Marketing e economia solidária no cooperativismo de reforma agrária

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XXIII Encontro Nac. de Eng. de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003
Marketing e Economia Solidária no Cooperativismo de Reforma
Agrária: um estudo com educandos do ITERRA
Cristiane Betanho (UFSCar/FPJ) [email protected]
Rosaura M.C. de Oliveira Eid (UFSCar) [email protected]
Farid Eid (UFSCar) [email protected]
Resumo
Este artigo integra uma pesquisa financiada pelo CNPq. Trata-se de uma pesquisa-ação, com
intervenção social, em parceria entre um grupo de pesquisadores da UFSCar com técnicos
da CONCRAB/MST e educadores do ITERRA. O objetivo é mostrar o processo de ensinoaprendizagem para trabalhadores assentados da reforma agrária. Educandos de uma turma
do Curso Técnico em Administração de Cooperativas (2002/2003) receberam capacitação
teórica e prática sobre marketing, análise do ambiente, estratégias de segmentação,
posicionamento e análise do consumidor para construção do composto mercadológico.
Atividades práticas como pesquisa de mercado e análise sensorial possibilitaram, pela
comparação entre atributos de produtos concorrentes e produtos do Iterra, que os educandos
construíssem uma oferta concreta em termos de produto, preço, promoção e praça. Os
educandos concluíram que os conceitos poderiam ser utilizados na construção de ofertas de
produtos da Reforma Agrária, e avaliaram que seria necessário que estes fossem adaptados
ao contexto da economia solidária.
Palavras chave: Marketing, Reforma Agrária, Educadores e Educandos.
1. Introdução
O conceito de economia solidária é um dos mais amplamente difundidos na atualidade.
Segundo Singer (2003), as especificidades que distinguem um empreendimento solidário de
um pautado pelas regras da corrente econômica hegemônica são o estímulo à solidariedade
entre os membros via autogestão e a reintegração de trabalhadores que foram expurgados do
mercado de trabalho por questões estruturais, advindas do paradigma econômio neoliberal.
Provavelmente, a difusão da economia solidária no contexto brasileiro deu-se em função da
quebra das forças produtivas nacionais, quando da abrupta abertura dos mercados internos,
gerando níveis alarmantes de desemprego. Nas cidades, empresas modernizadas fecharam
milhões de postos de trabalho, enquanto que no campo, a mecanização do processo de
produção e a dependência de insumos químicos redundou na falência crescente e acelerada da
pequena propriedade rural e da agricultura familiar, resultando na exacerbação do êxodo rural,
talvez sem precedentes na história da agricultura brasileira.
Uma das modalidades clássicas de organização solidária é a cooperativa. Essa forma
associativa, que prevê a propriedade conjunta dos meios de produção e o compartilhamento
do processo decisório, tem sido a mais utilizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) na luta pela terra e viabilização da vida no campo.
Em termos de Economia Solidária, redes de consumo solidário podem absorver parte da
produção dos empreendimentos; porém, inserir-se no mercado e construir mecanismos para
gradualmente competir na economia capitalista parece ser inevitável para a viabilização da
produção da propriedade rural advinda da reforma agrária, seja ela coletiva ou individual.
Para tanto, este trabalho propõe a utilização do conceito e de ferramentas de marketing para
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auxiliar na inserção dos produtos da reforma agrária no mercado, através do entendimento do
que é demandado, em que quantidade, a que preço e nível de qualidade.
2. Importância de uma economia solidária no Brasil
Em diversas regiões do país, algumas com maior intensidade, vêm se desenvolvendo,
principalmente nos últimos quinze anos, experiências de geração de trabalho e renda de forma
solidária e associativa. Iniciativas isoladas deram lugar a uma realidade que se expande e se
dinamiza, motivando a ação de entidades de classe e de políticas públicas no campo popular,
orientadas para uma economia alternativa concreta que está em processo de gestação. Gaiger
et al. (1999), ao analisarem a viabilidade e as perspectivas da Economia Solidária no estado
do Rio Grande do Sul mostraram que, se antes as experiências de geração de trabalho e renda
eram consideradas pelos pesquisadores como circunstanciais e efêmeras, de difícil registro, a
partir da década de 90, aumenta ano a ano o interesse por investigações científicas sobre
iniciativas solidárias, algumas com mais de dez anos de atividade contínua. Isso não quer
dizer que dissoluções não ocorram, mas o que se observa de novo, é a busca pela
sobrevivência e mesmo o crescimento de algumas, procurando garantir, simultaneamente, o
equilíbrio entre o econômico e o social. É nesse sentido que uma nova interpretação sobre
experiências solidárias e programas de apoio considera que, para sobreviverem e crescerem,
tenderiam a evoluir para ações propositivas, destacando-se o desenvolvimento de novas
formas de organização da produção e do trabalho, com reflexos diretos no campo das políticas
públicas e da organização da sociedade.
Os empreendimentos econômicos solidários (EES) são definidos por Gaiger et al. (1999)
como sendo organizações coletivas de trabalhadores voltados para a geração de trabalho e
renda, regidos, idealmente, por princípios de autogestão, democracia, participação,
igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e
responsabilidade social. Entende-se por Economia Solidária (ES), segundo Singer (1999), o
conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito
organizadas por princípios solidários, espalhadas por diversas regiões do país e que aparecem
sob diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas autogestionárias,
bancos comunitários, “clubes de trocas”, “bancos do povo” e diversas organizações populares,
urbanas e rurais. Desenvolvem principalmente atividades econômicas, como plantio,
beneficiamento e comercialização de produtos primários, prestação de serviços, confecções,
alimentação, artesanatos, entre outras. Para viabilizar a expansão da ES, uma série de desafios
são enfrentados, desde a criação de novas políticas e instituições públicas e populares voltadas
à representação e apoio, à incubação de EES, ao acompanhamento permanente das demandas
de formação, crédito, tecnologia, mercado, gestão e outras.
3. O cooperativismo de Reforma Agrária
O MST pode ser definido como uma empresa social pelo caráter de seus empreendimentos
econômicos solidários (PASQUETTI, 1998). De fato, observamos em nossa pesquisa e como
docentes em Cursos Técnicos e de Especialização em Administração de Cooperativas, que as
atividades sociais e econômicas, onde existem, estão voltadas, em suas esferas de poder, para
a construção de um modelo de gestão democrático e participativo; busca-se o
desenvolvimento organizacional, através da motivação coletiva para o trabalho voluntário e
remunerado; há o compromisso e disciplina pessoal de seus membros com o cumprimento dos
objetivos sociais; na definição das estratégias de crescimento econômico, a busca pelas sobras
líquidas não é a referência principal, mas principalmente, o desenvolvimento do ser humano,
através do resgate e ampliação da dignidade e da cidadania; geralmente, a propriedade é
coletiva e deve beneficiar todos os associados e envolvidos; o cooperativismo para assentados
do MST é entendido como um dos caminhos para a emancipação humana (EID et al., 1998).
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Quanto à sua trajetória, com quase vinte anos de atividades, encontra-se organizado em 23
estados, em 600 assentamentos com cerca de 150 mil famílias. Nesse período, o MST destacase pelas atividades articuladas de cinco setores. O Setor de Produção conta com cerca de 400
associações de produção, comercialização e serviços, 49 cooperativas de produção
agropecuária (2300 famílias), 32 cooperativas de prestação de serviços (11 mil sócios), 2
cooperativas regionais de comercialização, 2 cooperativas de crédito (6 mil sócios) e 96
agroindústrias processadoras de frutas, leite, grãos, café, carnes, doces e cana-de-açúcar. O
SCA atua em cerca de 700 municípios brasileiros (EID & PIMENTEL, 1999).
O Setor de Educação desenvolve pedagogia própria para escolas do campo em cerca de mil
escolas públicas de assentamentos, com 75 mil crianças e 2800 professores da rede municipal
e estadual. Quanto ao Setor de Comunicação, coordena as atividades do Jornal Sem Terra e
acompanha a formação de repórteres populares, programas de rádio e rádio comunitária em
assentamentos, divulgação de informações, notícias na página da Internet e via e-mail para
diversas organizações e grupos de apoio em nível nacional e internacional. O Setor de
Direitos Humanos articula uma rede nacional com 60 advogados que trabalham de forma
voluntária, em processos que envolvem prisões, assassinatos e outras questões relacionadas
com a defesa da Reforma Agrária. O Setor de Relações Internacionais, coordena as atividades
internacionais, principalmente em fóruns como a Via Camponesa que agrega 80 organizações
camponesas dos 5 continentes (EID & PIMENTEL, 2000).
4. Importância do Marketing na inserção dos produtos no mercado
Um olhar retrospectivo para a economia brasileira demonstra que idéias, conceitos e técnicas
de marketing sempre encontraram melhor ressonância, e foram implantadas com maior
sucesso, em organizações que atuavam em ambientes competitivos de negócios. No entanto, a
partir de 1990, com o início do processo de abertura da economia, todas as áreas de negócio
foram forçadas a adotar uma perspectiva voltada para o consumidor, ao invés da mentalidade
de distribuição em voga na época. O mercados consumidores estavam mudando, e era
necessário fornecer valor competitivo. Na busca por resultados significativos, as ferramentas
de marketing foram adaptadas para todas as áreas de negócio, a fim de que informações sobre
os clientes pudessem orientar as organizações para sua conquista e manutenção.
O próprio conceito de marketing pode assumir um caráter gerencial ou social. Para Kotler
(2000), pode ser definido gerencialmente como a “ciência da escolha de mercados-alvo, e da
captação, manutenção e fidelização de clientes por meio da criação, entrega e comunicação de
um valor superior para o cliente”. Segundo Silva (2001), os conceitos de marketing podem
focar os níveis estratégico e operacional. O marketing estratégico analisa constantemente os
mercados de referência (ou mercados-alvos) da empresa, identificando produtos e segmentos
de mercados atuais e potenciais onde a mesma poderia atuar, considerando fatores como: a
atratividade dos diferentes segmentos ou nichos de mercado, o ciclo de vida dos diferentes
produtos, as vantagens concorrenciais da empresa. O marketing estratégico visualiza o longo
prazo. O segundo conceito, o marketing operacional, ao contrário do estratégico, enfatiza as
atividades de curto prazo, orientadas para o atendimento e a manutenção dos mercados atuais,
através dos elementos do mix de marketing (produto, praça ou canais de distribuição, preço e
promoção ou composto promocional) mais adequados aos objetivos da empresa. Ele se ocupa
também dos orçamentos de marketing adequados às atividades comerciais da empresa.
A definição social de Kotler (2000) é por ele denominada como “orientação de marketing
societal”. Ela prevê que a busca pelo mercado deve ser realizada de tal forma que preserve ou
melhore o bem-estar do consumidor e da sociedade, levando em consideração o interesse
público e a ética. Semenik e Bamossy (1995) afirmam que as empresas estão inclusive
aceitando seu papel na preservação e não degradação do meio ambiente. Assim, as atividades
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de criação de ofertas para o mercado devem levar em consideração não apenas a satisfação do
cliente no tempo presente, mas no futuro. Para Richers (1994), as atividades de marketing
facilitam o fluxo de produtos dos produtores para os clientes, o que pode ter profundas
implicações sociais. Sistemas de marketing eficientes podem levar ao aumento do comércio e
do desenvolvimento econômico, o que aumenta a base tributária do país. Esses benefícios
podem ser rapidamente traduzidos em sistemas de educação e saúde melhores para todos,
indo muito além dos objetivos básicos de suprir os clientes com o que querem, quando
querem e por um preço que queiram pagar por isso.
Esses valores (bem-estar social e preservação ambiental) têm sido utilizados como um forte
fator de posicionamento para empresas dos mais variados setores econômicos, visando a
ocupar uma posição competitiva distinta e significativa na mente dos consumidores. Vários
autores, como Kotler (2000), Toledo e Amigo (1999) e Semenik (1995) afirmam que a
criação desse valor, em um contexto adequado de custo/benefício, é o grande desafio a
superar para alavancar o desempenho.
Uma das formas de aumentar a precisão do marketing dentro de uma organização é segmentar
o mercado, identificando grupos com preferências, poder de compra, hábitos de consumo ou
localização geográfica semelhantes. Para Kotler (2000), com a segmentação, a organização
pode criar produtos a preços apropriados e oferecê-los através de canais de distribuição e
comunicação mais adequados, além de enfrentar menor concorrência. Produto, preço,
distribuição e comunicação são as variáveis mercadológicas que a empresa utiliza para
concretizar uma oferta para o mercado. Na linguagem da área, são denominados os “4P’s” ou
“mix de marketing”.
Mas não basta olhar para o mercado. As organizações devem analisar criticamente seu
ambiente interno e o macroambiente. Selecionar determinada estratégia implica escolher os
mercados em que a empresa pretende atuar e quais produtos serão utilizados nesta atuação. O
diagnóstico estratégico interno (pontos fortes e fracos da empresa) e o diagnóstico externo
(ameaças e oportunidades do ambiente) indicam a melhor direção a serem tomadas pelas
ações estratégicas (SILVA, 2001).
Para Silva (2001), o marketing dentro do contexto do agribusiness utiliza basicamente os
mesmos conceitos aplicados a outros setores produtivos, porém deve considerar algumas
particularidades das firmas agroalimentares, como: a) natureza dos produtos (perecibilidade,
sazonalidade); b) características da demanda (bens de consumo corrente, produtos em
ascensão ou estabilizados ou em declínio, sazonalidade); c) comportamento do consumidor
(dimensão psicológica: preocupação com a saúde, etc.); d) dispersão do setor de produção
agropecuária; e) concentração do setor de distribuição; f) importância das cooperativas no
negócio de transformação de produtos de origem agropecuária.
5. O ITERRA e a inserção dos produtos no mercado
O Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) localiza-se na
cidade de Veranópolis (RS). Dentre outras atividades, desenvolve cursos de capacitação de
nível secundário, como o Técnico em Administração de Cooperativas, Técnico em Saúde,
Técnico em Comunicação Popular e o curso superior de Pedagogia. Todos os cursos são
modulares, sendo realizados em etapas presenciais e etapas denominadas tempo-comunidade,
onde os educandos devem aplicar os conceitos discutidos no tempo-escola e realimentar o
processo de construção de um novo modo de produção e de vida solidários. Além da
educação formal, o Iterra possui uma planta piloto para a fabricação de conservas de frutas e
legumes, a fim de desenvolver técnicas de produção e princípios de boas práticas de
manufatura para treinamento de cooperados para agroindústrias ligadas ao MST no Brasil.
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A execução do projeto de pesquisa “Dinâmica organizacional e produtiva em cooperativas de
Reforma Agrária: diagnóstico, implementação de estratégias para o desenvolvimento e
perspectivas”, financiado pelo CNPq, possibilitou o contato com o Iterra e originou o convite
para a realização de uma etapa de aulas relacionadas ao assunto Economia e Mercado, cujo
objetivo seria a transmissão de conceitos ligados a administração mercadológica para uma
turma de formandos.
Os vinte educandos da Turma Carlos Marighella receberam 27 horas de instrução prática e
teórica sobre marketing. O conteúdo do programa desenvolveu os principais conceitos de
marketing, a análise do ambiente e as estratégias de segmentação e posicionamento que
derivam da análise do consumidor para a construção do composto mercadológico – produto,
preço, promoção e praça, ou “4P’s”.
Duas atividades práticas foram realizadas durante o módulo: a pesquisa de mercado e a
análise sensorial. O objetivo de ambas as atividades era repassar uma ferramenta de
formatação de uma oferta para um mercado-alvo. Através da comparação entre os atributos de
produtos concorrentes e produtos fabricados dentro do Iterra, os educandos construíram uma
oferta concreta em termos de Produto, Preço, Promoção e Praça.
Ao final do período de instrução e construção de conhecimentos, os educandos foram instados
a analisar se os conceitos de marketing poderiam ser utilizados na construção de ofertas de
produtos da Reforma Agrária, e avaliar se esses conceitos necessitariam de adaptações ao
contexto da economia solidária.
6. Metodologia da Investigação
Quanto ao método, esta pesquisa pode ser classificada como um estudo de caso, tendo em
vista que a falta de amplitude oriunda da análise de uma única experiência não permite
extrapolar os dados para o universo dos cooperados da Reforma Agrária. Yin (2001) afirma
que os estudos de caso, como os experimentos, são generalizáveis a proposições teóricas, e
não a populações ou universos, e que o objetivo do pesquisador que se utiliza do método do
caso é expandir e generalizar teorias (generalização analítica), e não enumerar freqüências
(generalização estatística).
Quanto a abordagem, esta pesquisa é qualitativa, tendo em vista que a discussão dos conceitos
e a sua aplicação aos empreendimentos de Reforma Agrária junto aos educandos do ITERRA
procurou interpretar particularidades dos comportamentos e atitudes dos indivíduos. De
acordo com Oliveira (2001), as pesquisas que utilizam a abordagem qualitativa possuem a
facilidade de poder descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema,
analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos
experimentados por grupos sociais e apresentar contribuições no processo de mudança,
criação ou formação de opiniões de determinado grupo.
Esta investigação foi construída com dois vetores de percepções dos educandos: o que
entendiam por marketing antes do módulo Economia e Mercado e, após a socialização dos
conceitos, como entendiam o marketing e se havia possibilidade de utilizar seus conceitos e
ferramentas para a viabilização dos produtos da Reforma Agrária; e verificar a retenção dos
conceitos aprendidos, através da aplicação dos conceitos a um caso concreto de produto da
Reforma Agrária.
7. O marketing no cooperativismo de Reforma Agrária
No início das atividades, após um nivelamento de expectativas, os conceitos elementares de
administração mercadológica foram passados. Os alunos perceberam que o conceito
tradicional de marketing não era adequado para o contexto da Reforma Agrária. Pelas
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características de empreendimento solidário e ambientalmente sustentável, o conceito mais
adequado era o de marketing societal, como proposto por Kotler (2000).
O trabalho prático foi iniciado após explanações sobre a pesquisa de mercado e sua
importância em um universo de consumo em constantes mudanças de percepção. Sua primeira
etapa foi desenvolvida nos supermercados da cidade por meio de pesquisa explotarória que
visou conhecer, dentro de pontos de venda selecionados, as características de alguns produtos
em termos de embalagens, quantidade acondicionada, variações, disposição nas gôndolas,
quantidade de concorrentes, preço e percepção de valor em relação a “preço/qualidade
aparente”. Para selecionar os produtos que seriam pesquisados, levou-se em consideração o
critério de estarem as cooperativas já o produzindo ou pensando em produzi-los, a fim de que
o trabalho fosse o mais prático possível.
Dessa pesquisa exploratória, desenvolveu-se o processo de construção da oferta física em
termos de “4P’s”. Um dos produtos pesquisados foi selecionado para a realização de uma
degustação comparativa entre uma marca comercial e o produto fabricado no ITERRA.
Intencionamente foi selecionada uma geléia sabor morango, tendo em vista ser esse um dos
produtos de maior saída dentre os produzidos pela planta piloto do ITERRA. Os aspectos
avaliados em ambos os produtos foram “cor”, “odor”, “sabor” e “textura”. A avaliação
sensorial foi realizada de forma “aberta”: os respondentes avaliaram os produtos em suas
próprias embalagens e declinaram suas opiniões em público. Os resultados da análise dos 20
educandos quanto a preferência nesses itens encontram-se na Tabela 1.
Aspectos
Odor
Cor
Sabor
Textura
Concorrente
01
17
03
01
Iterra
19
03
17
19
Tabela 1 – Resultados da análise da geléia ITERRA versus concorrente.
Os educandos perceberam o produto ITERRA como superior ao concorrente em termos de
sabor, odor e textura; no entanto, a cor do produto da concorrência lembrava a coloração de
morangos frescos, o que o tornava mais atrativo visualmente. Da mesma forma, sua
embalagem e o formato de seu rótulo davam a aparência de produto mais nobre e com
presença de pedaços de morango, o que não se confirmou durante a análise.
A análise sensorial realizada em sala de aula acabou por deflagrar um processo de
comparação entre os produtos ITERRA e concorrentes. Aproveitando a oportunidade de
apresentar mais uma metodologia para análise sensorial, procedeu-se a uma segunda
avaliação, desta vez “cega” (os respondentes não tinham indicação de procedência das
amostras analisadas). O produto escolhido pela engenharia de produtos do ITERRA foi o
segundo mais vendido por eles – o pêssego em calda. Os aspectos analisados foram “textura
da fruta”, “textura da calda”, “sabor”, “doçura”, “aroma”, “aparência” e “cor”. Novamente o
produto Iterra mostrou-se superior ao concorrente, somente perdendo no quesito “doçura” e
empatando tecnicamente no que tange a “textura da fruta”. Ambos os aspectos estão
relacionados a idade do fruto.
Durante as aulas expositivas, foram clarificados os conceitos dos “4 P’s”. Ao final da
explanação teórica sobre cada um deles, os educandos eram instados a retornar à análise da
geléia e ratificar ou retificar as decisões tomadas quando do lançamento da geléia do
ITERRA, propondo melhorias para o composto de marketing do produto. O Quadro 1
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sintetiza as impressões dos educandos quanto aos aspectos do mix de marketing para a geléia
ITERRA.
Produto
- Dar maior
visibilidade ao
produto;
- Melhorar a cor;
- Usar o lacre;
- Melhorar rótulo:
formato, desenho
da fruta, expor que
o produto não
contém
conservantes
Preço
- Deve ser o mais
baixo possível para
possibilitar
o
acesso ao produto
das classes menos
favorecidas;
- Deve ser coerente
com o público-alvo
(quem pode pagar
mais, deve fazê-lo)
Promoção
- Usar as mídias do
MST
e
de
simpatizantes;
- Desenvolver
panfletos
junto
com o doce;
- Participar de festas
temáticas, feiras e
eventos;
- Estreitar laços com
a comunidade e
com a imprensa
- Fazer cadastro de
clientes
para
comunicação 1 a 1
Praça
- Desenvolver
as
lojas do MST
(canal exclusivo);
- Aumentar
a
distribuição para
outros pontos;
- Desenvolver
o
mercado
institucional
(hotéis,
creches,
hospitais, escolas)
- Melhorar a entrega
porta-a-porta
Quadro 1 – Revisão dos “4P’s” da geléia do Iterra após a análise sensorial.
Os aspectos de posicionamento a serem utilizados na comunicação, segundo os alunos, devem
ser ligados a argumentos como “qualidade”, “orgânico”, “saúde”, “respeito ao meio
ambiente”, “política e economicamente correto”, “solidário”, “leva o homem de volta para o
campo”.
8. Considerações finais
As expectativas iniciais da turma Carlos Marighella sobre o marketing podem ser agrupadas
como relacionadas a apreender “conceitos”, “conhecimento do mercado” e das “estratégias de
competição” para intervir na realidade dos assentamentos de Reforma Agrária, trazendo
viabilidade para as agroindústrias e visibilidade para os produtos.
As avaliações após o término do módulo foram positivas quanto a apreensão de um conteúdo
básico sobre marketing. De um extremo a outro, as visões vão desde uma visão de marketing
operacional (operacionalização do mix) até a visão estratégica do marketing enquanto
canalizador do esforço estratégico da organização. Alguns educandos citaram em seus relatos
que suas barreiras quanto ao assunto tinham sido derrubadas, reconhecendo poder ser o
marketing um ferramenta gerencial de grande importância para a viabilização de produtos e
agroindústrias da Reforma Agrária no Brasil.
O apoio governamental a Reforma Agrária, efetivo e em grande escala, possibilitará a
disponibilização de recursos para a implantação de novas agroindústrias e revitalização das
existentes, as quais enfrentaram enormes dificuldades de sobrevivência, e na implementação
de práticas mais profissionalizadas de relacionamento com o mercado. No entanto, sem
planejamento adequado, esses esforços poderão ser vãos. Daí a importância da sensibilização
dos assentados em conceitos de administração de mercado, visando não apenas a presença no
mercado, mas, conforme Lisboa (2003) a demonstração de que há outras forças econômicas
além da hegemônica, que buscam construir a possibilidade de uma maior democratização da
economia e, portanto, da sociedade, alicerçadas num controle genuinamente social sobre os
meios de produção, realizado por indivíduos cooperativamente associados.
Porém só isso não basta. É fundamental a assistência técnica relacionada à formação integrada
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e continuidade em três dimensões – técnica, administrativa e política. De fato, a lógica da
Economia Solidária é oposta à lógica do mercado globalizado. Este, em sua perseguição pelo
lucro máximo, separa-se de questões não econômicas. Tradicionalmente a globalização e seus
impactos sobre o setor agrário é interpretada como um processo de padronização de políticas
de fazenda, aumentando-se a expansão das fronteiras agrícolas, medidas uniformes de
proteção ambiental, aumento da competitividade e da produção e comercialização de
alimentos com controle cada vez maior, por firmas transnacionais, sobre a cadeia produtiva.
Porém, segundo McMichael apud Levi (2000), longe de conduzir à homogeneidade, a
globalização pode oferecer a oportunidade de repensar a diversidade local e pode ajudar
comunidades locais a encontrarem novos espaços no mercado em uma economia global nova
ou resistir às pressões globais. Nem os valores clássicos nem os princípios podem prover
meios suficientemente resistentes à ameaça do paradigma neoliberal. Isso implica ir além da
doutrina convencional sobre cooperativismo e de recorrer à variedade de formas sociais,
culturais e que a comunidade espera que sejam adotadas pelas cooperativas, principalmente as
rurais (LEVI, 2000).
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