PODER JUDICIÁRIO FEDERAL JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO Gab Des Rosana Salim Villela Travesedo Av. Presidente Antonio Carlos, 251 6o. andar Castelo Rio de Janeiro 20020-010 RJ PROCESSO: 0000589-95.2010.5.01.0322 - RTOrd ACÓRDÃO 7ª TURMA DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Uma vez evidenciado o nexo de causalidade entre a atividade laborativa prestada pelo obreiro e o acidente de trabalho, impõe-se à ré o ônus de arcar com a indenização por dano moral, em lhe pertencendo, exclusivamente, o risco da atividade econômica, à luz do art. 2º da CLT. Aplicação dos arts. 927, parágrafo único, do Código Civil e 7º, inciso XXVIII, da Lei Maior. Apelo autoral parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário em que são partes: ÁTILA JORGE CARVALHO, como recorrente, e SENDAS S/A - SEDE (Nova denominação de Casas Sendas Comércio e Indústria S/A), como recorrida. Cuida-se de recurso ordinário interposto pelo trabalhador, objetivando a reforma da sentença de fls. 150/151, proferida pela MM. Juíza Diane Rocha Trocoli Ahlert, da 2ªVT/São João de Meriti, que julgou improcedente o pedido. Pleiteia o pagamento de indenizações por danos moral e material, além de lucros cessantes, em razão do acidente de trabalho sofrido. Contrarrazões às fls. 174/176. É o relatório. 6492 1 V O T O: Conhecimento: Recurso ordinário interposto a tempo e modo. Conheço-o. Mérito: Das indenizações por danos moral, material e lucros cessantes: Rebate o autor o veredicto de origem que indeferiu o pagamento de indenizações por danos moral (no importe de 300 salários mínimos) e material (no montante de R$1.800,00), além de lucros cessantes (equivalente a R$20.189,10). Assevera que no exercício da função de dentista teria sofrido acidente de trabalho, expondo-se a riscos graves, em razão de a ré haver sonegado informações acerca das condições de saúde de determinada paciente contaminada pelo vírus HIV. O julgador de primeiro grau negou o desiderato obreiro, atribuindo a este a culpa exclusiva pelo infortúnio. Merece reproche a decisão recorrida. Deflui da análise dos autos que o trabalhador prestou atividade laborativa para a ré no interregno de 18/03/1997 a 22/01/2004 (fl. 44), exercendo a função de dentista. Em data de 17/01/2002, ao prestar atendimento odontológico a outra empregada da recorrida, o autor sofreu acidente de trabalho, ao ter seu globo ocular atingido por fragmentos de dentes e sangue daquela paciente. Não bastasse a malsinada ocorrência constatou, posteriormente, que a aludida paciente era portadora do vírus HIV. A ré emitiu a respectiva CAT - Comunicação de Acidente de 6492 2 Trabalho - encaminhando-o ao setor médico e informando-o acerca da gravidade da condição de saúde da indigitada paciente - até, então, ocultada pelo empregador - e a necessidade de vacinação contra os vírus da hepatite B e HIV, iniciando-se, a partir daí, tratamento com coquetéis de medicamentos, conforme se infere do prontuário médico de fl. 21. Malgrado o trabalhador tenha obtido conceito profissional “EXCELENTE”, conforme noticiam as pretéritas avaliações da ré ( fls. 22/23), o infortúnio que lhe alcançou teve o condão de aquebrantá-lo, causando-lhe insegurança profissional, instabilidade emocional, choro fácil (fl. 31), transtorno fóbico-ansioso com reação depressiva (fls. 32 e 34), quadro depressivo e ataques de pânico (fl. 33), ex vi dos inúmeros atestados colacionados aos autos. Tanto assim que o obreiro esteve afastado de sua atividade laborativa desde a data do acidente (17/01/2002) até 02/02/2002 (fl. 129) e, após, em gozo de benefício previdenciário no período 28/09/2003 a 027/07/2004 (fls. 20 e 129/130). Exubera, ainda, do acervo probatório que a empresa detinha conhecimento da condição soropositiva da paciente, tendo sonegado tal informação ao profissional, ora recorrente. Tivesse este sido inteirado da real condição de saúde da paciente, por óbvio, teria tomado providências redobradas quando do atendimento, razão por que não se lhe deve atribuir culpa exclusiva no episódio, diante da conduta omissiva da empresa. E não se diga que o prontuário médico da paciente conteria informação acerca de sua situação soropositiva, mas, ao revés, constata-se uma única e incompreensível assinalação relativa ao HIV, consubstanciada em letra “X” na cor vermelha (fl. 24). Impende destacar que a prova oral dá conta de que, verbis, “...havia uma relação de empregados soropositivos, a qual ficava de posse do cirurgião-dentista chefe, Dr. 6492 3 Claudio; que o referido não trabalhava no mesmo local em que o fazia o autor...” (fl. 131). Enfatizo que o Código de Ética Odontológica, ao tratar das condições necessárias às empresas para o desenvolvimento de atividades no âmbito da odontologia previu, expressamente, a seguinte obrigação, verbis, “Art. 23. (...) III. propiciar ao profissional condições adequadas de instalações, recursos materiais, humanos e tecnológicos definidas pelo Conselho Federal de Odontologia, as quais garantam o seu desempenho pleno e seguro, exceto em condições de emergência ou iminente perigo de vida;” A análise do conteúdo da prova autoriza a conclusão de que a ocultação, pelo empregador, das reais condições de saúde dos pacientes, gera risco potencial tanto para o dentista como para o próprio paciente, porquanto este pode ser submetido a procedimento inadequado ao seu estado físico. Nesse ambiente, não é necessário demasiado esforço argumentativo para se inferir a angústia e o sofrimento experimentados pelo obreiro quando da possível contaminação pelo vírus HIV, infelizmente, ainda incurável hodiernamente. Tem-se, pois, que a obrigação de o empregador reparar o mal para o qual concorreu, de forma omissiva, tem fulcro na responsabilidade social que lhe impõe a Constituição em vigor, erigindo a princípios fundamentais o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º). Ainda que as condições de segurança nas empresas estejam longe do ideal, desprezando a saúde do trabalhador - reminiscências da revolução industrial - a nova hermenêutica constitucional, forjada nos arraiais do pós-positivismo, edifica-se sobre o epicentro da Lei Maior - o 6492 4 conceito de dignidade humana - impondo um novo olhar e interpretação do Direito do Trabalho. A partir da nova lente constitucional, a valorização social do trabalho e a proteção à saúde do trabalhador ganham destaque, de modo que já não é mais possível conceber que a fome de lucro empresarial sacrifique o “bem maior”, no caso, a vida e a dignidade da pessoa humana. Nessa perspectiva, a legislação infraconstitucional impõe ao empregador a obrigação de reparar o dano causado pela simples exploração da atividade econômica - teorias do risco e da responsabilidade objetiva, arts. 927 e 932, III do Código Civil. Moral da história: a utilização da mão-de-obra em proveito da empresa gera como consequência imediata o dever desta indenizar a dor moral experimentada pelo trabalhador que se lesiona no desempenho da profissão, em pertencendo àquela, exclusivamente, o risco da atividade econômica, a teor do art. 2º. da CLT. Resta despicienda, ainda, a demonstração cabal do dano moral, uma vez que os fatos notórios - ou aquilo que ordinariamente acontece independem de prova (art. 334, I, do CPC) e decorrem da própria natureza humana, do grau de sensibilidade do “homem médio”. Quanto à fixação da indenização, atenta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, fixo-a em R$50.000,00, considerando a gravidade do dano, o porte econômico do empregador e o caráter pedagógico do instituto. Improspera, contudo, a pretensão relativa à indenização por dano material consubstanciado no desfazimento de consultório dentário particular, sob a alegação de inaptidão para o trabalho resultante do acidente. Isto porque o recorrente trouxe à colação apenas e, tão somente, recibo de sua autoria (fl. 46) noticiando a venda dos equipamentos odontológicos, prova insubsistente para agasalho da pretensão. 6492 5 Outro destino não se reserva ao pleito de lucros cessantes, à míngua de prova autoral quanto aos ganhos mensais auferidos no consultório particular até à inaptidão para o trabalho (CLT, art. 818). Dou parcial provimento. Conclusão: Conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe parcial provimento para julgar procedente em parte o pedido, condenando a ré ao pagamento de indenização por dano moral no importe de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Acresçam-se juros de mora sobre o capital corrigido, nos termos da Lei 8.177/91 e da Súmula 381 do TST. Inverto o ônus da sucumbência. Atendendo ao disposto no parágrafo 3º do art. 832 da CLT, declaro a natureza indenizatória da parcela deferida. A C O R D A M os Desembargadores que compõem a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, colhido o voto de desempate do Desembargador Marcelo Augusto Souto de Oliveira, por maioria, darlhe parcial provimento para julgar procedente em parte o pedido, condenando a ré ao pagamento de indenização por dano moral no importe de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Acresçam-se juros de mora sobre o capital corrigido, nos termos da Lei 8.177/91 e da Súmula 381 do TST. Inverte-se o ônus da sucumbência. Atendendo ao disposto no parágrafo 3º do art. 832 da CLT, declarar a natureza indenizatória da parcela deferida. Vencidos os Desembargadores Evandro Pereira Valadão Lopes e Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha que negavam provimento ao apelo. Rio de Janeiro, 22 de junho de 2011. ROSANA SALIM VILLELA TRAVESEDO Relatora RSVT/c/d/6 6492 6