HANSENÍASE Conceito: Dermatose infectocontagiosa causada pelo Mycobacterium leprae, edêmica em certas áreas subdesenvolvidas. É um parasita intracitoplasmático do macrófago, atingindo preferencialmente pele e/ou nervos periféricos. Relação com o estado de imunidade do paciente: - Formas benignas: imunidade celular preservada - Formas graves: imunidade celular deprimida com exaltação da imunidade humoral. A patologia atinge praticamente todos os órgãos e sistemas onde haja macrófagos, exceto o SNC. Epidemiologia: A morbidade restringe-se a áreas subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. Grandes focos: África e América do Sul.No Brasil a prevalência é 1,5 por mil. Etiologia, Patogenia e Imunopatologia - O Mycobacterium leprae é um bastonete álcool-ácido resistente que se apresenta isolado ou agrupado em massas globóides características denominadas GLOBIAS. - Ciclo evolutivo muito lento (20-30 dias) com infectividade alta porém baixa patogenicidade. - O doente bacilífero é a fonte de infecção. - O M. leprae pode manter-se viável no ambiente até 7 dias - As vias aéreas são a principal porta de entrada. O contágio é por contato direto ou indireto (como objetos contaminados), pela mucosa nasal ou pela pele (solução de continuidade). - Após atravessar a barreira tegumentar o M. leprae se alberga em gânglios linfáticos. A partir daí a doença vai se estabelecer ou não , de acordo com a imunidade do paciente, podendo originar graus diferentes de patogenicidade. - Rabelo dividiu a doença em 2 pólos: Tuberculóide (T) benigno e Virchowiano (V) maligno. - Se o sistema linfócito macrofágico é competente o paciente não desenvolve a doença, estabelecendo-se uma infecção subclínica.Testes imunológicos usados: MIF, transformação blástica, teste de Mitsuda e outros. - Se essas defesas são parcialmente deficientes surge a doença sob a forma Indeterminada (I), e assim permanece meses ou anos até que sofra uma definição imunopatológica no sentido de V ou T. - A resistência à infecção baseia-se na capacidade de o macrófago lisar ou não o M leprae. É provável que essa capacidade seja inata. - Na hanseníase Virchowiana o macrófago, incapaz de lisar o M leprae, se transforma em célula de Virchow , que é um macrófago com grande quantidade de M. leprae e gotículas de gordura no interior do seu citoplasma. - Os macrófagos dos indivíduos infectados porém sadios ou que têm a forma T, apresentam-se na forma de GRANULOMA TUBERCULÓIDE, uma estrutura repleta de macrófagos que limitam uma área infectada por M. Leprae, impedindo a sua disseminação. - A resistência do indivíduo parece ter uma conotação genética (fator N) - Dos gânglios linfáticos partem êmbolos micobacterianos que vão localizar-se na pele e/ou nervos periféricos, produzindo os primeiros sintomas da doença, de forma insidiosa e crônica. - Em alguns casos os êmbolos são tão numerosos que provocam uma verdadeira bacilemia e o início se faz de maneira abrupta. Isso ocorre quando há falência total do linfócito T, porém com exaltação do linfócito B e, consequentemente, elevada produção de anticorpos anti-M.leprae e de anticorpos de auto-agressão. - Hipersensibilidade celular específica: positividade ao teste de Mitsuda, pelo MIF e pela transformação blástica dos linfócitos. - Hipersensibilidade celular inespecífica: positividade aos testes de sensibilização ao DNCB, positividade ao PPD, etc. - Imunidade Humoral específica: presença de anticorpos séricos anti-M. leprae - Imunidade humoral inespecífica: presença de anticorpos como : antilipídicos, fator reumatóide, anti-estreptolisina O, etc. - PÓLO T: exaltação da hipersensibilidade celular específica e manutenção ou exaltação da hipersensibilidade celular inespecífica. Há predominância de linfócitos T séricos. - PÓLO V: não há imunidade celular específica, diminuição da imunidade celular inespecífica nem exaltação da hipersensibilidade humoral específica e inespecífica (???) RESPOSTA TISSULAR: - Virchowiana: infiltrado com tendência a difusão, atingindo derme, hipoderme e órgãos internos, constituído predominantemente por células de Virchow, plasmócitos e linfócitos. O infiltrado Virchowiano não toca a epiderme, da qual se separa por faixa de colágeno (faixa de Unna). Bacilos e globias são encontrados em quantidade astronômica em 100% dos casos. - Tuberculóide: infiltrado granulomatoso em nódulos constituídos por aglomerados de células epitelióides que podem ter, na periferia, orla linfocitária e no centro células gigantes tipo Langhans. Esse infiltrado nodular fica restrito à derme e pode tocar a epiderme.Em apenas 5% dos casos podem-se encontrar BAAR isolados. São caracteristicamente alongados, pois acompanham os anexos. - Indeterminada: discretos focos de células mononucleares (linfócitos e macrófagos) em torno de vasos, nervos e anexos da derme; raros bacilos isolados podem ser encontrados em 7% dos casos. - Dimorfa: associação de aspectos de infiltração virchowiana e de granuloma tuberculóide, este porém com poucas células gigantes ou nenhuma. REAÇÕES: - Ascendente (tipo 1): ocorre nos pacientes dimorfos. O granuloma tuberculóide fica dissociado pelo grande edema. Há tb vacuolização de células epitelióides por edema intracitoplasmático. Sem lipídios intracelulares. Bacilos pouco numerosos. - Descendente (tipo 1): Pouco freqüente em pacientes dimorfos. Ocorre deterioração por ausência de tratamento, de forma súbita. Predomina o edema e a quantidade de bacilos aumenta no interior dos macrófagos. - Eritema Nodoso (tipo 2): Ocorre nos pacientes Virchowianos e menos frequentemente em alguns dimorfos. Em geral ocorre vasculite de vasos médios da hipoderme, sendo uma paniculite septal. Há grande infiltração de polimorfonucleares em toda a derme e/ou hipoderme. Bacilos escassos e , na sua maioria, granulosos. Eventualmente há necrose com ulceração da epiderme (eritema nodoso necrótico) - Fenômeno de Lúcio: reação que ocorre na hanseníase de Lúcio, porém tb sucede em pacientes V. A vasculite com trombose ocorre nos vasos mais superficiais. Clínica e Classificação - Manifestações clínicas com predominância na pele e/ou nervos periféricos. - No início: Sensações parestésicas de extremidades e/ou manchas hipocrômicas ou eritêmato-hipocrômicas com alterações de sensibilidade (térmica, dolorosa e tátil) - As terminações nervosas na pele são acometidas pela extensão da própria lesão cutânea, aos passo que os troncos nervosos são atingidos por êmbolos bacilares. - Espessamento dos nervos: Princ Cubital, depois ciático, poplíteo externo, radial, mediano e auricular. - Pode haver neurite hansênica (extremamente dolorosa) e até necrose do nervo. Pode haver, como conseqüência: distúrbios sensitivos (hiper, hipo e anestesia, sempre em disposição em faixa e nunca segmentar, como na seringomielia); distúrbios motores (paralisias e amiotrofias) com extensão das falanges proximais com flexão das distais, goteira entre o polegar e o indicador(amiotrofia dos interósseos), apagamento da musculatura tênar e hipotênar, mão simiesca, mão em garra cubital, pé caído, marcha escavante, lagooftalmo (paralisia do VII), diminuição da sensibilidade da córnea e conjuntiva (V par); distúrbios tróficos (mal perfurante plantar, panarício analgésico, reabsorção óssea dos dígitos). - O quadro neurológico pode ocorrer sozinho, e está associado à forma T, com menos freqüência na forma I e rara na V e Dimorfa. - O grupo I pode evoluir para V ou T ou permanecer como I ou curar-se como I mesmo. - Podem haver formas: TT, BT, BB, BV e VV (ou LL), sendo L de lepromatoso (pólo virchowiano). Hanseníase indeterminada (HI) - Em geral é a forma inicial da doença - Caracteriza-se por manchas hipocrômicas ou eritêmato-hipocrômicas com hipo ou anestesia - Número variável sem localização precisa - Pode haver comprometimento neurítico Hanseníase Virchowiana - Lesões cutâneas eritematoinfiltradas com limites esternos APAGADOS - Podem ser lesões eritematoacastanhadas e eritematoamareladas - Tubérculos e nódulos tb ocorrem com freqüência - São em geral simétricas e localizam-se em praticamente todo o corpo - Na face: fácies leonina - Pavilhões auriculares (princ lóbulos) apresentam-se infiltrados. - A MADAROSE é muito comum (queda dos terços externos da sobrancelha) - Polineurite comum, com tendência à simetria. - Infiltração das mucosas nasal, orofaríngea e ocular - Pode haver adenopatia e acometimento de outros órgãos como testículos, baço, fígado, etc - Forma difusa: o tegumento apresenta-se como uma única infiltração - Forma Lazarina: é a forma difusa com inúmeras ulcerações por vasculite (fenômeno de Lúcio) - Forma históide: lesões que lembram, clínica e histologicamente, dermatofibromas, ricas em bacilos, resistentes à terapia. Hanseníase Dimorfa ou Borderline - Lesões infiltradas, algumas com características V e outras T - Costumam ter coloração ferrugínea - Lesões esburacadas ou “em queijo suíço”: lesões anulares com borda interna nítida e externa apagada; podem ser simétricas ou assimétricas - às vezes, a infiltração de um único lóbulo auricular sela o diagnóstico - Comprometimento ASSIMÉTRICO dos nervos Hanseníase tuberculóide - Lesões eritematoinfiltradas tuberosas, circinadas ou anulares, às vezes em planalto, de tamanhos variados, mas com LIMITE EXTERNO SEMPRE NÍTIDO. - ASSIMÉTRICAS e quase sempre uma ou poucas lesões - Hipo ou anestesia estão SEMPRE presentes - Geralmente o acometimento neurítico é de um único nervo - Pode haver comprometimento neurítico sem lesões cutâneas e, em raros casos (elevada resistência), pode haver necrose do nervo – neurite coliquativa - Hanseníase Tuberculóide Infantil: lesão tuberonodular, em geral única, situada com maior freqüência na face de involução espontânea, deixando CICATRIZ VARIOLIFORME. Hanseníase Tuberculóide Reacional: - Ocorre ab initio, ou se instala em um caso dimorfo - Lesões infiltradas, porém muito eritematosas e edematosas - Às vezes há uma lesão única (em geral, periorificial, na face) - Outras vezes são numerosas e disseminadas pelo tronco e membros - Em geral acompanhadas de neurite Hanseníase Tuberculóide em reação - Instala-se em um caso de tuberculóide tórpida - As lesões tórpidas se acutizam , e surgem novas lesões - Podem haver neurite com instalação aguda e portanto com dor intensa Doença auto-agressiva hansênica - Quadro de patologia aguda - Febre (às vezes é o único sintoma), astenia, emagrecimento, artralgias, eritema polimorfo e nodoso, vasculite, adenopatia generalizada, orquiepididimite, uveíte e neurite aguda - Decorre de um mecanismo de imunocomplexos caracterizado pela presença de diversos auto-anticorpos séricos. Diagnóstico - Em duas etapas: primeiro o da doença e depois o da forma clínica. - Exame bacterioscópico feito em pelo menos 4 locais , pelo exame da linfa (lóbulo das orelhas, cotovelos e lesões cutâneas) - A precisão se dá somente pelo achado de globias - A presença de BAAR esparsos e raros é sugestiva, porém não é precisa. - Bacterioscopia positiva em 100% dos casos v, 75% dos casos B e 5% dos casos T. - A pesquisa das sensibilidades é de grande valor diagnóstico - A lesão cutânea com diminuição ou ausência dessa sensibilidade permite com muita segurança o diagnóstico da doença. - Mitsuda: não tem valor diagnóstico pois é positivo em pessoas normais (8090%) - Porém o teste de Mitsuda serve para diferenciar as formas clínicas: NEGATIVA na Virchowiana; POSITIVA na Tuberculóide; negativa em 56% dos casos borderline e positiva em 60-70% dos casos indeterminados. - DIFERENCIAL: com sarcoidose, lúpus vulgar, sífilis terciária, eritema nodoso e polimorfo, vasculite, LES, linfoma, esclerodermia e com quadros neurológicos como seringomielia. Evolução e prognóstico: - Doença eminentemente crônica e de bom prognóstico para a vida, porém muito incapacitante - Episódios reacionais podem ocorrer em situações naturais e sobretudo durante o tratamento, principalmente na forma V (febre, eritema nodoso, artralgia, neurites, etc). Tratamento - Deve ser precoce e , portanto, relacionado ao diagnóstico da forma I, visando evitar a evolução para a forma V, impedindo também a instalação de incapacidades físicas, sociais e psicológicas. Se já estiverem instaladas, devese instituir tratamento fisioterápico, cirurgia reparadora, reajustes social e psicológico. - Mais usadas: Dapsona, rifampicina, Clofazimina e Etionamida. Utiliza-se preferencialmente a poliquimioterapia, devido à resistência que certas pessoas têm a algumas dessas drogas. A terapêutica varia de acordo com a forma clínica. - Pode haver após o tratamento: - Recaída: lesões cutâneas de surgimento insidioso, crescimento lento, acometimento de novos troncos nervosos, bacterioscopia e pouca resposta à terapêutica com corticóides. Surgem células epitelióides e macrófagos contendo bacilos. - Reação reversa: lesões surgem subitamente com edema, eritema, descamação e dor à palpação. Pode haver edema nos mmii e mmss, e os nervos acometidos ficam dolorosos com súbita alteração sensitiva e/ou motora da área.Desorganização do granuloma por edema. - Reinfecção: aparece da mesma maneira que a anterior. - No tratamento dos casos reacionais tipo 2 de V e B, usar a Talidomida, e manter o tratamento terapêutico. Profilaxia e Controle - BCG oral - Quimioprofilaxia: tratar quimioterapicamente indivíduos sadios Mitsuda negativos, contato de doentes Virchowianos. ( O Mitsuda positivo em suspeita de HV afasta o diagnóstico de hanseníase ).