o contexto de institucionalização, expansão e - cress-mg

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O CONTEXTO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO, EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO
DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS.
Ricardo Silvestre da Silva1
RESUMO
O presente texto tem por objetivo realizar reflexões sobre a organização da assistência social
brasileira na cena contemporânea, problematizando o seu caráter pacificador que vem se
impregnando à mesma, atuando no sentido de esvaziar sua constituição enquanto espaço de
disputa em favor dos direitos da classe trabalhadora. Consideramos que a assistência social
enquanto política social, e seu ingresso no bojo da seguridade social representa um grande
avanço nas relações entre o Estado e a sociedade civil, no sentido de afirmar a um conjunto de
famílias vulnerabilizadas pela pobreza um tipo de proteção pública, que atue na direção de
viabilizar garantias para sua reprodução diante das vicissitudes da vida. Contudo, o que
percebemos é que a organização desta política ocorre atravessada por uma lógica
mercadológica neoliberal, que tendencialmente transfere para o mercado as responsabilidades
pela reprodução do conjunto da sociedade. A desmistificação deste processo e seu
enfrentamento pela radicalidade metodológica da crítica dialética então, torna-se essencial
neste processo para que possamos compreender o real significado do Estado, controlado
hegemonicamente pelas forças burguesas, e suas ações no campo dos “direitos sociais” que
esvaziam a luta de classe e naturalizam as relações de produção, fundadas na exploração do
trabalho. Nesta direção, consideramos que a assistência social, enquanto política social, vem
cumprindo muito mais um papel de pacificação dos segmentos empobrecidos, do que no
fortalecimento de seus direitos.
Palavras chaves: Assistência Social, SUAS, Pacificação, Política Social, Estado.
1
Mestre e doutorando em Serviço Social pela UFRJ, professor do curso de Serviço Social da UFOP.
1
INTRODUÇÃO
O presente texto visa problematizar a organização política de assistência social na cena
contemporânea, a partir de sua mediação com o Estado no contexto do capitalismo
monopolista contemporâneo. Deste modo, pretendemos contribuir com o entendimento desta
política enquanto um espaço de possibilidades de ampliação de direitos à classe trabalhadora 2,
mas principalmente também enfrentar o corriqueiro equívoco político-teórico de super
dimensionar o papel desta política no interior das relações sociais e dinâmica estatal3.
Além disto, deseja contribuir com uma reflexão sobre a dimensão pacificadora que
recorrentemente vem se impregnando a esta política, colaborando para uma pretensa
harmonia das relações sociais contraditórias no quadro do capitalismo avançado e periférico
no contexto brasileiro. Esta tendência materializa-se principalmente à medida que se
abandona o caráter de classe em sua operacionalização cotidiana e desconsidera as devidas
mediações com o fundamento econômico desta sociedade: a exploração do trabalho.
Isto ocorre quando a assistência mesmo tendo como princípio a “universalização dos
direitos sociais” (cf. MDS, 2005),
vem contribuindo com uma exacerbada ideologização e
mascaramento das relações de exploração, atuando para reproduzir uma estrutura econômica
desigual. Aqui não colocamos em um mesmo bojo, as relações institucionais-políticas e o
trabalho técnico, que cotidianamente esforça-se para romper com o legado conservador
impregnado à assistência social brasileira, procurando conferir a esta uma dimensão de
ampliação e universalização dos direitos sociais aos vulnerabilizados pela pobreza.
Nosso ponto de partida é o ingresso da assistência no tripé da seguridade social a partir
da Constituição Federal de 1988, tendo a emergência do SUAS4 enquanto resultado deste
processo decorrente da organização política dos sujeitos sociais em torno desta política.
Devemos destacar que este processo conferiu à assistência social o status de política pública
e, ainda que deva ser problematizada pode ser compreendida como uma conquista dos
2
Este espaço de ampliação de direitos via políticas sociais públicas limita-se pela apropriação privada da riqueza
social. Assim, não temos a ilusão de que este seja o caminho para a resolução da exploração e a superação
definitiva do caráter classista do capitalismo, mas uma possibilidade de travar lutas que possibilitem saltos
emancipatórios dos trabalhadores. Ver Berhing 2002, Netto 2007, Netto e Braz 2006, Faleiros, 2000.
3
Tal postura ocorre por parte do Estado que atribui de forma ideológica a esta política a função de superação da
pobreza, mas também por segmentos profissionais (incluindo o serviço social) que caem nesta armadilha e não
assumem uma postura crítica frente a este processo, contribuindo com a refilantropização da questão social.
4
O Sistema Único de Assistência Social – SUAS – surge em 2004 a partir da emergência PNAS que procura
resignificar a implementação da assistência dando-lhe “a possibilidade de reconhecimento público da
legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo”. (PNAS, 2005:31).
2
movimentos sociais ligados aos interesses dos trabalhadores5. Ressalta-se que o ordenamento
jurídico na ordem do capital, particularmente em seu estágio monopólico, é um processo
permeado por significados ideológicos que contribui para mistificar a realidade e reproduzir
práticas conservadoras, mesmo que apareçam revestidas por uma pseudo-criticidade e
sustentadas por um discurso contra a pobreza.
Reforça-se então, a partir da lógica organizativa da assistência, uma estratégia que
contribui muito mais para o aprofundamento da dinâmica do mercado do que avançar na
socialização da riqueza social6. Por isso, defendemos que a forma como vem se organizando a
assistência social brasileira, tem contribuído muito mais para o fortalecimento do capitalismo
do que ampliar o caráter público da seguridade social como um legado trabalhista. Isto quer
dizer que esta política tem produzido desdobramentos ídeo-político na sociedade de maneira
geral e, particularmente sobre a população usuária em direção de promover o fortalecimento
do mercado e o esvaziamento da luta de classe.
Nesta direção organizamos o texto em dois momentos que se articulam entre si: 1)
problematizar a assistência social brasileira de uma forma mais geral na cena contemporânea,
enquanto um campo de tensão e disputa política, e; 2) caracterizar a organicidade desta
política social, destacando o desafio posto ao pensamento crítico de enfrentar a dimensão
pacificadora que vem se impregnando a esta política.
Assim, é imprescindível apreender o movimento mistificador que a assistência vem
produzindo sobre os fundamentos da pobreza, no sentido de atuar não no seu efetivo
enfrentamento, mas ao contrário na manutenção e ampliação da desigualdade social.
A ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA INSERIDA
MONOPOLISTA E O AVANÇO NEOLIBERAL
NO
CAPITALISMO
A assistência social no Brasil a partir da Constituição de 19887 ingressou no bojo da
seguridade social, assumindo o status de política social ainda que em grande medida este
5
A expressão deste movimento faz-se perceber na incorporação de princípios como a descentralização políticoadministrativa, participação popular e gestão financeira, que visam retirar a assistência do campo do favor e
efetivar ações estatais que atuem para romper o histórico clientelismo enquanto uma marca das ações do Estado
neste campo. Contudo, o ingresso da assistência social no cenário jurídico-formal, não retira da mesma o traço
conservador e clientelista construídas pelo Estado. Ver Yasbeck (2003) e Boschetti (1999).
6
Não é possível a partir da sociabilidade do capital, que qualquer política social contribua com a emancipação
humana. Assim, em última instância esta se torna um espaço de reprodução ampliada das relações de produção
hegemônicas, e que devem ser tensionados pelas forças políticas vinculadas aos interesses dos trabalhadores para
ultrapassarem o burocratismo e pragmatismo estatal. Sobre emancipação humana e política, ver Marx (2001).
7
Os artigos 203 e 204 da C.F./88 coloca a assistência no tripé da seguridade social, conferindo-lhe o status de
política pública que passa a contar com destinação orçamentária responsabilidades firmadas no pacto federativo.
Este processo jurídico, consolida-se com a LOAS (Lei Federal nº 8.742/93), regulamentando o seu
3
avanço no plano jurídico-formal não venha se constituindo na realidade concreta um processo
que tem representado um real fortalecimento dos direitos sociais, mas ao contrário vem
tendencialmente se transformando em um instrumento de pacificação e enquadramento das
demandas dos trabalhadores por meio de uma exacerbada financeirização da vida social.
A constituição de uma assistência social pública que realmente possibilite a ampliação e
fortalecimento dos direitos e enfrente a cultura patrimonialista, autoritária e excludente no
Brasil, particularmente no desenvolvimento histórico das práticas assistencialistas8, parece ser
uma importante contribuição que o debate crítico sobre a institucionalização da assistência
pode oferecer ao conjunto das políticas sociais brasileiras.
Mesmo reconhecendo que este processo mais geral de institucionalização da assistência
social represente uma conquista das forças democráticas, articuladas aos interesses dos
trabalhadores, não podemos deixar de destacar que a sua concretização na realidade brasileira
é atravessada por elementos do conservadorismo político que contraditoriamente constrói uma
retórica de fortalecimento dos direitos sociais, por um lado, mas utiliza sua implementação
como estratégia de controle político das massas empobrecidas, contribuindo assim para
atenuar a luta de classes, por outro.
Nesta direção, não temos a preocupação de apresentar uma mera descrição sobre a
organização da assistência social do ponto de vista jurídico, organizacional ou político, pois
ainda que consideremos este debate importante, em nosso ponto de vista é insuficiente para
compreendermos o verdadeiro papel e o lugar que esta política vem ocupando na relação
Estado e sociedade civil (Cf. Coutinho, 1999). Por isso, importa aqui problematizar como a
assistência que potencialmente pode se articular às lutas dos trabalhadores por ampliação de
direitos, vem sendo incorporada pelo Estado enquanto uma estratégia de controle e
pacificação das massas de trabalhadores, particularmente sua parcela mais empobrecida.
O quadro de aprofundamento das contradições no capitalismo monopolista no Brasil, a
partir da década de 1990 e o processo de contrarreforma assumido pelos sucessivos governos
neoliberais, será o contexto mais geral deste debate, pois estes elementos é que nos permitirão
refletir sobre o significado desta política pública inserida na dinâmica estatal e seus
funcionamento, sendo outro importante marco nesta discussão é a PNAS/2004 – Política Nacional de Assistência
Social – que institui o SUAS – Sistema Único de Assistência Social –, fortalecendo seu caráter público e
protetivo.
8
A assistência social ao longo do desenvolvimento histórico brasileiro se constituiu enquanto práticas isoladas e
pontuais, que apareceram como ações de caráter assistencialistas e excludentes a partir da metade século XX. A
característica deste período foi à transformação do direito em favor e institucionalização de um padrão de
assistencialização e filantropização da questão social.
4
desdobramentos políticos e sociais. Neste sentido, torna-se necessário refletir sobre os
elementos que representam a consolidação da assistência enquanto política pública e
efetivamente expressam uma possibilidade de universalização dos direitos sociais,
refuncionalizados pela dinâmica do poder dominante.
Este quadro é importante, porque será o contexto de transformações societárias
contemporâneas que o Estado imprimirá um traço de profunda refilantropização e
assistencialização à questão social, estampando a assistência social um profundo cariz
conservador e reduzindo-a praticamente a programas de transferência de renda (Cf. Boschetti
e Salvador, 2005). Assim, deve estar constantemente presente na organização da assistência
social, uma tensão que produzirá desdobramentos sobre sua condução, fortalecendo suas
possibilidades democráticas por um lado, ou por outro, sua utilização como um mecanismo de
reprodução de relações dominantes e fortalecendo sua postura pacificadora em sua
organização.
A institucionalização da assistência social enquanto política pública, representou em
alguma medida um avanço para o conjunto de forças políticas que defendem os direitos da
classe trabalhadora, mas ao mesmo tempo continua presente em seu interior traços de uma
cultura política atrasada e conservadora, ainda que seu desenvolvimento ocorra em um
ambiente supostamente democrático e de participação política dos sujeitos sociais.
Torna-se necessário então, fortalecer as forças políticas defensoras da democratização
do espaço público, universalização dos direitos sociais e o fortalecimento das forças políticas
ligadas aos trabalhadores, enquanto um processo estrategicamente necessário para efetivo
exercício do protagonismo dos trabalhadores.
A partir da Constituição Federal de 1988, a assistência social passa a compor
juntamente com a saúde e previdência o tripé da seguridade social, conforme previsto em seu
artigo 194 “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”.
Este processo atribuiu então, à assistência o status de política pública sendo
organizada a partir daí como uma ação estatal “independente de contribuição à seguridade social”
(Brasil, 2011a).
Este giro pode ser compreendido como um avanço, à medida que é resultado de
uma ampla movimentação social em torno da Assembleia Constituinte, que buscou responder
às diversas demandas postas na sociedade brasileira. Neste movimento, inclui-se a
institucionalização da assistência pública enquanto uma necessidade de transformar práticas
assistenciais clientelistas, eivadas de uma dinâmica que remonta ao histórico pensamento
conservador presente na vida política brasileira.
5
Pensar então, a assistência social no Brasil pós-1988 e suas determinações políticas,
econômicas e sociais é perceber que este é um processo incompleto e, necessita ser
continuamente aprimorado a partir da radicalidade que apenas a crítica é capaz de fazer,
contribuindo para produzir uma prática política contestatória. Portanto, sabemos que o
processo de institucionalização da assistência social enquanto política pública a partir da
C.F/88, LOAS (1993) e PNAS (materializado através do SUAS a partir de 2004), apesar de
representarem conquistas devem ser mediatizadas pela dinâmica macro econômica do
desenvolvimento mais geral do capitalismo contemporâneo. Portanto, a institucionalização
desta política, vem sendo atravessada por uma dinâmica que tem contribuído para o
esvaziamento da dimensão política dos direitos sociais ao invés de fortalecê-los.
As transformações societárias na dinâmica da organização do trabalho vêm produzindo
desdobramentos na relação entre o Estado e sociedade civil, impactando diretamente sobre a
organização da assistência social, sendo perceptível uma forte dimensão pacificadora
enquanto significado social no sentido de contribuir com o esvaziamento da luta de classes, ao
invés de tensionar para fortalecer a identidade política da classe trabalhadora.
Merece ser questionado, portanto um sistema de seguridade social, que possui em seu
bojo uma política de assistência social articulada em uma rede de proteção sustentada em
ações pontuais, através de parcerias público-privadas que transfere responsabilidades estatais
para a sociedade civil, e programas de transferência de renda como central desta política.
Este processo ao invés de atuar na direção de construir práticas, que coloquem a família
e sua autonomia como prioridade, atua ao contrário na subordinação destas, à lógica de
mercantilização de direitos sociais, o que pode fazer da assistência social um mecanismo que
contribui para a reprodução e sistematização de desigualdade social.
Devemos realizar este debate considerando que está presente em seu bojo
tensionamentos decorrentes dos projetos societários das classes sociais, pois ainda que a
organização da assistência de forma mais geral vêm contribuindo para a afirmação de um
projeto econômico, pautado nas mais variadas desigualdades (cultural, política, econômica,
etc.) a organização, implementação e execução desta política é atravessada por disputas. Tal
consideração é importante para compreendermos que há neste espaço possibilidades
articuladas aos interesses dos trabalhadores, que podem atuar na direção de contribuírem para
o alargamento efetivo dos direitos sociais. (Berhing e Boschetti, 2007:39).
Quando pensamos na emergência das políticas sociais como conquistas dos
trabalhadores, mediadas pelos interesses dominantes, e particularizamos o processo de
constituição da assistência social no Brasil enquanto política pública, estamos considerando
6
que a sua dinâmica constitutiva articula-se ao legado de conquistas dos trabalhadores, mas
que é funcionalmente incorporada à organização estatal e serve como um instrumento
ideológico de controle e reprodução ampliada das relações sociais vigentes.
Nessa direção, Coutinho (2000) compreende as conquistas dos trabalhadores como um
longo processo de luta política em que o conjunto da classe operária impõe ao poder burguês,
avanços sociais, mas que o pensamento conservador tenta refuncionalizar em favor de seus
interesses quando afirma que
As conquistas da democracia enquanto afirmação efetiva da soberania
popular – o que implica, como condição mínima, o direito universal
ao voto e à organização (em suma, o direito à participação) – têm
resultados sistematicamente das lutas dos trabalhadores contra os
princípios e as práticas do liberalismo excludente, defendido e
praticado pela classe burguesa. Portanto, seria não somente um
equívoco histórico, mas também uma injustiça contra os
trabalhadores atribuir à burguesia algo que foi conquistado contra
ela. (Coutinho, 2000:61).
Por isto, para problematizarmos a assistência social brasileira contemporânea a partir
desta perspectiva9, devemos considerar suas múltiplas determinações que se relacionam com a
realidade concreta e envolve a relação do Estado com a sociedade civil, além da presença das
classes sociais e seus projetos, conforme aponta Berhing e Boschetti ao afirmarem que
É fundamental identificar as forças políticas que se organizam no
âmbito da sociedade civil e interferem na conformação da política
social, de modo a identificar sujeitos coletivos de apoio e/ou de
resistência a determinada política social, bem como sua vinculação a
interesses de classe. Essas forças sociais podem situar-se tanto no
âmbito dos movimentos sociais de defesa de trabalhadores, quanto no
de defesa de interesses de empregadores e empresariado, bem como
de organizações não governamentais que muitas vezes se autoproclam
“imparciais”, mas que, submetidas a uma análise mais minuciosa,
acabam revelando seus interesses de classe. (Berhing e Boschetti,
2007:45).
A partir deste entendimento, a consolidação da assistência social enquanto política
pública pode significar possibilidades para o conjunto da classe trabalhadora, mas este não é
um processo que ocorre de forma espontânea e sem uma correlação de forças políticas capaz
9
Referimos à perspectiva de análise crítico dialética, que se vincula à tradição do pensamento marxista, que tem
como método de análise a compreensão da realidade a partir de suas múltiplas determinações, que se objetivam
em um concreto pensado. Para o debate sobre o sobre o método, ver o prefácio de Marx 2008 e Netto 2009.
7
de tensionar este campo em favor da ampliação democrática e dos direitos sociais. Assim, a
assistência social sendo atravessada por múltiplas determinações, origina-se e se
institucionaliza a partir de interesses classistas divergentes. Articula-se às lutas dos
trabalhadores, mas também a necessidade de manutenção de taxas de lucros e do mercado
enquanto espaço de construção de sociabilidade, pois conforme afirma Netto (2007) existe
uma articulação entre as políticas sociais e a dinâmica econômica dos monopólios, em que o
Estado assume funções imprescindíveis para a reprodução sistemática da estrutura econômica.
Por isto, tal organização tem verdadeiramente contribuído muito mais com a construção
de pseudo-direitos que produzem um efeito social muito claro: atuar na reprodução ampliada
da ordem econômica vigente, além de servir para pacificar uma massa de trabalhadores,
criando uma ilusão proteção e um simulacro de desenvolvimento social10. Ou seja, a forma
como a assistência social vem sendo organizada, gestada e implementada no Brasil, tem
contribuído com a consolidação da desigualdade social, concentração de riqueza e um claro
processo de “burocratização e institucionalização” da pobreza, ainda que a retórica
governamental tenha uma suposta intencionalidade em direção oposta.
O giro no trato da questão social no interior do Estado monopolista representou uma
alteração significativa na organização do Estado, pois as políticas sociais passaram a
expressar a sua institucionalização, promovendo a sistematização da assistência, conforme
aponta Iamamoto (2009) em que “as expressões de luta de classe se transformam em objetos de
assistência social, e os serviços sociais que são expressão de ‘direitos sociais’ dos cidadãos, transmutam-se em
matéria prima da assistência”. (idem, 2009:93).
Portanto, as questões apresentadas nos motiva a problematizar a organização
contemporânea da assistência social, realizando as devidas mediações com a economia
política, para que possamos captar suas determinações históricas e não cair na armadilha de
reduzi-la a um conjunto racionalizado de bolsas e programas de transferência de renda e nem
esvaziá-la de seu caráter contraditório.
A ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: PACIFICAÇÃO
SOCIAL OU DISPUTA POR HEGEMONIA?
A institucionalização da assistência social enquanto política social representa um
avanço à medida que passa a contar com orçamento próprio, organicidade burocrática no
interior da dinâmica estatal, possibilidade de controle social pela sociedade civil e um marco
10
A ordem social capitalista que produz elevados índices de desigualdade de forma generalizada e um
desenvolvimento econômico artificial, necessita de mecanismos “legítimos” para enfrentar a pobreza, sendo
assistência então, um destes mecanismos que acomodam a pobreza no interior dentro desta ordem.
8
regulatório que a retira de uma relação subjetiva de direitos 11 atribuindo-lhe caráter público.
Contudo, devemos considerar que a assistência social em alguma medida se articula com as
práticas assistenciais promovidas pelo Estado brasileiro ao longo do seu desenvolvimento
republicano12, e que este processo é legatário de um tipo de formação sócio-política13 onde a
presença de uma cultura política conservadora fundada no patrimonialismo, clientelismo e
autoritarismo tornou-se parte da dinâmica institucional do Estado. Isto quer dizer, que o
processo de constituição dos direitos sociais no Brasil, se aproximaram muito mais de uma
concepção de favor ou benefício do que algo mediado pela tensão presente entre as classes
sociais esvaziando o seu significado político.
A relação com este quadro histórico da formação social brasileira mais geral se torna
relevante porque, ainda que consideramos assistência um avanço no sentido de incorporar à
dinâmica estatal a proteção de grupos vulnerabilizados que não possuíam tal garantia,
devemos considerar que a histórica tradição política conservadora brasileira, em alguma
medida se refuncionaliza agora neste contexto pseudo-democrático. Ou seja, a conquista de
um marco legal regulatório para a assistência social não é suficiente para que as práticas
políticas concretas sejam transformadas e ultrapassadas na direção de romper com tal tradição
política, dependendo este processo da correlação de forças em favor de tal tensionamento.
Pensar então, a organização da assistência enquanto uma ação pública estatal que se
articula a uma dinâmica econômica desigual e contribui com um simulacro de
desenvolvimento social através da pacificação das massas, torna-se um grande desafio a ser
enfrentado. Nesta direção, é necessário problematizar a organização da assistência para que
esta compreensão nos possibilite apreender como vem se concretizando sua materialização.
Os artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 (Cf. Brasil 2011) é que garantirão
à assistência social o status de política pública, colocando para o Estado a obrigação de
institucionalizar e coordenar ações em favor de parcelas da população que demandará uma
proteção especial em relação a sua reprodução, a partir de um pacto federativo que
determinará funções específicas aos seus entes. Este marco é que possibilitará pela primeira
11
A sua institucionalização estabelece critérios claros para seu acesso, criando empecilhos legais para que a sua
condução seja realizada a partir de critérios subjetivos, pessoais ou políticos partidários.
12
As práticas assistenciais no Brasil historicamente foram coordenadas pela LBA – Legião Brasileira da
Assistência – criada em 1942, extinta em 1995 e comandada pela primeira dama do país, tornando-se referência
para as ações nesta área. Sobre a assistência pré-1988, ver Fleury (1994) e Sposati (1995 e 2002).
13
Existe uma vasta produção sobre a formação histórica do Brasil que nos fornece elementos para
compreendermos como a cultura política conservadora se construiu ao longo deste processo, reforçando a
exclusão das demandas populares e produzindo um fisiologismo político que contribuiu para a privatização dos
interesses públicos. Indicamos Fernandes (1987), Junior (1969 e 1978), Holanda (1982) e Leal (1997).
9
vez no Brasil a construção de uma assistência social pautada em diretrizes políticas14,
viabilizando (pelo menos no plano jurídico formal) o enfrentamento da histórica herança
conservadora impregnada na assistência social.
A continuidade deste processo foi a emergência da LOAS 15 –
Lei Orgânica da
Assistência Social – que em seu artigo 1º define a assistência como um “direito do cidadão e
dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva que provê os mínimos sociais, realizada
através de um conjunto articulado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas.” (CRESS-MG, 2003:192).
Neste sentido, a LOAS garante legitimidade e
autonomia jurídica à assistência social trazendo-a para o campo do direito e responsabilizando
o Estado, expressando a recusa da tradição clientelista, assistencialista e tutelar em seu bojo.
Esta lei estabelece uma necessária descentralização, democratização, equidade,
complementaridade entre o poder público e a sociedade civil, bem como uma tentativa de
integrar a assistência social às demais políticas setoriais, visando um enfrentamento articulado
da pobreza, garantia dos mínimos sociais, provimento de condições para atender às
necessidades sociais e a busca da universalização dos direitos sociais.
Contudo, devemos destacar como bem aponta Sposati que “a assistência social não nasce
como política no mesmo dia do nascimento da LOAS
ela é bem mais velha.” (Sposati, 2008:09).
Isto
significa que mesmo o Estado insitucionalizando a assistência social a partir das mediações
presentes na sociedade civil, este processo em alguma medida se articula com aquela tradição
política [conservadora] presente na formação brasileira. Assim, destacamos que este não foi
um processo livre de tensionamentos, pois forças políticas liberais retardaram a
institucionalização da assistência social, conforme mostra Boschetti (2002) ao problematizar
que o conjunto de forças conservadoras e o lobby existente em torno da manutenção de uma
estrutura viciada e assistencialista, não permitiram que a implementação da assistência
pudesse ocorrer imediatamente após a promulgação da Constituição em 1988. A consequência
política desta opção, segundo a mesma autora, foi à manutenção da assistência social sob a
batuta de projetos políticos individuais, contrariando a nova dinâmica democrática.
Compreender então, que a institucionalização deste marco legal regulatório encontra na
realidade concreta grandes dificuldades para se efetivar plenamente, e romper com o
tradicionalismo político presente na condução cotidiana assistência social, tanto em relação à
14
Ver artigo 5º da LOAS.
15
Lei Federal n.º 8.742/93. Destacamos que a importância da LOAS para a organização da assistência social
enquanto política pública, deve-se ao fato de que além de definir objetivos, princípios e diretrizes claros a esta
política, propõe uma organização e gestão pautada na descentralização político-administrativa e paritária,
criando conselhos nas diferentes esferas governamentais enquanto espaços de participação política e fiscalização.
10
sua esfera governamental, quanto pela sociedade civil, ajuda-nos a perceber que a assistência
social na verdade se transforma em um direito entre a originalidade e o conservadorismo
(Boscheti, 2003), pois “é possível afirmar que esta política social enfrentou muitas resistências para ser
legalmente reconhecida como direitos e continua sofrendo enormes resistências na sua implementação como tal,
porque ela é uma política em constante conflito com as formas de organização social do trabalho. (Boschetti,
2003:44).
Como o trabalho [assalariado] é a forma socialmente reconhecida para garantir a
reprodução material do conjunto da classe trabalhadora, a assistência social se articula a esta
dinâmica, no sentido de servir como um instrumento que garanta um tipo de proteção e
amparo mínimo aos segmentos populacionais que não conseguem fazê-lo no mercado de
trabalho16 por limitações específicas (deficiências, velhice, infância / adolescência, doença,
maternidade ou vulnerabilidades diversas) e, portanto vulnerabilizados pela pobreza.
Do ponto de vista da economia política conservadora, a tensão que atravessa a
organização e a manutenção da assistência está exatamente na destinação de recursos
orçamentários governamentais para a reprodução de indivíduos “inúteis” para o mercado, ao
invés de destiná-los para outras áreas essencialmente necessárias à reprodução da dinâmica
econômica. Além disto, pensar uma seguridade social que tenha a assistência como um dos
seus tripés, significa estabelecer uma concorrência entre a previdência, pois a assistência que
não possui nenhum vínculo com qualquer atividade produtiva, ou nas palavras de Motta
(2008a:138) “se antes a centralidade da seguridade girava em torno da previdência, ela agora gira em torno
da assistência”.
Concordamos então, com a tese sobre a tensão existente entre a assistência e o trabalho,
quando constatamos que a assistência está organizada para quem dela necessitar, ou seja, há
uma clara exclusão entre estas dimensões da vida social: o acesso ao trabalho exclui a
condição de usuário da assistência social, e por outro lado, apenas tem “direito” de acessar os
benefícios, programas e projetos desta política, aqueles indivíduos que não conseguem sua
reprodução vendendo sua força de trabalho, e atenda aos critérios de elegibilidade.
A inserção da assistência social na reprodução das relações sociais, por conta desta
tensão com as formas de organização do trabalho, assume uma função de atenuar as
consequências da pobreza, articulando-se com a função de reproduzir a classe trabalhadora
ocupada e excedente. A questão que aqui nos parece merecer destaque é que para além desta
16
Este debate extrapola os limites deste texto, bastando-nos destacar que a tensão deste debate se dá no fato de
que a possibilidade de transferência de renda ou programas assistenciais garantidos pelo Estado, vai ao encontro
do pensamento liberal que defende o mercado como como a forma de garantir a reprodução dos indivíduos.
11
função econômica direta, de garantir a reprodução física de uma parcela significativa da
população, cada vez mais se impregna a esta política uma dimensão pacificadora17,
contribuindo com o desenvolvimento ideológico do projeto macro econômico hegemônico.
Contraditoriamente o que percebemos é que esta dimensão pacificadora é escamoteada
por um elaborado discurso oficial em favor da ampliação dos direitos sociais, enfrentamento à
pobreza e desenvolvimento social18, mas na verdade esconde uma estrutura econômica
extremamente desigual. Esta retórica sobre a realidade concreta, faz-se cada vez mais
imperiosa ao poder dominante, pois vivemos uma profunda crise econômica que amplia a
desigualdade social e acirra o tensionamento entre as classes sociais, afetando suas condições
de reprodução material em nome da necessidade de manutenção das taxas de superlucros do
capital industrial e financeiro. Neste sentido, os instrumentos ideológicos-coercitivos
utilizados pelo Estado para garantir o controle das massas, tornam-se cada vez mais
imprescindíveis para a reprodução ampliada da ordem social.
A exacerbada assistencialização da questão social19 tem produzido um significativo
deslocamento de uma sociabilidade fundada no trabalho assalariado, para programas de
transferência de renda em massa como um instrumento pelo qual um número cada vez maior
de indivíduos relaciona-se com o mercado, reforçando e ampliando a dimensão pacificadora
da assistência social, tendo em vista que esta assume um caráter extremamente
desmobilizador em favor da luta pela consolidação e universalização dos direitos sociais.
O conjunto de normatizações e os desdobramentos burocrático-institucionais a partir
daí, compõe o que conhecemos como o Sistema Único da Assistência Social – SUAS – e
representa um aprimoramento político das ações estatais voltadas a esta política, sendo que
este processo deve viabilizar proteção e amparo ao conjunto dos cidadãos e significar
proteção social que “deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e
autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar”. (MDS, 2005:31).
Aprofunda, portanto os
17
O que estamos considerando “dimensão pacificadora” remete ao caráter ideológico presente na condução da
assistência social e tem o objetivo de mascarar a desigualdade, construindo um falso pacto entre as classes
fundado em uma pseudo igualdade social.
18
Mesmo que dados sobre a pobreza no Brasil indiquem que vem ocorrendo uma diminuição do número de
famílias pobres, percebemos que a desigualdade ainda continua extremamente elevada. Dados do IBGE
demonstram que em 2011, 52,8% das famílias brasileiras viviam com até um salário mínimo enquanto que 0,5%
estão
entre
os
que
vivem
com
mais
de
20
salários
mínimos.
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf>.
Dados do IPEA sobre a desigualdade social no Brasil demonstram que 75% da riqueza se encontra concentrada
com os 10% mais ricos. Além disto, a renda per capita dos indivíduos extremamente pobres caiu entre 2001 a
2009. <http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx> [Acesso em 19 de setembro de 2013].
19
Este é um processo que acorre concomitantemente à criminalização dos movimentos sociais (Iamamoto,
2001), além de uma refilantropização e despolitização da questão social (Yasbek, 2001).
12
princípios e diretrizes preconizados pela LOAS, criando um instrumento público que permita
a organização de serviços sócio assistenciais orientados por uma lógica de publicidade e
eticidade. A PNAS deixa clara a natureza da assistência social, enquanto política pública:
A política Pública de Assistência Social marca sua especificidade no
campo das políticas sociais, pois configura responsabilidades de
Estado próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros.
Marcada pelo caráter civilizatório presente na consagração de direitos
sociais, a LOAS exige que as provisões assistenciais sejam
prioritariamente pensadas no âmbito das coberturas e a garantia de
direitos e acesso para serviços, programas e projetos sob sua
responsabilidade. (MDS, 2005:32).
Nesta direção, a assistência social organiza-se tendo uma concepção que deve contribuir
com o acesso a serviços sociais públicos que possibilitem ao conjunto da sociedade condições
de reprodução com dignidade, independente da possibilidade de acesso ao mercado de
trabalho, sendo que esta proposta firma-se no campo jurídico como uma possibilidade, mas
depende de uma correlação de forças no campo da política para sua efetivação. A proposta da
PNAS é a que as ações assistenciais sejam organizadas a partir de tipos de proteção (básica e
especial), que se complementam através de ações e projetos articulados, visando garantir às
famílias e indivíduos usuários dos serviços uma proteção integral, além da prevenção e o
enfrentamento de situações de vulnerabilidade social. Cria o CRAS – Centro de Referência de
Assistência Social – enquanto uma unidade pública estatal que será o responsável pela
organização e materialização dos serviços propostos.
Em relação à gestão do SUAS devemos considerar que o modelo proposto, reforça a
necessidade de descentralização, organizando ações integradas em todo o território nacional.
Isto quer dizer que o “SUAS materializa o conteúdo da LOAS, cumprindo no tempo histórico dessa política
as exigências para a realização dos objetivos e resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania
e inclusão social”. (MDS, 2005:39).
A implementação desta proposta a partir de sua articulação
com outras políticas sociais e, na direção de romper com uma cultura conservadora no trato da
assistência social torna-se um grande desafio a ser enfrentado.
Deste modo, temos um conjunto de instrumentos normativos que garantem a aplicação
de recursos, atribuições de obrigações claras entre os entes da federação, mecanismos de
controle social e repasse de recursos financeiros que propiciem a atenção e amparo de
famílias e indivíduos em todo o território nacional, enfrentando vulnerabilidades e
fragilidades sociais, que levem a concretização de direitos humanos e sociais.
13
Estas questões sumariamente apresentadas compõe em linhas gerais a organização atual
da assistência social no Brasil e deverá ser, portanto a partir do entendimento desta estrutura
organizacional o enfrentamento do fetiche que a assistência social vem se transformando. Este
enfrentamento teórico é que nos permitirá combater a dimensão pacificadora cada vez mais
forte no desenvolvimento das ações assistenciais, tendo em vista que “a assistência social se
amplia, na condição de política não contributiva, transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à
desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil”.
(Mota, 2008: 134).
Portanto, a assistência apesar de todo o avanço jurídico-legal, não tem
conseguido avançar na direção da consolidação dos direitos sociais, mas ao contrário realiza
uma mediação com o mercado que precariza os serviços públicos.
Assim, constatamos que a assistência social ao ingressar na seguridade social passa a
contar com uma organização institucional, ocorrendo a partir daí uma grande expansão desta
política. Contudo, a ampliação pretendida pelo conjunto dos sujeitos que travaram esta luta,
não coincide com a forma que as ações sócio assistenciais vêm sendo utilizadas pela
burocracia estatal, ou seja, a produção pseudo-direitos que contribui com um falso
desenvolvimento social e naturaliza a desigualdade social. Neste sentido, a expansão desta
política funda-se principalmente em ações fragmentárias residuais dependentes do terceiro
setor (Cf. Montano, 2007) e fundadas na transferência de renda.
A consolidação da assistência nesta direção então, tem alterado a relação Estado e
sociedade civil, produzindo um esvaziamento da dimensão classista e da tensão social
existente nos projetos societários. Neste sentido é que se produz de forma sistemática,
“silenciosa” e extremamente funcional às determinações econômicas macros sociais um
caráter pacificador na implementação da assistência pelo Estado, pois
Este deslocamento das funções da sociedade civil – entendida como
arena política e econômica constituída pelos aparelhos “privados” de
hegemonia, responsável em socializar os valores, os projetos
societários das classes – acaba por passivizar as classes subalternas,
perdendo estas suas características de reivindicação e resistência,
assumindo tarefas de execução de políticas sociais. Desta forma, do
ponto de vista da aparência, as relações de conflito e contradição entre
as classes desaparece, dando lugar a uma mistificada sociedade civil
harmônica. (Sticovsky, 2008:174).
Finalmente, mas sem pretensões conclusivas, afirmamos que apesar dos avanços no
campo de legislação e do marco regulatório no campo da assistência social brasileira nas
últimas duas décadas, percebemos em sua organização uma dimensão pacificadora utilizada
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em favor da manutenção do atual projeto econômico dominante, que necessita ser enfrentado
de modo que seja possível produzir práticas políticas que ultrapassem o conservadorismo.
Enfrentar então, a pacificação que tem revestido a assistência social e contribuído com o
simulacro do desenvolvimento e conquistas sociais é uma necessidade para que desta forma
possamos colocar a assistência em seu devido lugar, tensionando sua construção cotidiana em
favor da ampliação dos direitos sociais, pois a assistência enquanto política pública surge
reforçando e reiterando a “exclusão” como condição para sua funcionalidade, e parece não ter
avançado na direção de romper com esta característica.
Entretanto, o ingresso da assistência à seguridade social enquanto proposta que
realmente significasse o enfrentamento à pobreza representaria para o Estado, orientado pelo
projeto neoliberal, uma inversão de sua lógica e suas prioridades políticas e orçamentárias.
Como não é objetivo deste Estado a implementação da assistência social, torna-se muito mais
um processo que garante legitimidade política e a continuidade de práticas clientelistas, ao
invés da efetivação real de direitos. É aqui que poderemos compreender o significado do
aspecto pacificador impregnado à assistência, contribuindo cada vez mais com a
desmobilização popular em torno da ampliação de direitos pautados na universalidade.
Este quadro amplo que caracteriza a assistência social irá marcar de uma maneira geral
a forma de sua existência nos municípios brasileiros, pois a sua condução será atravessada
pela ausência e inversão de prioridades fazendo da assistência social uma pobre política social
destinada aos pobres. Portanto, ainda que a assistência social traga possibilidades de
reprodução e ampliação de direitos à classe trabalhadora, vem reafirmando de forma
“silenciosa e institucional” a “exclusão social” enquanto traço característico desta sociedade e
a possibilidade da burguesia, através do aparelhamento do Estado e de seus aparatos políticoideológicos, de se transformar em benfeitora e preocupada com o bem-estar coletivo.
Considerações finais
Esta complexa realidade impede-nos de realizar considerações conclusivas, mas apontar
a necessidade de aprofundamentos teóricos sobre o debate proposto, de modo que possamos a
partir deste movimento reflexivo, apreender as determinações postas na realidade e avançar
em direção de romper com o conservadorismo presente na organização da assistência.
A emergência da assistência social enquanto política pública deve ser compreendida
como um avanço das forças políticas que lutam pela ampliação dos direitos sociais e, o
alargamento das possibilidades democráticas. Entretanto, o avanço do neoliberalismo a partir
da década de 1990, vem produzindo um acirramento da questão social e redimensionando a
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relação entre Estado e sociedade civil, tornando-se um obstáculo para a superação do
conservadorismo no interior da assistência social, à medida que o Estado volta-se para os
interesses dos grandes monopólios em detrimento aos interesses dos trabalhadores.
Por isso, articula-se à implementação da assistência social uma dimensão pacificadora
que é utilizada em favor da manutenção de um projeto econômico hegemônico pautado na
desigualdade e apropriação da riqueza social. É exatamente esta questão que contribui com o
simulacro do desenvolvimento social, e esvazia a contradição social presente no interior da
sociedade civil que necessita ser enfrentada pela radicalidade do pensamento crítico.
Pretendemos deste modo, oferecer uma contribuição para o fortalecimento das políticas
sociais e o enfrentamento da dimensão pacificadora presente na assistência social, acreditando
que este movimento pode representar a ampliação dos direitos sociais e, o fortalecimento dos
espaços democráticos como possibilidade de enfrentamento aos pressupostos neoliberais e a
privatização do Estado e focalização dos serviços sociais.
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