de uma mistura. Remeteram-se aos estudos das cores primárias. Maria identificou com facilidade a mistura de cores, como pode ser visto na explicação da figura 03. Figura 03.Registro de Maria sobre cromatografia 3.3.11 Atividade: Construção de um Destilador Alternativo Nesta atividade, a tarefa era a de construir um destilador alternativo, com materiais de baixo custo, de acordo com as sugestões de Beltran e Ciscato (1991), com algumas adaptações. Esses materiais podem ser facilmente encontrados no cotidiano. Foram utilizados: 1garrafa pet de refrigerante (2 Litros), uma borracha escolar, arame, pedaços de madeira, água e gelo suficiente para refrigerar a garrafa pet, (condensador), recipiente para coletar o material da destilação, que pode ser pote de geleia, e outro para a construção da lamparina, 1m de tubo plástico de 0,5cm de diâmetro, massa epóxi, 1 chave de fenda, 1 lâmpada (queimada) de vidro transparente e mosto preparado pelos alunos para a destilação. Antes de proceder à construção do destilador foram feitos alguns questionamentos, como: Você já ouviu falar em alambique? Você conhece algum alambique? Comente. Como poderíamos improvisar um alambique? As discussões geradas nesse momento propiciaram o conhecimento de diferentes vivências que resgataram o destilador artesanal e sua evolução para a produção industrial. Cada grupo trouxe os materiais alternativos e os resultados da construção do destilador foram bastante positivos. Figura 04: Registro de destilador construído pelos alunos Na sequência a professora fez alguns questionamentos acerca do uso do destilador, como segue: Quais tipos de misturas poderiam ser destilados neste destilador alternativo? Várias sugestões foram apresentadas pelos alunos como, água e sal; água e açúcar; água e álcool. No entanto, mesmo sugerindo algumas possibilidades, os alunos se mostraram resistentes a utilizar o destilador, alegando que poderia pegar fogo, explodir, dentre outras. Instigados a lembrarem dos produtos destilados surgiu à cachaça, motivo pelo qual sugeriram a destilação da cana-de-açúcar. A utilização do destilador construído pelos alunos – destilação do mosto da cana-de-açúcar. Os materiais que foram utilizados para a destilação, visavam à compreensão e a aprendizagem de todos os envolvidos, em especial, a Maria. Como não tinha feito nenhuma experiência que envolvesse fogo nas práticas experimentais, através da expressão facial e gestual, notou-se uma mistura de medo, receio e curiosidade. E, por fim Maria perguntou para a intérprete, se poderia ocorrer uma explosão. E, enquanto ocorria à destilação foram feitos alguns questionamentos por parte da professora: A temperatura do líquido refrigerante no condensador é importante na destilação? Os resultados aos questionamentos foram diversos como: a água que está na garrafa pet está gelada para não ter perigo de explodir na hora da destilação. Alguns tiveram um melhor entendimento, que seria para resfriar o vapor que entra através da mangueira e voltar para o estado líquido para depois sair. Como proceder para obter uma pinga mais forte ou mais fraca? Neste questionamento, os grupos em geral, assim como a Maria, disseram que devemos aumentar bastante o fogo da lamparina. Essa resposta nos deu a possibilidade de explorar e retomar conteúdos, sendo que foi muito proveitosa à oportunidade de voltar o assunto relacionado a ponto de ebulição de diferentes substâncias e para uma melhor compreensão no assunto abordado. Que substância está presente na cana de açúcar que produz a cachaça? As respostas, de uma forma global foram: melaço, glicose, álcool. A partir dessas respostas, relembramos a função do fermento que foi adicionada à garapa para destilar a cachaça, que envolve uma reação química e a separação das substâncias. Posso extrair a cachaça somente da matéria prima cana- de- açúcar? Houve várias respostas como: casca de banana, maçã, uva, arroz, amendoim, milho, jabuticaba, frutas doces. Assim, estimulamos o raciocínio dos grupos, a fim de que discutissem os questionamentos acerca de diversas bebidas alcoólicas em suas diferentes porcentagens de álcoois e com suas denominações, como: vinho, cerveja, saquê, champanhe, conhaque, de forma que a cachaça é proveniente da matéria - prima cana-de-açúcar. Os alunos questionaram as condições dos cortadores de cana, que segundo notícias dos jornais, morriam à exaustão. E, pela discussão levantada, após vários episódios de morte, algumas condições foram melhoradas, como carteira assinada, acomodação adequada para refeição e mais algumas conquistas. A discussão foi muito importante porque houve envolvimento de todos na questão social e econômica. 3.3.12 Destilação: Destilando a Cana- de- Açúcar A atividade experimental da construção do destilador se deu com a participação efetiva de todos os alunos, no entanto, a destilação foi feita pelo processo da demonstração, por meio da mediação do professor. A figura 05 indica o processo e também, o registro de Maria. Figura 05: Registro de Maria sobre a destilação. Maria, de tempo em tempo vinha conferir o processo de destilação, utilizando o olfato para cheirar o líquido que estava gotejando. Após a observação fez a seguinte ressalva: o líquido tão fedido e após a destilação aparece uma coisa limpa. Esta atividade experimental foi muito proveitosa para os alunos de modo geral e, foi possível perceber a interação na construção do destilador e o interesse no funcionamento da destilação e questionamentos acerca dos conhecimentos físicos e químicos, bem como os problemas sociais. Silva et al. (2010) também realizaram trabalho semelhante com alunos surdos em turmas de EJA envolvendo a construção do destilador alternativo e o processo de separação de misturas (homogêneas e heterogêneas) por meio da contextualização e experimentação investigativa. A análise dos resultados indicou um crescente aumento de acertos das questões pré e pós-realização do experimento. Por fim, a sequência de ensino foi desenvolvida, conforme o planejado e na avaliação da turma, as atividades envolvendo rótulos e a destilação proporcionou outro olhar para a química. Antes tão distante do cotidiano, com as atividades, passaram a refletir sobre a presença da química nas coisas que os rodeiam, além de mais interessados por conhecer como a química atua no nosso cotidiano. Para a aluna surda e para a professora PDE, sem dúvida, foram também importantes. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em se tratando da disciplina Química percebe-se que os alunos a consideram uma matéria de difícil compreensão, sendo que para os alunos surdos a situação se torna mais evidente. A sequência didática desenvolvida nesta etapa de intervenção pedagógica, na qual foi vivenciada uma situação “real” de inclusão, permitiu conhecer melhor o comportamento, as dificuldades, o interesse e os medos de uma aluna que, inserida num contexto muito diferente de sua realidade, precisa encontrar formas de se colocar meio aos colegas e enfrentar os desafios de aprender química. Por outro lado, o professor também precisa proporcionar momentos em que as situações de ensino favoreçam a aprendizagem desta aluna. Nessa perspectiva, o uso de metodologias diferenciadas que prevaleceu o uso da visão foi de fundamental importância para a turma como um todo e, em particular, para Maria que pode fazer uso de outros sentidos, como a visão, além de contar com a colaboração dos colegas, visto que as atividades foram desenvolvidas em grupos. As atividades experimentais devem contribuir, porque estimulam a visão na construção do conhecimento. Vale ressaltar que é fundamental que os professores tenham conhecimentos referentes à Educação Inclusiva, para lidar com suas turmas e atender também os alunos que se encontram em situações diferentes. 5. REFERÊNCIAS BELTRAMIN, F. S.; GÓIS, J. Materiais didáticos para alunos cegos e surdos no ensino de Química. Divisão de ensino de Química da sociedade brasileira de química (ED/SBQ). Brasília: Instituto de Química da Universidade de Brasília IQ/UnB), 2012. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/anaiseneq2012/article/viewFile/7563/5802> . Acesso em: 02 out. 2014. BELTRAN, N. O. ; CISCATO, C. A. M. Química. São Paulo: Cortez, 1991, p.41 e 43. Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 12 out.2014, p. 21 e 22. ──────. Lei no 12.319, de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua de Sinais- LIBRAS. 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