Juliana Gomes Silva - O direito e o seu sentido

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FACULDADE MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
O DIREITO E O SEU SENTIDO: EXISTE RESPOSTA ADEQUADA
(DEMOCRATICAMENTE) EM DIREITO? DIÁLOGO ENTRE
CASTANHEIRA NEVES E LENIO STRECK
JULIANA GOMES SILVA
Passo Fundo, outubro de 2015
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
O DIREITO E O SEU SENTIDO: EXISTE RESPOSTA ADEQUADA
(DEMOCRATICAMENTE) EM DIREITO? DIÁLOGO ENTRE
CASTANHEIRA NEVES E LENIO STRECK
JULIANA GOMES SILVA
Dissertação submetida ao Curso
de
Mestrado
em
Direito
do
Complexo de Ensino Superior
Meridional
–
IMED,
como
requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Direito.
Orientadora: Professora Doutora Angela Araújo da Silveira Espíndola
Passo Fundo, outubro de 2015
CIP – Catalogação na Publicação
S586d
Silva, Juliana Gomes
O direito e seu sentido : existe resposta adequada
(democraticamente) em direito? diálogo entre Castanheira Neves e
Lenio Streck / Juliana Gomes Silva. – 2015.
150 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED,
Passo Fundo, 2015.
Orientador: Professora Doutora Angela Araújo da Silveira
Espíndola.
1. Direito - Filosofia. 2. Hermenêutica. 3. Democracia. I.
Espíndola, Angela Araújo da Silveira, orientadora. II. Título.
CDU: 340.12
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857
3
4
DEDICATÓRIA
Em memória de meus pais, que, na simplicidade, sempre souberam propiciar
respostas adequadas...
AGRADECIMENTOS
Ao optar por um caminho desconhecido, desafiador e compensador, onde a
recompensa está no fato de termos reconhecido nossos esforços, não podemos
deixar de lembrar e agradecer a todos que embarcaram nesta ousada e incrível
aventura.
Agradeço primeiramente a Deus, pois ouviu minhas preces e carregou-me em
seus braços, permitindo que mantivesse firme em meus propósitos, não deixando
jamais desistir.
Agradeço imensamente à família, pois sem estes os propósitos seriam meros
projetos, não conseguiriam materializar-se. Ao meu pai Luiz e à minha mãe Irma
que estão presentes apenas em espírito, sei o quanto ficariam orgulhosos.
Aos meus amados irmãos: Loraídes, Gilmar, Loreni, Lorenice e Andréia, este
estudo apenas foi possível porque estiveram ao meu lado em todos os momentos.
Agradeço aos dindos Rubem, Gelson e Roveda. Eu não queria outros. À minha
sempre cunhada Beatriz, aos meus sobrinhos Oberdan, Andrielli, Luiz Henrique,
Junior e Bianca.
Ao seu Silvério, que acompanhou todas as vitórias e obstáculos, à Dona Ibraima,
pelas palavras e pela confiança. Aos meus enteados Nathalia Louize e André
Luiz.
À pessoa que canta e encanta meus dias Adamir André, que acreditou e não
mediu esforços para que os sonhos se tornassem realidade, soube entender
minha ausência, minhas limitações e até mesmo meu silêncio. A você, agradeço
pelo bem mais precioso: a nossa Gabi.
Agradeço à minha amada orientadora Angela, pelos ensinamentos, pela
delicadeza e pela leveza com que conduziu o presente estudo. À professora
Jaqueline, pelas preciosas sugestões, que foram de grande valia para o deslinde
do trabalho; ao professor André, a quem é sempre um prazer ouvir; ao professor
Márcio, pela disponibilidade, dedicação e pelas contribuições. Ao professor
Sérgio; ao professor Fausto; à professora Ana Paula; à professora Cecília; à
professora Salete; ao professor Neuro; e ao professor Mauro pelos ensinamentos.
À Morgana, pelo profissionalismo e dedicação para com os mestrandos.
À querida Maura pela oportunidade. À minha amiga de todas as horas Cris. À
amiga Cinara, pelo profissionalismo, e, por fim, a todos que contribuíram direta ou
indiretamente para realização de um “sonho”, saibam: “sem vocês, nada seria
possível”!
“São os aventureiros que construíram a história. Aqueles
que lançaram ao mar, mesmos que com instrumentos rudes,
é que descobriram ‘novas terras’. Muitos pereceram na
busca; outros ficaram inacreditados por muito tempo. Todos,
ao final, tiveram a glória de serem os precursores do novo”.
(Prefácio da Obra de Luis Alberto Warat)
RESUMO
Este estudo se insere na linha de pesquisa “Mecanismos de Efetivação da
Democracia e da Sustentabilidade”, tendo como objeto de pesquisa, à luz das
diversas teorias, a possível resposta adequada em Direito. Delimitou-se como
objetivo geral abordar a crítica hermenêutica do Direito e defender a viabilidade
da resposta adequada à Constituição e à superação do paradigma ora dominante,
o racionalismo. Nesse sentido, os autores base foram Àntonio Castanheira Neves
e Lenio Luiz Streck. Tratou-se sobre o sentido do Direito e crise da jurisdição,
visando-se demonstrar que o paradigma ora dominante (racionalista) não atende
mais aos anseios e à realidade do nosso tempo, exsurgindo, assim, a partir da
compreensão hermenêutica, a questão norteadora do estudo: existe resposta
adequada em Direito? Como forma de responder à indagação proposta, adotouse o método dedutivo. Este estudo proporcionou demonstrar a necessidade de
(re)pensar o Direito e possibilitar respostas adequadas em Direito. Conforme
demonstra-se,
existem princípios, considerados essenciais para efetivar esse
propósito. Assim, a possibilidade da resposta em Direito será aquela que estiver
adequada à Constituição, para tanto, é imprescindível o paradigma hermenêutico
filosófico, quando o objetivo for efetivar uma nova teoria da interpretação e
aplicação da Constituição.
Palavras-chave: Direito. Hermenêutica. Jurisdição. Resposta adequada.
ABSTRACT
This study is inserted in the research line "Effective Mechanisms of Democracy
and Sustainability" having as object of research, in the light of different theories,
the possible appropriate response in Law. It was delimited as the general purpose
approach the hermeneutical criticism of Law and defend the viability of the
appropriate response to the Constitution and to the actual dominant paradigm’s
overcoming, the rationalism. In this sense, the authors considered as base were
Antonio Castanheira Neves and Lenio Luiz Streck. The study dealt about the
meaning of Law and about jurisdiction crisis aiming to demonstrate that the current
dominant paradigm (rational) no longer meets the aspirations and reality of our
time, emerging thus from the hermeneutic understanding, the guiding question of
the study: there is appropriate response in Law? In order to answer the question
proposed, we adopted the deductive method. This study provided the opportunity
to demonstrate the need to (re) think the Law and enable appropriate responses in
Law. As demonstrated, there are principles considered essential to realizing this
purpose. Thus, the possibility of a response in Law will be the one that is adequate
to the Constitution, to this end, the philosophical hermeneutic paradigm is
essential, when the objective is to effect a new theory of interpretation and
application of the Constitution.
Keywords: Right. Hermeneutics. Jurisdiction. Appropriate response.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5
CRISE DA JURISDIÇÃO E O SENTIDO DO DIREITO........................... 5
1.1 A JURISDIÇÃO E SEUS LIMITES ................................................................... 5
1.2 O DIREITO E O SEU SENTIDO ..................................................................... 18
1.3 UM EMBATE ENTRE PROCEDIMENTALISMO E SUBSTANCIALISMO ..... 36
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 50
TEORIAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO: ALÉM/AQUÉM DO
ATIVISMO ........................................................................................ 50
2.1 BREVES REFLEXÕES: CONSTITUIÇÃO, DIREITO E DEMOCRACIA ........ 50
2.2 A TEORIA DO DIREITO DIANTE DA INSUFICIÊNCIA DO PARADIGMA
DOMINANTE......................................................................................................... 62
2.3 A HERMENÊUTICA PARA ALÉM DO ATIVISMO ......................................... 68
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 83
EXISTE RESPOSTA ADEQUADA EM DIREITO? ........................... 83
3.1 BREVES REFLEXÕES: O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO: HEIDEGGER E
GADAMER............................................................................................................ 83
3.2 HERMENÊUTICA JURÍDICA NUMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA ......... 96
3.3 STRECK E A POSSÍVEL RESPOSTA ADEQUADA ................................... 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 125
REFERÊNCIAS .............................................................................. 132
INTRODUÇÃO
Ao abordar a crise da jurisdição e o sentido do direito, delimitou-se
como objeto de pesquisa discorrer sobre a possível resposta adequada em
Direito. A relevância incide no direito fundamental democrático à resposta
adequada. Nessa seara, percebe-se que a crise que assola a jurisdição, reflexo
da crise na modernidade, emerge da crise de sentido, o que exige uma nova
forma de aplicar o Direito e consequentemente uma nova forma de compreender
a jurisdição. O Direito evolui, assim como a sociedade, portanto, necessário se faz
a compreensão do sentido dessa ciência jurídica, sendo a compreensão na sua
dimensão hermenêutica.
Nessa esteira, o Direito não pode ser compreendido como estrita
legalidade e a jurisdição atuando meramente na solução de conflitos. O
normativismo-legalista (racionalista) não atende mais aos anseios e à realidade
do nosso tempo, ou seja, estaria superado! Portanto, necessário se faz tratar
“sentido do direito”, o que nos remete à “crise da jurisdição”, nas palavras de
Castanheira Neves, “um diferente sentido do direito implicará correlativamente um
diferente sentido da jurisdição chamada a realizá-lo”.
Em relação ao objetivo institucional, a pesquisa insere-se na área de
concentração “Direito, Democracia e Sustentabilidade” do Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade Meridional (PPGD/IMED), a qual “propõe
estudos relacionais entre o Direito, a Democracia e a Sustentabilidade, entendida
como um valor de ordem pública incondicionado, intersubjetivo e intertemporal,
inerente aos direitos e aos deveres fundamentais das gerações presente e futuras
e como princípio informativo das atividades públicas e privadas, contemplando as
dimensões: políticas, jurídicas, éticas, humanas, ambientais, culturais e
socioeconômicas”. A área de concentração deste PPGD propõe, ainda, “discutir
os limites e as possibilidades do Direito e da Democracia na construção de um
desenvolvimento sustentável, por meio do alargamento do espectro de
participação ativa, justa e solidária dos diversos atores sociais, mediante a
compreensão discursiva dos desafios contemporâneos possibilitada pela difusão
da informação e do conhecimento. Aborda os meios de efetivação dos direitos
2
pela investigação dos mecanismos (não-) jurisdicionais e da sua imbricação com
as formas de pressão e controle social exercidas nas atuais democracias” 1. Desse
modo, considerando que a pesquisa problematiza a crise da jurisdição, propondo
uma reflexão acerca das possibilidades do Direito e da Democracia, o que, ao fim
e ao cabo, impactará necessariamente nas decisões judiciais, entende-se que
pesquisar sobre “o “Sentido do Direito” e a resposta adequada”, é temática
pertinente a área de concentração, restando localizada, em especial, na linha de
pesquisa “Mecanismos de Efetivação da Democracia e da Sustentabilidade”. Não
há como discutir-se ou problematizar o Direito e a democracia a partir da
pluralidade de suas decisões sem desaguar na decisão judicial e tudo que implica
a resposta adequada à Constituição.
Com esse propósito, o objetivo geral consiste em abordar a crítica
hermenêutica do Direito, bem como defender a viabilidade da resposta adequada
à Constituição e a superação do paradigma ora dominante, o racionalismo. Para
tanto, as ações específicas se desdobram em compreender a crise da jurisdição;
analisar o Direito a partir de uma perspectiva pós-positivista para além da
superação do positivismo exegético; identificar o paradigma normativista, o
paradigma funcionalista e o paradigma jurisprudencialista, propostos por
Castanheira Neves, para, a partir daí, sistematizar um sentido do Direito; defender
a resposta adequada a partir de um acesso hermenêutico ao Direito, valendo-se,
em especial, da perspectiva de Lenio Luiz Streck, para quem é preciso afastar o
protagonismo e o decisionismo judicial.
Ao abordar o “sentido do Direito”, e, por consequência a “crise da
jurisdição”, percebe-se que o paradigma ora dominante (racionalista) não atende
mais aos anseios e à realidade do nosso tempo. Dessa forma exsurge a partir da
compreensão hermenêutica a questão norteadora do estudo: existe resposta
adequada em Direito?
A resposta ao questionamento proposto exige um novo olhar
hermenêutico, que leve em conta a historicidade e o tempo; é preciso que a
1
Sobre a área de concentração e as linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade
Meridional,
veja-se
a apresentação
disponível no link
http://www.imed.edu.br/Ensino/direito/mestrado/area-de-concentracao.
3
decisão judicial se baseie na tradição, e a possível resposta adequada seria
aquela que está adequada à constituição.
No primeiro capítulo, aborda-se a crise da jurisdição e o sentido do
Direito, trazendo à baila a jurisdição e seus limites, o Direito e seu sentido e, por
fim, um embate entre procedimentalismo e substancialismo. A crise que assola o
Direito estende-se à jurisdição, demonstrando a necessidade de constantes
análises que contribuam para novas compreensões sobre a jurisdição, já que o
Direito não é estático, evolui com a sociedade. Assim, sob um viés hermenêutico,
examina-se o “sentido do Direito”. Não obstante, trata-se das divergências
referentes a um modelo constitucional democrático que se fundamenta em
conteúdo substantivo e em procedimentos.
No segundo capítulo, aborda-se as teorias para uma interpretação que
venha a superar o ativismo, adotando uma linha de raciocínio que contribua para
reflexão sobre a Constituição, o Direito e a democracia, pois analisa-se a teoria do
Direito diante da insuficiência do paradigma dominante (racionalista), e aborda-se
a hermenêutica para além/aquém do ativismo. Posteriormente, avaliam-se as
decisões em conformidade com os princípios constitucionais e a implementação
de direitos fundamentais pelo Judiciário, ao qual é atribuído um papel de extrema
importância no Estado democrático de direito.
O terceiro capítulo pretende desvelar a existência da resposta
adequada em Direito, pois, na esfera jurisdicional, existem contradições entre a
prática decisória concreta e a hermenêutica. O que remete aos pensamentos de
Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, culminando na resposta adequada
numa perspectiva democrática, analisada por Lenio Luiz Streck, que sustenta
existir uma resistência da dogmática jurídica à “tese da resposta hermenêutica
adequada”.
Como forma de cumprir com objetivo proposto e a indagação
norteadora da pesquisa, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, o qual
possibilita uma reflexão a partir do geral para o particular. Justifica-se o uso do
método, como aquele que parte das teorias e leis gerais para predizer a
ocorrência dos fenômenos particulares. Nesse sentido, a Constituição contribuiu
4
para desvelar o assunto, bem como os estudos (teses, artigos publicados em
periódicos), fontes digitais e demais materiais sobre o tema, tendo-se como
autores base Castanheira Neves e Lenio Luiz Streck.
De posse do material, a técnica de tratamento contemplou análise e
síntese. Primeiramente, organizou-se o material a ser analisado, de acordo com
os objetivos em questão. Posteriormente, aplicou-se o que foi definido na fase
anterior, fazendo leituras do material, fichando-os e realizando o tratamento
analítico.
CAPÍTULO 1
CRISE DA JURISDIÇÃO E O SENTIDO DO DIREITO
A primeira parte da pesquisa concentra-se na crise que assola o Direito
e, por consequência, a jurisdição, problemática que exige uma nova forma de
aplicar a ciência jurídica e, consequentemente uma nova forma de compreender a
jurisdição. O Direito evolui, assim como a sociedade, portanto, necessário se faz a
compreensão em sua dimensão hermenêutica. Para tanto, é preciso examinar o
“sentido do Direito”, pois não pode ser compreendido como estrita legalidade e a
jurisdição atuando meramente na solução de conflitos. Assim, para refletir sobre a
jurisdição e seus limites, é necessário tratá-la no tempo e no espaço.
Ao abordar a complexidade do tema que envolve a crise do sentido do
Direito, e, por consequência, da jurisdição, adota-se como autor base António
Castanheira Neves, para quem “um diferente sentido do direito implicará
correlativamente um diferente sentido da jurisdição chamada a realizá-lo”. A
reflexão sobre a temática remete à análise das correntes procedimentalistas e
substancialistas.
1.1 A JURISDIÇÃO E SEUS LIMITES
Ao refletir sobre a crise da jurisdição e o sentido do Direito, é
necessário tratá-la no tempo e no espaço. Assim, a partir de um recorte histórico
aborda-se o “sentido do Direito”, e o “sentido da jurisdição”, buscando-se dar
visibilidade à possível ruptura do paradigma ora dominante “racionalista”. Tratase, portanto, de demonstrar que é preciso conferir um novo “sentido” para o
Direito, interpretando-o enquanto “alternativa humana”, ou seja, realizar o direito
sobre um novo paradigma, que venha a consolidar o Estado Democrático de
Direito. Dessa forma, neste capítulo, analisa-se a crise que assola o Direito, e, por
consequência, a crise da jurisdição, bem como busca-se a compreensão do
sentido do Direito.
Com o propósito de entender a formação jurídica e os vínculos que
influenciaram o “Direito moderno”, faz-se referência ao sistema e às fontes
europeias, essas com traços que remetem às fontes romanas, todavia, o
6
rompimento entre o Direito praticado e o teórico é considerado um traço marcante
da formação jurídica.2
Antes de adentrar na jurisdição e em seus limites, é preciso refletir
sobre o Estado e sua transformação histórica, mesmo que privilegiando o Estado
moderno e as celeumas que envolvem o tema.3
Desde longa data, o perfil do Estado se reflete no modelo de produção
do direito e na jurisdição. Seu crescimento está intimamente vinculado à
criação - legislativa ou jurisdicional - do direito, revelando o vínculo
existente entre Estado e Direito ou entre Poder e Justiça. Nem sempre o
direito ou a atividade jurisdicional foram monopólios do Estado, ou
melhor, nem sempre a civilização conheceu um Estado, uma vez que
este surge apenas na modernidade e só então passou a imprimir uma
concepção e valores à jurisdição e ao direito por ele conduzidos.
Assumindo a modernidade como marco para o surgimento do Estado
(moderno), tem-se que é só a partir de então que se pode falar em uma
função nitidamente jurisdicional. Nos primórdios da civilização, antes do
direito ser um monopólio estatal, ele era uma manifestação divina,
revelado exclusivamente pelos sacerdotes, cuja atividade não pode ser
identificada à função jurisdicional, limitando-se, apenas, a legitimar a
defesa privada. O surgimento da jurisdição estatal, nesta perspectiva,
coincide com a formação do Estado moderno. Ambos - Estado moderno
e jurisdição estatal - nascem em oposição à sociedade medieval
pluralista, que compreendia diversas fontes de direito e formas de
resolução de conflitos, caracterizando-se pela multiplicidade e
descentralização do poder.4
Assim, abre-se um adendo para referenciar o conceito e os elementos
do Estado, interpretados por Bonavides como uma necessidade a partir da
convivência humana, como consta nas teorias do Direito natural, que primavam
Explica o autor tratar-se de: “[...] uma das tantas distinções marcantes entre o commom law e o
direito continental europeu, herdeiro do direito romano-cristão. John H. Merryman lembra que os
grandes doutrinadores do cammom law são em geral magistrados, ao passo que, no sistema
continental europeu, a doutrina é basicamente obra de teóricos e professores universitários. Esta
peculiaridade do chamado sistema escrito, ou civil law, decorre de um importante conjunto de
pressupostos culturais, dentre os quais se destacam a formação do Estado na Europa, que
plasmou através da doutrina da separação de poderes, com a substituição dos direitos
costumeiros medievais pelo direito produzido exclusivamente pelo Estado, inicialmente pelos
monarcas, depois pelo Poder Legislativo” SILVA, Ovídio Baptista da. Processo e ideologia: o
paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 35
3 ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Superação do racionalismo no processo civil
enquanto condição de possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema
de estrutura ou função? (ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir
o direito processual civil do estado democrático de direito?) Tese (Doutorado em Direito)
Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo: UNISINOS, 2008. p. 93
4
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 94-95
2
7
pela organização da liberdade no âmbito social.5 Nessa seara, Ferreira Filho, com
base na doutrina nacional, explica que o Estado é uma associação humana
“povo”, arraigado em base especial “território”, vivendo sob o comando de uma
autoridade “poder”, e sujeita apenas a essa “soberania”.6
Streck
e
Morais
sintetizam
alguns
parâmetros
identificadores,
caracterizando-os, aos quais nominam de “formas estatais pré-modernas”; iniciam
com o “Oriental ou Teocrático” caracterizado como uma forma estatal definida
entre as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo. Neste, a família, a
religião, o Estado e a organização econômica formavam um conjunto interpretado
pelos autores como confuso, pois não havia uma diferenciação aparente.
Consequentemente, não é possível distinguir o pensamento político da religião,
da moral, da filosofia ou de doutrinas econômicas. Dentre as características,
então, centravam-se a natureza unitária, não havendo divisão interior, territorial e
de funções, e, a religiosidade, a autoridade do governante e as normas de
comportamento eram tidas como expressão de um poder divino, configurando,
assim, a estreita “relação Estado/divindade”.7 Em relação à “Pólis Grega”, outra
forma estatal, os autores a caracterizam como: “cidades - Estado, [...] a pólis
como sociedade política de maior expressão, [...]; uma elite (classe política) com
intensa participação nas decisões do Estado nos assuntos públicos”. E, por fim, a
“Civitas Romana”, cujas características assentavam-se na base familiar de
organização; a noção de povo era restrita, e, considerados uma faixa estreita da
população, os magistrados eram tidos como governantes superiores. 8
Assim, de acordo com Streck e Morais:
5
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11 ed. São Paulo, 2013. p. 40
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso Direito Constitucional. 39. ed. São Paulo:
Saraiva, p. 79
7 “Outras formas estatais da antiguidade [...]: a) não eram Estados nacionais, ou seja, o povo não
estava ainda ligado por tradições, lembranças, costumes, língua e cultura, mas por produtos de
guerras e conquistas; b) modelo social baseado na separação rígida das classes e no sistema de
castas; c) governos marcados pela autocracia ou por monarquias despóticas e o caráter autoritário
e teocrático do poder político; d) sistema econômico (produção rural e mercantil) baseado na
escravidão; e) profunda influência religiosa”. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de.
Ciência política e teoria de estado. 7 ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2012. p. 23
8 STRECK; MORAIS, Ciência política e teoria de estado, 2012. p. 23
6
8
[...] é possível afirmar que o Estado é um fenômeno original e
histórico de dominação. Cada momento histórico e o
correspondente modo de produção (prevalecente) engendram um
determinado tipo de Estado. Observe, assim, que o Estado
moderno, em sua primeira versão absolutista, nasce das
necessidades do capitalismo ascendente, na ultrapassagem do
período medieval. Ou seja, o Estado não tem uma continuidade
evolutiva, que o levaria ao aperfeiçoamento: são as condições
econômicas-sociais que fazem emergir a forma de dominação
apta a atender os interesses das classes hegemônicas.9
Nesse sentido é importante destacar que o Estado reflete no modelo de
produção do direito e na jurisdição. Espindola comenta que a jurisdição brasileira,
bem como as demais jurisdições de tradição romano-canônica, ainda apresenta
resistência à tutela preventiva, pautando-se pelo paradigma racionalista, as
ideologias liberais-normativistas e no direito romano tardio. Desse modo, é
preciso avançar na interpretação da lei a partir de uma releitura da doutrina
moderna e das instituições processuais, pois
[...] o conceito romano de jurisdição e a resistência às ações de
direito material encontram campo fértil na concepção de direito
moderno dos séculos XX e XXI. Concretizar direitos não é apenas
reparar lesão a direito material. Tutelar direitos não é aguardar a
violação de uma norma jurídica ou simplesmente “dizer” o direito.
Não raros são os direitos para os quais a tutela repressiva é inútil
ou de escassos efeitos. Propor uma nova atuação jurisdicional por
meio da releitura da história das instituições processuais,
abandonando a concepção de processo como produto da
racionalidade instrumental-procedimental e atentando para a
tutela preventiva e para o contraditório diferido ou eventual,
coloca-se como um dos desafios para o direito processual civil
moderno. Trata-se de revisitar o conceito de jurisdição e o
conceito da actio romana, resgatar o conceito de pretensão e
direito material, de ações de direito material e de ação de direito
processual, investigando as razões históricas e ideológicas da
supressão das tutelas preventivas, para, então, propor uma
superação do paradigma dominante sob a luz do tempo do direito.
Tudo isso orientado pela busca do sentido do direito e da
jurisdição chamada a realizá-lo. Esquivar-se desse desafio
equivale a permanecer cúmplice da defasagem espacial e
temporal; é contribuir para a objetificação do direito processual
civil na tradição romano-canônica.10
9
STRECK; MORAIS, Ciência política e teoria de estado, 2012. p. 28
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 62-65
10
9
Em âmbito histórico, Silva delimita como marco significativo no século
XVII os sistemas filosóficos diferentes entre si, os quais se submetiam ao princípio
racionalista11. Assim, unidos por elementos comuns, sendo denominados de
“comunidade científica”, processo no qual eram vistos como responsáveis por
concretizar um conjunto de objetivos e formar sucessores, daí falar-se em quebra
de paradigmas para efetivar um progresso científico, mesmo que a criação do
mundo jurídico, tão presente na atual concepção do Direito, tenha sido uma
consequência do racionalismo. Todavia, essa percepção não precisa se perpetuar
como verdade.12
A crítica do autor busca demonstrar a necessidade de afastar o Direito
do racionalismo, acompanhando as transformações sociais e políticas ocorridas
no século XX, principalmente o direito processual. Para tanto, é imprescindível
recuperar sua historicidade, rompendo com dogmas, e introduzi-lo no domínio das
ciências da compreensão, tornando ineficaz sua utilização como instrumento do
“Poder”.13
De acordo com Castanheira Neves, “é vocação do judicium exorcizar o
poder só como poder e mais ainda a força arbitrária impondo razões de validade e
críticas à ação na interação, e o nosso tempo, que tem feito experiências cruéis
[...] desse poder [...]”. Infere o autor que se o tempo atual deve ser um tempo de
transformações em todos os domínios, não é de causar estranheza que a
compreensão e a valorização do “poder jurisdicional”, da jurisdição e do papel do
Exemplificando a assertiva: “Grotius considerava a verdade, tanto na matemática quanto na
ética e no direito natural, tão permanente e eterna que nem mesmo Deus poderia transformá-la,
Spinoza, ao contrário, sustentava que o Direito definia-se pelo poder, e a justiça ou injustiça de
uma determinada ação somente seriam pensáveis dentro de um Estado, sendo uma consciência
do exercício de decidir o que é bom e o que é mau”. SILVA, Processo e ideologia: o paradigma
racionalista, 2004. p. 73
12 “O direito processual moderno, como disciplina abstrata, que não depende da experiência, mas
de definições, integra o paradigma que no mantém presos ao racionalismo, especialmente ao
Iluminismo, que a História encarregou-se de sepultar. Esta é a herança que temos de exorcizar, se
quisermos libertar de seu jugo o Direito Processual Civil, tornando-o o instrumento a serviço de
uma autêntica democracia. É ela a responsável pela suposta neutralidade dos juristas e de sua
ciência, que, por isso, acabam permeáveis às ideologias dominantes, sustentáculos do sistema, a
que eles servem, convencidos de estarem a fazer ciência pura”. SILVA, Processo e ideologia: o
paradigma racionalista, 2004. p. 73-79
13 SILVA, Processo e ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 73-79
11
10
juiz, se encontram em discussão, justificando a necessidade se acompanhar a
modernidade.14
É como se o próprio apelo e importância atribuídos a jurisdição em
geral viesse a revelar na jurisdição existente a falta da jurisdição
para que se apela. E, então, se são diversos os problemas que
assim se suscitam e se multiplicam, agudos e complexos,
fundamental é reconhecer que, importantes embora os problemas
estruturais, o decisivo é todavia o problema do sentido, do sentido
da jurisdição hoje. Por isso se fala, e bem, de crise do juiz, de
crise da justiça. 15
De fato, a separação entre teoria e prática resultou em conquistas às
classes dominantes, no momento em que “[...] sujeitaram os magistrados aos
desígnios do poder, impondo-lhes a condição de servos da lei”. Não obstante,
ainda, foi concentrada a produção do Direito no nível legislativo, não
reconhecendo aos juízes “[...] a menor possibilidade de sua produção judicial [...]”.
Visavam alcançar, assim, a utopia do racionalismo, a certeza do Direito, “[...]
soberanamente criado pelo poder, sem que a interpretação da lei, no momento de
sua aplicação jurisdicional, pudesse torná-lo controverso e, portanto, incerto”,
ideologia testemunhada pelas cortes de cassação europeias.16
Referindo-se ao poder judicial e à sua função, Castanheira Neves
revela que a jurisdição é considerada um tema a ser debatido, devido aos
problemas no universo jurídico atual, os quais não se restringem ao âmbito estrito,
projetando-se a muitas dimensões no “mundo global”.17
Nesse contexto, Streck acredita ser pertinente algumas questões,
dentre elas:
[...] como é possível que juízes (constitucionais ou não), não
eleitos pelo voto popular, possam controlar e anular leis
elaboradas por um poder eleito para tal e aplicadas por um Poder
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 1
15 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 2
16 SILVA, Processo e ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 36
17 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 1
14
11
Executivo também eleito? O princípio da maioria pode ceder
espaço para a supremacia da Constituição que estabelece, em
seu texto, formas de controle sobre a assim denominada
“liberdade de conformação do legislador”?18
As referidas questões, segundo o autor, provocam discussões
relacionadas ao Estado Democrático de Direito, à Justiça Constitucional e ao seu
papel.19 Este precisa ser analisado confrontando-se “[...] os poderes do Estado,
seus limites através da jurisdição constitucional e as condições de possibilidade
do exercício da assim denominada ‘liberdade de conformação do legislador’. 20
Não é equivocado, desse modo, afirmar que a possibilidade de atuação
do legislador é menor quando estão presentes os direitos de liberdade.
Entretanto, “[...] quando se trata de liberdades econômicas, de mercado, ou de
prestações sociais (políticas públicas), o leque de opções legislativas (e do Poder
Executivo) é nitidamente maior [...]”. Todavia, “[...] não significa que os atos
legislativos e de governo não tenham que estar conformados com o texto da
Constituição e sua materialidade”.21 Portanto, verifica-se uma tensão entre
jurisdição e legislação, com o surgimento do paradigma do Estado Democrático
de Direito.22
Streck entende que é preciso dar a devida importância às discussões
que envolvem o tipo de justiça constitucional.
18
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013. p. 115
19 “O que importa ressaltar, desde logo, é que a experiência de inúmeras nações tem apontado
para o fato de que o Estado Democrático de Direito não pode funcionar sem uma justiça
constitucional. Guardadas as especificidades dos vários países, a justiça constitucional é condição
de possibilidade do Estado Democrático de Direito, questão que vem à tona desde o momento em
que se passa a entender que as normas constitucionais são normas dotadas de eficácia, quando
se abandona o conceito de Constituição no seu sentido meramente formal e programático.”
STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 115
20 Segundo Canotilho: “[...] a doutrina constitucional procurou, através de medidas (princípios)
jurídico-constitucionais – princípio do excesso, princípio da exigibilidade, princípio da
proporcionalidade e princípio da adequação – alicerçar um controle jurídico-constitucional da
liberdade de conformação do legislador e (mais concretamente no campo da Constituição
dirigente) situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa”. STRECK, Jurisdição
constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 116-117
21 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 116-117
22 Explicado por Streck, no seguinte sentido: “[...] O juiz constitucional aplica certamente direito;
mas a aplicação deste direito acarreta consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a
valorações políticas”. STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. p. 118
12
[...] encarregada de realizar o controle da constitucionalidade do
ordenamento jurídico de cada país. O deslocamento do polo de
tensão relacionado à clássica questão da divisão-separação de
Poderes recebe, destarte, uma nova concepção a partir do
estabelecimento de tribunais que não fazem parte – stricto sensu
– da cúpula do Poder Judiciário, trazendo consigo, em sua
estruturação, a efetiva participação do Poder Legislativo. 23
Busca-se, ainda com base em Streck, situar a evolução do contexto até
o Estado Democrático de Direito, passando pelo Estado liberal e o Estado social.
No Estado liberal, “[...] o Direito tinha a função ordenadora e fixadora das bases
da legislação para se contrapor ao antigo regime e tudo o que ele representava.
Para essa tarefa, havia que se superar o jusnaturalismo”.24 Após a segundaguerra, tem origem um novo Estado de Direito, cuja preocupação centrava-se nos
direitos fundamentais e na democracia, estes, segundo Streck, “[...] sustentáculos
desse novo modelo, donde não pode haver retrocesso”. 25
Verifica-se que houve um constante e evolutivo processo até que de
fato se assentasse a legitimidade do Poder Judiciário no Estado Democrático de
Direito, ao qual é atribuída a função de resguardar os direitos sociaisfundamentais e a democracia. Passando a ser “[...] a condição de possibilidade do
23
STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 118
“O triunfo da vontade geral traz ínsito um deslocamento da esfera de tensão e poder do
Executivo (que representava o absolutismo) para a vontade popular-revolucionária (representada
no Legislativo) que triunfou. Sem qualquer legitimidade, o Judiciário é colocado à margem desse
processo. A própria noção de Constituição não assume lugar cimeiro no velho continente, porque
tratava do público, em tempos de triunfo do privado. A relevância estava no Código Civil, e não no
texto constitucional. A crise desse modelo liberal engendra a necessidade de alterações no papel
do Estado e do Direito. Do problemático absenteísmo exigia-se um Estado que impedisse a
revolução que poderia surgir da incapacidade do liberalismo em gerar uma sociedade que
compatibilizasse progresso com distribuição de renda e justiça social. É o cenário próprio para o
aparecimento do Estado de feição intervencionista, onde o polo de tensão do poder desloca-se em
direção ao Executivo. Afinal, para realizar políticas públicas corretivas, era necessário um Estado
forte e de um Direito apto a albergar os (necessários) atos promovedores de tais políticas [...].
Muda a feição do Estado; altera-se a feição do Direito (e das Constituições).” STRECK, Jurisdição
constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 124
25 “Por isso, para utilizar uma linguagem hermenêutica, é possível dizer que a noção de Estado
Democrático de Direito que a tradição nos legou é um existencial. Qualquer problematização que
se pretenda elaborar acerca da democracia e do agir dos agentes sociais se dará neste espaço,
onde ocorre o sentido do Direito e da democracia. O Estado Democrático de Direito é, assim, um
“desde-já-sempre”, condicionando nosso agir-no-mundo, porque faz parte de nosso modo de-serno-mundo. O Estado Democrático de Direito não é algo separado de nós. Como ente disponível, é
alcançado pré-ontologicamente. Ele se dá como um acontecer. Nesse sentido, é possível dizer
que o agir jurídico-político dos atores sociais encarregados institucionalmente de efetivar políticas
públicas (lato sensu) acontece nessa manifestação prévia, onde já existe um processo de
compreensão.” STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 124-125
24
13
agir legítimo de uma instância encarregada até mesmo – no limite – para viabilizar
políticas públicas decorrentes de inconstitucionalidades por omissão [...]”.26
Para compreensão da formação jurídica, apresenta-se uma delimitação
efetuada por Ferreira Filho, para quem:
O Estado contemporâneo ocidental juridicamente se estrutura em
obediência ao princípio da separação, ou divisão de poderes,
conforme a sua versão clássica, dada por Montesquieu n’ O
espírito das leis. Distinguem-se nele, pois três poderes, ou seja,
três grupos de órgãos independentes, cada qual exercendo, com
relativa exclusividade, uma função distinta por sua natureza das
demais. O último desses três poderes seria o Judiciário,
incumbido da função jurisdicional. Ou seja, da função de fazer
justiça.27
Silva enfatiza a importância de constituir o Direito como instrumento
democrático que contribua com uma visão do fenômeno jurídico, contemplando a
dimensão hermenêutica e atribuindo-lhe a natureza de ciência da compreensão.28
Visualizam-se questões pertinentes a situar o jurista no tempo29
presente, quando abrange o Direito, segundo Espindola:
Há que se dar vazão ao processo histórico e cultural da
(r)evolução do direito e consequentemente, à superação (ou pelo
menos à conscientização) de uma crise paradigmática na qual se
insere o direito hoje. Uma crise que envolve não só o pensamento
jurídico e os compromissos jurídicos, mas também o modelo de
produção do direito. O direito é pensado por meio de conceitos,
26
STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 125-126
“Na verdade, é difícil compreender como se pode sustentar que, em sua substância, seja a
função jurisdicional distinta da função executiva. O único ponto por que uma pode ser distinguida
da outra é o modo de execução da lei que obedece o Judiciário. De fato, esta aplica a lei
contenciosamente, isto é, com a possibilidade rigorosamente garantida de debate entre as partes
interessadas no litígio. Abre-se perante ele sempre a possibilidade do contraditório, permitindo-se
a todos os que serão afetados pela decisão fazerem ouvir suas razões, seus argumentos. E em
razão dessa garantia que fazer presumir o acerto da decisão, ela goza de uma forma de
imutabilidade – a coisa julgada. O modo, porém, não muda a natureza da função. Embora o faça
contenciosamente, o juiz sempre está executando, dando aplicação à lei”. FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 39 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
28 SILVA, Processo e ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 37
29 “A sociedade contemporânea está em rápida e permanente transformação, fato este que requer
do jurista a consciência de que apenas “será sujeito da construção do tempo histórico, se tiver a
capacidade de decidir, a partir de outra configuração temporal”. A sociedade é complexa, e,
portanto, fazem-se necessárias, teorias igualmente complexas para enfrentar essa complexidade,
os paradoxos e os riscos que passam a emergir. Reconstruir o Direito, tornando-o efetivo, é uma
tarefa que pode ser iniciada mediante a observação do tempo”. ROCHA, Leonel Severo. Tempo e
constituição. In: COUTINHO, Jacinto Nelson; MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz.
Estudos constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 216.
27
14
desconsiderando que, na verdade, o direito existe nos fatos, na
riqueza dos fatos.30
Portanto, a reflexão sobre os percursos lógicos, tidos como soluções
incontestes para solucionar conflitos jurídicos, os quais fazem parte do Direito
precisam ser revistos31. Silva menciona filósofos32 do século XVII que
representaram esse ideário, bem como seus representantes, que contribuíram
para o abandono do exame dos casos concretos, justificado pela complexidade
de que se revestem, ou seja, o abandono da realidade social.33
30
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 37
31 Na opinião de Faria: “[...] os cursos jurídicos, tradicionalmente reconhecidos como os mais aptos
a veicular uma “cultura técnica legítima”, isto é, a inculca-la e a reproduzi-la num universo
profissional específico, condenam os estudantes a uma (in)formação burocrática, incapaz de
perceber e captar as razões dos conflitos e das tensões sociais. Ao mesmo tempo, esses cursos
também cristalizam e reproduzem com propósitos hegemônicos um contraditório conjunto de
crenças, juízos éticos, proposições científicas, justificações e saberes acumulados, expresso por
meio de disciplinas específicas letigimadas por discursos produzidos pelos tribunais e
institucionalizados pelas práticas jurídicas travadas em seu interior. Por esses motivos, um ensino
jurídico desse tipo termina por atribuir significações arbitrárias da realidade social, projetando-as
imaginariamente como possíveis e desejáveis, ainda que nem sempre factíveis, plasmando-as em
discursos reificantes, a-históricos e com pretensões de generalidade. Em vez de: (a) apresentar os
institutos jurídicos a partir das suas raízes no processo das relações; (b) identificar a existências
de múltiplas formas estatais e para-estatais de resolução dos conflitos inter-pessoais e coletivos;
(c) constatar a emergência de novos atores dispostos a atuar na mediação formal e informal das
relações sociais, esse tipo de ensino jurídico limita-se – e o faz de modo nada inocente ou ingênuo
– a: (a) valorizar uma abordagem sistemática e lógico-dedutiva; (b) privilegiar o princípio da
autoridade; (c) importar, para dentro das faculdades de direito, o habitus profissional dos “juristas
de oficio” com a finalidade de valorizá-lo como um “capital de conhecimento” capaz de distinguir os
atores jurídicos formalmente aptos a operar os códigos e as leis dos atores “profanos” (os
sociológicos, os cientistas sociais, os políticos, os burocratas, os rábulas, etc.); e (d) desprezar a
riqueza da experiência cotidiana. Uma experiência fundamental pois revela, como afirma
Hesphana, “a conflituosidade entre os paradigmas da prática e do discurso dos juristas
acadêmicos, em contraposição com os dos juristas práticos; ou (o paradigma) do establishment do
foro em confronto com o paradigma dos jovens magistrados e advogados; daí que os modelos de
legitimação das práticas (e dos discursos) jurídicas não sejam o produto do consenso, mas antes
de lutas pelo poder no seio do campo profissional; lutas em que cada grupo procura impor um
paradigma que aumente o seu capital político dentro desse campo, reduzindo (ou excluindo) o
poder dos concorrentes; assim, à luta pela reprodução do seu papel global de árbitros das
relações sociais coma-se a tensão entre os vários paradigmas de efetivar essa arbitragem”.
FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. 2 ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. p. 92-93
32 Leibniz e Locke reproduzida por Savigny.
33 É preciso reconhecer o empenho de Savigny “[...] em aproximar o ensino do Direito da
experiência dos tribunais [...] sua recomendação de que o jurista se mantenha atento às
diversidades dos casos individuais, porém o instrumento apropriado para examiná-los haverá de
obedecer à metodologia matemática, único critério capaz de conseguir a tão sonhada ‘integridade
material’ do sistema, com expurgo da retórica forense, ciência de segunda classe, que apenas
serviria, segundo a ideologia da segurança, para tornar inseguro o Direito. É visível a presença de
Leibniz e especialmente de Locke no pensamento de Savigny.” SILVA, Processo e ideologia: o
15
De acordo com Silva, é preciso revelar o compromisso do “Direito
Processual Civil com o Racionalismo”, especificamente as repercussões do
Direito processual civil formado na tradição romano-canônica, devido ao seu
componente ideológico.34 Na concepção de Espindola, “os avanços e as
contribuições do Iluminismo e do Racionalismo para a humanidade são inegáveis.
No entanto, resta saber se esse padrão epistemológico atende às expectativas
forjadas já nos séculos XX e XXI, períodos de mudanças em vários setores”. 35
Isso tudo suscita questionamentos relacionados à crença da separação
de poderes, da neutralidade do juiz, o princípio da segurança jurídica e a teoria
das fontes serem suficientes para atender às necessidades sociais de um novo
período, e ainda sobre,
[...] a sistemática do processo civil contribuiu para a realização do
direito, para a emergência do direito enquanto direito no contexto
das sociedades de massas? A certeza e a segurança foram (são)
aspirações da Ciência Moderna. No entanto, os direitos sofrem
mutações: os direitos, antes de natureza eminentemente privada,
à luz do individualismo, desdobram-se em direitos sociais. Tratase do cenário do desvelamento dos novos direitos, que passam a
exigir um novo tipo de comportamento da ciência processual.
Sejam aqueles direitos individuais, sejam os novos direitos, mais
especialmente estes, o transcurso do tempo do processo passa a
atingi-los fatalmente, exigindo uma cobertura judicial urgente. Um
novo contexto se apresenta: o padrão epistemológico do direito
processual civil precisa mudar substancialmente para adequar-se
às novas exigências da sociedade, sob pena de perecer vitimado
pelo ceticismo e insucesso. Há que se ir além da tutela
jurisdicional ordinária, repressiva, reparadora. [...] A autonomia do
direito processual civil foi levada muito a sério, edificando um
sistema processual que não se relaciona com o direito e com o
sentido do direito. O insucesso desta fórmula fez surgir inúmeros
esforços intelectuais que culminaram com a perspectiva
instrumentalista do processo, idealizando-se um processo de
resultados, que acabou abrindo, de certo modo, espaço para a
construção das tutelas jurisdicionais diferenciadas – uma
alternativa ao processo ordinário. 36
paradigma racionalista, 2004. p. 38-39
34 SILVA, Processo e ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 57
35 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 62-63
36 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
16
O discurso jurídico não pode mover-se autossuficientemente num
universo hermeticamente fechado do direito vigente. É preciso se manter aberto a
argumentos pragmáticos, éticos e morais que transparecem no processo de
legislação e são enfeixados na pretensão de legitimidade de normas do Direito. A
correção de decisões judiciais mede-se pelo preenchimento de condições
comunicativas da argumentação que tornam possíveis uma formação imparcial do
juízo. Todavia, a problemática é a indeterminação do processo do discurso; as
condições procedimentais para argumentações em geral não são suficientemente
seletivas para obter uma única decisão correta.37 Daí a necessidade de se
aproximar da compreensão hermenêutica para minimizar os limites do
Judiciário.38
Já que o Judiciário se vê entre demandas e respostas, Faria argumenta
sobre paradigmas científicos e sociais cujos postulados, princípios e categorias,
no modelo processual brasileiro, se expressam pela unidade de jurisdição,
[...] juiz monocrático de primeiro grau, processo civil condicionado
à iniciativa de uma parte, respeito à congruência entre o pedido e
a sentença, tipicidade dos atos processuais, duplo grau de
jurisdição, igualdade das partes, participação pelo contraditório e
exigência do julgamento legal e não da equidade dos casos
concretos, têm sido cada vez mais erodidos pelas crescentes
contradições socioeconômicas dessas sociedades: afinal, para
ajustar-se a situações cada vez mais tensas e explosivas, nas
quais os tradicionais conflitos entre cidadãos versus cidadãos e
cidadãos versus Estado vão sendo substituídos - em grau de
importância e de impacto para a ordem social - pelos novos
conflitos entre cidadãos versus conglomerados econômicos e
entre os próprios interesses do capital entre si, a dogmática
jurídica vai sendo obrigada a assumir tarefas com dimensões
ignoradas pelo liberalismo político que a inspirou.39
do estado democrático de direito?), 2008. p. 63-64
37 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Tradução Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 287-288
38 Como bem assinala Faria: “Diante da realidade atual da América Latina (e com especial atenção
para o Brasil), em cuja sociedades os movimentos sociais lutam por aprofundar o conteúdo
democrático dos regimes recém-saídos do autoritarismo burocrático-militar, ambas concepções de
direito têm enfrentado dificuldades para afirmar-se hegemonicamente na formação dos atores
jurídicos e na determinação de seu “estilo” de atuação e do alcance de seu papel como
mediadores privilegiados dos conflitos sociais.” FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os
juízes em face dos novos movimentos sociais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1992.
39 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 82-83
17
A dogmática jurídica, algumas vezes, acaba substituindo o “caráter
tecnicista, o estilo generalizador e o ideário individualista dos códigos tradicionais
por soluções metaindividuais – o que não só contribui para desorganizar a
estrutura formal do ordenamento vigente”. Comprometendo a ideologia da
independência judicial tradicional, a separação entre o Direito e a política entre a
política e a economia, entre a legalidade e a justiça. 40
Assim, a efetividade do Direito precisa ser examinada dentro de uma
perspectiva mais ampla, principalmente quando o objetivo buscado é a
estabilidade jurídica e as reformas sociais. Enquanto houver tentativas frustradas
de assegurar o que constitucionalmente é garantido de forma igualitária, não
haverá efetividade do direito, pois os privilégios contribuem para gerar inúmeros
conflitos, demonstrando, assim, a importância da interpretação hermenêutica a
partir da Constituição. Nessa seara, necessário se faz romper a concepção
individualista e produzir um novo “sentido de ordem”, e, por conseguinte, um novo
sentido ao Direito.41
Ao mencionar a crise do sentido do Direito e por consequência da
jurisdição, bem como as formas de interpretar e compreender a jurisdição, é
possível observar que, tanto a jurisdição como a legislação era interpretada como
função soberana do Estado, à legislação cabia estabelecer as normas e à
jurisdição executá-las.
Dessa forma, ao refletir sobre a jurisdição e seus limites, aproxima-se
da necessidade de mudança de paradigma que convirjam para efetivação de
novos métodos de interpretação, contribuam para o Direito assumir sua dimensão
“Afinal, desde a sua criação na primeira metade do século XIX, as faculdades brasileiras de
direito – a exemplo de outras que se foram estabelecendo na América Latina – sempre utilizaram
paradigmas muito específicos de Ciência do Direito, apresentando-os sob os rótulos vagos e
ambíguos de “humanismo” e “profissionalismo”, estruturando-os a partir das cátedras de direito
civil, desenvolvendo-os a partir de uma “teoria geral” de caráter individualista e privatista e
limitando-se a atuar como simples “escolas de legalidade”, isto é: como escolas formadoras não
só dos manipuladores técnicos das instituições jurídicas, mas dos próprios quadros burocráticos
do aparelho estatal. Essa ideia de paradigma tem aqui um significado bastante preciso e
específico, implicando uma teoria básica, uma matriz disciplinar e algumas aplicações exemplares
amplamente aceitas pelos cientistas, ao ponto de suspenderem o esforço crítico de discussão de
seus pressupostos e de suas possíveis alternativas substitutivas”. FARIA, Justiça e conflito: os
juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 83-84
41 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 107
40
18
hermenêutica. Trata-se de adotar novas formas de compreensão, que visem à
superação do Direito, sendo este não apenas um sistema de regras, mas
compreendido no plano da hermenêutica, atribuindo antes da compreensão a
antecipação de seu sentido.
Nesse contexto, revela-se essencial os papéis da jurisdição, do poder
judicial e o papel do juiz na concretização dos direitos fundamentais e na prática
democrática ao exercício da cidadania.
Para tanto, a compreensão e/ou a interpretação do Direito deve estar
adequada a Constituição, consolidando, assim, o Estado Democrático de Direito.
1.2 O DIREITO E O SEU SENTIDO
Ao tratar sobre o sentido do Direito42, visa-se construir um caminho que
contribua para sua autorreflexão institucionalizada, bem como para sua aplicação
e aperfeiçoamento, levando-se em consideração que “a finalidade dos meios
jurídicos consiste inicialmente em buscar decisões corretas, e por isso, justas, no
interesse das partes, através da revisão das decisões promulgadas”.43
Nesse sentido, inicia-se examinando os modelos de jurisdição em
Castanheira Neves, o normativismo-legalista, que, segundo o autor, estaria
superado, e um novo modelo seria necessário para esse fim.
Trata-se de um modelo que traz a perspectiva individualista do modelo
liberal, onde se constituiu uma compreensão voltada para a autonomia humana,
portanto, percebe-se que, do século XVI ao século XVIII, ocorre uma ruptura da
“O que é isto – o Direito? Com esta pergunta enunciamos um impasse fundamental: a
determinação do conceito de Direito. Esse impasse cruza a história; está na base da construção
das mais diversas instituições jurídicas e modela o modo como os seres humanos compreendem e
interpretam o fenômeno jurídico. Trata-se, portanto, de uma questão extremamente complexa,
porque é exatamente pela antecipação que fazemos do sentido do Direito (ou seja, um projeto
significativo em torno daquilo que se pode entender por Direito numa perspectiva global) que
dependerá o modo como o direito efetivamente será articulado nas questões particulares que são
trazidas pelo cotidiano. Dito de outro modo, é da compreensão que se tem do todo Direito que se
projetará os sentidos das demandas resolvidas na concretude do tempo presente. STRECK, Lenio
Luiz. O direito como um conceito interpretativo. Pensar, Fortaleza, v. 15, n. 2, p. 500-513, jul./dez.
2010.
43 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Tradução Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 294
42
19
forma
“teológica-metafísico-cultural
transcendente”,
que
passa
a
ser
fundamentado por meio da razão e da liberdade.44
Liberdade que no Estado Moderno foi conquistada a partir dos ideais
do Estado Liberal, pois no Estado Absoluto cabia aos senhores feudais exercer o
poder político, jurídico, administrativo, legislativo, as regras eram impostas e as
decisões centralizadas no poder do soberano.45 Enquanto, no Estado liberal
firmavam-se os direitos, a separação das funções legislativas, executivas e
judiciárias, proporcionando a fluidez da lei, da legalidade e da igualdade.46
Fazendo-se uma correlação em relação à segurança jurídica, percebese que esta não existia no Estado absoluto, ganhando espaço a partir do Estado
liberal.47 Em relação ao Estado social, a ordem jurídica, constitucional e
democrática corporifica-se, no momento em que as políticas estatais voltam-se à
harmonização das relações sociais e a segurança do cidadão.48 Assim, a
trajetória evolutiva do Estado moderno contribuiu para configuração de um Estado
Democrático de Direito, o qual exige “uma harmonização entre a racionalidade
jurídica e a racionalidade técnica”49
Desse modo, o normativismo-legalista possui um ingrediente próprio na
medida em que o homem tem um entendimento subjetivo entre o Direito e a
sociedade, ainda, “afirmava-se a secularização e a emancipação do econômico,
especialmente em relação aos quadros ético-religiosos”. Portanto, o “domínio da
práxis social era o domínio dos interesses, expressão da prática da liberdade”,
44
CASTANHEIRA NEVES, A. O papel do jurista no nosso tempo. Digesta: escritos acerca do
Direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Lisboa: Coimbra Editora, 1995. p. 15
45 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do
direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Constituição, direitos fundamentais e
direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 191
46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 110
47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p.
110
48
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 2013. p. 184-187
49 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 107
20
que teve como consequência a “emergência do individualismo moderno iluminista
e do racionalismo”.50
Nessa seara o racionalismo consiste em “expressão ratio moderna
deixa de ser ontológico-metafísico-hermenêutica como a razão clássica e se volve
na
razão
autofundamentante
nos
seus
axiomas”,
da
mesma
forma,
“sistematicamente dedutiva nos seus desenvolvimentos – a razão cartesiana”.51
O positivismo “pretende apenas ser lógica, método, sistema e assim
manter-se respeitosamente distante das valorações, dos efeitos míticos e políticos
da sua própria prática social”. Percebe-se então, que a “ciência jurídica imunizase contra a filosofia, a sociologia e a ciência política”.52
Denota-se, portanto, nessa perspectiva positivista, que o Direito foi
concebido para uma existência dissociada das outras ciências, como se bastasse
em si mesmo, e que nele mesmo encontraria respostas necessárias ao seu
funcionamento e aplicação, mantendo-se, assim, fechado a uma evolução
histórica.
Para tanto, a razão liberal mostrou “o Direito como um sistema
autossuficiente de preceitos legislativos, emanados da vontade soberana do
Estado, que miticamente se autolimita pela lei que ele mesmo cria”. Cabe
mencionar que o “liberalismo inaugura, um espaço imaginário, que permite
subtrair simultaneamente ao Estado e ao Direito, sua dimensão política
reduzindo-o a um cálculo de possibilidades racionais, com esquecimento das
condições da sua existência histórica”. 53
50
ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Uma resposta culturalmente humana a um problema
também humano: a crise da jurisdição e a emergência do Direito como plataforma civilizacional. In:
TRINDADE, André Karam; ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira; BOFF, Salete Oro. (Org.).
Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade
Meridional. Passo Fundo: IMED Editora, 2013. p. 271
51 CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 15
52 WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. p. 104
53 WARAT, Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade, 1995. p. 128
21
Nas palavras de Ovídio Baptista Silva, o “racionalismo procurou
transformar o Direito numa ciência lógica, tão exata e demonstrável como uma
equação algébrica”.54
Constata-se então, a imagem da ciência hermeticamente
fechada, oriunda unicamente de uma concepção do Estado que o cria e o limita,
e, dessa forma, transforma-o em um dado matemático.
Segundo Dworkin, “as proposições de Direito não são meras
descrições da história jurídica, de maneira inequívoca, nem são simplesmente
valorativas, em algum sentido dissociado da história jurídica”. Mas sim,
“interpretativas da história jurídica, que combina tanto elementos da descrição
quanto valoração”. 55
O Direito não pode dissociar-se da história e dos elementos de
valoração, pois não é um dado matemático, lógico, mais do que isso, é uma
ciência da compreensão que deve analisar, compreender e interpretar o próprio
sentido do Direto.
Enquanto os conceitos do direito romano servem, durante a
modernidade, para definir as liberdades negativas dos cidadãos,
para garantir a propriedade e o intercâmbio econômico das
pessoas privadas contra intromissões de um poder político
exercido administrativamente, do qual eles estavam excluídos, a
linguagem da ética e da retórica conserva a imagem de uma
prática política, na qual se realizam as liberdades positivas de
cidadãos que participam em igualdade de condições.56
Para Espindola, “o Direito é, portanto, caracterizador de certa forma de
vida – de certa cultura ou civilização –, apresentando-se apenas como uma
possibilidade, e não como uma necessidade – a ser assumida”. 57 O Direito pode,
portanto, ser caracterizado pela forma vivenciada, pela cultura ou civilização,
deixando de certa forma de ser “necessário” para ser somente possível.
O normativismo-legalista pressupõe um modelo superado, dessa
forma, é apresentado “sob outras roupagens: pela restauração do liberalismo
54
SILVA, Processo e Ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 24
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 219
56 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Tradução Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 331
57 ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade:
Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional, 2013. p. 252
55
22
radical, pelo pensamento jurídico analítico ou como alerta Castanheira Neves,
pelo funcionalismo sistêmico”. 58
Portanto, o normativismo-legalista, caracterizado pelo individualismo do
modelo liberal iluminista, compreendido pela autonomia humana, e perspectivado
perante um mero legalismo, não atende às perspectivas e aos anseios da
convivência comunitária na contemporaneidade, possibilitando, assim, a ruptura
de um a paradigma que parece estar superado, por um “novo paradigma” que
possibilite a “realização do Direito pelo Direito!”.59
Diferentemente do modelo normativista-legalista, cuja referência era o
individualismo, a perspectiva do funcionalismo jurídico versa sobre a sociedade.
Segundo Castanheira Neves,
[...] trata-se de um sistema funcional ou pensado funcionalmente
que funcionaliza todos os seus elementos e as suas dimensões. E
nesta o próprio direito-também ele funcionalizado à estruturação,
à regulação e à organização operatória global da sociedade, numa
consequente perda de autonomia intencional e material, pois que
se converte num instrumento, de particulares características
prescritivas e institucionais, ao serviço das exigências provindas
das instâncias e das forças políticas ou simplesmente sociais,
culturais, econômicas.60
Constata-se que o funcionalismo jurídico é um sistema que a tudo
funcionaliza, e o Direito não fica alheio a essa funcionalização, eis que faz parte
de um todo, servindo como instrumento da política, perdendo, assim, sua
autonomia.
Sendo assim, “trata-se da político-socialização do Direito que teve as
suas mais próximas determinações em duas linhas diferentes, mas também
convergentes”. A primeira é a política e refere-se ao “aparecimento do Welfare
State, do Estado-Providência, a outra diretamente social e tem a ver com a
58
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade:
Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional, 2013. p. 270
59 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 15
60 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 16-17
23
emergência social enquanto o campo e o critério de todos os problemas
humanos”, nas palavras de Castanheira Neves 61 “do nascimento à sobrevivência,
portanto, cabe à sociedade resolvê-los, e ao Estado enquanto ‘Estado de direitos
sociais’ por meio do desenvolvimento econômico e social há de garantir e a que
tudo se funcionaliza”.
O aparecimento do Estado como Welfare está relacionado a um
processo histórico, e, nas palavras de Streck, “pode-se dizer que ele acompanha
o desenvolvimento do projeto liberal transformado em Estado do Bem-Estar
Social”.
Dessa forma, ocorre a passagem do Estado Mínimo para o Estado
Intervencionista.62
Neste sentido, abandonou-se o modelo no qual as relações eram
reguladas pelo mercado, mantendo-se o Estado somente como ente fiscalizador,
assumindo, assim, o próprio Estado, a titularidade da obrigação de prover as
necessidades de bem-estar social.
Percebe-se que a legislação é um instrumento jurídico, mas
diferentemente do que ocorria na função normativa-legalista que buscava “a
garantia dos direitos e da segurança jurídica”, tornou-se “instrumento da própria
acção política”, ou seja, “passou a governar-se com leis”.63
Para tanto, importante se faz diferenciar a racionalidade finalística
(formal), da racionalidade axiológica (material). A primeira é adotada pelo
funcionalismo jurídico, que se preocupa somente como a forma e não com seu
conteúdo, trata-se de um modelo funcionalista que busca a funcionalidade e
eficiência, agindo como instrumento da política, dessa forma, pode-se dizer que
tem finalidades externas ao Direito.
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 17
62 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013.
63 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 17
61
24
Portanto, “a decisão judicial, na concepção funcional do Direito, é vista
como
a
realização
de
uma
estratégia
político-social,
teleologicamente
programada. É a decisão-solução enquanto momento tático”.64
Constata-se então, que, por essa característica teleológica, a decisão
judicial já está programada, para atingir um fim determinado.
Portanto, como bem alerta Castanheira Neves, “o Direito é, afinal,
puramente política no funcionalismo político; simplesmente tecnologia ou
administração no funcionalismo social e econômico.”65 Dessa forma, “o
funcionalismo jurídico não envolve as funções que o Direito exerce na sociedade,
mas, as funções que se pretende realizar através dele”. 66
Depreende-se que o funcionalismo está presente nas mais diversas
áreas, na política, na administração, na econômica e no jurídico, sendo assim, o
funcionalismo jurídico, por meio da política, a tudo instrumentaliza, a seu favor e
na medida dos seus próprios interesses. Passa, portanto, de uma linha que
valoriza o bem, o justo e torna-se uma linha que busca a utilidade e a eficiência.
A segunda linha, denominada racionalidade axiológica (material),
preocupa-se com o conteúdo sem desprezar a forma de alcançá-lo. No entanto, a
mudança do “pensamento clássico para o pensamento moderno faz com que as
categorias da ação e do comportamento em geral não mais sejam as do bem, do
justo, da validade (axiológica-material), e sim as do útil, da funcionalidade, da
eficiência”.67
Infere-se que essa passagem da racionalidade axiológica para a
racionalidade finalística causou um engessamento dos valores em relação aos
fins e dos fundamentos em relação aos resultados.
64
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 257
65
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 257
66
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 257
67
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 272
ESPINDOLA;
BOFF,
(Org.).
Direito,
Democracia
e
ESPINDOLA;
BOFF,
(Org.).
Direito,
Democracia
e
ESPINDOLA;
BOFF,
(Org.).
Direito,
Democracia
e
ESPINDOLA;
BOFF,
(Org.).
Direito,
Democracia
e
25
Para Espindola,
[...] é preciso compreender que a emergência do Direito enquanto
direito impõe assumir o caráter hermenêutico do Direito e também
um questionamento da jurisdição e do papel do juiz, não há
todavia como trilhar esse caminho, nesta quadra da história sem
superar a ideia da funcionalização do Direito e da jurisdição. 68
Portanto, o Direito como a jurisdição tornando-se instrumento da
política, perde seu sentido, pode-se dizer sua autonomia. Dessa forma, “[...] não
se pode permitir que os mesmos se funcionalizem, ou seja, que sejam
manipulados a serviço de estratégias de poder utilizadas pelos governos para
implementar políticas”. 69
Contudo, o funcionalismo jurídico é um modelo que trata o Direito como
instrumento político, pode-se dizer, aplicado a finalidades externas ao direito,
podendo levar assim a arbitrariedade. Dessa forma, o direito perde seu “sentido”,
bem com sua autonomia e passa a ser um instrumento dissociado da sua
finalidade. Percebe-se, então, a necessidade de tratarmos um novo modelo,
permitindo, assim, a realização do Direito.
Por fim, tem-se o último modelo de jurisdição desenvolvido por
Castanheira Neves, o jurisprudencialismo. Contraponto entre o normativismolegalista e funcionalismo jurídico, trazendo uma nova perspectiva:
[...] do homem (do homem-pessoa), i. é, aquela perspectiva em
que o direito, com sua normatividade axiologicamente fundada, é
assumida por, e está diretamente ao serviço de uma prática
pessoalmente titulada e historicamente concreta, prática
dinamizada pelas controvérsias também pratico-concretas, mas
cuja intencionalidade capital é a realização nessa prática e através
dela, como básica condição mediadora, do homem-pessoa
convivente e assim do homem no seu “direito” e no “seu dever ou
na sua responsabilidade”. 70
68
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 257
69
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 257
70 CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 18
26
Percebe-se que, nesse modelo, o homem (pessoa) assume papel
fundamental, resgatando-se a convivência do homem com seu direito, e se o
homem possui direitos, também há de possuir deveres.
Para Espindola, a perspectiva da jurisdição adota uma postura em que
o homem precisa se recompreender, e reconhecer-se não somente na sua
individualidade, mas um reconhecimento comunitário da própria pessoa e de sua
dignidade ética.
Nessa perspectiva, uma concepção da jurisdição, da função
judicial e do papel do juiz passa, necessariamente pela
recompreensão do próprio homem, de seus compromissos, passa
pelo reconhecimento comunitário da pessoa e da sua dignidade
ética,
mas
também
assume
implicações
normativas,
consequentes dessa recompreensão e reconhecimento. 71
Diante dessa nova forma de ver o Direito, é necessário que o homem
assuma um papel diferente ao que vem desempenhando na sua relação com a
sociedade, e posteriormente o juiz, na sua atuação jurisdicional, abandone o
modelo tradicional de uma aplicação automática, aritmética da lei ao caso
concreto.
Assim, o jurisprudencialismo assume o paradigma da jurisdição
centrado no juízo e não na subsunção lógico-dedutivista ou na
simples decisão arbitrária. Juízo esse que não se identifica com
qualquer raciocínio lógico, mas que antes, realiza o sentido prático
de julgar. É um juízo de ponderação pratica, de índole praticoargumentativa, que assume como critérios fundamentos- ou seja,
um juízo que, mediante uma ponderação argumentativa
racionalmente orientada, convoca posições divergentes e conduz
a uma solução comunicativamente fundada [...] Trata-se portanto
de juízos axiológico-normativamente críticos sobre o objeto
problemático de resolução, cuja principal função social está na
afirmação de valores em seu concreto cumprimento. Assim para o
jurisprudencialismo, a perspectiva legalista é imanente e o seu
tempo é o presente (não o passado, como na perspectiva
legalista, nem no futuro, como na perspectiva funcionalista), sendo
indispensável o juiz e a sua responsabilidade ética de projeção
comunitária. 72
71
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 257
72
ESPINDOLA, In: TRINDADE;
Sustentabilidade, 2013. p. 276-277
ESPINDOLA;
BOFF.
(Org.).
Direito,
Democracia
e
ESPINDOLA;
BOFF,
(Org.).
Direito,
Democracia
e
27
Nessa postura, do homem e do juiz, o denominado sentido prático de
julgar corresponde a uma decisão fundamentada em juízos de valor – reitere-se,
não somente a aplicação da lei – mas essa aplicação associada a uma análise
acurada e próxima da situação concreta, busca-se, então, nessa perspectiva, a
responsabilidade ética de uma projeção comunitária, o Direito como ciência da
compreensão.
Vivencia, seguindo o pensamento de Castanheira Neves, um “apelo à
razão contra a atávica irracionalidade”. Nesse contexto, ao mencionarmos a crise
que assola o Direito e, por consequência, a jurisdição, percebe-se que esta crítica
refere-se à “falta de jurisdição para que se apela”.73
De qualquer sorte, “[...] a crise não traduz apenas o negativo
circunstancial, a quebra anómica que se sofre e lamenta, mas, sobretudo, a
consumação histórico-cultural de um sistema, a perda contextual de sentido das
referências até então regulativas [...]”. Percebe-se que a referida crise envolve a
efetiva dificuldade de compreensão na identificação das normas e valores que se
deve seguir. É nesse contexto que o paradigma ora dominante parece estar
esgotado, “[...] o paradigma que vigora esgotou-se, um novo paradigma se exige.
Portanto, “o essencial dos sistemas e dos paradigmas não está na sua estrutura,
mas no seu sentido: a estrutura organiza e permite, mas só o sentido funda e
constitutivamente sustenta”.74
Nesse cenário, percebe-se que são vários os fenômenos que acabam
por afirmar que o normativismo-legalista (racionalismo) e/ou positivismo jurídico
estaria superado, dentre os quais é possível mencionar os problemas estruturais
ou externos, entretanto, o problema considerado decisivo para Castanheira Neves
seria o problema intencional ou interno, que se refere ao problema do sentido.
É preciso demonstrar a impossibilidade de “compreendermos hoje o
Direito pela perspectiva exclusiva de um estrito legalismo”. No entanto, não se
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74, 1998. p. 1-2
74 CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,1998. p. 2-3
73
28
pode afirmar que o legalismo “esteja de todo abandonado e não se tenha como
uma referência comum e um modo da juridicidade ainda concorrente ou
alternativo”. Mas é certo que “[...] são muitos já os fenômenos da sua superação e
com directa repercussão nas tarefas da função jurisdicional”. Segundo o autor, o
“positivismo jurídico está definitivamente morto devemos dar substância a uma
razão jurídica alargada (LENOBLE)”. 75
Constata-se que o paradigma ora dominante se restringe ao aspecto
formal da norma e acaba por desmerecer seu conteúdo ou sua substância,
acarretando uma frustração aos expectadores que recorrem ao Direito como
forma de terem seus direitos garantidos, assegurados e principalmente
interpretados de forma adequada.
Para
Espindola,
“uma
jurisdição
eminentemente
repressiva,
e
reparadora não atende ao sentido do Direito [...]. O Direito não é algo em geral e
abstrato, mas é substância, é valor. Não basta reparar a lesão a direitos ou a
violação a direitos, mas é preciso preveni-las”. 76
Percebe-se que existe, por parte dos juristas, a “reprodução de um
senso comum. Oculta-se o sentido do Direito, “transformando os juristas em
mitlaufer jurídicos, que, incapazes de criar um Direito, reproduzem receitas de um
Direito sem sentido (e sem tempo) ou, pior, de um Direito funcionalizado,
instrumento do poder ou de governo”. 77
Portanto, os magistrados tornaram-se mero reprodutores de um Direito
funcionalizado, instrumento que atua por meio da política, um direito sem sentido
e em desacordo com nosso tempo.
Baptista Silva menciona:
CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 4
76 ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Uma resposta culturalmente humana a um problema
também humano: a crise da jurisdição e a emergência do Direito como plataforma civilizacional. In:
TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF. (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional., 2013. p. 259
77
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 259
75
29
Com a separação entre a teoria e prática, as classes dominantes
conseguiram dois resultados significativos: (a) sujeitaram os
magistrados aos desígnios do poder, impondo-lhes a condição de
servos da lei; (b), ao concentrar a produção do Direito ao nível
legislativo, sem que aos juízes fosse reconhecida a menor
possiblidade de sua produção judicial, buscaram realizar o sonho
do racionalismo de alcançar a certeza do Direito, soberanamente
criado pelo poder, sem que a interpretação da lei, no momento da
sua aplicação jurisdicional, pudesse torná-lo controverso e
portanto incerto.78
Segundo o autor, a separação que ocorreu entre a teoria e a prática
acabou sujeitando os juízes como mero servos da lei, bem como, ao transferir ao
Legislativo a produção do Direito na tentativa de alcançar a “certeza do Direito”,
impossibilitou a produção judicial, pode-se dizer, vivenciamos um direito movido
pelas incertezas, meramente legalista e sem qualquer interpretação.
Portanto, ao mencionarmos a superação do paradigma ora dominante,
necessário se faz abordar os fenômenos que consideram sua superação:
a) “A recuperação da autonomia normativo-intencional do direito
perante a legalidade (a mera legalidade), através de uma renovada
distinção entre iue lex”. Esse fenômeno vem a comprovar a falta de
autonomia do direito face a estrita legalidade, bem como a distinção
entre o Direito e a lei por meio de dois polos principais. “[...] o
primeiro pólo é o actual reconhecimento da separação dos ‘direitos’”
(direitos fundamentais, especificamente) em relação a lei e da
preferência jurídica perante esta”. Enquanto o segundo é a “[...]
reafirmação
de
direitos
fundamentais,
como
projecção
dos
proclamados ‘direitos do homem’”.
b) o segundo fenômeno diz respeito aos “limites normativos-jurídicos
da lei, ao abrirem um espaço que só a jurisdição na sua realização
concreta do direito, em necessária intenção normativamente
constituenda, pode preencher”. 79
78
SILVA, Processo e Ideologia: o paradigma racionalista, 2004. p. 36
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 5-7
79
30
Tais fenômenos comprovam a superação do paradigma dominante, o
primeiro demonstra a necessidade da recuperação da autonomia do Direito, que
acabou sendo obstaculizado pelo legalismo. O segundo, por sua vez, trata dos
limites normativos da lei que busca a efetiva realização do Direito.
Contudo, nos dias atuais, marcados por um tempo de constantes
mudanças, e na tentativa de superar um modelo de jurisdição que não atende à
realidade e aos anseios jurídicos, econômicos, sociais e culturais, paradigma ora
dominante normativista-legalista ou racionalista, bem como um modelo que a tudo
funcionalizou, sendo este o funcionalismo jurídico, necessário se faz, a ruptura
de um paradigma que encontra-se superado, possibilitando, assim, à jurisdição
não somente a atribuição de uma função repressiva, reparatória e individualista,
mas, sob outra perspectiva, pode-se dizer
coletiva e preventiva. Busca-se,
portanto, a realização do “Direito pelo Direito”, a qual seria então, a possível
solução para a concretização de direitos e a consolidação do Estado
Democrático.
De fato o sentido do Direito implica um diferente sentido da jurisdição.
Nas palavras de Castanheira Neves: “[...] pensar o sentido da jurisdição é pensar
a sua relação ao direito (juris-dictio): um diferente sentido do direito implicará
correlativamente um diferente sentido da jurisdição chamada a realizá-lo”. Para
tanto, “[...] é fundamental ter presente a impossibilidade de compreendermos hoje
o direito pela perspectiva exclusiva de um estrito legalismo”. 80
Compreender o sentido da ciência jurídica é compreender a existência
do próprio homem, sua dimensão histórica, cultural e social. Trata-se, portanto, de
um sentido que “[...] se postulam valores [...], da dignidade humana, da liberdade,
da igualdade, da comunitária participação e da responsabilidade social”. Tais
valores, pode-se dizer, são “[...] dimensões analíticas da humanidade do homem,
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 4
80
31
ou daquela humanitas em que afirma o autêntico ‘reconhecimento do homem pelo
homem’”.81
O sentido da jurisdição não pode ser compreendido pela estrita
legalidade, tampouco pelo modelo que a tudo funcionaliza - o funcionalismo
jurídico, onde se preocupa somente com a forma, ou seja, com o procedimento,
desmerecendo seu conteúdo e/ou a substância. Pelo contrário, compreender o
sentido do direito é interpretar seu conteúdo por meio da hermenêutica. É realizar
o Direito pelo Direito!
[...] significa que o direito tem uma carga axiológica que o homem
assume como sujeito-objeto. O direito, portanto, não é apenas
uma ordem com estrutura, funções, notas caracterizadoras e
efeitos observáveis. Apenas estes não desvelam o Direito.
Tampouco a referência Estado (a estadualidade) é necessária ou
suficiente para reconhecer-se o Direito. O direito tem um sentido,
que importa compreender. Daí falar-se que tem sentido a pergunta
pelo sentido do Direito! 82
Dessa forma, é impossível compreender o Direito tão somente pela
ordem com sua estrutura e funções, eis que ele vai muito além dessa perspectiva.
Reconhecê-lo é compreender que o Direito tem um sentido próprio, e sua
compreensão é o desafio do nosso tempo.
Assim, é preciso primeiramente compreender a situação e
posicionar-se perante ela abandonando as formas dogmáticas de
pensar e superando a ideia de que é possível entender algo
isolando-o de outras coisas. A questão é: o Direito não carece de
método, e portanto, não se associa as ciências exatas, como
pretendera o cientificismo moderno. Ao contrário o direito pretende
as ciências da compreensão e não se pode negar a sua dimensão
hermenêutica.83
Percebe-se que o Direito não pode ser compreendido somente pela
perspectiva dogmática, tampouco pode ser dissociado da realidade do nosso
tempo, no entanto, pertence à dimensão hermenêutica, pois sustenta a ciência da
81
CASTANHEIRA NEVES, Digesta: escritos acerca do Direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros, 1995. p. 222
82 ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Uma resposta culturalmente humana a um problema
também humano: a crise da jurisdição e a emergência do Direito como plataforma civilizacional. In:
TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF. (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional., 2013. p. 253-254
83
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 253
32
compreensão. E este é o grande desafio do nosso tempo! Dar sentido ao “direito”
o que nos remete ao “sentido da jurisdição”.
Visualizando uma alternativa para o Direito, Castanheira Neves traz
uma perspectiva histórica, na qual “o Direito é só uma resposta possível para um
problema necessário”, dessa forma, [...] “o Direito só será uma solução possível”
desde que se confirme algumas condições denominada pelo autor condições
“constitutivas emergente do Direito”.84
Assim, as condições constitutivas emergentes do Direito dependem
“[...] de que o homem se assuma como sujeito ético mediante o seu próprio
reconhecimento como pessoa [...]”.
Nesse contexto, “as duas primeiras
condições não dependem do homem-são expressões ‘naturais’ da existência
humana no mundo”, entretanto, a terceira condição “já depende dele, pois é
função de como o homem se compreenda e reconheça-sendo certo que não se
trata agora de realidade, mas de valor”. 85
Ao mencionar as condições constitutivas do Direito, percebe-se que o
homem deve reconhecer-se como pessoa, levando em conta o seu caráter ético.
É a compreensão do homem pelo “valor”, entretanto, somente a terceira condição
depende do homem, as duas primeiras dizem respeito à própria existência
humana.
Para Espindola:
O direito é, portanto caracterizador de certa forma de vida – de
certa cultura ou civilização-, apresentando-se apenas como uma
possibilidade, e não como uma necessidade – a ser assumida. A
decisão pelo Direito, segundo o pensamento de Castanheira
Neves, é a decisão pela instauração do humano como pessoa.
Portanto, tem-se que o Direito não é qualquer institucionalização,
mas a institucionalização de certa índole, na qual o homem se
reconhece não apenas como o destinatário, mas verdadeiramente
como o sujeito do Direito. Trata-se, portanto, de uma alternativa
humana, nos termos de Castanheira Neves. O que implica na
84
CASTANHEIRA NEVES, Digesta: escritos acerca do Direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros, 1995. p. 299
85 CASTANHEIRA NEVES, Digesta: escritos acerca do Direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros, 1995. p. 299
33
conclusão de que o Direito é, parafraseando Hannah Arendt, “o
direito ao direito”. 86
Nesse contexto, o Direito representa uma forma de vida, de cultura,
expondo-se apenas como uma possibilidade e não como necessidade. Tem-se a
referência do humano como pessoa, que se reconhece como sujeito do Direito, o
qual passa a ser uma alternativa humana.
Comenta Espindola:
O direito é uma “resposta culturalmente humana” ao problema
também humano “da convivência no mesmo mundo e num certo
espaço histórico-social”; ele não é um dado, mas antes, é
“constituído por exigências humano-sociais particulares” e,
portanto, sua validade é continuamente constituída pela práxis,
pois o direito é, diferentemente convocado e, nessa convocação,
problematizado
pelo
homem
concreto
que
vive
e
comunitariamente convive os acontecimentos práticos (volvidos
em casos e acontecimentos práticos) da inter-acção histórico
social”. Desse modo, o “Direito é, na verdade, a alternativa
humana nesta nossa circunstância, em que ele já pode ser
concebido como alternativa”. 87
Nesse sentido, sendo o Direito uma possível solução para os
problemas humanos, que emergem por meio de casos práticos, e de seu contexto
histórico social, o Direito passa a referir-se como uma alternativa humana.
Cabe mencionar que a crise que incide sobre o Direito (ceticismo e
dogmatismo) põe “em risco o próprio homem e sua cultura, na medida em que,
não sendo necessário [...], pode deixar de ser assumido e afirmado como a
resposta para o problema universal da convivência”. 88
Nesse sentido, ao percebermos o Direito como alternativa, estamos, de
certa forma, abandonando-o, e esse abandono reflete também o contexto
histórico e cultural da convivência comunitária.
86
ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Uma resposta culturalmente humana a um problema
também humano: a crise da jurisdição e a emergência do Direito como plataforma civilizacional. In:
TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF. (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional, 2013. p. 252-253
87
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 253
88
ESPINDOLA, In: TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF, (Org.). Direito, Democracia e
Sustentabilidade, 2013. p. 254-255
34
Segundo Castanheira Neves:
E não somente por que há sempre duas maneiras de construir uma
estrada- para usarmos o impressivo símile de ALBERTO MORAVIA.
Uma maneira humana, aquele que vê na estrada um instrumento de
valor muito relativo ao serviço do homem que, por isso mesmo, haverá
de adaptar-se `a paisagem humana em que vai ser implantada, sem
sacrificar não apenas as comunidades instaladas na região, mas as
próprias aquisições estéticas e os monumentos e ruínas da história;
outra a maneira racional ou da violência – pois, diz MORAVIA, “o único
meio verdadeiramente racional é a violência” -, aquele que se vê
projectado da estrada um fim em si procurará construí-la “do modo mais
rápido, mais rectilíneo e mais expedito que seja possível sem considerar
seja o que for senão ela”. Não somente, dizíamos porque há sempre a
possibilidade de escolher entre uma forma humana e uma forma
puramente racional de construir o progresso. 89
De fato, há sempre mais de uma possibilidade para construção de algo.
Quando se escolhe a possibilidade humana, relevante seria o valor como
instrumento, bem como o contexto histórico vivenciado, se a opção for pelo
racional a preocupação será em considerar a forma mais rápida; que se prolonga
em linha reta. Eis as duas formas para construção do progresso que se apresenta
hoje como um desafio.
Pode-se inferir que a projeção para um futuro possível para o Direito, e
consequentemente para a jurisdição, tem nas palavras de Espindola o seguinte
sentido:
[...] é a matriz axiológica que justifica o Direito naquilo que ele é e
naquilo que ele há de ser. Desse modo, as bases de uma
discussão que se programa a projetar um futuro possível para a
jurisdição, enquanto processo emancipador, não pode deixar de
tomar o homem-pessoa como sujeito, com autonomia e dignidade
éticas, e não como mero objeto da imperatividade do Direito.
Tampouco uma refundação da jurisdição, umbilicalmente ligada
ao Estado Democrático de Direito, não pode deixar de interrogarse sobre o sentido do Direito. São valores e princípios que dão
sentido a ordem e ao sistema de justiça– o Direito “não é,
portanto, uma qualquer ordem socialmente eficaz, mas a ordem
que tem seu fundamento nas valências éticas por mediação das
quais nos reconhecemos uns aos outros como pessoas, sendo
igualmente esse fundamento que legitima a obrigatoriedade que
ela nos dirige” - e viabilizam sempre uma integração das
diferenças, eis que, nessa ordem integradora, é possível que os
homens reconheçam-se uns aos outros como pessoas, e não
CASTANHEIRA NEVES, A. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito.
In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1998. p. 18
89
35
como meros objetos da imperatividade do Direito. Nessa
perspectiva está imbricada historicidade da cultura e Direito – não
podem inferir-se de qualquer pressuposto ontológico-metafisico,
pois tem um caráter histórico, constituindo respostas a problemas
postos pela prática.90
Percebe-se que o futuro da jurisdição depende necessariamente que
se reconheça o homem-pessoa como sujeito de direitos, bem como deve ser
percebida sua autonomia e dignidade ética, e não como objeto da imposição
legal. Há que ser levada em consideração a existência de valores e princípios
que dão sentido ao sistema, bem como a perspectiva histórica da cultura e do
Direito, o que implica compreendê-lo como uma “alternativa humana”.
Os modelos de jurisdição em Castanheira Neves para a realização do
Direito são: o normativismo-legalista (racionalista), o funcionalismo jurídico, e o
jurisprudencialismo. Dito isso, importante se faz trazer a interpretação dos
modelos abordados.
O normativismo-legalista trata-se de um modelo que traz a perspectiva
individualista do modelo liberal iluminista e do racionalismo, constituiu-se por uma
compreensão voltada para a autonomia humana, no entanto, acabou por reduzir o
direito à mera legalidade. Posteriormente, surge o funcionalismo jurídico, o qual
consiste em um sistema que a tudo funcionaliza e o Direito não ficou alheio a
essa funcionalização. Nesse modelo, o Direito passou a ser instrumento da
política, perdendo, por conseguinte, sua autonomia. Por fim, o último modelo, o
jurisprudencialismo, tem um contraponto entre os dois modelos, entre
normativismo-legalista e o funcionalismo jurídico, trazendo uma nova perspectiva
do “homem-pessoa”, por meio de juízos de valor, resgatando-se a convivência do
homem com seu Direito, um reconhecimento comunitário da própria pessoa e de
sua dignidade ética, ou seja, constata-se o reconhecimento da ciência jurídica
como a ciência da compreensão.
Portanto, na
contemporaneidade, marcada por um
tempo
de
constantes mudanças, e na tentativa de superar um modelo de jurisdição que
90
ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira. Uma resposta culturalmente humana a um problema
também humano: a crise da jurisdição e a emergência do Direito como plataforma civilizacional. In:
TRINDADE; ESPINDOLA; BOFF. (Org.). Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional., 2013. p. 255
36
não atende à realidade e aos anseios jurídicos, econômicos, sociais e culturais,
paradigma ora dominante normativista-legalista ou racionalista, bem como um
modelo que a tudo funcionalizou, sendo este o funcionalismo jurídico, conclui-se
necessária a ruptura de um paradigma que encontra-se superado, possibilitando
assim,
à jurisdição não somente atribuição de uma função repressiva,
reparatória e individualista, mas sob outra perspectiva, pode-se dizer coletiva e
preventiva.
Busca-se, dessa forma, um “sentido para o Direito”, o que nos remete a
um diferente “sentido da jurisdição”, Assim, pode-se dizer, a realização do “Direito
pelo Direito” teria então como possível resposta “o Direito como alternativa
humana”, o que pressupõe um novo olhar hermenêutico adequado à Constituição,
consolidando assim o Estado Democrático de Direito.
1.3 UM EMBATE ENTRE PROCEDIMENTALISMO E SUBSTANCIALISMO
Conferindo-se importância à crise do sentido do Direito e por
consequência
da
jurisdição,
calha
examinar
a
existência
da
corrente
procedimentalista que seria um contraponto ao substancialismo. Streck descreve
as correntes procedimentalistas91 e substancialistas92, comentando que embora
ambas reconheçam na justiça constitucional uma função estratégica nas
Constituições do pós-guerra, apresentam divergências. O autor comenta que
Habermas, ao sustentar a tese procedimentalista, critica com fervor
[...] a invasão da política e da sociedade pelo Direito. O paradigma
procedimentalista pretende ultrapassar a oposição entre os
paradigmas liberal/formal/burguês e o do Estado Social de Direito,
utilizando-se, para tanto, da interpretação da distinção entre
política e direito à luz da teoria do discurso. Parte da ideia de que
os sistemas jurídicos surgidos no final do século XX, nas
democracias de massas dos Estados Sociais, denotam uma
compreensão procedimentalista do Direito. Assim, no Estado
Democrático de Direito, muito embora Habermas reconheça a
importância da tarefa política da legislação, como crivo de
91“Habermas,
Garapon e Ely”. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica:
Perspectivas e Possibilidades de Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil.
Novos Estudos Jurídicos, v. 8, n. 2, p.257-301, maio/ago. 2003. p. 262
92 “Mauro Cappelletti, Bruce Ackerman, L.H. Tribe, M.J. Perry, H.H. Wellington, [...] no Brasil por
juristas como Paulo Bonavides, Celso Antonio Bandeira de Mello, Eros Grau, Fábio Comparato”.
STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 263
37
universalidade enquanto aceitabilidade generalizada por que têm
que passar as normas a serem genérica e abstratamente
adotadas, vê no Judiciário o centro do sistema jurídico, mediante a
distinção entre discursos de justificação e discursos de aplicação
através da qual releva ao máximo o postulado de Ronald Dworkin
da exigência de imparcialidade não só do executivo, mas,
sobretudo, do juiz na aplicação e definição cotidiana do Direito.93
Sobre a visão de Habermas e suas críticas, Streck explica que elas
envolvem a leitura substancialista do modelo construtivo do Direito de Dworkin.
Na teoria habermasiana, a existência de tribunais constitucionais não é
autoevidente, restringindo-se à Alemanha e aos Estados Unidos, gerando
controvérsias o seu lugar na estrutura de competências da ordem constitucional.94
Nesse sentido, a legitimidade de suas decisões rompe com o
comprometimento de concretização dos valores materiais constitucionais,
conduzindo-se pela ideia da realização de valores materiais, transformando-se
“numa instância autoritária”. Tem-se, então, na concepção de Habermas, uma
inversão de valores e a invasão da esfera de competência dos tribunais,
concretizações materiais em detrimento do agir orientado para fins cívicos, “[...]
tornando-se o juiz e a lei as derradeiras referências de esperança para indivíduos
isolados”. 95
Segundo Streck, a proposta de Habermas abrange “[...] um modelo de
democracia constitucional que não tem como condição prévia fundamentar-se
nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em
procedimentos”, os quais devem assegurar a formação democrática da opinião e
da vontade, exigindo uma identidade política não mais baseada em uma “nação
de cultura”, mas, em uma “nação de cidadãos”.96
93
STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 263
94 STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 263-264
95 STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 263-264
96 “Critica a assim denominada ‘jurisprudência de valores’ adotada pelas cortes europeias,
especialmente a alemã. Uma interpretação constitucional orientada por valores que opta pelo
sentido teleológico das normas e princípios constitucionais, ignorando o caráter vinculante do
sistema de direitos constitucionalmente assegurados, desconhece, [...] não apenas o pluralismo
das democracias contemporâneas, mas fundamentalmente a lógica do poder econômico e do
poder administrativo. A concepção de comunidade ética de valores compartilhados, que justifica o
38
No modelo weberiano, verifica-se a ênfase dada às normas no âmbito
das burocracias, e na concepção de Fiss é preciso atentar que as normas gerais
exercem um papel importante e inteiramente legítimo em todo o sistema jurídico,
portanto “a aderência às normas é exigida pela própria ideia de Estado de Direito
e pela máxima que insiste em um governo de leis e não de homens”.97
Para o autor, é preciso observar que há uma dependência gradual em
relação às normas gerais, podendo ser constatada na reprodução de normas
relativas a procedimentos uniformes, todavia, existem três fatores que podem
equilibrar este impulso.
Um deles é o compromisso ideológico com a justiça empírica, o
qual modela o conteúdo das normas gerais deixando-o
preferencialmente genérico e abrangente, de forma que seja
passível de diversas interpretações. Um outro é o papel dos
advogados, os quais possuem poder considerável para modelar e
controlar os procedimentos judiciais e constituem um grupo a
partir do qual os juízes são selecionados. [...] Um terceiro fator é a
relativa autonomia dos juízes que se situam nos níveis inferiores
da pirâmide. Apesar de os juízes de grau inferior estarem, em
termos formais, vinculados às normas gerais, a hierarquia entre os
juízes é, na verdade, tão fraca que eles podem, com frequência,
se desviar das normas gerais com pouco temor de censura.98
Em comento ao modelo weberiano, Arendt argumenta que ele “não
comporta o Judiciário norte-americano”. Pois, em seu trabalho, identifica que “a
modelo hermenêutico proposto pelos comunitários (ou substancialistas), parece desconhecer as
relações de poder assimétricas inscritas nas democracias contemporâneas. Com relação à função
da justiça constitucional, Habermas sustenta que o Tribunal Constitucional deve ficar limitado à
tarefa de compreensão procedimental da Constituição, isto é, limitando-se a proteger um processo
de criação democrática do Direito. Para ele, o Tribunal Constitucional não deve ser um guardião
de uma suposta ordem suprapositiva de valores substanciais. Deve, sim, zelar pela garantia de
que a cidadania disponha de meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos seus
problemas e a forma de sua solução”. STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica:
Perspectivas e Possibilidades de Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil,
2003. p. 263-264
97 “O problema, portanto, deve consistir no fato de o processo de decisão manifestar um excessivo
comportamento de submissão à norma ou uma excessiva rigidez”. FISS, Owen. Um novo
processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Tradução
Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
p. 175-177
98 FISS, Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e
sociedade, 2004. p. 178
39
burocracia não é tanto a noção weberiana de norma pelas normas quanto é
norma por ninguém”.99
Fiss além de demonstrar a burocratização na concepção de Webber e
Arendt enfatiza que uma das preocupações, inerentes ao exercício legítimo do
poder judicial centra-se “[...] na identificação dos tipos de texto a serem
compreendidos e das regras que regem o processo interpretativo [...]”. Ao juiz,
cabe interpretar o texto jurídico distanciando-se da moralidade e ou da opinião
pública, mas de forma que sua visão se amplie e se direcione ao “Direito e às
humanidades”. 100
Dworkin argumenta:
Em geral, os juízes reconhecem o dever de continuar o
desempenho da profissão à qual aderiram, em vez de descartá-la.
Então desenvolvem, em resposta a suas próprias convicções e
tendências, teorias operacionais sobre a melhor interpretação de
suas responsabilidades nesse desempenho. [...] suas
divergências são interpretativas. Divergem, em grande parte ou
em detalhes sutis, sobre a melhor interpretação de algum aspecto
pertinente do exercício da jurisdição.101
Para
Dworkin,
cada
juiz assume uma
posição
interpretativa
fundamentado em suas próprias convicções sobre “o sentido” ou o objetivo da
prática do Direito como um todo. Portanto, suas convicções são diferentes,
todavia, existem forças capazes de atenuar tais diferenças, inclusive conspirando
a favor da convergência, como por exemplo a natureza da interpretação, pois “[...]
a prática do precedente, que nenhum juiz pode ignorar totalmente em sua
“No mundo moderno, julgar necessariamente requer um compartilhamento do poder e da
responsabilidade pela decisão. O poder jurisdicional é exercido por meio da multiplicidade de
juízes. Podemos reconhecer esse fato e remanescermos preocupados com o vertiginoso
crescimento do número de juízes, porque ele macula o poder jurisdicional e tende a reduzir o
poder e a responsabilidade de cada juiz para com o direito. Reconhecidamente, não queremos
juízes para que projetem suas predileções pessoais; desejamos que se comportem como agentes
públicos, disciplinados pelas normas de seu ofício e profissão. [...] assuma total responsabilidade
por suas decisões, assinando acórdãos e revelando seu voto. [...] A responsabilidade é
compartilhada com a multiplicidade de outros juízes, com forças impessoais e mecanismos
inanimados que permeiam organizações complexas. A norma de ninguém triunfa”.
FISS, Um
novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade, 2004.
p. 179
100 “[...] a Constituição não é diferente de um poema ou de qualquer instrumento jurídico.
Generalidade e abrangência são características de qualquer texto.” FISS, Um novo processo
civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade, 2004. p. 274
101 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1999. p. 109
99
40
interpretação, pressiona pelo acordo; as teorias de cada juiz sobre o que
realmente significa julgar vão incorporar por referência [...] aspectos de outras
interpretações [...]” ocorridas na época. 102
Não obstante, Antoine Garapon enrijece suas críticas à invasão da
sociedade pelo Judiciário, fato que contribuiria para enfraquecer a democracia
representativa. Divergindo, portanto, “[...] não apenas da jurisprudência de
valores, como também de uma interpretação dirigida por princípios [...]”103, como é
a interpretação construtiva de Dworkin104.
Garapon comenta:
A justiça é objeto de uma súbita inversão de tendências: de
secundária, ela se torna de repente prioritária. O direito era
apenas a moral das relações frias, comerciais ou políticas; ele
tende agora a tornar-se o princípio de toda relação social. Nossos
“Além disso, os juízes refletem sobre o direito no âmbito da sociedade, e não fora dela; o meio
intelectual de modo geral, assim como a linguagem comum que reflete e protege esse meio,
exerce restrições práticas sobre a idiossincrasia e restrições conceituais sobre a imaginação.
“DWORKIN, O império do direito,1999. p. 110
103STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 264
104 Na concepção de Habermas: “A indeterminação de um processo de compreensão circular pode
ser reduzida paulatinamente pela referência a princípios. Porém, esses princípios só podem ser
legitimados a partir da história efetiva da forma da vida e do direito, no qual o próprio juiz se radica
de modo contingencial. Na visão do realismo legal da Escola do direito livre e da jurisprudência de
interesses, não é possível fazer uma distinção clara entre direito e política, lançando mão de
características estruturais. O direito passa a valer, então, como um instrumento do controle do
comportamento a ser acionado para fins racionais, isto é, fins políticos fundamentados
utilitaristicamente de acordo com o bem-estar econômico. Quando pressupomos um sistema
jurídico autônomo, que além disso se diferencia em regras primárias, determinadoras do
comportamento, e secundárias, que reproduzem auto-referencialmente normas, a validade das
prescrições jurídicas mede-se somente pela manutenção dos procedimentos juridicamente
prescritos da normatização do direito. A ligação da validade do direito à sua gênese não permite
uma solução simétrica do problema da racionalidade. A razão ou a moral são, de certo modo,
subordinadas a história. Por isso, a interpretação positivista da prática de decisão judicial faz com
que, no final das contas, a garantia da segurança jurídica eclipse a garantia da correção. Dworkin
sustenta a possibilidade e a necessidade de decisões consistentes ligadas as regras, as quais
garantem uma medida suficiente de garantia do direito. Contra o positivismo ele afirma a
possibilidade e a necessidade de “decisões corretas”, cujo conteúdo é legitimado à luz dos
princípios. No entanto, a referência hermenêutica a uma pré-compreensão determinada por
princípios não deve entregar o juiz à história de tradições autoritárias com conteúdo normativo; ao
contrário, esse recurso obriga-o a uma apropriação crítica de uma história institucional do direito,
na qual a razão prática deixou seus vestígios. Dworkin tem em mente os direitos que gozam de
validade positiva e merecem reconhecimento sob pontos de vista da justiça. Dworkin entende os
direitos subjetivos como “trunfos” num jogo, no qual os indivíduos defendem suas pretensões
justificadas contra abusos gerados por finalidades coletivas. A teoria dworkiniana dos direitos
apoia-se na premissa segundo a qual há pontos de vista morais relevantes na jurisprudência,
porque o direito positivo assimilou inevitavelmente conteúdos morais”. HABERMAS, Direito e
democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 248-253
102
41
contemporâneos o invocam para árbitro de seus conflitos mais
íntimos. Apesar de ter, no passado, se limitado a sancionar os
desvios de conduta, o juiz, hoje exerce um verdadeiro magistério
sobre as pessoas mais frágeis.105
Na visão de Garapon, o que era visto como uma ameaça à dissolução
dos laços sociais, agora passa a ser reconhecido como uma oportunidade de
socialização. Dessa forma, “a jurisdição passa a ser um modo normal de
governo”, no qual a exceção se firma como regra, e o processo enquanto
instrumento de solução de conflitos, torna-se um meio de administrar “[...] setores
inteiros, como a família ou a imigração”. Passa-se de uma concepção de justiça
negativa e punitiva para uma positiva e construtiva.106
Visando demonstrar o papel do Poder Judiciário em âmbito
constitucional, Streck explica a noção de Estado Democrático de Direito,
percebida mediante a valorização do Judiciário, principalmente em países como
Brasil. Em seu processo constituinte de 1986 a 1988, seguiu o modelo das
Constituições da Espanha e de Portugal, deixando evidente o caráter
compromissório e dirigente da Constituição; e daí advir consequências. 107
A noção referenciada pelo autor encontra-se vinculada à concretização
dos direitos fundamentais, tais como: igualdade, justiça social e a garantia dos
direitos humanos – fundamentais e sociais. Acopla-se a essa noção de Estado o
“conteúdo material das Constituições”, por meio dos direitos sociais-fundamentais,
os quais apontam para uma mudança do status quo da sociedade. Para o autor,
as políticas sociais advindas da ideia de Estado social, produziram uma autêntica
105
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Tradução Maria Luiza
de Carvalho. 2 ed. Rio de Janeiro, Revan, 1999. p. 49
106 “O direito não é mais o instrumento de conservação social, porém de sua contestação: ele se
coloca então como fonte de uma sociedade que se constitui na busca de si mesma. Essa inversão
de posição entre justiça e Estado traz pesadas consequências. Ao instaurar tal distância entre os
poderes públicos e a fonte de valores, a democracia é condenada a uma transformação
permanente que a distingue do Estado totalitário. Ao eleger a justiça como nova cena, a
democracia condena o direito positivo a um déficit permanente. O direito contemporâneo,
emancipado do Estado, excede sempre naquilo que lhe é estabelecido, e a justiça, notoriamente
constitucional, coloca-se como espaço de arbitragem permanente entre o ideal da vontade de
viver em sociedade e a dificuldade da ação política.” GARAPON, O juiz e a democracia: o
guardião das promessas, 1999. p. 49
107 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 150-151
42
institucionalização da moral no Direito. Tem-se, assim, que “a razão está em
Habermas, ao sustentar a co-originalidade entre Direito e moral.”108
Habermas interpreta que:
Direitos subjetivos não estão referidos, de acordo com seu conceito, a
indivíduos atomizados e alienados, que se entesam possessivamente
uns contra os outros. Como elementos da ordem jurídica, eles
pressupõem a colaboração de sujeitos, que se reconhecem
reciprocamente em seus direitos e deveres, reciprocamente referidos
uns aos outros, como membros livres e iguais do direito. Tal
reconhecimento recíproco é constitutivo para uma ordem jurídica, da
qual é possível extrair direitos subjetivos reclamáveis judicialmente. [...] a
doutrina do direito subjetivo começa quando os direitos morais subjetivos
se tornam independentes, os quais pretendem uma legitimidade maior
que a do processo de legislação política. O sentido garantidor da
liberdade deveria outorgar aos direitos subjetivos uma autoridade moral
independente da legalização democrática, a qual não poderia ser
fundamentada no âmbito da própria teoria do direito.109
A isso se contrapõe um desenvolvimento que culmina na subordinação
abstrata dos direitos subjetivos sob o direito objetivo, sendo que a legitimidade
deles se esgota, no final de tudo, na legalidade de uma dominação política,
interpretada em termos de um positivismo do Direito. Na medida em que a
“cultura” e as “estruturas de personalidade” são carregadas de modo idealista,
também o Direito, aliviado de seus fundamentos sagrados, passa a receber
pressão. 110
Na concepção de Habermas, os argumentos em prol da legitimidade do
Direito devem ser compatíveis com os princípios morais da justiça e da
solidariedade universal. E, ainda na medida em que as questões morais e éticas
“Habermas pretende, mais uma vez, diferenciar, por um lado, Direito e Moral, e, por outro,
reconstruir a relação de co-originalidade e de complementariedade entre eles. Segundo
Habermas, os direitos subjetivos com os quais se constroem ordens jurídicas modernas têm o
sentido de desobrigar os sujeitos de direito em relação a mandamentos morais, na medida em que
garantem espaço para o agir de acordo com as preferências dos agentes. A relação entre Direito e
Moral, para Habermas, é de complementariedade e não de subordinação. Essa relação de
complementariedade vale também para uma visão extensional. As matérias jurídicas são ao
mesmo tempo, mais restritas do que as questões moralmente relevantes, pois somente o
comportamento exterior é acessível ao Direito, e mais amplas, já que o Direito, como meio de
organização, não se refere apenas à regulamentação de conflitos interpessoais, mas também ao
cumprimento de programas políticos e demarcações políticas de objetivos. Assim, as questões
jurídicas tangenciam não apenas questões morais, mas também éticas e pragmáticas, bem como
o acordo de interesses conflitantes.” STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica,
2013. p. 150-151
109 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Tradução Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 121-122
110 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 122-133
108
43
se diferenciaram entre si, a substância normativa, filtrada discursivamente,
encontra
a
sua
expressão
na
dimensão
da
autodeterminação
e
da
autorrealização. Certamente os direitos e a soberania do povo não se deixam
subordinar linearmente a essas duas dimensões.111
Streck
refere-se
ao
motivo
de
se
opor
restrições às teses
procedimentalistas. No seu entendimento, há várias razões, primeiramente:
[...] quando Habermas opõe o paradigma do direito liberal/formal
burguês ao paradigma do direito do bem-estar (Estado Social),
dizendo que ambos estão superados, deixa de reconhecer a
existência de um terceiro paradigma, que é o modelo do Estado
Democrático de Direito e, com isso, corre o risco de objetificar a
Constituição. Com efeito, sua análise subestima o Direito naquilo
que é o seu plus normativo que ficou caracterizado exatamente no
constitucionalismo do pós-guerra, na fórmula instituída no e pelo
Estado Democrático de Direito, que supera as noções anteriores
de Estado Liberal e Estado Social de Direito, questão que é bem
definida, por exemplo, por autores como Elias Diaz. É evidente porque explicitamente presente nos seus textos - que Habermas
trabalha com a noção de Estado Democrático de Direito;
entretanto, não reconhece a necessária diferenciação que existe
entre o modelo do Estado Social de Direito e o modelo do Estado
Democrático de Direito, que, insisto, supera a noção de Estado
Social.112
Para o autor, ao trabalhar o texto constitucional somente no seu
sentido procedimental, “[...] abre-se espaço para o entulhamento (no sentido
hermenêutico-heideggeriano)”, comprometendo-se os direitos sociais e os direitos
111
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 122-133
Tem inicio assim, o problema: “Habermas cai em um certo sociologismo ao ignorar a
especificidade do jurídico presente nas Constituições, que gerou todo um processo de
revitalização do jurídico, naquilo que diz respeito à função social do Direito. O constitucionalismo
do Estado Democrático de Direito acrescenta um “mais” ao Direito do Direito do Estado Social,
porque estabelece no próprio texto constitucional - e esse é o ponto que Habermas deixa de
considerar – os diversos mecanismos para o resgate das promessas da modernidade. Ou seja, o
que diferencia o projeto do Estado Democrático de Direito é exatamente a revalorização do
jurídico, como contraponto a plenipotenciariedade da razão política que tantas seqüelas deixou.
Como bem assinala Diaz, o Estado Democrático de Direito aparece como superação real do
Estado Social de Direito. Assim, enquanto o modelo de Direito do Estado Social decorre de uma
crítica reformista do paradigma do direito liberal – e nisso Habermas tem plena razão -, o modelo
de Direito do Estado Democrático de Direito ultrapassa ambas as concepções. Na mesma linha,
se é verdade que ambos os paradigmas se ancoram em um mesmo conceito de autonomia
privada, Habermas não leva devidamente em conta a relevante circunstância de que o paradigma
do Estado Democrático de Direito se ancora em um modelo em que a resultante social que se
estabelece a partir da noção de cidadania advém de uma intersubjetividade, em que a relação
sujeito-sujeito supera a serôdia relação sujeito-objeto, ultrapassando o monadismo típico do
paradigma da autoconsciência.” STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas
e Possibilidades de Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 265-266
112
44
fundamentais. Corre-se, ainda, o risco de interpretar o Direito, no que diz respeito
aos valores substantivos constitucionais, como um mero mecanismo “[...] redutor
de complexidades, impedindo o aparecer do sentido transformador próprio do
paradigma do Estado Democrático de Direito”. Por fim, é preciso atentar para não
“[...] transformar o Direito Constitucional em um Direito Constitucional simbólico,
frustrando as expectativas exsurgentes do contrato social”.113
Dessa forma, para Streck, o substancialismo é entendido como
contraponto ao procedimentalismo. Trata-se de teses diferenciadas, todavia, a
questão só é considerada novidade no Brasil, no “constitucionalismo brasileiro”.114
Contudo, fazendo uma comparação entre Capepelletti115, o qual
“parece não ter superado o problema do protagonismo judicial e do
instrumentalismo processual, enquanto Dworkin assumiu uma postura que pode
ser caracterizada de substancialista; sendo procedente dizer que nem Dworkin 116,
nem Habermas assumiram uma postura favorável ao decisionismo.117
Tese da qual Streck mais se aproxima, quando trata da jurisdição
constitucional e de seu papel, por ser contrária a qualquer postura que remeta a
discricionariedades, desicionismos, enfim, vínculos com o “esquema sujeitoobjeto”.118
Não obstante, Gadamer referencia:
113
STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 268
114 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 162
115 De acordo com Capelleti: “[...] não existe clara oposição entre interpretação e criação do direito
[...]. De fato, o reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de
criatividade – ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade de total
liberdade ao intérprete. Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e o juiz,
embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador completamente livre
de vínculos. Na verdade, todo sistema jurídico civilizado procurou estabelecer e aplicar certos
limites à liberdade judicial, tanto processuais quanto substanciais.” CAPPELLETTI, Mauro. Juízes
legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1999. p. 23-24
116 “Precisamos começar a refinar a interpretação construtiva, transformando-a em um instrumento
apropriado ao estudo do direito enquanto prática social”. DWORKIN, O império do direito, 1999.
p. 81
117 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 162
118 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013. p. 162
45
Heidegger oferece uma descrição fenomenológica completamente
correta, quando descobre o suposto “ler” o que “lá está” a préestrutura da compreensão. Uma compreensão guiada por uma
consciência metódica procurará não simplesmente realizar
antecipações, mas, antes, torná-las consciente para poder
controla-las e ganhar assim uma compreensão correta a partir das
próprias coisas. Trata-se de buscar a atuação do intérprete, livre
de todo e qualquer som que não lhe permita ouvir o que o texto
quer dizer. Ou seja, são os preconceitos não percebidos os que,
com seu domínio, nos tornam surdos para a coisa de que nos fala
a tradição. A comprovação de Heidegger, segundo a qual no
conceito de consciência de Descartes e no espírito de Hegel
continua dominando a ontologia grega da substância, que
interpreta o ser como ser atual e presente. E, inversamente a isso,
Heidegger descobre a crítica kantiana à metafísica “dogmática” a
ideia de uma metafísica da finitude, na qual seu próprio projeto
ontológico deve ser validado. Desse modo, “assegura” o tema
científico introduzindo-o e pondo-o em jogo na compreensão da
tradição. 119
No sentido heideggeriano, a descoberta daquilo que cotidianamente
ocultamos trata-se de um “exercício da transcendência”120, esta deve se
concretizar
[...] de modo a percebermos que somos (Dasein) ao contrário de
apenas sermos, retomando a crítica ao pensamento jurídico
objetificador, refém, portanto, de uma prática dedutivista e
rompendo com esse paradigma, que impede o aparecer do direito
119
GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
405-406
120 “No projeto prévio de ser sempre ultrapassamos de antemão o ente. [...] Designamos esse ato
prévio de ultrapassagem do ente com a palavra de origem latina transcendere e denominamos a
ultrapassagem como transcendência. Transcendência é a possibilitação daquele conhecimento
que não transpõe de modo ilegítimo a experiência por meio do voo que conduz além, ou seja, que
não é “transcendente”, mas é possibilitador da experiência mesma. O transcendental certamente
fornece a definição restritiva. No entanto, por meio da própria restrição surge ao mesmo tempo a
definição positiva da essência do conhecimento não transcendente, isto é, do conhecimento ôntico
possível como tal. [...] a verdade pré-ontológica, ou seja, a compreensão projetiva do ser é como
tal uma compreensão do ser do ente, quer esse ente exista efetivamente de maneira fática ou não,
quer ele seja por si subsistente ou não. Inversamente, a experiência do ente, a verdade ôntica, só
é uma tal experiência em uma compreensão de ser. Verdade ôntica e verdade ontológica
encontram-se em uma conexão originária – correspondente à diferença entre ser e ente. Essas
não são duas esferas estabelecidas simplesmente uma por meio da outra “e” uma ao lado da
outra, mas o problema é a unidade específica e a diferença entre elas em sua implicação
recíproca. Eles mesmos, ou seja, esses que são diferenciados nessa distinção, só podem ser
concebidos em sua essência a paretir do que essa diferenciação como tal possibilita. Em outras
palavras: a transcendência não é apenas a possibilidade interna da verdade ontológica e também,
indiretamente, da verdade ôntica, mas é justamente a condição de possibilidade desse “e também”
da conexão entre eles; sim, ela é a condição de possibilidade da diferenciação entre ser e ente, da
diferenciação em função da qual podemos de algum modo falar em ontologia”. HEIDEGGER,
Martin. Introdução à filosofia. Tradução de Marco Antônio Casanova. São Paulo: Martins Fontes,
2008. p. 223-225
46
naquilo que ele tem – ou ao menos devia ter – de transformador.
121
A hermenêutica deve ensinar a usar corretamente a razão na
compreensão da tradição. Nem a autoridade, nem o apelo à tradição podem
tornar supérflua a atividade hermenêutica, cuja tarefa é defender o sentido
razoável do texto.
A descrição e a fundamentação existencial do círculo hermenêutico,
devidas a Heidegger, representam uma mudança decisiva. Segundo essa teoria,
o movimento circular da compreensão vai e vem pelos textos, e quando a
compreensão destes se completa, ele é suspenso. Heidegger, pelo contrário,
descreve esse círculo de uma forma tal que a compreensão do texto se encontra
determinada, continuamente, pelo movimento de concepção prévia da précompreensão. O círculo do todo e das partes não se anula na compreensão total,
mas nela alcança sua mais autêntica realização.122
O círculo não é de natureza formal, nem objetivo, nem subjetivo,
porém a compreensão como a interpretação do movimento da
tradição e do movimento do intérprete. A antecipação do sentido,
que guia a nossa compreensão de um texto, não é ato da
subjetividade, já que se determina a partir da comunhão que os
une com a tradição. A primeira de todas as condições
hermenêuticas é a pré-compreensão que surge do ter de se haver
com a coisa em questão. A partir daí determina-se o que pode ser
realizado como sentido unitário, e, com isso, a aplicação da
concepção prévia da perfeição.123
A hermenêutica tem de partir do fato de que quem quer compreender
está vinculado com a coisa em questão que se expressa na transmissão e que
tem ou alcança uma determinada conexão com a tradição a partir da qual a
transmissão fala. Por outro lado, a consciência hermenêutica sabe que não pode
estar vinculada à coisa em questão, ao modo de uma unidade inquestionável e
natural, como se dá na continuidade ininterrupta de uma tradição.124
121
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 223-225
GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
439
123 GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
441
124 GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
417
122
47
Refletindo-se que tal entendimento implica elevar ao primeiro plano o
que na hermenêutica anterior ficava à margem, com a distância de tempo e seu
significado para a compreensão, como diz Gadamer.125
É preciso observar, de fato, que o Direito contemporâneo caracterizase pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, onde
desfruta não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de
uma supremacia material, axiológica, a qual é compreendida como uma ordem
objetiva de valores e como um sistema aberto de princípios e regras. A
Constituição transforma-se, assim, no filtro por meio do qual se deve ler todo o
Direito
infraconstitucional.
Esse
fenômeno
tem
sido
designado
como
constitucionalização do Direito, uma verdadeira mudança de paradigma que deu
novo sentido e alcança ramos tradicionais e autônomos do Direito, como o civil, o
administrativo e o processual.126
Essa
constitucionalização
do
Direito,
como
já
observado,
é
potencializada por algumas características vinculadas ao contexto filosófico do
pós-positivismo,
fundamentalmente
pela
ideia
de
direitos
fundamentais;
desenvolvimento da nova hermenêutica; normatividade dos princípios; abertura
do sistema e a teoria da argumentação, a qual tem tornado o debate jurídico atual
instigante.127
Nele, tem-se colocado temas que podem definir o futuro da
Constituição. Cabe destacar, nesse contexto, como alguns exemplos, o papel do
Estado e suas potencialidades como agente de transformação e de promoção dos
direitos
fundamentais;
a
legitimidade
da
jurisdição
constitucional
e
da
judicialização do debate acerca de determinadas políticas públicas; a natureza
substantiva ou procedimental da democracia e o conteúdo das normas
constitucionais que a concretizam. 128
125
GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 443
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 108-109
127 BARROSO, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo, 2014. p. 109
128 BARROSO, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo, 2014. p. 109
126
48
Acrescenta Streck129 que a noção de um modelo de Direito, Estado
Democrático de Direito, leva em conta a noção de Constituição como conteúdo
jurídico.
Para Habermas130, uma compreensão procedimentalista consequente
da Constituição aposta no caráter intrinsecamente racional das condições
procedimentais que apoiam a suposição de que o processo democrático, em sua,
totalidade, propicia resultados racionais. Num modelo de discurso mais abstrato, a
amarração do indivíduo à intersubjetividade de uma estrutura preliminar de
entendimento possível fica mantida.
Porém, somente na perspectiva modificada da teoria da democracia é
possível desativar completamente as dúvidas empiricamente motivadas contra um
conceito discursivo de política deliberativa. 131
Streck132 afirma que Habermas tem absoluta razão quando diz que “a
moral está institucionalizada no Direito, sendo co-originária ao Direito”.
A corrente substancialista entende que o Judiciário precisa assumir o
papel de um intérprete, evidenciando, mesmo contra maiorias eventuais, a
vontade geral implícita e/ou explícita no direito positivo, essencialmente nos textos
constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua
cultura de origem. “Coloca, pois, em xeque o princípio da maioria, em favor da
maioria fundante e constituinte da comunidade política”. 133
Observa-se que o procedimentalismo atua como uma espécie de
“método, ou como um instrumento que se encontra à disposição dos agentes
sociais, jurídicos e políticos, afastando-se do paradigma hermenêutico, esse
objetivo decorre do caráter universal da pragmática habermasiana, por isso
valorar-se a pré-compreensão enquanto condição do sentido”. 134
129
STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 169
HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 354
131 HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 354
132 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 169
133 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 164
134 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013. p. 172
130
49
Dessa forma, abordou-se o sentido do direito e por consequência a
crise da jurisdição fazendo reflexões sobre a jurisdição e seus limites, trazendo a
baila o embate entre procedimentalismo/ substancialismo, demonstrando que a
compreensão do direito exige um novo olhar hermenêutico que leve em conta a
historicidade e o tempo.
A base abordada até o presente momento demonstra a importância de
tratar sobre a possível resposta adequada em Direito, abrindo, para além/aquém
do ativismo, centrando-se na Constituição, no Direito e na democracia; bem como
se analisam teorias para uma interpretação do Direito diante da insuficiência do
paradigma dominante (racionalista) e aborda-se a hermenêutica para além/aquém
do ativismo e garantismo no capítulo a seguir.
50
CAPÍTULO 2
TEORIAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO: ALÉM/AQUÉM DO
ATIVISMO
O
segundo
capítulo
pretende
traçar
breves
reflexões
sobre
Constituição, Direito e democracia, bem como a teoria do direito diante da
insuficiência
do
paradigma
dominante
(racionalista),
e
a
interpretação
hermenêutica para além/aquém do ativismo.
Cabe salientar que as questões que conferem essencial importância à
decisão judicial recaem sobre a necessidade de garantir e concretizar os direitos
fundamentais. Nessa seara, a busca da resposta adequada em Direito necessita
da compreensão de seu sentido. Dessa forma, torna-se mister analisar, como diz
Streck, “[...] a crise do Direito, do Estado e da dogmática jurídica, e seus reflexos
na sociedade, a partir do papel da justiça constitucional nesse novo
paradigma”.135
Nessa perspectiva, é preciso analisar a “Teoria do Direito”, a “Teoria da
Interpretação” e a “Teoria Hermenêutica”, pois as decisões devem partir dos
princípios constitucionais e da implementação de direitos fundamentais,
exercendo, o Judiciário, papel de extrema importância para a consolidação do
Estado Democrático de Direito.
2.1
BREVES
REFLEXÕES
SOBRE:
CONSTITUIÇÃO,
DIREITO
E
DEMOCRACIA
Dentre as questões inerentes à decisão judicial, tem-se a interpretação
constitucional contemporânea, na qual, segundo Häberle, é preciso adotar uma
hermenêutica adequada à denominada sociedade aberta. Tal concepção exige
uma radical revisão da metodologia jurídica tradicional. Destaca o autor que não
existe norma jurídica, se não norma jurídica interpretada, ressaltando que
135
STRECK, Lenio Luiz. A jurisdição constitucional e o resgate das promessas da modernidade: a
permanência do caráter compromissário (e dirigente) da Constituição. Rev. TRT - 9ª R. Curitiba, v.
29, n.52, p.17-53, Jan./Jun., 2004
51
interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo
na realidade.136
Assim, a interpretação constitucional contemporânea torna-se parte do
direito de participação democrática. Essa é a sua proposta para uma
democratização da interpretação constitucional, ou seja, para a hermenêutica
constitucional da sociedade aberta. Para tanto, baseia-se em indagações sobre
as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional e sobre os métodos,
processo de interpretação constitucional, regras de interpretação. A teoria da
interpretação de uma sociedade fechada reduz seu âmbito de interpretação, na
medida em que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos
juízes e nos procedimentos formalizados. Para o autor, uma teoria deve encarar o
tema “Constituição e realidade constitucional”, o que exige a incorporação das
ciências sociais e teorias jurídico-funcionais, bem como métodos de interpretação
voltados para o entendimento do interesse público e do bem-estar geral. “Há que
se perguntar de forma mais decidida sobre os ‘agentes conformadores da
realidade constitucional’”.137
Para Canotilho:
A concretização do Estado constitucional de direito obriga-nos a
procurar o pluralismo de estilos culturais, a diversidade de
circunstâncias e condições históricas, os códigos de observação
próprios de ordenamentos jurídicos concretos. [...] a domesticação
do domínio político pelo direito faz-se de vários modos e, por isso,
deveremos ter cuidado em identificar conceitos como Rechtsstaat,
136
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição.
Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997. p. 9-18
137 “O conceito de interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem
vive a norma acaba por interpreta-la ou pelo menos co-interpretá-la. Para uma investigação
realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode ser exigível um conceito mais
amplo de hermenêutica: os intérpretes constitucionais em sentido lato. Subsiste sempre a
responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a
interpretação. Se quiser, tem-se aqui uma democratização da interpretação constitucional. Aqui
não se cuida apenas da práxis estatal, mas também a relevância dessa concepção e da
correspondente atuação do indivíduo ou de grupos, configuram uma excelente e produtiva forma
de vinculação da interpretação constitucional em sentido lato ou em sentido estrito. Isto significa
que não apenas o processo de formação, mas também o desenvolvimento posterior, revela-se
pluralista: a teoria da ciência, da democracia, uma teoria da Constituição e da hermenêutica
propiciam aqui uma mediação específica entre o Estado e a Sociedade”. HÄBERLE,
Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição
para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição, 1997. p. 9-18
52
Rule of Law, État légal, não obstante todos eles procurarem
alicerçar a juridicidade estatal.138
Esse
entendimento
contextualiza
as
diversas
circunstâncias
e
condições históricas,“[...] o Estado só se concebe hoje como Estado constitucional
[...] submetido ao direito, um Estado regido por leis, um Estado sem confusão de
poderes”. Pois, o “[...] Estado de direito e Estado democrático [...] duas qualidades
surgem muitas vezes separadas”. Significa dizer que “[...] em Estado de direito,
omitindo-se a dimensão democrática, e alude-se Estado democrático silenciando
a dimensão de Estado de direito”. Todavia “o Estado constitucional democrático
de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de
direito.”139
Para Streck:
[...] torna-se fundamental discutir, para uma melhor compreensão
de toda essa problemática, o papel da Constituição e da jurisdição
constitucional no Estado Democrático de Direito, bem como as
condições de possibilidade para a implementação/concretização
dos direitos fundamentais-sociais a partir desse novo paradigma
de direito e de Estado. Parece que a inserção da Constituição na
noção de paradoxo – pelos “interesses” contraditórios que nasceu
para albergar – traz implícita a discussão da problemática tensão
entre legislação e jurisdição, pela simples razão de que a primeira
é fruto da vontade geral (majoritária) e a segunda coloca freios
nessa mesma vontade geral.140
Nesse sentido, cabe destacar a constitucionalização do Direito, a qual
é potencializada por algumas características vinculadas ao contexto filosófico do
pós-positivismo,
fundamentalmente
pela
ideia
de
direitos
fundamentais;
desenvolvimento da nova hermenêutica; normatividade dos princípios; abertura
do sistema e a teoria da argumentação, a qual tem tornado o debate jurídico atual
instigante.141
Na concepção de Espindola:
138
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 93
139 CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, 2003. p. 92-93
140 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 88-89
141 BARROSO, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo, 2014. p. 109
53
O peso da herança racionalista não permite que a estrutura do
direito processual se compatibilize com as exigências de um novo
contexto histórico, e as decisões judiciais deixam de concretizar
direitos, limitando-se tão somente a dizer os direitos, ficando entre
o dogmatismo do normativismo legalista e as arbitrariedades das
posturas procedimentalistas que têm se erguido para combater
aquele. Entre um extremo e outro, a Constituição não acontece no
direito processual civil e este, embora atenda à função para a qual
foi idealizado no berço do Estado Liberal, não altera a sua
estrutura para acompanhar as exigências do Estado Democrático
de Direito e sua sociedade.142
Para Garapon,143 “a justiça parece ser convocada não apenas como
um meio de cumprir a promessa democrática, mas também como uma maneira
de retardá-la [...]”, como se fosse perceptível que há um alto custo quando se
reflete sobre uma “democracia plena”144. Portanto, pertinente ponderar: o que é
Justiça e o que deve ser lavado em consideração?
A justiça é guardiã do direito, quer dizer, dos pactos anteriores aos
quais somos ligados. Ela garante a identidade da democracia,
entendida como uma forma que não permanece a mesma através
dos tempos, mas que se mantém como uma promessa feita. Quer
se trate de crime contra a humanidade, do sujeito de direito ou da
Constituição, o juiz exerce sua autoridade ao proteger a memória
dessa promessa inicial por tudo e contra tudo, inclusive contra a
vontade do titular em exercício da soberania nacional. [...] O juiz
seja constitucional ou judiciário, nada mais é do que o avalista
dessa promessa de liberdade feita por cada um. A autoridade
assegura a continuidade do sujeito de direito e, portanto, da
democracia. Ela Liga o presente ao passado. 145
Para Streck, em se tratando da justiça constitucional, observa-se um
elevado “grau de comprometimento com a manutenção do status quo”, motivado
142“Assumir
a defesa da jurisdição exige esse enfrentamento da atual problemática jurídicojurisdicional: diagnosticar a crise de paradigmas na qual a modernidade vê-se envolvida e os
grilhões que mantêm a jurisdição ainda presa a valores já incompatíveis com a
contemporaneidade, mas também arriscar uma proposta que possa superar as armadilhas do
paradigma racionalista e as idéias iluministas e liberais, revisando o papel do jurista para além do
modelo normativista ou funcionalista do direito. É preciso revisar as estruturas do direito
processual civil.” ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto
condição de possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de
estrutura ou função? (ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o
direito processual civil do estado democrático de direito?), 2008. p. 238-239
143 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Tradução Maria Luiza
de Carvalho. 2 ed. Rio de Janeiro, Revan, 1999. p. 173-174
144 “[...] ela o germe de sua própria dissolução [...], a ficção da igualdade absoluta fosse qualquer
coisa de insuportável, e a liberdade radical, algo desumano. O desaparecimento da autoridade,
não mais sustentada pelo Estado e pela tradição e tampouco pelos costumes, provoca a
comoção”. GARAPON, O juiz e a democracia: o guardião das promessas, 1999. p. 173
145 GARAPON, O juiz e a democracia: o guardião das promessas, 1999. p. 181-182
54
pela interpretação de que o “[...] Direito a partir do viés transformador que lhe foi
dado pelo Estado Democrático de Direito [...]” pode efetivar transformações “[...]
qualitativas e quantitativas [...] na sociedade”.146
Significa entender que além de “[...] assegurar os procedimentos da
democracia – que são absolutamente relevantes – é preciso entender a
Constituição como algo substantivo, porque contém direitos fundamentais,
sociais, coletivos [...]”, os quais foram pactuados como possíveis de realização.
Portanto, “há que se deixar assentado que o constitucionalismo dirigentecompromissório não está esgotado? A Constituição ainda deve constituir-a-ação
mormente porque, no Brasil, nunca constituiu”.147
Nesta esteira, menciona Streck,
No texto da Constituição de 1988, há um núcleo essencial, não
cumprido, contendo um conjunto de promessas da modernidade,
que deve ser resgatado (o ideal moral transforma-se em obrigação
jurídica). O problema é que, em países como o Brasil, formou-se
um silêncio eloquente acerca do significado da Constituição,
naquilo que ela tem de “norma diretiva fundamental”. Um dos
fatores que colabo(ra)ram para a pouca importância que se dá à
Constituição se deve ao fato que as Constituições brasileiras, até
o advento da atual, sempre haviam deixado ao legislador a tarefa
de fazer efetivos os direitos ou objetivos materiais contidos no
texto constitucional, que, com isso, se transformava, porque assim
era entendida, em mero programa, uma mera lista de propósitos.
E o grau de utilização histórica da jurisdição constitucional pode
ser aferido de acordo com essas demandas.148
O constitucionalismo democrático e seu processo de concretização
torna-se essencial para a “[...] efetividade do seu sistema de direitos fundamentais
[...]”, a capacidade de controle, tanto por parte da sociedade como de todas as
esferas de poder, pois somente, assim garante-se “o valor dignidade da pessoa
humana”. A “[...] dimensão objetiva do sistema de direitos constitucionais [...] será
tanto mais efetiva quanto maior for a eficácia normativa da constituição [...]”, o que
fica na dependência, também, “[...] da operosidade das instituições encarregadas
do seu cumprimento”. Quanto ao Poder Judiciário, nesse contexto, lhe é atribuída
146
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas. 5
ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 179
147 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 179
148 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 179
55
a “[...] qualidade de último intérprete da Constituição – já que aqui prevalece o
sistema jurisdicional de controle da constitucionalidade – papel proeminente”.
Dessa forma, é possível afirmar que “[...] o constitucionalismo democrático
brasileiro defende uma jurisdição constitucional que atue como regente
republicano das liberdades positivas”.149
Para Dworkin,
Existem duas doutrinas conexas que sustentam, a partir desses
fatos, que os juízes não estão interpretando o direito, mas
inventando um novo direito. De acordo com essas doutrinas, as
interpretações judiciais são, na verdade, partes de legislação
fundamental que, uma vez estabelecidas por uma decisão judicial
no mais alto nível, não podem ser mudadas por um parlamento
majoritário. As duas doutrinas conexas são uma teoria do direito –
o positivismo jurídico – e uma tese filosófica – o ceticismo moral
arquimediano. O positivismo jurídico (na sua forma mais estrita)
defende que o direito consiste nas decisões das autoridades
políticas ou de outras pessoas às quais foram dados poderes de
criar direitos por convenções sociais da comunidade em questão.
Se o positivismo for sólido como uma teoria geral do direito, então
o controle de constitucionalidade deve ser um poder constituinte
disfarçado, já que nenhuma autoridade política ou qualquer outro
alguém com poderes convencionados de criar direitos teria
decidido se, por exemplo, a cláusula da igual proteção proíbe
pagar às mulheres menores salários pelo mesmo trabalho ou a
cláusula do devido processo proíbe fazer do aborto crime.
Contudo, o positivismo jurídico é uma interpretação inadequada
da prática jurídica, não somente em casos constitucionais, mas
em geral. Ele ignora o fato de que tratamos como direito não
apenas o que as autoridades políticas declararam, mas os
princípios subjacentes ao que elas declararam, tenham eles
reconhecido esses princípios, intentado estabelecê-los ou não. O
direito é uma questão de integridade e não somente de decretos.
Com isso, o positivismo jurídico não pode sustentar a pretensão
de que o constitucionalismo é antidemocrático, porque ele é uma
má teoria do direito.150
Segundo Streck151, o positivismo jurídico foi construído no decorrer da
modernidade como consequência do denominado jusnaturalismo. O autor faz
referência a Arthur Kaufmann e a Castanheira Neves, para explicar “[...] que o
positivismo jurídico representa uma consequência ou a consagração dos ideais
149CITTADINO,
Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação dos
poderes. In: VIANNA, Luiz Werneck. (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo
Horizonte: Editora UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. p. 34
150 DWORKIN, O império do direito, 1999. p. 7-8
151 STRECK, Lenio Luiz. O direito como um conceito interpretativo. Pensar, Fortaleza, v. 15, n. 2,
p. 500-513, jul./dez. 2010. p. 502
56
jusnaturalistas, está-se a falar do jusnaturalismo moderno e não do jusnaturalismo
clássico (greco-medieval)”. Ressalta que o “[...] positivismo jurídico e Direito
positivo são coisas distintas”, pois “[...] o Direito positivo representa um conjunto
de normas jurídicas que regem uma determinada realidade social, geográfica e
historicamente determinada [...]”. Já o “positivismo jurídico” envolve “[...] uma
postura teórico-metodológica acerca do Direito positivo”.
Todas as doutrinas clássicas do Direito Natural conviveram com um
Direito positivo. A grande questão é que esse Direito positivo devia estar
enquadrado numa ordem objetiva de coisas encontrada na natureza. Já
no caso do positivismo jurídico que tem lugar na modernidade, sua
característica individualizante – registre-se, herança do nominalismo
medieval – e seu caráter de representação sistemática do mundo
acabarão por se opor ou simplesmente desconsiderar a existência de um
Direito Natural tal qual apresentado pelas doutrinas clássicas. De todo
modo, é possível afirmar que toda ideia de Direito natural professa um
conceito segundo o qual se compreende por Direito tudo aquilo que, no
seio do convívio humano, acontece de acordo com uma ordem de coisas
pressuposta (vale dizer: uma ordem de coisas natural). Ordem essa que
deve(ria) espelhar a harmonia e a perfeição encontrada em uma
determinada natureza.152
Castanheira Neves comenta “[...] a Constituição se impõe como o pacto
social e o estatuto-jurídico fundamental da comunidade que através dela se
institui em sociedade jurídica e se organiza em Estado”. Ademais, considera o
“Entre os gregos, a ideia de natureza que comandará o conceito de direito será a ordem
cosmológica; entre os medievais, essa ordem natural será remetida ao modo do ser perfeito:
Deus. Daí que, no primeiro caso, fala-se de um direito natural cosmológico, ao passo que, no
segundo, teríamos um direito natural teológico. O que interessa ficar ressaltado, para efeitos deste
artigo, é que, em ambos os casos, há uma certa ordem natural a determinar o conteúdo correto
(ou os critérios de correção) do Direito positivo, da lei humana; enfim, do conjunto de regras que
regem, geográfica e historicamente localizadas, o convívio em comunidade. Essa ordem natural,
obviamente, situa-se fora do tempo e fora da história: é transcendente e condiciona,
regulativamente, o Direito produzido em tempos e lugares determinados. Com o renascimento e a
modernidade ocorre uma transformação profunda no conceito de Direito que fora produzido pelas
doutrinas clássicas do jusnaturalismo. O modo como esses dois movimentos históricos passaram
a tratar de temas como a liberdade, a autonomia e a vontade afetarão, em toda sua amplitude, os
estudos sobre o Direito natural e a justiça. Isso porque o racionalismo antropocêntrico rejeitará
qualquer ideal de ordem que não seja colocado pela razão, isto é, pelo homem. Ou seja: dá-se um
manifesto afastamento com relação a qualquer determinação limitadora da liberdade ou da
autonomia individual que seja dada por realidades transcendentes. Assim, os pressupostos
naturais do Direito natural cosmológico e teológico serão rejeitados – por serem representativos de
uma ordem tradicional que deveria ser rompida – para que o sujeito moderno pudesse ser
reconhecido como auto-nomos (aquele que coloca sua própria lei, sua própria ordem). Esse é o
sujeito que “interdita”. E o faz pelo e por intermédio do Direito (pensemos, de pronto, em Thomas
Hobbes). Isso se deu a partir de uma ruptura com as estruturas do pensamento da tradição: tudo
que era dela oriundo passou a ser considerado dogmático; apenas aquilo que passasse pelo filtro
da razão é que teria validade. Em termos simples: para os clássicos, as premissas que
arquitetavam o cenário jurídico eram autoevidentes – dadas por uma determinada natureza – para
os modernos, as premissas são postas pelo sujeito racional.” STRECK, O direito como um
conceito interpretativo., 2010. p. 503
152
57
autor que “[...] pela constituição a comunidade a si mesma define nos seus
valores político-jurídicos fundamentais [...]”. Nesse sentido, “[...] o positivismo
jurídico dominante vem a postular o prius e o fundamento mesmo, do Direito o
teríamos unicamente na juridicidade constitucional”. Portanto, os “[...] valores
ético-sociais, os valores jurídicos e própria intenção do Direito a assumir pela
ordem jurídica ter-se-iam de encontrar apenas nas intenções materiais e nos
pressupostos formais expressamente prescritos na constituição.153
Espindola sustenta:
Em um Estado cujo perfil seja ativo, a exemplo do Estado social e
do Estado democrático de direito, a resolução de conflitos
subjetivos é pretexto para que seja possível encontrar a melhor
solução para um problema social. Deste modo, antes de investigar
sobre que tipo de jurisdição se pretende para uma determinada
sociedade, inevitável observar qual o perfil do Estado que se
possui. Isso implica dizer que o direito, para além do simples texto
de lei, tem sua substância moldada pela Constituição e que o juiz,
para além de um funcionário público e do objetivo de resolução de
um conflito intersubjetivo, é um agente de poder que, através da
interpretação/hermenêutica da lei e do controle da
constitucionalidade, faz valer os princípios constitucionais e o todo
o conteúdo inerente ao Estado democrático de direito que estão
sempre por trás de toda e qualquer lei. 154
Dessa forma, as decisões precisam “[...] partir dos princípios
constitucionais e da implementação de direitos fundamentais, exercendo, o
Judiciário, papel de extrema importância para a consolidação do Estado
Democrático de Direito”. Nesse sentido, é possível compreender que “[...] a
função nitidamente jurisdicional não se contenta com o modelo de solução de
controvérsias – de matriz eminentemente privada e individualista [...]”, muito
menos “[...] com uma jurisdição judicial (não jurisdicional) mas ultrapassa esses
modelos para atender o Estado democrático de direito, garantindo o acesso à
justiça [...]”, bem como “[...] proteção e promoção dos direitos fundamentais”.155
153
CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros., 1995. p. 233
154 ESPÍNDOLA, Angela Araujo da Silveira. A refundação da jurisdição e a concretização dos
direitos fundamentais. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.8, n.3, 3º quadrimestre de 2013. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica Acesso em: 12 fev., 2015. p. 2.110
155 ESPÍNDOLA, A refundação da jurisdição e a concretização dos direitos fundamentais., 2015. p.
2.110
58
Segundo Espindola:
[...] A questão deixa de ser como o direito pode ser logicamente
deduzido a partir da lei, da codificação, para ser “como o direito
pode ser hermeneuticamente compreendido a partir da viva
linguagem histórica”. O direito justo (a resposta certa) não se
oferece presente e pré-existente, como uma substância ou como
um estado – tal imagina o cientificismo, o racionalismo. Na
verdade, acontece antes historicamente num processo sem fim,
advém só num processo de compreensão, haja vista que inexiste
uma justiça objetiva do direito fora desse processo.156
Entendimento que se vincula à concretização dos direitos fundamentais
e encontra respaldo na igualdade, na justiça social e na garantia dos direitos
humanos – fundamentais e sociais. Liga-se a essa noção de Estado o “conteúdo
material das Constituições”, por meio dos direitos sociais-fundamentais, os quais
apontam para uma mudança do status quo da sociedade. As políticas sociais
advindas da ideia de Estado Social produziram uma autêntica institucionalização
da moral no Direito.157
Nesse contexto, para os operadores do Direito, trata-se
[...] de afirmar que o jurista, especialmente o juiz, deve firmemente
orientar sua atividade jurisdicional – que quando julga litígios de
natureza pública, quer quando decide conflitos intersubjetivos de
natureza privada - no sentido do horizonte traçado pela
Constituição, qual seja, repita-se, a edificação de uma sociedade
mais justa, livre e solidária, constituída sobre o fundamentalíssimo
pilar da dignidade de todos os seus cidadãos. Isso significa,
necessariamente, que a magistratura necessariamente deve ser
co-partícipe de uma política de inclusão social, não podendo
aplicar acriticamente institutos que possam representar formas
excludentes de cidadania.158
Embora
sejam
inúmeras
as
questões
que
envolvem
formas
excludentes de cidadania, como acesso à justiça, insegurança jurídica,
celeridade, dentre outros, o importante é observar que vem se revelando na
156
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 235
157 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 150-151
158 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do
direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Constituição, direitos fundamentais e
direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 55
59
sociedade, em ultima ratio, uma situação de perigo para a democracia.159
Faria explica que a “aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade das
diferentes normas em vigor”, sob um ponto de vista jurídico, são efetivas quando,
tecnicamente, podem ser aplicadas e exigidas dentro dos limites do sistema legal.
Sob um ponto de vista menos jurídico e mais sociológico, essas prescrições são
efetivas quando encontram na realidade socioeconômica as condições políticas,
culturais e ideológicas para sua aceitação e cumprimento por parte de seus
destinatários. Segundo o autor,
[...] essa distinção é bastante esquemática – na realidade, longe
de se excluírem, as duas definições de eficácia se justapõem:
deste modo, uma ordem jurídica não se torna apenas porque é um
sistema de regras internamente coerente, em termos lógicoformais, ou porque está sustentada no monopólio da força por
parte do Estado, graças às forças policiais encarregadas da
segurança pública; ela também se torna eficaz porque os
cidadãos incorporam em suas consciências a premissa de que
todas as diretrizes legais devem ser invioláveis. Sem a
“internalização” de um sentido “genérico” de disciplina e respeito
às leis, aos códigos e às normas, a eficácia de uma ordem legal
acaba sendo seriamente comprometida, independentemente do
poder repressivo do Estado que a impõem.160
Assim, a questão da efetividade do Direito precisa ser examinada
dentro de uma perspectiva histórica mais ampla, pois o desejo de estabilidade
jurídica e a reinvindicação de reformas sociais têm sido uma busca constante pela
sociedade. E, com esse intuito, muitas lutas têm sido travadas tanto em âmbito
público quanto privado. Nessa esteira,
[...] o Direito deixa de ser apenas um mecanismo de conservação
do existente, [...] ele também pode ser instrumento de Justiça, de
equilíbrio contratual e de inclusão social na sociedade atual,
instrumento de proteção de determinados grupos na sociedade,
de garantia à dignidade da pessoa humana, do combate ao abuso
do poder econômico e combate a toda a atuação que seja
contrária à boa-fé no tráfico social e no mercado. O direito, assim,
pode ter uma função emancipatória, que historicamente lhe foi
sonegado. Basta que o intérprete disso se conscientize e preste
159
SENA, Adriana Goulart. Formas de resolução de conflitos e acesso à justiça. Rev. Trib. Reg.
Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.46, n.76, p.93-114, jul./dez., 2007. p. 109-110
160 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 106-107
60
sua adesão ao programa transformador da Constituição brasileira
em vigor.161
Na concepção de Faria162, as lutas políticas e os impasses
institucionais não passam de esforços e tentativas frustradas para tornar real o
que as Constituições asseguram formalmente ser direito dos cidadãos.
Segundo Faria, é preciso:
[...] emergir um direito original e legítimo, voltando mais a
questões de justiça substantiva do que a problemas de legalidade
e propiciando um diálogo mais aberto entre os operadores do
sistema jurídico e seus usuários, diálogo esse de cujas sínteses –
as sentenças judiciais – seria possível extrair-se um espírito
sempre renovado capaz de impedir a estagnação cultural e
motivar uma atuação profissional transformadora, cabe a uma
magistratura com um conhecimento multidisciplinar, poderes
decisórios ampliados e um processo mais flexível uma dupla
responsabilidade: tornar menos vaga e mais precisa uma ordem
jurídica ambivalente e reformular – por via jurisprudencial e a partir
das próprias contradições sociais – os conceitos fechados e
tipificantes dos sistemas legais vigentes. Tal responsabilidade não
pode ser subestimada pela magistratura, sob pena de acabar
vendo esgotadas, de modo progressivo, tanto a operacionalidade
quanto o próprio acatamento de suas decisões em face da
expansão dos conflitos coletivos. 163
Prossegue o autor destacando que é preciso atentar a um novo
[...]
risco
que
entreabre
a
possibilidade
de
uma
“desinstitucionalização” progressiva do Judiciário, na medida em
que esse esgotamento de sua operacionalidade e esse desacato
a suas decisões por parte de grupos profissionais e de
movimentos sociais aumentaria ainda mais a concorrência de
espações e loci mais eficientes na resolução formal ou mesmo
informal dos conflitos sociais, como é o caso da crescente
intermediação política do Executivo nas ocupações de fábricas por
trabalhadores, apropriações dos órgãos públicos responsáveis por
serviços básicos no campo da saúde, transportes e energia por
seus
próprios
funcionários
e
greves
deflagradas
independentemente dos procedimentos normativos exigidos pelas
leis que as regulamentem.164
Percebe-se a importância de assumir um compromisso ético-jurídico
para efetivar a democracia por meio da “[...] administração da justiça, uma vez
161
FACCHINI NETO, In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Constituição, direitos fundamentais e
direito privado, 2003. p. 54-55
162 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 107
163 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 108
164 FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 108-109
61
que os tribunais não constituem, nos dias de hoje, apenas um importante espaço
de luta para os movimentos sociais e populares emergentes”.165
Os tribunais, como toda ordem jurídica, por sua própria natureza
ambivalente, consagram a um só tempo as diferentes formas de discriminação
existentes e algumas concepções normativas propostas por grupos políticos
efetivamente empenhados com a reintrodução do próprio direito positivo no
interior das relações sociais, “[...] na medida em que os juízes podem exercer um
papel fundamental na adequação de novos procedimentos formais à formulação
de uma nova vontade coletiva – isto é, à produção de um novo sentido de
ordem”.166
Na concepção de Moreira, um procedimento jurídico precisa:
[...] compor-se de tal modo que sua abertura para a vontade
democrática dos cidadãos assuma ares institucionais, isto é,
devem ser institucionalizados procedimentos que afastem a
contingência de decisões arbitrárias e que não permitam a
constituição de uma normatividade jurídica autopoiética. Sendo
injusta, a normatividade jurídica abre-se para dois caminhos: o
primeiro, permanecer injusta e aí ela deixa de ser uma ordem
legítima e passa a constituir-se como arbítrio, violência. O
segundo, atrelar ao conceito de direito a possibilidade de que sua
normatividade seja fruto não da vontade democrática dos
cidadãos, mas do arbítrio e da violência. Criva-se nessa
normatividade, a abertura para a falibilidade e com isso, a
presunção de que preceitos jurídicos possam ser revistos,
revogados.167
Interpreta-se que no momento em que a Constituição corre o risco de
ser descaracterizada e o Judiciário desinstitucionalizado, o Direito, por
consequência, perde o seu sentido, o que demonstra a importância de abordar a
teoria do Direito diante da insuficiência do paradigma dominante, temática à qual
dedica-se o item seguinte.
165
FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 107
FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 107
167
MOREIRA, Luiz. A fundamentação do direito em Habermas. Belo Horizonte:
Mandamentos/Fortlivros, 1999. p. 166-167
166
62
2.2 A TEORIA DO DIREITO DIANTE DA INSUFICIÊNCIA DO PARADIGMA
DOMINANTE
Faria argumenta sobre a importância de “[...] colocar em novos termos
a tradicional e importante questão da efetividade jurídica tal como tem sido
comumente formulada no âmbito da Teoria do Direito”, pois, “[...] segundo os
teóricos do Direito, a eficácia de uma ordem legal pode ser definida como o poder
de produzir efeitos jurídicos concretos na regulação de situações, relações e
comportamentos previstos por seus códigos e leis”. Nesse sentido, “[...] a eficácia
diz assim respeito a aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade das diferentes
normas em vigor [...]”, sendo que, juridicamente, as referidas normas “[...] são
efetivas quando, tecnicamente, podem ser aplicadas e exigidas dentro dos limites
do sistema legal”.168
Streck, contribuindo para esse entendimento, traz a lume o papel dos
intérpretes do Direito, objetivando demonstrar a “[...] necessária desconstrução de
uma tese de que vem servindo base, de há muito, para a caracterização dos
modelos de Direito e de juiz nos diversos e diferentes equívocos na teoria do
Direito”. O autor refere-se ao texto intitulado “Júpiter, Hércules, Hermes: três
modelos de juiz”, de François Ost, em que a proposição centra-se numa espécie
de “juiz-pós-moderno-sistêmico”, no qual
[...] (Hermes) que atuaria em rede e superaria, com grande
vantagem, os “modelos anteriores”. Com efeito, para Ost,
basicamente a teoria do direito trabalha com dois modelos de juiz,
que também simboliza(ria)m “modelos de direito” (Júpiter e
Hércules). O primeiro representaria o modelo liberal legal, de
feição piramidal-dedutivo, isto é, sempre dito a partir do alto, de
algum “monte Sinai”; esse direito adota a forma de lei e se
expressa em forma de imperativo, vindo a ser representado pelas
tábuas da lei ou códigos e as Constituições modernas, sendo que
dessa parametricidade é que são deduzidas as decisões
particulares.169
No que se refere ao modelo herculeano, a figura do juiz é interpretada
como “única fonte do Direito válido”, o que significa
168
FARIA, Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais, 1992. p. 106-107
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 102103
169
63
[...] uma pirâmide invertida, no dizer de Ost. É Dworkin quem, no
dizer do autor, ao revalorizar até o extremo a figura do juiz
moderno, atribui-lhe as características de Hércules. Embora diga
que não pretende “equiparar” a tese de Dworkin aos realistas ou
pragmatistas. Ost termina por colocar no Hércules dworkiano os
“defeitos” que caracterizariam o juiz “monopolizador da jurisdição”
no modelo de direito do Estado Social, em que o direito “se reduz
ao fato”, enfim, à indiscutível materialidade da decisão. Esse juiz
propiciaria um decisionismo, a partir da ploriferação de decisões
particulares. 170
Como antítese, “[...] Ost apresenta um tertius genus, o juiz Hermes,
que adota a forma de rede nem um polo, nem dois, isto é, nem a pirâmide e nem
o funil, e tampouco a superposição dos dois senão uma multiplicidade de pontos
de inter-relação [...]”, ou seja,
[...] um campo jurídico que analisa como uma combinação infinita
de poderes, tanto separados como confundidos, amiúde
intercambiados; uma multiplicação dos atores, uma diversificação
de regras, uma intervenção de réplicas; tal circulação de
significados e informações não se deixa aprisionar em um código
ou em uma decisão: expressa-se sob a forma de um banco de
dados. Assim, segundo Ost, o direito pós moderno, o direito de
Hermes, é uma estrutura em rede que traduz em infinitas
informações disponíveis instantaneamente e, ao mesmo tempo,
dificilmente matizáveis. Trata-se, em síntese, de uma teoria lúdica
do direito. O juiz Hermes não é nem transcendência nem
imanência; encontra-se em uma e outra dialética ou
paradoxalmente (uma e outra).171
Nessa esteira, argumenta Espindola:
Uma jurisdição que se pretende democrática, apta a receber a
tutela preventiva, precisa desconstruir os modelos de juízes,
embora tenha neles – os juízes – forte aliados para viabilizar sua
construção e consolidação em sintonia com os ideais do
paradigma do Estado Democrático de Direito, superador do
modelo liberal. Toda decisão judicial é uma opção ética que,
portanto, mostra-se incompatível com a passividade de Júpiter,
com o ativismo de Hércules e com a performance de Hermes. Os
juízes não são deuses, não atendem a modelos ou fórmulas
padrões, são homens de carne e osso que assumem a
responsabilidade ética e constitucional que o Estado Democrático
de Direito lhes confere. Não se pretende declarar a livre criação
judicial do direito, tampouco uma rebelião do juiz contra a lei.
Igualmente, não se afirma que a lei admite uma interpretação
ilimitada (sem limites) ou que está aberta ao ativismo judicial. A
lei, sobretudo a Constituição, na tradição romano-canônica, é
170
171
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 103
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 103
64
instrumento de regulação social e continua sendo a expressão do
princípio democrático.172
Nesse sentido, torna-se mister avaliar que, para preencher a função
socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do
Direito, os juízos emitidos têm que satisfazer simultaneamente às condições de
aceitabilidade racional e da decisão consistente. E a passagem da perspectiva
histórica para a sistemática acontece explicitamente quando a justificação interna
de um juízo apoiada em premissas dadas preliminarmente cede lugar à
justificação externa das próprias premissas.173
Segundo Habermas:
O problema da racionalidade da jurisprudência consiste, pois, em
saber como a aplicação de um direito contingente pode ser feita
internamente e fundamentada racionalmente no plano externo, a
fim de garantir simultaneamente a segurança jurídica e a
correção. A hermenêutica propõe um modelo processual de
interpretação. A interpretação tem início numa pré-compreensão
valorativa que estabelece uma relação preliminar entre norma e
estado de coisas, abrindo horizontes para ulteriores
relacionamentos. 174
Dessa forma, “a hermenêutica tem uma posição própria no âmbito da
teoria do Direito, porque ela resolve o problema da racionalidade da
jurisprudência através da inserção contextualista da razão no complexo histórico
da tradição”.
Ademais, “a indeterminação de um processo de compreensão
circular pode ser reduzida paulatinamente pela referência a princípios”. Todavia,
“[...] esses princípios só podem ser legitimados a partir da história efetiva da forma
da vida e do Direito, no qual o próprio juiz se radica de modo contingencial”.175
Na visão do realismo legal da Escola do direito livre e da
jurisprudência de interesses, não é possível fazer uma distinção
clara entre direito e política, lançando mão de características
estruturais. O direito passa a valer, então, como um instrumento
do controle do comportamento a ser acionado para fins racionais,
isto é, fins políticos fundamentados utilitaristicamente de acordo
172
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 232-233
173 HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 246
174 HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 247
175 HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 248
65
com o bem estar econômico. Quando pressupomos um sistema
jurídico autônomo, que além disso se diferencia em regras
primárias, determinadoras do comportamento, e secundárias, que
reproduzem auto-referencialmente normas, a validade das
prescrições jurídicas mede-se somente pela manutenção dos
procedimentos juridicamente prescritos da normatização do
direito. 176
A ligação da validade do Direito à sua gênese não permite uma solução
simétrica do problema da racionalidade. A razão ou a moral são, de certo modo,
subordinadas à história. Por isso, a interpretação positivista da prática de decisão
judicial faz com que a garantia da segurança jurídica fique à sombra da garantia
da correção.177
Dworkin posiciona-se pela possibilidade e necessidade de decisões
consistentes ligadas às regras, as quais garantem uma medida suficiente de
garantia do Direito, o que se contrapõe ao positivismo. Assim, ele afirma a
possibilidade e a necessidade de “decisões corretas”, cujo conteúdo é legitimado
à luz dos princípios. Entretanto, a referência hermenêutica a uma précompreensão determinada por princípios não deve entregar o juiz à história de
tradições autoritárias com conteúdo normativo; pelo contrário, esse recurso
obriga-o a uma apropriação crítica de uma história institucional do Direito, na qual
a razão prática deixou seus vestígios. Dworkin refere-se aos direitos que gozam
de validade positiva e merecem reconhecimento sob pontos de vista da justiça. 178
Tassinari, com base na lição de Streck, salienta:
A recepção de um ativismo judicial à brasileira [...] acabou
gerando uma série de problemas ao constitucionalismo no Brasil,
como: [...] a fragilização de uma teoria do direito voltada para as
peculiaridades do contexto jurídico brasileiro; [...] a perda da
autonomia do direito, em face do Lenio Streck chama de
“predadores externos” do Direito, que consistem em decisões
judiciais fundamentadas em critérios não jurídicos; e a defesa da
discricionariedade, que elimina o compromisso democrático e a
responsabilidade judicial na decisão das contendas jurídicas, o
176
HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 249-250
HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. p. 251
178 HABERMAS, Direito e democracia: entre facticidade e validade, 2003. 252
177
66
que se torna ainda mais preocupante em razão da caracterização
de um cenário marcado por uma intensa procura pelo Judiciário.179
Há que se destacar, nesse contexto, a teoria discursiva do Direito, uma
vez que esta envolve examinar se podem os destinatários das normas jurídicas
questionar a validade das prescrições.180 Sob outros termos, de acordo com
Habermas, o “processo democrático que possibilita a livre flutuação de temas e
de [...] de argumentos, assegura um caráter discursivo à formação política da
vontade, fundamentando, deste modo, a suposição falibilista de que os resultados
obtidos de acordo com esse procedimento são mais ou menos racionais”. 181
A ordem jurídica não é heterônoma, mas emana da produção
discursiva da vontade política dos membros da comunidade
jurídica [...]. Embora os cidadãos sejam autores do sistema
jurídico, a produção discursiva da vontade democrática dos
cidadãos exige um processo de institucionalização. Ora, como
emana discursivamente da vontade dos cidadãos, a normatividade
do Direito não é fechada sobre si mesma, antes precisa
comprovar-se na factualidade das decisões democráticas.182
Verifica-se que a ordem jurídica, enquanto produto do discurso da
vontade política dos representantes eleitos pelos cidadãos, exige um processo de
institucionalização, que, por sua vez, ocorre através do processo legislativo.
Porém, para adquirir força normativa, é necessário que essa ordem comprove-se
nas decisões democráticas. Nesse sentido, o procedimento legislativo precisa
estar em condições de institucionalizar a vontade democrática dos cidadãos.
Para Moreira, a concretização “[...] vem a ser a concepção pósmetafísica de uma autoconstituição da liberdade comunicativa, que se expressa
através da livre composição dos temas e contribuições que devem formar a
agenda de institucionalização”, em seguida, torna-se essencial “[...] a etapa de
179
TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto
Alegre: Livraria dos Advogados, 2013. p. 150
180 “A validade das proposições jurídicas são, em princípio, passíveis de revogação, embora não o
seja o ordenamento jurídico, pois a aceitação da ordem jurídica é distinta da aceitabilidade dos
argumentos sobre os quais ela apoia a sua pretensão de legitimidade. O problema de saber se o
ordenamento jurídico é ou não válido é medido pelo espaço de liberdade que cabe a cada sujeito
de direito. Tanto mais legítimo será o Direito quanto mais preservar o espaço da liberdade privada.
A autonomia do cidadão se mede através da liberdade negativa que cabe a cada indivíduo. Desta
forma as prescrições do ordenamento jurídico só são válidas quando as partes receptoras tiverem
seu espaço de liberdade, sua autonomia, preservados. MOREIRA, Luiz. A fundamentação do
direito em Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos/Fortlivros, 1999. p. 163.
181 MOREIRA, A fundamentação do direito em Habermas, 1999. p. 164
182 MOREIRA, A fundamentação do direito em Habermas, 1999. p. 165
67
correição processual”, pois o procedimento jurídico deve compor-se de tal modo
que sua abertura para a vontade democrática dos cidadãos assuma ares
institucionais, isto é, devem ser institucionalizados procedimentos que afastem a
contingência de decisões arbitrárias e que não permitam a constituição de uma
normatividade jurídica autopoiética. 183
Em sendo injusta, a normatividade jurídica abre-se para dois caminhos,
no primeiro, permanece injusta e aí ela deixa de ser uma ordem legítima,
passando a constituir-se como arbítrio, violência. Num segundo vislumbre, atrelar
ao conceito de Direito a possibilidade de que sua normatividade seja fruto não da
vontade democrática dos cidadãos, mas do arbítrio e da violência. Criva-se, nessa
normatividade, a abertura para a falibilidade e, com isso, a presunção de que
preceitos jurídicos possam ser revistos, revogados.184
Depreende-se, então, que a normatividade jurídica, quando injusta, e
permanecendo injusta, perde o status de uma ordem legítima, pois sai da esfera
comunicativa, passando a constituir-se em uma ordem arbitrária. Torna-se fruto
de vontades não democráticas, abrindo caminho, dessa forma, para a revisão e
possível revogação de preceitos jurídicos.
Assim, cabe dizer que o ordenamento jurídico passa a ser normativo no
momento em que incorpora a dimensão da liberdade comunicativa, pois essa
normatividade é tão somente mediata porque, para constituir-se como normativo,
o ordenamento jurídico precisa ser reconhecido como legítimo.185
Streck sustenta que é necessário “um novo modo de compreender a
interpretação jurídica, que tem como pressuposto uma teoria da decisão judicial,
apresentando-se, assim, como uma refutação final e direta ao problema do
ativismo [...]”, o que demanda uma associação entre “teoria democrática e aportes
filosóficos de propostas que transformem radicalmente a maneira de compreender
o problema hermenêutico”.186
183
MOREIRA, A fundamentação do direito em Habermas, 1999. p. 166
MOREIRA, A fundamentação do direito em Habermas, 1999. p. 167
185 MOREIRA, A fundamentação do direito em Habermas, 1999. p. 167
186 TASSINARI, Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário, 2013. p. 150
184
68
Refletir sobre a hermenêutica, como diz Häberle,187 é entender sobre
uma teoria constitucional que se concebe como ciência da experiência. Assim, é
preciso questionar, de maneira realista, qual interpretação foi adotada, a forma
como se desenvolveu e qual contribuição da ciência influenciou decisivamente o
juiz constitucional no seu afazer hermenêutico. Essa questão configura um
enriquecimento e uma complementação da teoria da Constituição, que questiona
sobre os objetivos e métodos, indagando, assim, sobre a “boa” interpretação.
2.3 A HERMENÊUTICA PARA ALÉM DO ATIVISMO
A jurisdição é um catalisador essencial, ainda que não único, da ciência
do
direito
constitucional,
como
interpretação
constitucional.
A
estrita
correspondência entre vinculação (à Constituição) e legitimação para a
interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se consideram os
novos conhecimentos da teoria da interpretação, pois essa é um processo aberto.
Não é, contudo, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a
recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas
diversas. Assim, a vinculação se converte em liberdade na medida em que se
reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia
da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes sustentada é apenas a
consequência da necessidade, por todos defendidos, de integração da realidade
no processo de interpretação. 188
A decisão judicial, bem como a independência funcional dos juízes não
podem se afastar da interpretação constitucional. Diante da objeção de que a
unidade constitucional se perderia com a adoção desse entendimento, deve-se
observar que as regras básicas de interpretação remetem ao “concreto” que
resulta da conjugação desses diferentes intérpretes da Constituição no exercício
de suas funções específicas. A própria abertura da Constituição demonstra que
não apenas o constitucionalista participa desse processo de interpretação, mas a
unidade da Constituição surge da conjugação do processo e das funções de
187
HÄBERLE, Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, 1997. p. 20-38
188 HÄBERLE, Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, 1997. p. 28-30
69
diferentes intérpretes. Portanto, devem ser desenvolvidas reflexões sob a
perspectiva da “Teoria da Constituição e da Teoria Democrática”.189
De acordo com Streck:
Algumas posturas críticas sobre a hermenêutica jurídica – em
especial a hermenêutica filosófica de Hans – Georg Gadamer –
receberam uma nítida influência da ontologia fundamental de
matriz heideggeriana, a partir de seus dois principais teoremas: o
círculo hermenêutico [...] e a diferença ontológica [...]. Como tenho
registrado em outros textos, o conjunto de obra de Heidegger
constitui-se em base fundante de um novo olhar sobre a
hermenêutica jurídica embora – registre-se – o filósofo não tenha
dedicado, em suas obras, espaço para o direito. Entretanto, a
importância de Heidegger é facilmente perceptível pela viragem
ontológica (ontologishe Wendung) no campo da hermenêutica
jurídica, proporcionada por seu discípulo Hans-Georg Gadamer,
cujas ideias deitam profundas raízes nos teoremas fundamentais
elaborados pelo filósofo da Floresta Negra.190
Acrescenta ainda o jurista que “a fenomenologia hermenêutica permite
superar o esquema sujeito-objeto que tem tornado, historicamente, o pensamento
jurídico refém dos paradigmas objetivistas aristotélico-tomista e da subjetividade”.
Faz referência ao fato de “círculo hermenêutico” atravessar a relação “sujeitoobjeto [...] a partir da antecipação de sentido, impedindo o objetivismo e o
subjetivismo próprios do pensamento metafísico”. Entende Streck que “a
compreensão [...] ocorre no interior desse virtuoso círculo hermenêutico. Qualquer
interpretação que contribua para a compreensão deve já haver compreendido o
que se deve interpretar, dirá Heidegger”. Dessa forma, “não se pode esquecer
que o há-sempre-ter-estado e a historicidade do Dasein são as características de
nossa facticidade. Essa pré-estrutura projeta nosso compreender e antecipa os
sentidos que temos do mundo”.191
Todavia, para Streck, não significa ser
[...] prisioneiros dessa pré-estrutura. Compreender não é um modo
de conhecer, mas um modo de ser. Por isso – e essa
circunstância ficará bem explicitada na hermenêutica gadameriana
desenvolvida em Warheit und Methode – compreender e,
189
HÄBERLE, Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, 1997. p. 31-33
190 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
191 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
70
portanto, interpretar (que é explicitar o que se compreendeu), não
depende de um método, saltando-se assim, da epistemologia da
interpretação para a ontologia da compreensão. Quando
Heidegger identifica um duplo nível na fenomenologia (o nível
hermenêutico, de profundidade, que estrutura a compreensão, e o
nível apofântico, de caráter lógico, meramente explicitativo,
ornamental), abre as possibilidades para a desmi(s)tificação das
teorias argumentativas de cariz procedimental. Na verdade, coloca
em xeque os modos procedimentais de acesso ao conhecimento,
questão que se torna absolutamente relevante para aquilo que
tem dominado o pensamento dos juristas: o problema do método,
considerado como supremo momento da subjetividade e garantia
da “correção dos processos interpretativos”.192
A interpretação, prossegue o autor, depende da compreensão, a qual
se vincula a pré-compreensão, oportunizando uma estrutura prévia do sentido,
“[...] que se funda essencialmente em uma posição prévia [...], visão prévia [...] e
concepção prévia – que já une todas as partes do sistema”.193
Assim, tendo-se como autor base Lenio Luiz Streck, que discute em
suas obras a crise do paradigma jurídico, para além do ativismo e do garantismo,
tendo-se como pano de fundo os direitos fundamentais, bem como a visão do
autor sobre positivismo e neoconstitucionalismo, considerando-se que o
reconhecimento impõe deveres positivos em conformidade com a Carta Magna.
Menciona o autor:
[...] em face dos temores que determinados setores da sociedade
têm acerca de um excessivo ativismo judicial, é necessário
recordar, com Garcia Herrera, que cuando se defiendem los
princípios constitucionales no se hace política sino defensa
juridiscional de la Constitución. Mais ainda, torna-se relevante
acrescentar que o Estado Democrático de Direito assenta-se em
dois pilares: a democracia e os direitos fundamentais. Não há
democracia sem o respeito e a realização dos direitos
fundamentais-sociais, e não há direitos fundamentais-sociais – no
sentido que lhe é dado pela tradição – sem democracia. Há,
assim, uma co-pertença entre ambos. O contemporâneo
constitucionalismo pensou nessa necessária convivência entre o
192
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99100
193 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 100
71
regime democrático e a realização dos direitos fundamentais,
previstos nas Constituições.194
Nesta seara, considera-se essencial distinguir “ativismo judicial,
judicialização e garantismo judicial”. Em relação à judicialização, observe-se que
“[...] o Poder Judiciário decide questões de ampla repercussão, substituindo-se
aos Poderes Executivo e Legislativo”. Cabe dizer que ao ser “[...] chamado a se
manifestar sobre um caso concreto, o Poder Judiciário não pode se eximir de
fazê-lo e, ao decidir uma questão, pode, por vezes, emitir julgamentos [...]”,
quando se tratar de matéria especificamente “política e social”.195 O ativismo
judicial é uma expressão que tem sido utilizada de forma diversificada, na doutrina
e jurisprudência. Assim, na esfera jurisprudencial, envolve “[...] a adoção da
concepção de ativismo judicial como a necessária e permitida atuação do Poder
Judiciário, em que este se substitui ao legislativo e cria Direito em hipóteses de
lacuna normativa [...]”, objetivando efetivar “[...] valores consagrados na
Constituição Federal ao interpretá-la.”196
Nessa linha, verifica-se que o ativismo judicial
[...] certamente leva a uma indesejável e excessiva
discricionariedade do juiz em Estados que se pretendem
Constitucionais de Direito, como é o caso do Brasil. Ao se admitir
a possiblidade de que o juiz se substitua ao legislador,
desempenhando
o
seu
papel,
estará
definitivamente
comprometida a separação de poderes, o que conduzirá ao
rompimento com os ideais democráticos. 197
Todavia, filiando-se ao entendimento de Barroso, Grupenmacher
comenta que se encontra vinculada à ideia de ativismo judicial “[...] uma
participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e
fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros
194
STRECK, Lenio Luiz. Teoria da constituição e estado democrático de direito: ainda é possível
falar em constituição dirigente? In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN, de Morais, José Luis. Ciência
Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed.. Porto Alegre, Livraria do Advogadp, 2001. p. 8
195 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites
e possibilidades. RJLB, Lisboa, Ano 1, n. 4, p. 11-150, 2015. p. 126
196 GRUPENMACHER, Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
possibilidades, 2015. p. 127
197 GRUPENMACHER, Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
possibilidades, 2015. p. 127
72
Poderes”.198 Dessa forma, ao Poder Judiciário cabe ampliar sua atuação, sem
que, com isso, fique vulnerável a separação constitucional de poderes, não
significa que possa atuar “como legislador positivo”. 199 Não obstante, “caracteriza
também ativismo judicial a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos
normativos, especialmente no que concerne aos efeitos das respectivas
decisões”. 200
Fazendo referência à lição de Eduardo Maneira, o qual classifica o
ativismo judicial, de um lado em sentido forte (hard activism) e de outro em
sentido fraco (soft activism), Grupenmacher explica que:
O primeiro seria aquele que, diante da inexistência de parâmetro
jurídico- normativo, adota argumentos filosóficos e pragmáticos
para a solução do caso concreto. O segundo lança mão da
Constituição para decidir sobre uma política pública ou
regulamentar uma norma constitucional, quando houver omissão
do legislador ou do agente do Poder Executivo.201
Por fim, tem-se “o garantismo ou constitucionalismo garantista”,
seguindo a interpretação proposta por Luigi Ferrajoli, o qual se afasta do
neoconstitucionalismo, inserindo-se no
[...] constitucionalismo positivista e garantista diferencia-se do
constitucionalismo não positivista e principialista pela rejeição de
todos aqueles que são os seus três elementos principais: [...] a
conexão entre o direito e a moral; [...] a contraposição entre
princípios e regras e a centralidade conferida à distinção
qualitativa; [...] o papel da ponderação, em oposição à subsunção,
na prática jurisdicional.202
Para Leal, “[...] o garantismo em sede constitucional democrática não
se configura per se em face de indicação literal de direitos humanos na
Constituição ou em função de uma judicacionalidade centrada na filosofia da
consciência [...]”. Sobre esse entendimento, há que se observar resistências,
198
GRUPENMACHER, Ativismo
possibilidades, 2015. p. 127
199 GRUPENMACHER, Ativismo
possibilidades, 2015. p. 127
200 GRUPENMACHER, Ativismo
possibilidades, 2015. p. 127
201 GRUPENMACHER, Ativismo
possibilidades, 2015. p. 127
202 GRUPENMACHER, Ativismo
possibilidades, 2015. p. 128
x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
73
motivadas pela “[...] confusão paradigmática distorsiva dos rumos hermenêuticos
do direito democrático, quando se utiliza dos contornos ideológicos do Estado
Liberal [...]”, pois essas têm por base decisões fulcradas “[...] numa visão
atomística da Sociedade Política por uma esfera pública (Estado) atada ao
privatismo jurídico [...] em que, erroneamente em nome da organização de um
regime democrático, o juiz se lança na rede de valores [...]”, decidindo conforme
os “[...] tecnicismos metodológicos do estado Burguês por assembleia de
especialistas ancorados no saber iluminista do séc. XVIII e no individualismo
civilista do séc. XIX”.203
Convém ponderar que abandonar antigas concepções hermenêuticas,
já enraizadas no ensino jurídico, buscando “[...] metodologias construtoras de uma
jurisprudência de valores e de conceitos [...] impede a transição da comunidade
para a sociedade política pelo status democrático”. Assim, mediante “[...] uma
jurisdição de juízes guardiães e depositários infiscalizáveis [...] e não pelo
legislador político direto [...] como legitimado universal a produzir, atuar e recriar o
direito por via abstrata [...] ou concreta [...] em ações [...] constitucionais,
ordinários, codificados ou não”. 204
Na visão de Streck:
[...] em face dos temores que determinados setores da sociedade
têm acerca de um excessivo ativismo judicial, é necessário
recordar, com Garcia Herrera, que cuando se defiendem los
princípios constitucionales no se hace política sino defensa
juridiscional de la Constitución. Mais ainda, torna-se relevante
acrescentar que o Estado Democrático de Direito assenta-se em
dois pilares: a democracia e os direitos fundamentais. Não há
democracia sem o respeito e a realização dos direitos
fundamentais-sociais, e não há direitos fundamentais-sociais – no
sentido que lhe é dado pela tradição – sem democracia. Há,
assim, uma co-pertença entre ambos. O contemporâneo
constitucionalismo pensou nessa necessária convivência entre o
203
LEAL, R. Pereira. O garantismo processual e direitos fundamentais líquidos e certos. Revista
Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, Ano 3, v. IV, 2009. (Periódico da PósGraduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ). Disponível em: www.redp.com.br
Acesso em: 12 jul., 2015. p. 118
204 LEAL, O garantismo processual e direitos fundamentais líquidos e certos, 2015. p. 118
74
regime democrático e a realização dos direitos fundamentais,
previstos nas Constituições.205
Percebe-se que o assunto “[...] ativismo judicial passou a ser
enfrentado
com
maior
ênfase
no
âmbito
da
chamada
doutrina
neoconstitucionalista [...]”. Significa dizer que os defensores dessa concepção
entendem que “[...] o magistrado deixa de atuar como mero aplicador da lei ao
caso concreto e passa a adotar novos métodos hermenêuticos que lhe permitem,
verdadeiramente, criar o Direito [...]”. Assim, legislar “[...] positivamente em
substituição à atividade desempenhada pelo Poder Legislativo”. 206
O neoconstitucionalismo, enquanto doutrina de direito
constitucional, substituiu, após a Segunda Guerra Mundial, o
constitucionalismo tradicional, ao reconhecer normatividade à
Constituição, atribuindo maior eficácia aos direitos e garantias
fundamentais, e buscando a sua concretização com ampliação da
atividade jurisdicional, sobretudo em relação às cláusulas abertas,
aquelas com elevado conteúdo de indeterminação. Verifica-se, no
referido fenômeno, o surgimento de uma hermenêutica
constitucional que adota o método da ponderação na aplicação de
princípios para a solução de casos concretos, em detrimento do
tradicional método da subsunção, além da ampliação da jurisdição
constitucional. 207
“É no contexto do neoconstitucionalismo que surgem as primeiras
ideias sobre o ativismo judicial, cujo berço é o sistema norte-americano, no qual
as decisões judiciais caracterizam fonte de Direito”. O período contribuiu para o
surgimento de inúmeras concepções sobre o ativismo judicial208. Contudo,
205
STRECK, Lenio Luiz. Teoria da constituição e estado democrático de direito: ainda é possível
falar em constituição dirigente? In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN, de Morais, José Luis. Ciência
Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed.. Porto Alegre, Livraria do Advogadp, 2001. p. 8
206 GRUPENMACHER, Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
possibilidades, 2015. p. 124
207 GRUPENMACHER, Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
possibilidades, 2015. p. 124
208 Na concepção de Streck: o emprego do termo ativismo judicial no Brasil tem sido tratado de
forma superficial “[...] essa incompreensão em torno do ativismo judicial não se restringe ao
problema brasileiro. Também Peter Häberle, prestigiado constitucionalista alemão, em entrevista
publicada no Conjur (Repúblicas jovens necessitam de ativismo judicial, in: www.conjur.com.br,
13.02.2009) entende ‘ser saudável’ para as ‘novas repúblicas’ o ativismo judicial praticado nos
tribunais que, através de sua ação no tecido social, obriga os demais poderes a agirem também.
Creio, porém, que devemos ter cautela diante da afirmação de Häberle. De pronto consigno que,
quando o judiciário age – desde que devidamente provocado – no sentido de fazer cumprir a
Constituição, não há que se falar em ativismo. O problema do ativismo surge exatamente no
momento em que a Corte extrapola os limites impostos pela Constituição e passa a fazer política
judiciária, seja para o bem ou para o mal. Ademais, a discussão de Häberle sempre precisará ser
contextualizada pelo simples fato de que seu contexto vivencial concreto é outro – jurisprudência
de valores [...] que é bem diferente daquele que se apresenta em terrae brasilis. Portanto, não me
75
predomina “[...] aquela em que os magistrados, com o propósito de concretização
e interpretação de princípios e regras constitucionais e legais, passam a exercer a
jurisdição resolvendo as questões concretas [...], de forma proativa.”209
Para Streck:
O pós-positivismo deveria ser a principal característica do
neoconstitucionalismo.
Mas
não
é.
Ou
seja,
o
neoconstitucionalismo somente teria sentido enquanto “paradigma
do direito” se fosse compreendido como superador do positivismo
ou dos diversos positivismos. Pós-positivismo não é uma
continuidade do positivismo, assim como o neoconstitucionalismo
não deveria ser uma continuidade do constitucionalismo liberal.
Há uma efetiva descontinuidade de cunho paradigmático nessa
fenomenologia, no interior da qual os elementos caracterizadores
do positivismo são ultrapassados por uma nova concepção de
direito. Penso que o ponto fundamental é que o positivismo nunca
se preocupou em responder ao problema central do direito, por
considerar a discricionariedade judicial como uma fatalidade. A
razão prática – que o positivismo chama de discricionariedade –
não poderia ser controlada pelos mecanismos teóricos da ciência
do direito. A solução, portanto, era simples: deixemos de lado a
razão
prática
(discricionariedade)
e
façamos
apenas
epistemologia (ou, quando esta não dá conta, deixe-se ao alvedrio
do juiz – eis o ovo da serpente gestado desde a modernidade).210
Observa-se que a utilização do conceito ativismo carrega “um ônus
argumentativo”, melhor dizendo, assiste-se a uma crítica inerente às decisões
judiciais, direcionadas mais especificamente ao Supremo Tribunal Federal,
baseada numa “[...] mera ideologização da visão de nossa prática judicial e do
seu discurso crítico. Portanto, o conceito de ativismo judicial, de maneira geral,
tem sido vítima de um uso retórico e simplista, não se revelando minimamente
eficaz [...]”, ou seja, há uma carência de debate consistente abrangendo a
jurisprudência brasileira.211
É possível dizer que:
parece conveniente que os juristas brasileiros recebam a entrevista como uma ode ou lovação ao
ativismo”. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 22
209 GRUPENMACHER, Ativismo x garantismo judicial em matéria tributária – limites e
possibilidades, 2015. p. 125
210 STRECK, Lenio Luiz.
Contra o neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e
Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, n. 4,
Jan-Jun. p. 9-27, 2011. p. 12-13
211 CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Ativismo judicial: proposta para uma discussão
conceitual. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012. p. 145
76
O ativismo não é nenhuma novidade em nosso contexto políticosocial. Até bem pode ser no plano teórico, mas não o é novidade
no plano prático jurisprudencial. Em verdade, teorias jurídicoconstitucionais que creem em uma suposta proeminência do
Poder Judiciário no jogo democrático descendem de uma
ideologia jurídica. De fato, há uma crença generalizada no seio da
teoria jurídica de que o Poder Judiciário é capaz de dar conta dos
anseios sociais.212
De fato, é evidente que a referida teoria é enfatizada “[...] fruto de um
ideário moderno advindo da Constituição Federal de 1988 [...]”, entretanto, “[...] o
ativismo judicial – tal como se entende hoje em dia –, [...] é consequência de
quase dois séculos de atuação de nosso órgão responsável para julgar os litígios
individuais”. Evidencia-se “[...] um desvirtuamento do Poder Judiciário no Brasil na
medida em que ele conflita com os demais poderes”. 213
Portanto, é preciso avaliar que:
[...] em nenhum momento o Poder Judiciário foi tido pela própria
Constituição de 1988 como responsável pela condução dos
destinos de nossa comunidade política. Aqueles que pregam que
é o Poder menos perigoso ou, então, que é o mais capacitado, em
geral, colocam-no sob um perigoso fardo. Todos os sucessos ou
fracassos da comunidade política não serão compartilhados
igualitariamente pelos indivíduos de nossa sociedade, mas serão
inteiramente atribuída ao Poder Judiciário.214
Seja como for, não há como esquecer que “[...] o próprio Poder
Judiciário poderá ser responsável pelos retrocessos de políticas conquistadas
democraticamente pela sociedade”. Em âmbito histórico, é possível identificar
erros atribuídos ao Poder Judiciário, procedente inferir que “[...] o ativismo judicial
no Brasil dá-nos conta de que nem sempre a atuação judicial é o melhor remédio
para os males sociais”.215
212
SILVA, Diogo Bacha e. Os contornos do ativismo judicial no Brasil: o fetiche do Judiciário
brasileiro pelo controle dos demais poderes. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Ano 50
Número 199 jul./set. 2013. p. 175-176
213 SILVA, Os contornos do ativismo judicial no Brasil: o fetiche do Judiciário brasileiro pelo
controle dos demais poderes, 2013, p. 176
214 SILVA, Os contornos do ativismo judicial no Brasil: o fetiche do Judiciário brasileiro pelo
controle dos demais poderes, 2013, p. 176
215
SILVA, Os contornos do ativismo judicial no Brasil: o fetiche do Judiciário brasileiro pelo
controle dos demais poderes, 2013, p. 176
77
O
tema
suscita
divergências
teóricas
devido
aos
inúmeros
posicionamentos, no entanto, abordando-o sobre uma ótica neoconstitucionalista,
verificam-se as seguintes características:
a) todas elas pretendem-se pós-positivistas – isto é, surgem
visando a contrapor o positivismo; b) em sua maioria, resgatam o
papel dos princípios na intepretação do Direito; c) reconciliam
Direito e Moral; e, por fim, a pretexto disso, d) afirmam o
protagonismo judicial (ou o papel acentuado da jurisdição, com um
aumento das faculdades interpretativas do julgador), a partir da
defesa
da
discricionariedade
judicial
(ou
elasticidade
interpretativa).216
As referidas características conduziram a uma concepção de
constitucionalismo que, no Brasil, contribuiu para a defesa do ativismo judicial.
Procedente verificar que “[...] a transformação do perfil da jurisdição, como
responsável
também
pela
concretização
de
direitos
constitucionalmente
assegurados, acabou sendo levada a extremos, a ponto de conceder espaço para
uma atuação jurisdicional [...]”, a qual ultrapassou “[...] os limites definidos pela
Constituição e pela legislação democraticamente produzida”.217
Tal fato impulsionou Lenio Streck “[...] a nomear o constitucionalismo
do
segundo
pós-guerra
de
modo
diferenciado:
Constitucionalismo
Contemporâneo”. A adoção dessa expressão pelo autor teve por proposição
atacar dois pontos específicos, o primeiro “refutar o(s) neoconstitucionalismo(s)
(especialmente surgidos no âmbito do constitucionalismo espanhol)”; o segundo,
“buscar a superação do positivismo jurídico”.218
É
bem
verdade
que
o
autor
visou
substituir
a
expressão
neoconstitucionalismo, adotando uma “[...] abordagem, que, em linhas gerais, se
opõe ao estabelecimento de uma relação de causalidade existente no trinômio
216
TASSINARI, Clarissa. A atuação do Judiciário em tempos de constitucionalismo
contemporâneo: uma crítica ao ativismo judicial. Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 28,
n. 2, p. 31-46, jul./dez. 2012. p. 38-39
217 TASSINARI, A atuação do Judiciário em tempos de constitucionalismo contemporâneo: uma
crítica ao ativismo judicial, 2012. p. 38-39
218 TASSINARI, A atuação do Judiciário em tempos de constitucionalismo contemporâneo: uma
crítica ao ativismo judicial, 2012. p. 38-39
78
moral-princípios-discricionariedade
[...]”,
incorporada
nas
“[...]
posturas
neoconstitucionalistas, porque favorecem o ativismo judicial”. 219
Cumpre observar:
[...] o ativismo judicial revela-se um problema criado pelo Direito
(mas, evidentemente, com consequências em todas as demais
esferas), sobre o qual a comunidade jurídica deve, primeiro,
debruçar-se no interesse de perguntar por seu sentido, para
posteriormente apresentar uma resposta, na senda de um
constitucionalismo democrático. E, no questionamento de como
pode ser compreendida a manifestação judiciária, é possível
encontrar posicionamentos que retrataram a indexação da decisão
judicial a um ato de vontade daquele que julga. 220
Em síntese Tassinari, filiando-se a Streck, demonstra que “[...] o
ativismo judicial é um problema de teoria do Direito. Mais precisamente, de teoria
da interpretação [...]”, portanto, envolve análise e formas de abordar o problema
que se refere à “interpretação no Direito”.221
Nesta senda menciona Trindade:
Quais os limites da interpretação do direito? É possível afirmar
que uma lei admite múltiplas interpretações válidas? Há margens
para juízos discricionários? Até onde pode ir o magistrado ao
aplicar as normas jurídicas? [...] abordando o problema do
protagonismo judicial na interpretação e na aplicação do direito.
Como se sabe, desde o final do século XX observa-se o crescente
poder que os juízes e tribunais passam a exercer sobre a vida
coletiva, seja em razão do aumento quantitativo e qualitativo da
busca pela justiça como um dos efeitos da crise geral que assola
a sociedade moderna, seja como fenômeno social mais amplo, em
que a perda de referências e de valores representa um sintoma do
declínio da família, do desaparecimento da religião como ícone
moral e da falência das instituições tradicionais.
Ocorre que, não obstante a jurisdição constitucional ter se tornado
uma peça fundamental da engrenagem do Estado Constitucional
“Com isso, tem-se que a caracterização do ativismo judicial decorre da análise de determinada
postura assumida por um órgão/pessoa na tomada de uma decisão que, por forma, é investida de
juridicidade. Dá-se um passo, portanto, que está para além da percepção da centralidade
assumida pelo Judiciário no atual contexto social e político, que consiste em observar/controlar
qual o critério utilizado para decidir, já que a judicialização, como demonstrado, apresenta-se
como inexorável (o que não significa dispensar uma crítica voltada à análise e ao questionamento
da atuação do Legislativo e do Executivo).” TASSINARI, A atuação do Judiciário em tempos de
constitucionalismo contemporâneo: uma crítica ao ativismo judicial, 2012. p. 38-39
220 TASSINARI, A atuação do Judiciário em tempos de constitucionalismo contemporâneo: uma
crítica ao ativismo judicial, 2012. p. 41
221 TASSINARI, A atuação do Judiciário em tempos de constitucionalismo contemporâneo: uma
crítica ao ativismo judicial, 2012. p. 41
219
79
e, então, todos os olhares terem se voltado para a figura do juiz,
poucos ainda são os estudos e pesquisas sobre o protagonismo
judicial e seus reflexos, sobretudo em terrae brasilis222.
Ao adentrarmos no tema que envolve a interpretação do direito, surge
questionamentos sobre as diferentes interpretações que acabam desaguando em
juízos discricionários e no protagonismo judicial.
Para Trindade e Morais:
[...] observa-se uma tendência voltada à superação do positivismo
legalista e uma tímida virada da jurisprudência no sentido de
efetivar o texto constitucional através de sua interpretação, ambas
estimuladas pelos estudos que surgem no campo da
hermenêutica e da argumentação jurídica. Desse modo,
paulatinamente, as decisões dos tribunais estaduais e regionais
que antes negavam direitos sociais cedem lugar àquelas que
conferem eficácia imediata às normas constitucionais,
assegurando a prestação de saúde, educação, moradia,
previdência, entre outros. O mesmo movimento se verifica tanto
no âmbito do Supremo Tribunal Federal – por exemplo, o RE n.º
271.286-AgR, relativo à concessão gratuita de medicamentos para
portador do vírus HIV –, com a renovação de seus ministros e,
sobretudo, com o advento das Leis n.º 9.868/99 e n.º 9.882/99,
regulamentadoras do trâmite processual necessário da Ação
Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de
Constitucionalidade, bem como da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental. Por sua vez, o Superior Tribunal de
Justiça – por exemplo, RMS 11.183/PR, também relativo ao
fornecimento de medicamentos –,registra um aumento
significativo de demandas voltadas à efetividade dos direitos
fundamentais.223
Segundo os autores, a partir da “[...] judicialização da política, os
tribunais passaram a adotar uma postura cada vez mais atuante, de maneira que
suas decisões começaram a interferir em uma esfera de domínio [...]” de
competência dos “[...] poderes Executivo e Legislativo: as políticas públicas e,
consequentemente, os orçamentos públicos”.224
222
STRECK, Lenio; TRINDADE, André Karam; et al., (Org), Os modelos de juiz. Cidade: São
Paulo, Editora Atlas, 2015, p.163-164
223 TRINDADE, André Karam; MORAIS, Fausto Santos de. Ativismo judicial: as experiências norteamericana, alemã e brasileira. Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p.137164, 2011. p. 155-156
224 TRINDADE; MORAIS, Ativismo judicial: as experiências norte-americana, alemã e brasileira,
2011. p. 155-156
80
É fato que “[...] os tribunais deixaram de exercer uma função de mero
aplicador de leis e assumiram o papel de protagonista na concretização dos
direitos [...], de tal forma que passaram a interiorizar o ideário “[...] de que a
Constituição é um remédio para todos os males e de que, com ela – aliada a
outros instrumentos, tais como os princípios e as cláusulas abertas [...]”, sendo
passível, assim, “[...] chegar a qualquer resultado através da argumentação
jurídica [...]”. Assim, em relação ao “ativismo judicial”, um marco simbólico seria
“[...] a renovação na composição dos ministros do STF, em 2003, e a
promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, em 2004 [...]”.225
Mediante a crescente adoção “de práticas ativistas”, as quais
extrapolam a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, alcançando todas as
instâncias judiciais, permeadas de aplausos e críticas da sociedade brasileira,
[...] caracterizado pelo alargamento da jurisdição constitucional, é que a
doutrina tenta justificar o ativismo judicial a partir da ideia de que a
Constituição propicia uma abertura principiológica, em que a ponderação
exsurge como a técnica a ser empregada na aplicação dos princípios –
entendidos como mandados de otimização –, a fim de produzir decisões
justas, cujas respostas resultam de uma argumentação jurídica que
respeite a proporcionalidade. Ocorre que tal postura, assim como seus
procedimentos, apenas contribuem para o aumento do decisionismo
judicial, uma vez que, na falta de uma teoria da decisão adequada, a
jurisprudência constitucional não apresenta qualquer coerência, o que
fragiliza a integridade do direito e, via reflexa, a própria democracia
constitucional. 226
Nesse sentido, ao examinar a hermenêutica sob o viés da
“applicatio”227, Streck cita quatro aspectos: fontes, norma, interpretação e decisão,
os quais revestem o novo constitucionalismo provocando alterações no Direito,
bem como propiciando “[...] a superação do paradigma positivista, que pode ser
compreendido no Brasil como produto de uma simbiose entre formalismo e
225
TRINDADE; MORAIS, Ativismo judicial: as experiências norte-americana, alemã e brasileira,
2011. p. 155-156
226 TRINDADE; MORAIS, Ativismo judicial: as experiências norte-americana, alemã e brasileira,
2011. p. 157
227 STRECK, Lenio Luiz. Superando os diversos tipos de positivismo: porque hermenêutica é
Applicatio? Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, v. 34.2, jul./dez. 2014.
p. 281
81
positivismo, no modo como ambos são entendidos pela(s) teoria(s) crítica(s) do
Direito”.228
Segundo Streck,
[...] embora o positivismo possa ser compreendido no seu sentido
positivo, como uma construção humana do direito enquanto
contraponto ao jusnaturalismo, e tenha, portanto, representado um
papel relevante em um dado contexto histórico, no decorrer da
história acabou transformando-se — e no Brasil essa questão
assume foros de dramaticidade — em uma concepção
matematizante do social, a partir de uma dogmática jurídica
formalista, de nítido caráter retórico, mas que, paradoxalmente,
aposta em um solipsismo judicial que parece ignorar as
conquistas semânticas da Constituição de 1988.229
Não se pode perder de vista que, “[...] se o formalismo e o positivismo
marca(ra)m indelevelmente o pensamento jurídico moderno, no Brasil é possível
dizer que, em muitos aspectos, ambos (ainda) se confundem [...]”. Em razão de
que “[...] engendrou-se um imaginário jurídico atrelado, ao mesmo tempo, ao
formalismo e às suas insuficiências para explicar o direito e a realidade [...], como
diz Streck “[...] o Direito é concebido no plano abstrato e entendido como sendo
apenas um objeto histórico-cultural [...]”, sendo que:
[...] ao positivismo, com as suas características que vêm
delineando os caminhos da doutrina e jurisprudência, como: a não
admissão de lacunas; o não reconhecimento dos princípios como
normas; as dificuldades para explicar os - conceitos
indeterminados, as normas penais em branco e as proposições
carentes de preenchimento com valorações, resvalando, com isto,
em direção àquilo que o positivismo clássico - enquanto função
judicial - visou evitar: a discricionariedade do juiz, que acaba se
transformando em arbítrio judicial (ou decisionismos voluntaristas);
refira-se, ainda, a inoperância em face dos conflitos entre
princípios, culminando, via de regra, na sua negação, com a
remessa da solução à discricionariedade do juiz.230
Na concepção de Streck, é preciso frisar que o contexto inerente à
afirmação das Constituições e sobre o papel da jurisdição constitucional, tratados
228
STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: porque hermenêutica é Applicatio?,
2014. p. 279
229 STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: porque hermenêutica é Applicatio?,
2014. p. 279
230 STRECK, Lenio Luiz. Superando os diversos tipos de positivismo: porque hermenêutica é
Applicatio? Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, v. 34.2, jul./dez. 2014.
p. 279
82
em inúmeros campos das ciências sociais, por diversos teóricos, mais
comumente por setores ligados à Sociologia, à Ciência Política e ao Direito,
direcionam-se, também para compreensão dos fenômenos “judicialização da
política e o ativismo judicial”.231
Como se verifica, os temas abordados dependem de um enfrentamento
do problema que passa pelo viés da interpretação do Direito e do tipo de
argumento que pode, legitimamente, compor uma decisão judicial.232
Dessa forma, em sendo o Judiciário constantemente acionado para
solucionar conflitos, torna-se essencial “[...] a distinção entre ativismo e
judicialização da política apresenta-se como indispensável [...]”, obstaculizandose, assim, que o Direito seja vinculado somente a “[...] um produto das decisões
judiciais, o que afetaria as bases democráticas que fundam o Estado brasileiro”. 233
Não por outro motivo, Lenio Streck interpreta que o juiz não pode ser mais
considerado em sua individualidade, quando se trata de levar “o Direito a sério”, o
que somente se concretizará quando forem construídas “posturas teóricas”
dispostas a refletirem profundamente sobre o problema do ativismo judicial ou da
discricionariedade. 234
Abordou-se reflexões sobre Constituição, Direito e democracia,
analisando a teoria do Direito diante da insuficiência do paradigma dominante
(racionalista), bem como a hermenêutica para além/aquém do ativismo. Neste
momento, passa-se ao tema central do estudo que trata sobre a existência da
resposta adequada em Direito.
231
STRECK, Lenio Luiz. A interpretação do direito e o dilema acerca de como evitar juristocracias:
a importância de Peter Häberle para a superação dos atributos (eigenschaften) solipsistas do
Direito. Observatório da Jurisdição Constitucional, Brasília: IDP, Ano 4, 2010/2011. p. 3
232 STRECK, A interpretação do direito e o dilema acerca de como evitar juristocracias: a
importância de Peter Häberle para a superação dos atributos (eigenschaften) solipsistas do
Direito, 2010/2011. p. 3
233 TASSINARI, Clarissa. O papel da crítica hermenêutica do Direito: sobre as relações entre
filosofia, teoria do direito e a atuação do Judiciário. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. p. 19
234 TASSINARI, O papel da crítica hermenêutica do Direito: sobre as relações entre filosofia, teoria
do direito e a atuação do Judiciário, 2014. p. 21
83
CAPÍTULO 3
EXISTE RESPOSTA ADEQUADA EM DIREITO?
Em busca de um direcionamento sobre a existência da resposta
adequada em Direito, cuja relevância centra-se no cotodiano jurisdicional. Este
com contradições entre a prática decisória e a hermenêutica, buscando afastar as
interpretações de cunho metódico e que venham a desvelar o sentido do Direito,
revelando a responsabilidade nas decisões judiciais que serão interpretadas com
base nos conceitos de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer.
Não obstante, relevante se faz análise da resposta adequada numa
perspectiva democrática, trazendo à baila o posicionamento de Lenio Luiz Streck
sobre a resistência da dogmática jurídica e a “tese da resposta hermenêutica
adequada”.
3.1 BREVES REFLEXÕES SOBRE O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO:
HEIDDEGER E GADAMER
O sentido da interpretação em Heidegger é baseado na précompreensão do intérprete, esse não pode comprender o conteúdo da norma,
partindo de uma pretensão de conhecimento, entendido por gadamer como uma
interpretação que não considera a tradição, nem a historicidade. Observa-se,
assim, a importância de atribuir um sentido a interpretação. Dessa forma, inicia-se
com a visão de Heidegger e sua crítica em relação à ciência como conhecimento
metódico, exato e universalmente válido:
A exatidão é tomada como marca característica da ciência e
demonstrações exatas são a finalidade e o orgulho da
fundamentação científica. Todavia, a exatidão repousa sobre o
caráter matemático da ciência em questão. Não obstante, esse
caráter matemático não pode ser simplesmente impingido a uma
ciência porque alguém se propôs a conformá-la como uma ciência
exata. O que deve ser objeto em tal ciência precisa antes de mais
nada permitir ou rechaçar de per si uma possibilidade de
determinação matemática. Em uma ciência, a exatidão pode
trazer a não-verdade consigo. [...] a exatidão não pertence de
84
maneira essencialmente necessária à verdade. Se por “rigor da
ciência” compreendemos o modo como o conhecimento adequado
ao objeto pode ser conquistado e determinado, então a exatidão
não está necessariamente na base desse rigor. [...] O caráter do
rigor talvez possa ser um caráter necessário para a ciência.
Entretanto, a pergunta persiste: esse caráter seria também uma
determinação originária da ciência? Esse caráter do rigor também
pode ser apenas uma consequência da constituição essencial e
interna da ciência.235
Heidegger explica que a verdade exige adequar a coisa ao
conhecimento ou o conhecimento à coisa, portanto, compreende caracterização
mediante o rigor. Nesse sentido, “[...] o modo como pode ser conquistado e
determinado o conhecimento adequado ao objeto”, o rigor, significam “[...] um
determinado caráter da apropriação referente à adequação do objeto do
conhecimento”. Dessa forma, a “[...] adequação do conhecimento está apreendida
na definição escolástica de verdade: Adaequatio intellectus ad rem.” Se “a
verdade reside nas ligações de representações, não nas representações isoladas,
o fato de a verdade possuir o seu lugar no enunciado, na proposição, está acima
de qualquer dúvida”, de fato, tal concepção de verdade não foi abalada e
permanece segura na história da filosofia. 236
No momento em que “[...] a ciência como reconhecimento visa à
verdade, mas a verdade reside na proposição [...]”, ela oportuniza, enquanto
ciência, “[...] uma conexão de conhecimentos [...] conexão de proposições
verdadeiras”. Essas podem ser passíveis de comprovações ou não, do que se
deduz que: primeiro, “uma determinada concepção da verdade como verdade
proposicional”; segundo “[...] ao mesmo tempo, porém, a concepção da ciência a
partir do que em certa medida se sedimenta como o seu resultado”. “A ciência [...]
sedimenta-se em proposições e essa sedimentação de investigação torna-se
concreta nos ensaios e livros publicados”.237
Desse modo, a compreensão da ciência, em sua essência, não envolve
apenas o resultado, mas como se comportam suas proposições, ao ponto de se
235
HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. Tradução de Marco Antônio Casanova. São
Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 46-47
236 HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 47-48
237 HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 50
85
obter uma verdade centrada no sujeito e não no objeto.238
Segundo Gadamer:
O ser em si a que se orienta a sua investigação, seja a física ou
biológica, é relativo à colocação do ser, dentro do seu
questionamento. Não há o menor motivo para dar maiores razões
à pretensão da física, de conhecer o ser em si. Tanto uma como a
outra esboçaram previamente, como ciências, a região de seu
objeto, e o conhecimento deste significa seu domínio. Se
retivermos isso, já não poderemos continuar confundindo a
objetividade da linguagem com a objetividade da ciência. A
distância inerente à relação linguística para o com o mundo não
proporciona, por si mesma, e enquanto tal, esse outro gênero de
objetividade que produzem as ciências naturais, eliminando os
elementos subjetivos do conhecer. De outra parte, existe um nexo
positivo e objetivo entre a objetividade da linguagem e a
capacidade do homem para fazer ciência. Isso se mostra de um
modo particularmente claro na ciência antiga, cuja procedência, a
partir da experiência linguística do mundo, constitui ao mesmo
tempo a sua caracterização e as suas debilidades específicas.239
Heidegger argumenta “[...] precisamos apreender a compreender o que
significam os fundamentos de uma ciência e em que medida a crise [...]” de seus
fundamentos mostram “[...] os limites essenciais da ciência como tal”. O autor
considera não ser primordial, o conhecimento sobre a crise das ciências, sua
tratativa e a maneira como isso ocorre. Porém, é decisivo estar disposto a
conhecê-la; o que pode contribuir “[...] para que as ciências se tornem melhores
[...]”.240
Para Heidegger, a compreensão da essência da ciência vincula-se à
determinação da verdade. Hermeneuticamente, é o afastamento do sujeito-objeto
e a relação sujeito-sujeito. Remete ao entendimento de que a hermenêutica
238
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 51
GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
656-658
240 “[...] a crise na construção essencial e interna da ciência, ou, como se diz hoje, a “crise dos
fundamentos da ciência”, deixou claro para nós que o que está propriamente em questão nessa
crise é configurar a autocompreensão das ciências de maneira tão clara e originária que as
ciências reconheçam aí seu próprio limite, a fim de ver reluzir ao mesmo tempo o que determina
esse limite, isto é, o outro, aquilo que, embora seja trazido pela própria ciência, não pode porém
ser concebido por ela como ciência, ou mesmo questionado como tal. Essa crise dos fundamentos
é aquela crise que, se for corretamente compreendida, deixa clara a finitude da ciência em um
sentido originário; ou seja, ela torna manifesto que a ciência é uma possibilidade essencial da
existência do homem.” HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 41-43
239
86
sempre se propôs como tarefa, restabelecer o entendimento alterado ou
inexistente.
Gadamer menciona que o problema hermenêutico se divide em:
[...] subtilitas intelligendi, compreensão, de uma subtilitas
explicandi, a interpretação, e, durante o pietismo, se acrescentou
como terceiro componente a subtilitas applicandi, a aplicação.
Esses três momentos deviam perfazer o modo de realização da
compreensão. É significativo que os três recebam o nome de
subtilitas, ou seja, que se compreendam menos como um método
sobre o qual se dispõe, do que como um fazer, que requer uma
particular finura de espírito.241
Segundo o autor, a união da compreensão e da interpretação
ocasionou “[...] a completa desconexão do terceiro momento da problemática
da hermenêutica, o da aplicação, do contexto da hermenêutica”, pois,
“na
compreensão sempre ocorre algo como uma aplicação do texto a ser
compreendido à situação atual do intérprete”.242
Ao intérprete, em sua tarefa de decidir, cabe aplicar o melhor direito,
devendo adequar-se ao caso concreto. Para Gadamer, “na situação concreta verse-á obrigado, seguramente, a fazer concessões com respeito à lei num sentido
estrito, mas não porque não seja justo”. Nesse sentido, “fazendo concessões em
face da lei não faz reduções à justiça, mas pelo contrário, encontra um direito
melhor”.243
Gadamer menciona a diferença entre o saber ético e o saber técnico,
[...] o que é justo não pode ser determinado por inteiro,
independentemente da situação que me pareça de justiça, [...].
Nisso se torna patente uma modificação fundamental da relação
conceitual entre meios e fins, que é a que constitui a diferença
entre o saber ético e o saber técnico. A diferença não está no fato
de que o saber ético não restringe a simples objetivos particulares,
mas que afeta o viver corretamente, no seu todo – contra o que o
saber técnico, naturalmente, é sempre particular e serve a fins
particulares. Quando há uma tekne, é preciso que a aprendamos,
241
GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
459
242 GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
460
243 GADAMER, Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
471-473
87
e com isso saber-se-á também eleger os meios idôneos. Pelo
contrário, o saber ético requer sempre, ineludivelmente, esse
buscar o conselho consigo próprio. Ainda que se pensasse esse
saber em um estado de perfeição ideal, esta seria a perfeição
desse aconselhamento consigo próprio e não num saber do tipo
técnico.244
A hermenêutica jurídica busca a compreensão dos textos, enquanto
método para auxiliar a práxis jurídica, objetivando sanar deficiências e “[...] casos
excepcionais no sistema da dogmática jurídica”.245
De toda sorte, o intérprete deve buscar compreender o caso concreto e
posteriormente aplicar o direito. Assim, a essencialidade relaciona-se a pergunta
e o sentido dessa, “[...] sentido da pergunta é simultaneamente a única direção
que a resposta pode adotar se quiser ser adequada, como sentido.246
Esta é a razão pela qual a dialética realiza nos moldes de
perguntas e respostas, ou melhor, que todo saber passa pela
pergunta. Perguntar quer dizer colocar no aberto. A abertura do
perguntando consiste em que não está fixada a resposta. O
perguntado tem de pairar no ar frente qualquer sentença
constatadora e decisória. O sentido do perguntar consiste em
colocar em aberto o perguntado em sua questionalidade. Ele tem
de ser colocado em suspenso de maneira que se equilibrem o pró
e o contra. 247
Heidegger faz uma síntese da sua obra “Introdução à Filosofia”, onde
demonstra a essência da verdade e da ciência, dessa originam-se teses, as quais
revelam que “a verdade está de tal modo correlacionada ao ente por si
subsistente que ela pode, mas não precisa advir a esse ente”. Para o autor, “[...] a
verdade não pertence, em hipótese alguma, à consciência essencial do ente por
si subsistente”. Assim, “se o ente por si subsistente é desvelado, ou seja, se a
descoberta existe faticamente, então isso só acontece porque um ser-aí
descobridor existe, isto é, um ente a cuja constituição ontológica pertence ao ser
descerrado, ou seja, o ser-um-aí”. Resultando, em “[...] dois modos fundamentais
244
GADAMER,
472-477
245 GADAMER,
482
246 GADAMER,
534
247 GADAMER,
535
Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003. p.
88
de desvelamento do ente: verdade como descerramento e verdade como
descoberta”. Os referidos modos encontram-se “[...] correlacionados ao ente em si
manifesto de maneira totalmente diversa”.248
Essa diversidade da correlação da verdade com o ser-aí e o ente
por si subsistente remonta ao fato de que também a verdade do
ente por si subsistente, a descoberta, se funda no descerramento
que, por sua vez, pertence à constituição ontológica do ser-aí. A
descoberta do ente por si subsistente só é possível junto com o
ser-aí, mas isso, enquanto pertencente ao descerramento de um
ser-aí. Mas, como o ser-aí é essencialmente descerrado, o caráter
de conjunto próprio aos seres-aí sempre aponta, a cada vez, para
um ser-um-com-o-outro. O ser-aí é qua ser-aí e é essencialmente
ser-com junto a... somente com base nesse “com” de cada ser-aí
singular são possíveis os diversos modos do um-em-relação-aooutro, um-pelo-outro, um-contra-o-outro e um-sem-o-outro. No
entanto, como a descoberta é sempre essencialmente descerrada,
e só assim pode ser o que é, o desvelamento do ente por si
subsistente é algo que o ser-aí necessariamente sempre já
passou adiante. A descoberta é compartilhada na abertura do seraí, mesmo quando não há nenhum participante faticamente
presente. O ser-aí é essencialmente na verdade. A verdade
existe, isto é, seu modo de ser é a existência e esse é o modo no
qual algo assim como o ser-aí é. 249
Heidegger menciona fenômenos que não representam a verdade,
denominados pelo autor como “não verdade”, dentre estes: “a falsidade, o erro, a
ilusão, a mentira e o embuste”, tudo faz parte do ser-aí, pois ele é na “verdade e
na não-verdade ao mesmo tempo”, movimentando-se “[...] faticamente em uma
livre opção entre duas coisas”.250
Segundo Heidegger, a Ciência é um tipo de verdade, sendo que essa
pertence ao ser-aí, pois:
Na medida em que esse ser-aí existe, ele é no seio da verdade.
Se retivermos essa ideia de verdade, se tornarmos assim a
ciência como um modo do ser-na-verdade, imediatamente nos
depararemos com algo conhecido; a ciência consiste justamente
em uma atitude particular. Sabemos, desde a Antiguidade, que a
ciência é uma atitude considerada teórica - teórica em
contraposição à prática. Teoria e prática significam: o mero pensar
e especular de um lado, a execução e aplicação do que foi
248
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 159-160
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 159-160
250 HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 163
249
89
pensado e conhecido do outro lado.251
Ao avaliar que “[...] uma ciência só é ciência na medida em que
consegue circunscrever previamente a constituição essencial do ente que ele
trata. Esse é o caráter propriamente matemático [...]”. Heidegger sinaliza que toda
e qualquer ciência necessita examinar “[...] que o ente que ela transforma em
objeto já precisa estar [...] definido em sua essência, para que toda questão
concreta possa encontrar um fio condutor para localizar o que é objeto nessa
ciência”. 252
Heidegger usa o termo “ontológico” ou “ontologia”, para a compreensão
inquietante sobre a concepção do próprio ser, inferindo que “[...] o uso linguístico
tem se mostrado indeterminado e equívoco [...]”; em relação ao referido termo,
geralmente utilizado para ôntico “[...] no sentido de que deixamos o ente viger por
ele mesmo e não deixamos que se evapore em termos idealistas. Tendência
ontológica na filosofia atual significa então: tendência para o realismo”. Essa
tendência caracteriza-se “[...] pelo fato de não formular o problema da ontologia e
de nem mesmo compreendê-lo”. 253
Nesta esteira,
[...] a verdade científica é apenas um tipo e uma possibilidade de
tornar o ente manifesto, e o ser-aí continua sim se comportando
em relação ao ente sem levar a termo a ciência como tal. Todo e
qualquer comportamento em relação ao ente, toda verdade ôntica
de qualquer tipo só é possível com base na verdade ontológica. A
verdade ontológica é mais originária do que a verdade ôntica; a
verdade ontológica é possibilitadora da verdade ôntica.254
Há uma conexão entre verdade ôntica e verdade ontológica, que
correspondente à diferença entre ser e ente. Nas palavras de Heidegger “[...] a
transcendência não é apenas a possibilidade interna da verdade ontológica e
também, indiretamente, da verdade ôntica [...]”, ou seja, “[...] ela é a condição de
possibilidade da diferenciação entre ser e ente, da diferenciação em função da
251
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 177-178
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 201
253 HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 215
254 HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 218-219
252
90
qual podemos de algum modo falar em ontologia”.255
Em síntese, para Heidegger, a “ciência é conhecimento positivo”,
significa
dizer
que
o
“conhecimento
é
direcionado
para
o
ente”;
concomitantemente, o “[...] conhecimento é sempre necessariamente direcionado
a um respectivo âmbito do ente”. Entretanto, a Filosofia não é nenhuma dessas
duas coisas, pois primeiro “[...] não está direcionada para o ente, mas para o ser”;
segundo “não está direcionada para um âmbito, também não para todos os
âmbitos em conjunto, mas, se está direcionada para o ente, então isso se dá a
partir da pergunta sobre o ser [...]”, direciona-se para o ente na totalidade, o que
Heidegger considera “essencialmente impossível”. 256
Streck, ao indagar o que há de errado com os projetos positivistas da
ciência jurídica, baseia-se em Heidegger para responder que:
[...] esse conceito corrente de ciência (como um universo teórico
de proposições válidas-verdadeiras) esconde um modo mais
originário do fenômeno da verdade. Isso porque a verdade deve
ser percebida já em meio à lida com o mundo prático e não
reduzida ao universo teorético das ciências. Afinal, a própria
verdade “teórica” das ciências é produto da interpretação
projetada pela compreensão. Portanto, há algo anterior à verdade
da ciência que, de certa forma, lhe é condição de possibilidade.
No caso do direito, o equívoco dos projetos positivistas está no
próprio recorte na totalidade do ente que tais teorias efetuam para
caracterizar o estudo do fenômeno jurídico. Dito de outro modo, o
modelo excessivamente teórico de abordagem gera uma espécie
de asfixia da realidade, do mundo prático. 257
Portanto, “[...] o contexto prático das relações humanas concretas, de
onde brota o direito, não aparece no campo de análise das teorias positivistas.
Isso gera problema de diversas matizes”. Streck argumenta ainda que “[...] o
principal problema aparece quando se procura determinar como ocorre e dentro
de quais limites deve ocorrer a decisão judicial”. As teorias, ao apostarem “[...] na
vontade do intérprete para resolver o problema [...]” geram “a discricionariedade
judicial”. Isso se evidencia que “sofrem de um letal déficit democrático”, o que
leva o autor ao seguinte questionamento: “como justificar, legitimamente, uma
255
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 2225
HEIDEGGER, Introdução à filosofia, 2008. p. 234
257 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010.*p. 253
256
91
decisão tomada pelo poder judiciário?” A decisão não ressoa das teorias, nem
poderia “[...] uma vez que essa dimensão dos acontecimentos fica fora de seu
campo de análise”.258
Streck menciona que tem insistido na “[...] problemática da validade da
explicitação da compreensão (portanto, da validade da interpretação) deve ser
analisada a partir da destruição do método que é proporcionada por Gadamer”.259
Na concepção de Streck:
[...] não há nisso um déficit de metodologia ou de racionalidade.
Essa ruptura não significou um ingresso na irracionalidade ou no
relativismo filosófico. Gadamer deixa claro que a ausência do
método não significa que se possa atribuir sentidos arbitrários aos
textos. Na medida em que a interpretação sempre se dá em um
caso concreto, não apenas fica nítida a impossibilidade de cisão
entre quaestio facti e quaestio juris. A hermenêutica não trata
apenas da faticidade; ela não apenas explica como se dá o
sentido ou as condições pelas quais compreendemos. Na
verdade, por ela estar calcada na circularidade hermenêutica, fato
e direito se conjuminam em uma síntese, que somente ocorre
concretamente, na applicatio (lembremos sempre que não se
cinde conhecimento, interpretação e aplicação).260
Importante se faz a abordagem de Streck em relação às posturas
críticas direcionadas à hermenêutica jurídica, conforme mencionado no estudo,
principalmente a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, que recebeu
influência “[...] da ontologia fundamental de matriz heideggeriana, a partir de seus
dois principais teoremas: o círculo hermenêutico [...] e a diferença ontológica [...]”.
Streck menciona que “[...] o conjunto de obra de Heidegger constitui-se em base
fundante de um novo olhar sobre a hermenêutica jurídica embora – registre-se – o
filósofo não tenha dedicado, em suas obras, espaço para o direito”. O autor
defende a importância de Heidegger, considerando que “[...] é facilmente
perceptível pela viragem ontológica (ontologishe Wendung) no campo da
hermenêutica jurídica, proporcionada por seu discípulo Hans-Georg Gadamer
[...]”.261
258
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010.*p. 253
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010.*p. 253
260 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010.*p. 253-254
261 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
259
92
Para Streck,
A fenomenologia hermenêutica permite superar o esquema
sujeito-objeto que tem tornado, historicamente, o pensamento
jurídico refém dos paradigmas objetivistas aristotélico-tomista e da
subjetividade. O círculo hermenêutico atravessa a relação sujeitoobjeto, a partir da antecipação de sentido, impedindo o objetivismo
e o subjetivismo próprios do pensamento metafísico. A
compreensão (Verstehen) ocorre no interior desse virtuoso círculo
hermenêutico. Qualquer interpretação que contribua para a
compreensão deve já haver compreendido o que se deve
interpretar, dirá Heidegger. Não se pode esquecer que o hásempre-ter-estado e a historiacidade do Dasein são as
características de nossa facticidade. Essa pré-estrutura projeta
nosso compreender e antecipa os sentidos que temos do
mundo.262
O jurista alerta, no entanto,
para a necessidade de ampliar os
horizontes em relação à pré-estrutura,
“[...] não significa, [...] que sejamos
prisioneiros”, pois “compreender não é um modo de conhecer, mas um modo de
ser. [...] essa circunstância ficará bem explicitada na hermenêutica gadameriana
desenvolvida em Warheit und Methode - compreender é, portanto, interpretar [...]”,
consequentemente, é a capacidade de deixar claro, sem ambiguidades, o que
compreendeu, “[...] não depende de um método, saltando-se assim, da
epistemologia da interpretação para a ontologia da compreensão”.263
Heidegger revela “um duplo nível na fenomenologia”, o hermenêutico –
“de profundidade, que estrutura a compreensão” e o “de caráter lógico,
explicitativo”, oportunizando um rompimento mítico em relação às “[...]teorias
argumentativas de cariz procedimental”. Dessa forma, afasta os “[...] modos
procedimentais de acesso ao conhecimento, questão que se torna absolutamente
relevante para aquilo que tem dominado o pensamento dos juristas [...]”. Na visão
de Streck, é “[...] o problema do método, considerado como supremo momento da
subjetividade e garantia da correção dos processos interpretativos”.264
A contribuição de Streck para a interpretação de Heidegger e Gadamer
é essencial, ao demonstrar que:
262
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99100
264 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99100
263
93
[...] esse déficit de realidade produzido pelas posturas
jusfilosóficas ainda prisioneiras do esquema sujeito-objeto será
preenchido pelas posturas interpretativas, especialmente as
hermenêutico-ontológicas, que deixam de hipostasiar o método e
o procedimento, colocando o locus da compreensão no modo-deser e na faticidade (mundo prático), bem na linha da viragem
ocorrida a partir de Wittgenstein e Heidegger. Assim, saltasse do
fundamentar enquanto busca de um fundamentum inconcussum,
em direção do compreender, onde este – o compreender – não é
mais um agir do sujeito, mas, sim, um modo-de-ser que se dá em
uma intersubjetividade. E isso é extremamente ruptural.265
Nessa seara, é imperioso entender que adotamos um movimento
direcionado a “[...] impossibilidade de fazer coincidir texto e sentido do texto
(norma), isto é, movemo-nos numa impossibilidade de fazer coincidir discursos de
validade e discursos de adequação”. Nesse cenário, verifica-se “[...] o embate
entre hermenêutica (filosófica) e a(s) teoria(s) discursiva(s)”. Significa dizer que
“[...] não conseguimos atingir um saber que possa abranger todos os modos de
aplicação dos textos jurídicos de uma vez”.266
Nesse sentido,
[...] a objetividade conteria as hipóteses aplicativas, em que o
texto conteria a norma, ou, melhor ainda, o texto (a regra) conteria
todas as normas (hipóteses de aplicação) possíveis. Se
trabalhamos no interior de um paradigma (o paradigma da
ontologische Wendung) no qual o direito assumiu um caráter
hermenêutico, que decorre da própria característica que marcou o
direito a partir do segundo pós-guerra, em que visivelmente a
tradição nos mostra o papel interventivo da jurisdição
constitucional, então a preocupação de qualquer teoria jurídica
deve estar voltada ao enfrentamento das consequências desse
fenômeno.267
Portanto,
é
preciso
entender
que
“[...]
o
primeiro
problema
metodológico – como se interpreta - tem uma resposta que está fundamentada na
superação do paradigma representacional, em que não mais cindimos
interpretação de aplicação”; já “[...] o segundo - como se aplica - parece bem mais
265
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da
discricionariedade
dos
juízes.
Disponível
em:
http://www.animaopet.com.br/pdf/anima1/artigo_Lenio_Luiz_Streck_hermeneutica.pdf Acesso em: 12 maio 2015. p.
5
266 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 7
267 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 7
94
difícil de resolver, isto é, aqui se trata de dar uma resposta talvez ao maior desafio
do direito nestes tempos de pós-positivismo: como evitar decisionismos,
ativismos, etc.”, objetivando “[...] alcançar uma resposta correta (adequada
constitucionalmente) em cada caso”.268
Nessa esteira,
[...] como transformar a Constituição - e a sua interpretação - em
um direito fundamental do cidadão, no sentido de que o resultado
dessa interpretação não seja fruto de um sujeito solipsista ou
dependente de métodos igualmente elaborados a partir do (velho)
paradigma representacional. Este é o cerne da discussão
hermenêutica, pois.269
Fachin argumenta que o pensamento de Heidegger centra-se na
“filosofia sobre o ser”, afirmando “[...] que na modernidade houve um
esquecimento do ser em prol do ente”. Dessa forma, “[...] haveria uma diferença
ontológica entre ser e ente, uma vez que enquanto o ser conforma uma questão
estritamente humana, o ente diz respeito apenas à base material do ser”.
Portanto, o “[...] ente é apenas um meio para que o ser se desenvolva”.270
Segundo Fachin, Heidegger critica a ciência moderna:
[...] justamente por investigar o ente em detrimento do ser,
colocando-o como objeto a ser entendido e estudado a partir de
sua externalidade. Partindo do problema do ser, Heidegger coloca
que a questão da existência humana precede o pensar (existo,
logo penso), conformando aquilo que ele define por das sein (seraí). O homem, assim, não é um sujeito, mas o conjunto homemmundo em um dado tempo; o homem apenas existe se no mundo
e se estiver nele inserto em um dado tempo. 271
O autor sintetiza ideias essenciais “ser, portanto, é um problema
temporal, e não puramente espacial. Concebido em um todo que abarca o ente e,
portanto, o espaço, o ser tem uma dimensão histórica [...]”, nessa dimensão “[...] o
268
STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 8
269 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 8
270 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para
o contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica. Rev.
TST, Brasília, v. 77, n. 4, out./dez., 2011. p. 189
271 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
189
95
homem se coloca na história por meio da linguagem (maneira pela qual pretende
cultivar o ser)”. A manifestação do ser pode ser verificada na “[...] cultura,
cultivada pela linguagem, e que se apresenta como uma questão aberta,
inclausurável, uma vez que a linguagem fenomenológica preenche-se pela
intuição [...]”.272
Conforme mencionado, a hermenêutica, para Heidegger, refere-se à
“[...] interpretação do objeto ente pela pré-concepção do intérprete ser, que só
existe enquanto tal em um dado tempo”. Revelando-se, dessa forma “[...] como
fenômeno da existência do ser, que abarca ontologicamente a totalidade por
traduzir o universo ente pela compreensão do sujeito ser”. Percepção que vai
influenciar “[...] importante segmento do pensamento contemporâneo [...]”.273
Cumpre registrar que foi a partir dos ensinamentos de Heidegger que
Gadamer “[...] passa a desenvolver sua base hermenêutica, colocando-a como
um processo que está para além do puro e simples interpretar, pois transcende o
texto escrito, compondo um colóquio dialético entre leitor e texto”. Para Gadamer,
“[...] a hermenêutica sintetiza um processo inerente ao saber humano e que tem
por escopo uma pré-compreensão ligada à existência humana e às suas
experiências”.274
Gadamer sustenta que “[...] todo saber humano tem uma précompreensão porque não se pode desvincular a interpretação do ser [...]”.
Remetendo ao entendimento que a pré-compreensão está ligada ao intérprete
enquanto pessoa humana, esse carrega consigo um contexto histórico, social,
econômico e linguístico, guardando “[...] um arcabouço de saberes que irão
influenciar tanto a sua análise quanto a própria maneira de expressar a sua
272
FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
189
273 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
189-190
274 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
190
para o
2011. p.
para o
2011. p.
para o
2011. p.
96
interpretação”. 275
Fachin, referindo-se à lição de Streck, salienta que “linguagem [é] a
casa do ser, onde a linguagem não é simplesmente objeto, e sim, horizonte
aberto e estruturado”. Para Gadamer, “[...] ter um mundo é ter uma linguagem”.276
Logo, para Gadamer, o intérprete precisa estar disposto a dialogar com
o texto “[...] para que, na proporção desta abertura, componha-se um plexo
dialético entre aquilo que é lido e aquilo que é pré-concebido [...]”. Dessa forma,
poderá firmar “[...] uma nova (e única) compreensão, que substituirá (ou não) os
pré-conceitos por conceitos novos e mais adequados”. Assim, o fenômeno
hermenêutico se torna compreensão e não mera percepção. 277
Depreende-se que a interpretação não é um método concebido para
obter uma verdade determinada, mas sim, um “fenômeno interpretativo” que se
vincula à “compreensão do ser”.278 Nessa contenda, é importante examinar a
resposta adequada numa perspectiva democrática, que tenha como base a précompreensão e a compreensão, a partir da dialética textual.
3.2 HERMENÊUTICA JURÍDICA NUMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA
Afirma Streck279 “ao contrário do que se apregoa, tenho que a
hermenêutica filosófica, assim como a teoria integrativa dworkiniana, tratam
adequadamente de uma teoria da decisão”. Todavia, “[...] a diferença é que
ambas não admitem aquilo que está no cerne da expressiva maioria das teorias
jurídicas contemporâneas: a discricionariedade dos juízes”. Segundo o autor:
275
FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
191
276 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
191
277 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
191
278 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica,
191
279 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 254
para o
2011. p.
para o
2011. p.
para o
2011. p.
para o
2011. p.
97
Se a hermenêutica e a teoria integrativa não se preocupassem
com a decisão, estas seriam relativistas, admitindo várias
respostas para cada problema jurídico. Não há dúvida de que uma
teoria jurídica democrática deve se preocupar com a validade
normativo-jurídica do concreto juízo decisório. O que não se pode
concordar é que, para alcançar esse juízo decisório, são possíveis
juízos discricionários, o que reforça(ria) novamente o solipsismo
interpretativo. 280
A questão da validade “[...] reside na circunstância de que não
podemos simplesmente confundir essa validade com uma espécie de imposição
ontológica [...]”, principalmente no que se refere às questões “[...] que se ocupam
determinados campos do conhecimento cientifico”. Não obstante, “[...] não
podemos mais pensar a validade como uma cadeia causal sucessiva que tornaria
verdadeiro um determinado conjunto de proposições jurídicas”. Nesse contexto, “a
validade é o resultado de determinados processos de argumentação em que se
confrontam razões e se reconhece a autoridade de um argumento”.281
Convém mencionar que “[...] a investigação dos compromissos do
direito processual civil com o paradigma dominante que transformou o direito em
uma ciência, sujeita aos princípios metodológicos das ciências duras [...]”,
contribuiu para “[...] a redução metodológica imposta no âmbito do ensino jurídico
[...]”, atingindo todo o Direito, sendo que “[...] o domínio jurídico mais danificado foi
o direito Processual [...]”, por tratar-se de um “[...] ramo do conhecimento jurídico
mais próximo do mundo da vida, da prática social e que, [...] pressupõe que o
acesso a seus domínios seja alcançado através da hermenêutica [...]”. Assim,
para a autora, é necessário superar “[...] o dogmatismo sedimentado [...] para que,
só então, o Direito recupere sua dimensão hermenêutica, a sua perspectiva
substancialista e, consequentemente, o seu sentido”. Para tanto, o enfrentamento
vai ao encontro do “[...] Estado Democrático de Direito e a dimensão
hermenêutica do direito, sem perder de vista o Homem, ou seja, garantir a
prevalência do direito, [...] e incluir a dimensão do tempo nos esquemas
discursivos”.282
280
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 254
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 254
282 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
281
98
Para Espindola,
Enquanto os juristas estiverem mergulhados na cultura liberal
individualista e a Constituição for compreendida como mera
instrumentalidade formal, o Direito não representará uma
possibilidade de transformar a realidade e toda a legislação, ainda
que sofra alguma reforma, restará mantida intacta, sem sofrer a
necessária filtragem hermenêutico-constitucional. Não basta a
emergência de um novo paradigma, há que ser sepultado o
paradigma dominante, pois os juristas ainda não compreendem o
sentido do direito num ambiente constitucional, não têm o
“cuidado” (sorge), não vivem na “angústia do estranhamento” e
reproduzem o “sentido comum teórico do jurista”. Trilhar, portanto,
o caminho que liberte do peso da herança racionalista e da
tentação das posturas procedimentalista para lidar com a tensão
entre Judiciário e Legislativo/Executivo é vital partir para um
enfrentamento com o homem, sua cultura, sua ética antes de
optar pela via da reforma dos poderes ou da legislação, pela
edificação de regras de conduta ou de procedimento. É esse o
significado das palavras de Heidegger: “Wege, nicht Werke”
(caminhos, não obras). 283
É indiscutível a essencialidade do Poder Judiciário numa perspectiva
democrática, “[...] tendo em vista que a função de aplicar a legislação é um fator
de transformação social, um instrumento de realização dos direitos fundamentais,
de implementação de políticas públicas e de diálogo entre as partes do processo”.
Ainda assim, mediante “[...] o fenômeno do neoconstitucionalismo, em que o
Poder Judiciário ocupa papel de destaque, necessita de meios para a obtenção
de respostas constitucionalmente adequadas com o sentido material da
Constituição [...]”, pois a ocorrência de arbitrariedades confronta-se com a
democracia. A discussão volta-se ao papel da jurisdição constitucional, ou seja,
“[...] da escolha entre respostas conteudísticas e procedimentais ou, se quiser,
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 132-133
283 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 182-183
99
entre verdade contra consenso [...], pois o direito é linguagem e a linguagem [...]
leva à interpretação”. 284
Assim, observa-se a importância de tratar sobre uma jurisdição capaz
de buscar respostas adequadas, levando em consideração a hermenêutica numa
perspectiva democrática.
Na concepção de Streck:
Contra o objetivismo do texto ou do sentido previamente dado ao
texto (posturas normativistas-semanticistas) e o subjetivismo
(posturas axiológicas lato sensu que desconsideram ou
relativizam o texto) do intérprete, cresce o papel da hermenêutica
filosófica e seu antirelativismo. Embora o avanço e a importância
das teorias do discurso para o enfrentamento das demandas de
um universo de direito pós-positivista, em que a jurisdição assume
especial relevância, pela necessidade de controlar a
indeterminabilidade das normas que não conseguem – por
impossibilidade filosófica – abarcar as diversas hipóteses de
aplicação, a hermenêutica filosófica, adaptada ao que venho
denominando de Crítica Hermenêutica do Direito, pretende ir além
dos discursos prévios de fundamentação trazidos pelas teorias
discursivas como solução para o problema da subjetividade (e,
portanto, da discricionariedade) do juiz.285
É preciso avaliar que “[...] o direito é um saber prático e que deve servir
para resolver problemas e concretizar os direitos fundamentais-sociais que
ganharam espaço nos textos constitucionais [...]”, é preciso superar barreiras que
obstaculizam “[...] o acontecer do constitucionalismo de caráter transformador
estabelecido pelo novo paradigma do Estado Democrático de Direito [...]”,
conjectura-se, dessa forma, a edificação de bases que viabilizem “[...] a
compreensão do estado da arte do modus operacional do Direito”.286
Ao refletir sobre a falta de efetividade da Constituição e sobre o que
isso representa, observa-se que vai além de um confronto de modelos de Direito,
considerado paradigmático. Na interpretação de Streck:
284
NASCIMENTO, Valéria Ribas. A filosofia hermenêutica para uma jurisdição Constitucional
democrática: fundamentação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade. Revista Direito
GV, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 147-168, jan./jun., 2009. p. 156
285 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 11
286 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 11-12
100
A Constituição ainda possui força normativa, pois penso que o
constitucionalismo do Estado Democrático de Direito (guardadas
as especificidades de cada país e de seus respectivos estágios de
desenvolvimento social e econômico) tem uma força sugestiva
relevante quando associado à ideia de estabilidade que, em
princípio, se supõe lhe estar imanente. Esta estabilidade está
articulada com o projeto da modernidade política, que,
sucessivamente implementado, respondeu a três violências
“triângulo dialéctico”, através da categoria político-estatal: a)
respondeu à falta de segurança e de liberdade, impondo a ordem
e o direito (o Estado de direito contra a violência física e o
arbítrio); b) deu resposta à desigualdade política alicerçando
liberdade e democracia (Estado democrático); c) combateu a
terceira violência - a pobreza – mediante esquemas de
socialidade. 287
Identifica-se que “[...] o papel diretivo da Constituição continua a ser o
suporte normativo do desenvolvimento deste projeto de modernidade”. 288 Para
Barroso, a constitucionalização quando vinculada ao “[...] Poder Judiciário, serve
de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado [...],
bem como condiciona a interpretação de todas as normas do sistema”.289
Fachin reporta-se à base hermenêutica de Gadamer, para demonstrar
que “quando um juiz interpreta uma norma que, geral como é, não pode conter
em si a realidade prática com toda sua correção [...]”, assim, ao adaptar-se às
exigências de “[...] um novo tempo, ele está a resolver um problema prático, o que
não significa que sua hermenêutica é arbitrária ou relativa”.290
Para Fachin, “aceitar que o ordenamento sempre conformará uma
contradição em potencial” é adotar uma “consciência crítica e dialética para com a
realidade [...], cuja centralidade do valor da pessoa impõe reler as relações
econômicas e, sobretudo, aquelas macroeconômicas”. Portanto, essa é “[...] a
consciência necessária para uma hermenêutica crítica do Direito, uma vez que o
287
STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 12
288 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 12
289 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito.
Disponível
em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf Acesso
em: 20 maio 2015.p. 17
290 FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
197
101
papel do conhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas também a
sua transformação”.291
Com base em Perlingieri, Fachin comenta que é preciso atentar para
[...] o dinamismo e à complexidade do Direito e de seu conteúdo,
afirmando que a sensibilidade jurídica, formada no seio do próprio
direito positivo, porém arrimada em valores sociais, é o maior
contributo do Direito Civil Constitucionalizado à doutrina
hermenêutica, pois a apropriação desta sensibilidade se traduz na
aquisição de um instrumento lógico e com argumentos para
utilizar não mecânica e repetitivamente, mas conhecendo os seus
fundamentos
culturais
e
as
consequências
também
socioeconômicas de sua aplicação.292
Ora, a dinamicidade citada simboliza o choque de ideias entre teoria e
práxis, que, no entendimento de Gadamer, por causa do “[...] suposto objetivo
dogmático da teoria, também contribuiu para que a hermenêutica jurídica se
separasse do conjunto de uma teoria da compreensão”.293
Assim sendo, observa-se que “[...] as leis, tratados, convenções,
decretos e regulamentos devem ser conhecidos pelo jurista não apenas em sua
literalidade, mas sob uma hermenêutica aprofundada, funcionalizada e aplicativa
[...]”. Essa orientada pela premissa “[...] da promoção da dignidade pessoa
humana na permanente dialética entre a norma e fato, entre o formal e o social
[...]”, talvez possibilitando um resultado que venha ao encontro da “[...] constante
reinvenção e renovação do direito”, pois “ignorar a realidade no estudo do Direito
é negar a própria ciência jurídica, uma vez que esta não se encerra em um
conjunto de regras e princípios interconectados”.294
291
FACHIN, Aspectos de alguns
contemporâneo direito civil brasileiro:
198
292 FACHIN, Aspectos de alguns
contemporâneo direito civil brasileiro:
198
293 FACHIN, Aspectos de alguns
contemporâneo direito civil brasileiro:
198
294 FACHIN, Aspectos de alguns
contemporâneo direito civil brasileiro:
199
pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
102
O Direito compõe-se de uma função ordenadora para compor a
estrutura de um todo maior, denominado estrutura social ou
realidade normativa. Nesse sentido, é indispensável que tanto o
direito quanto a sua teorização não percam jamais o sentido da
realidade. Àqueles que acusam essa hermenêutica de arbitrária e
frágil por não guardar um método único ou regras que melhor a
definam, conferindo-se, assim, maior previsibilidade ao
destinatário da norma, responde-se que o Direito não corresponde
ao clássico conceito de ciência, assim como a hermenêutica não é
o método por esta usado, uma vez que, se assim o fosse, a lei
seria, antes da interpretação, destituída de qualquer sentido,
significado ou significante, conformando tão somente um objeto,
quando, na verdade, ela própria já é fruto de uma dada
compreensão.295
Segundo Streck, é preciso analisar que Heidegger demonstrou que, em
Filosofia, é errado “pensar nas palavras como fonte de ‘essências de significado’”.
Disso se depreende que Heidegger era um crítico da “existência de uma filosofia
da linguagem”, em razão desta desconsiderar “o lugar mais originário” onde a
questão da linguagem nasce.296
Nesse sentido, afirma Heidegger que “a totalidade significativa da
compreensibilidade vem à palavra. Das significações brotam palavras. As
palavras, porém, não são coisas dotadas de significados”.297 Streck salienta que
Heidegger, após demonstrar “[...] como o enunciado é um modo derivado da
interpretação (que por sua vez foi possibilitada por uma (pré) compreensão
existencial) [...]”, demonstra que “[...] não é nas palavras que devemos buscar os
significados do mundo (ou do direito, para ser mais específico), mas é para
significar (o direito) que necessitamos de palavras”. Portanto, as palavras têm
esse fim, dotar as coisa de significado.298
A compreensão se efetiva no momento em “[...] que a articulação do
significado dado às coisas (ou ao Direito) esteja provido de sentido”. Explica
Streck:
295
FACHIN, Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica, 2011. p.
199
296 STRECK, Lenio Luiz. Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
297 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12 ed. Rio
de Janeiro: Editora Vozes, 2002. p. 219
298 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
103
[...] o Dasein, em seu modo prático de ser-no-mundo, desde
sempre já se move – compreensivamente – em um todo de
significados – que em Ser e Tempo recebe o nome de
significância – e é desta relação fática de compreensão
afetivamente disposta que brotam as significações das palavras.
Dito de outro modo: articulamos as palavras que temos
disponíveis projetando sentidos a partir deste todo de significados.
Ou seja, o discurso – que é o modo de manifestação da
linguagem – é articulado sempre imerso nesta dimensão de
(pré)compreensibilidade da significância. Esse é o significado da
pré-compreensão. Ela não é uma criação da hermenêutica
filosófica de Gadamer. Ao contrário, o próprio Gadamer admite em
Verdade e Método que a pré-compreensão – tese fundamental
para construção de sua filosofia – é uma descoberta
heideggeriana.299
Observe-se que em Heidegger encontra-se o recurso eficaz contra o
relativismo. Sua obra “Ser e Tempo é um livro antirelativista” remonta de uma
época de pessimismos na esfera social, econômica e filosófica, na qual, segundo
Streck, “[...] não faltavam teses que interpretavam o mundo no sentido do juízo
final e do recomeço radical [...]”, portanto, considera que a obra “Ser e Tempo”
reconhece a “[...] verdade como dimensão em que o ser-aí (Dasein) desde
sempre se movimenta”. Nessa configuração, o problema da “significância”,
enquanto organização antecipada “[...] do enunciado e da constituição existencial
(prévia) da compreensão são as questões nucleares para a correta introdução ao
problema da pré-compreensão e sua relação com a verdade”.300
De um lado, tem-se a hermenêutica filosófica trabalhando “[...] no nível
de um como hermenêutico estruturante da compreensão, que antecipa o sentido
a partir do círculo hermenêutico [...]”, de outro “[...] as teorias discursivas – nas
suas variadas formas – permanecem no nível de um como apofântico, axiomáticodedutivo, de caráter lógico”. Note-se que nem compreensão e aplicação ocorrem
em “etapas”, apenas “coincidem”. Denotando valor aos “[...] argumentos baseados
em juízos de coerência e integridade, que são condição de possibilidade para
qualquer interpretação”. Nesse sentido, Gadamer é categórico quanto ao
reconhecimento do “[...] terreno que a hermenêutica jurídica partilha com a
299
300
STRECK, Lenio Luiz. Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
STRECK, Lenio Luiz. Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
104
retórica: o terreno dos argumentos persuasivos, e não dos argumentos
logicamente concludentes”.301
Assim, em tempos de “[...] Constituições compromissórias e sociais,
enfim, em pleno pós-positivismo, uma hermenêutica jurídica capaz de intermediar
a tensão inexorável entre o texto e o sentido do texto não pode [...]” ser
interpretada como “[...] uma teoria ornamental do Direito, que sirva tão somente
para colocar capas de sentido aos textos jurídicos”.302 Salienta Streck:
No interior da virtuosidade do círculo hermenêutico, o
compreender não ocorre por dedução. Consequentemente, o
método (o procedimento discursivo) sempre chega tarde, porque
pressupõe saberes teóricos separados da realidade. Antes de
argumentar, o intérprete já compreendeu. A compreensão
antecede, pois, qualquer argumentação. Ela é condição de
possibilidade. Portanto, é equivocado afirmar, por exemplo, que o
juiz primeiro decide, para só depois fundamentar; na verdade, ele
só decide porque já encontrou, na antecipação de sentido, o
fundamento (a justificação). 303
Significa dizer que apenas é possível compreender, no momento em
que se admite a “[...] tese de que a linguagem não é um mero instrumento ou
terceira coisa que se interpõe entre um sujeito (cognoscente) e um objeto
(cognoscível)”. De fato há no conhecimento humano uma imensa lacuna, a qual
contribui para separar “[...] o homem das coisas e da compreensão acerca de
como elas são, não depende no plano da hermenêutica jurídico-filosófica de
pontes que venham ser construídas - paradoxalmente - depois que a [...]
antecipação de sentido já tenha sido feita”.304
Reconhece-se, dessa forma, a relevância da pré-compreensão, abrese a possibilidade de examinar a hermenêutica jurídica sobre uma nova
perspectiva. Pois “nossos pré-juízos que conformam a nossa pré-compreensão
não são jamais arbitrários. Pré-juízos não são inventados; eles nos orientam no
301
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos
superação do esquema sujeito-objeto. Revista Seqüência, n. 54, p. 29-46, jul. 2007. p. 36
302 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 36-37
303 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 37
304 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 37
de
do
do
do
105
emaranhado da tradição, que pode ser autêntica ou inautêntica”. Porém, “[...] isso
não depende da discricionariedade do intérprete e tampouco de um controle
metodológico”, pois ele “[...] não domina a tradição. Os sentidos que atribuirá ao
texto não dependem de sua vontade, por mais que assim queiram os adeptos do
(metafísico) esquema representacional sujeito-objeto”.
305
Desse modo, avalia
Streck:
O processo unitário da compreensão, pelo qual interpretar é
aplicar (applicatio) – que desmitifica a tese de que primeiro
conheço, depois interpreto e só depois eu aplico, transforma-se
em uma espécie de blindagem contra as opiniões arbitrárias. A
interpretação jamais se dará em abstrato, como se a lei (o texto)
fosse um objeto cultural. Há, sempre, um processo de concreção,
que é a applicatio, momento do acontecer do sentido, que ocorre
na diferença ontológica. Não há textos sem normas; não há
normas sem fatos. Não há interpretação sem relação social. É no
caso concreto que se dará o sentido, que é único; irrepetível. 306
Referindo-se à obra Verdade e Método de Gadamer, Streck mostra que
veio a lume “[...] uma nova teoria da experiência Hermenêutica que vai além da
tradicional concepção que a equipara a uma metodologia científica”. Explica que
“baseado nas conclusões de Heidegger, opõe verdade a método e refuta a tese
de que este é consequência lógica daquela, afirmando que a Hermenêutica é uma
disciplina filosófica que estuda o fenômeno da compreensão em si [...]”, ou seja,
“processo do compreender”. Tem origem, assim, a verdadeira busca filosófica,
pois se “[...] o Historicismo acredita que a distância no tempo é uma barreira que
impossibilita a compreensão e que só pode ser superada com a ajuda de métodos
que permitam a transferência do intérprete ao passado”, contrapõe-se Gadamer,
ao demonstrar que “[...] essa distância no tempo é precisamente o fator que
permite a compreensão. Só quando as coisas se captam à distância do intérprete
é que podem ter seu verdadeiro sentido compreendido”. Acrescente-se que “[...] a
interpretação, a compreensão e a aplicação da norma não ocorrem em momentos
305
STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 37
306 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 37
106
distintos, mas são fruto de um fenômeno unitário [...]”, o que significa, então, que
não pode ser segmentado.307
Portanto, é em Gadamer que se entende ser o “[...] ato de interpretação
é também um ato de aplicação e compreensão, e se todo ato de aplicação do
Direito é um ato de aplicação da Constituição [...]”, desta forma, a Constituição é
sempre base para aplicação do Direito. Como diz Streck “[...] a Constituição,
enquanto fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, é condição de
possibilidade para que o intérprete possa compreender qualquer outro texto
normativo”. 308
Confirma-se, assim, que compreensão, interpretação e aplicação da
norma, segundo Gadamer, se dão em um só momento. São, concomitantemente,
uma compreensão, interpretação e aplicação da Constituição. “Portanto, não é
possível interpretar uma norma desvinculada da pré-compreensão que o
intérprete tem da própria Constituição”.309
Para Staffen,
[...] não faz sentido manter-se devoto, como se preso a dogma, as
tradicionais formulações processuais. Não há hipótese plausível
de coabitação entre processo como relação jurídica ou como
instrumento a serviço da jurisdição e dos desígnios do Estado e
qualquer exercício de hermenêutica filosófica. A relação de
ascendência de uma parte sobre a outra impede qualquer
exercício satisfatório e igualitário de linguagem. Ainda que
supostamente presente um diálogo, estará cerceado por inúmeros
obstáculos. Por isso, a partir de um modelo constitucional
(garantista) de processo, a atividade de des-velamento requer a
compreensão da facticidade e da historicidade das ações
mediante
um
processo
interpretativo
substancialmente
democrático, praticado via linguagem, nos ditames do devido
processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da isonomia, da
autoridade competente, da presunção prévia de não-
307
COSTA, Rafael de Oliveira. Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Filosófica: Horizontes
da Previsibilidade das Decisões Judiciais. Direito, Estado e Sociedade n. 44, p. 122 a 141
jan./jun., 2014. p. 125
308 COSTA, Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Filosófica: Horizontes da Previsibilidade
das Decisões Judiciais, 2014. p. 126
309 COSTA, Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Filosófica: Horizontes da Previsibilidade
das Decisões Judiciais, 2014. p. 126
107
culpabilidade.310
Atribui-se, assim, importância à visibilidade sobre a “[...] précompreensão e a compreensão de determinado acontecimento que exige a
participação dos interessados”, infere Staffen que “a decisão, muito embora na
sua concepção original vincule-se a ideia de revelação divina (Urtheil), não pode
ser resultado de um monólogo”. Nesse sentido, “[...] cânones do tipo relação
jurídica processual, instrumentalidade, jurisdição como atividade do poder devem
ceder espaço para um novo paradigma processual [...]”, que venha ao encontro
da garantia dos direitos fundamentais. “Por consequência, defensor dos
indivíduos frente ao Estado e demais poderes e de igual sorte, preocupado com a
inclusão e participação democrática dos destinatários do ato final em igualdade
material”. 311
Leciona Streck:
A introdução do mundo prático na filosofia feita por Heidegger e
reafirmada mais tarde por Gadamer é que possibilita esse olhar
ruptural em direção aos - agora ultrapassados - paradigmas
metafísico clássico e moderno. Assim, no plano de uma
hermenêutica superadora do esquema sujeito-objeto, é necessário
ter presente que, para interpretar, necessitamos compreender. E
para compreender, temos que ter uma pré-compreensão,
constituída de estrutura prévia do sentido – que se funda
essencialmente em uma posição prévia (Vorhabe), visão prévia
(Vorsicht) e concepção prévia (Vorgriff) – que já une todas as
partes do sistema.312
Para o jurista, a interpretação é responsável pela “[...] estrutura do
nosso modo de ser no mundo [...]”. Somente é passível compreender a partir
daquilo que se tem prévio conhecimento, ou seja, se atribui sentido a
compreensão que se tem sobre algo. Nas palavras do autor, “compreender é um
existencial, que é uma categoria pela qual o homem se constitui. A faticidade, a
possibilidade e a compreensão são alguns desses existenciais”. Portanto, “é no
nosso modo da compreensão enquanto ser no mundo que exsurgirá a norma
310
STAFFEN, Márcio Ricardo. Hermenêutica e justificação jurídica: reflexões sobre a
(in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados. Revista
do Direito UNISC, Santa Cruz do Sul, n. 44, p.164-191, set./dez., 2014. p. 10
311 STAFFEN, Hermenêutica e justificação jurídica: reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos
postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados, 2014. p. 10
312 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira
positivista. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 52, p. 127-162, jan./jun. 2008. p. 134
108
(sentido do texto) produto da síntese hermenêutica, que se dá a partir da
faticidade e historicidade do intérprete”.313
Convém assim ponderar sobre a superação da denominada “[...]
hermenêutica jurídica como técnica no seio da doutrina e da jurisprudência
praticadas cotidianamente [...]”, todavia, será preciso aceitar a distinção existente
“[...] entre o texto jurídico e o sentido desse texto, isto é, que o texto não carrega,
de forma reificada, o seu sentido (a sua norma). Trata-se de entender que entre
texto e norma não há uma equivalência e tampouco uma total autonomização
(cisão)”. 314
Nesse contexto, há que se verificar:
Entre texto e norma há, sim, uma diferença, que é ontológica
(ontologische Differenz), isto porque – e aqui a importância dos
dois teoremas fundamentais da hermenêutica jurídica de cariz
filosófico – o ser é sempre o ser de um ente e o ente só é no seu
ser. O ser existe para dar sentido aos entes. Por isso há uma
diferença ontológica (não ontológico-essencialista, é óbvio) entre
ser e ente, tese que ingressa no plano da hermenêutica jurídica
para superar, tanto o problema da equiparação/imanência entre
vigência e validade, como o da total cisão entre texto e norma,
resquícios de um positivismo jurídico que convive com uma total
discricionariedade no ato interpretativo, que descamba,
inexoravelmente, em arbitrariedades, grau de zero de sentido, etc.
315
Importante registrar que “[...] na medida em que o ser é sempre o ser
de um ente, isto é, o ser não flutua no ar (não pode ser visto), portanto, só ocorre
nas coisas (entes), este não pode ser entificado”. É preciso lembrar que “[...]
sentido é aquilo dentro do qual o significado pode se dar, isto é, o significado é o
conteúdo predicado de um enunciado”. 316
313
STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 134
314 “Na verdade, no interior da dogmática jurídica ocorre uma bricolagem de várias teorias e
posturas, juntando teses absolutamente inconciliáveis, formando um sincretismo hermenêutico,
vulgata de uma construção teórica que nada mais faz do que reforçar a discricionariedade
positivista”. STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira
positivista, 2008. p. 134-135
315 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 135
316 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 135
109
Tenha-se presente que “na fenomenologia hermenêutica, opera-se
com os conceitos de abertura (Erschlossenheit) e encobrimento (Verborgenheit),
em que o sentido é possibilitado pela abertura e desaparece pelo encobrimento,
mas sempre num horizonte de sentido que depende do modo de ser do Dasein”.
Assim, o sentido é um incansável vislumbrar, já que ocorre “[...] graças à abertura
ou o encobrimento próprio da existência. A fenomenologia hermenêutica será
justamente o modo de descrever as coisas como elas acontecem”. 317
Ao se abordar a possível resposta adequada, com base em Streck,
percebe-se que a hermenêutica se afasta do decisionismo e do subjetivismo.
Observando a perspectiva de Gadamer, o qual “[...] rejeita peremptoriamente
qualquer acusação de relativismo à hermenêutica jurídica. Isso porque,
paradoxalmente, falar de relativismo é admitir verdades absolutas, problemática,
aliás, jamais demonstrada”. A hermenêutica encontra-se distante do relativismo,
por negar a finitude e a temporalidade. 318
Nessa seara, é fundamental que o Poder Judiciário adote uma
perspectiva democrática, pois a função de aplicar o Direito decorre de
transformações sociais. Sendo um mecanismo de concretização dos direitos
fundamentais, exsurge a necessidade de meios que venham ao encontro de
respostas
constitucionalmente
adequadas
“com
o
sentido
material
da
Constituição”. Nessa esteira, é preciso se afastar de arbitrariedades, pois essas
afrontam a democracia.319
3.3 STRECK E A POSSÍVEL RESPOSTA ADEQUADA
É possível afirmar que vários estudos abordam a problemática inerente
à possível resposta adequada. Streck é considerado marco teórico ao examinar a
temática, com base nas formas de interpretação e aplicação da constituição,
propicia reflexão sobre como (re)pensar o direito.
317
STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 135
318 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 135
319 NASCIMENTO, A filosofia hermenêutica para uma jurisdição Constitucional democrática:
fundamentação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade, 2009. p. 156
110
O autor defende ser possível e necessário encontrar respostas corretas
em
Direito,
para
tanto,
propõe
como
fórmula
“respostas
adequadas
constitucionalmente”.320 Esse entendimento é condizente com a hermenêutica
filosófica, na qual o autor trabalha uma crítica hermenêutica ao Direito, inferindo
sobre a possibilidade de alcançar o que ele denomina de
“resposta
hermeneuticamente adequada à Constituição. Sua linha de análise enfatiza a
interpretação das ciências jurídicas no Estado Democrático de Direito, inferindo
ser ela “[...] incompatível com esquemas interpretativos-procedimentais que
conduzam
a
múltiplas
respostas,
cuja
consequência
(ou
origem)
são
discricionaridades, arbitrariedades e decisionismo”.321
Castanheira Neves argumenta que:
[...] um modo específico de realização do direito (de execução da
lei), a diferenciar metodologicamente de uma estrita e rigorosa
aplicação da lei ou do direito. E se é assim, na verdade, que
vemos hoje pôr-se em geral o problema da discricionariedade – no
quadro da problemática geral da metodologia da aplicação do
direito, e, por isso, menos como problema dogmático do que como
problema metodológico -, é evidente que ele só pode pensar-se
dessa forma depois que a Administração e a Justiça foram
concebidas como funções chamadas as duas (não apenas esta,
mas igualmente aquela) a desempenharem-se, em princípio, das
suas respectivas intenções em termos de execução ou aplicação
da lei.322
Espíndola sustenta que se revela atualmente um espaço viabilizador de
uma releitura de “[...] um novo paradigma hermenêutico ou, quiçá, para a
libertação do direito dos grilhões paradigmáticos, favorecendo, deste modo, o
reconhecimento de que o direito nasce do fato e não da lei”. Todavia, há
necessidade de disposição para efetivar essa releitura, para tanto é fundamental
se afastar e superar juízos pré-concebidos.323
320
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 265
STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 337
322 CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros. Coimbra Editora, 1995.
323 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 128
321
111
A
dinâmica
da
sociedade
associada
à
“multiplicação
de
direitos/ampliação dos status dos sujeitos”, revelaram a necessidade de
indagações referentes ao “[...] papel da jurisdição ante a concretização dos
direitos [...], bem como o reconhecimento da “[...] função social do direito
processual [...]”, numa perspectiva de superação desse como mero procedimento.
324
Assim, baseando-se em Castanheira Neves, Espíndola registra que:
[...] os problemas estruturais ou externos ao exercício da
jurisdição e o problema intencional, ou seja, o problema do
sentido, do sentido da jurisdição, o qual orienta a discussão sobre
a Crise do Juiz, a Crise da Justiça. Crises essas que não podem
se traduzir exclusivamente ao negativo circunstancial, mas, em
especial, à consumação histórico-cultural de um sistema, ou seja,
perda contextual de sentido das referências até então regulativas.
Para adotar uma terminologia que já faz parte do modismo
intelectual, a crise representa o cenário de um paradigma que,
antes em vigor, agora se esgotou, clamando por um novo
paradigma, por um novo modelo de pensamento. 325
A posição da autora firma-se no sentido de que “[...] a solução correta
ou adequada será um correlato funcional do que seja ou se pretenda que seja a
jurisdição enquanto tal”. Referenciando Castanheira Neves, “[...] pensar o sentido
da jurisdição é pensar a sua relação com o direito (juris-dictio), o que significa que
um diferente sentido do direito implicará correlativamente um diferente sentido da
jurisdição chamada a realizá-lo”. Portanto, torna-se essencial atentar para os “[...]
problemas estruturais do poder judiciário e da jurisdição, investigar sobre o
problema do sentido, do sentido da jurisdição [...]”.326
Isso tudo conduz novamente ao pensamento de Castanheira Neves,
para quem a possível resposta no Estado de Direito encontra respaldo no
reconhecimento da universalidade dos princípios normativos, como também na
324
ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 128-129
325 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 128-129
326 ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de
possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função?
(ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil
do estado democrático de direito?), 2008. p. 130
112
concretização da Constituição. Numa perspectiva democrática, é preciso
considerar “[...] a defesa da jurisdição estatal como instituição indispensável [...]
para o exercício da cidadania”. 327
De acordo com Streck, “[...] o texto da Constituição só pode ser
entendido a partir de sua aplicação. Entender sem aplicação não é um entender”.
A interpretação do autor refere-se à “applicatio”,328 que significa “norma(tização)
do texto constitucional”. Explica que a Constituição, “[...] será, assim, o resultado
de sua interpretação (portanto, de sua compreensão como Constituição), que tem
o seu acontecimento (Ereignis) no ato aplicativo, concreto, produto da
intersubjetividade dos juristas [...]”, que nasce da dificuldade das relações
sociais.329
Para compreender a Constituição, é preciso confrontá-la “[...] com a
sociedade para a qual é dirigida [...]”, percebendo-se a “[...] ausência de justiça
social (cujo comando de resgate está no texto constitucional [...]”; constata-se que
“[...] os direitos fundamentais-sociais somente foram integrados ao texto
constitucional pela exata razão de que a imensa maioria da população não os têm
[...]”; daí observa-se que “[...] a Constituição é, também [...] a própria ineficácia da
“É preciso agora investigar sobre os modelos de juridicidade e seus correlativos modelos de
jurisdição, entre os quais se pode continuar no caminho para uma resposta. Para tanto, assumese a perspectiva da Castanheira Neves, a partir da qual são identificados os três modelos
atualmente alternativos de realização jurisdicional do direito, os quais se apresentam entre o
legislador, a sociedade e o juiz. Estes três modelos são: o normativismo legalista, o funcionalismo
jurídico e o jurisprudencialismo”. ESPINDOLA, Superação do racionalismo no processo civil
enquanto condição de possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um
problema de estrutura ou função? (ou: por que é preciso navegar em direção à ilha desconhecida
e construir o direito processual civil do estado democrático de direito?), 2008. p. 137-138
328 “Applicatio significa o ponto de estofo do sentido, em que fato é norma e norma é fato. Ou seja,
é evidente que não há só textos; o que há são normas (porque a norma é o resultado da
interpretação do texto). Mas também não há somente normas, porque nelas está contida a
normatividade que abrange a realização concreta do Direito. No plano de uma hermenêutica
jurídica de cariz filosófico, a norma será o locus do acontecer (Ereignen) da efetiva concretização
dos direitos previstos na lei (compreendida na diferença ontológica existente entre texto e norma e
vigência e validade). Deixemos bem claro: interpretação e aplicação são coisas incindíveis. Em
vez de cisão, uma diferença, que, no plano da Crítica Hermenêutica do Direito, é trabalhada como
- diferença ontológica entre texto e norma [...]”. STRECK, Lenio Luiz. Superando os diversos tipos
de positivismo: Porque Hermenêutica é Applicatio? Revista do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFC, v, 34. n.2, jul./dez., 2014. p. 281.
329 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 350
327
113
expressiva maioria dos seus dispositivos (que é, finalmente, o retrato da própria
realidade social) [...]”.330
Segundo Streck,
[...] a Constituição não é somente um documento que estabelece
direitos, mas, mais do que isto, ao estabelecê-los, a Constituição
coloca a lume e expõe dramaticamente a sua ausência,
desnudando as mazelas da sociedade; [...] a Constituição não é
uma mera Lei Fundamental (texto) que - toma lugar no mundo
social jurídico, estabelecendo um novo - dever-ser, até porque
antes dela havia uma outra - Constituição e antes desta outras
quatro na era republicana... , mas, sim, é da Constituição, nascida
do processo constituinte, como algo que constitui, que deve
exsurgir uma nova sociedade, não evidentemente rebocando a
política, mas permitindo que a política seja feita de acordo com a
Constituição.331
Essas colocações decorrem da “[...] baixa compreensão acerca do
sentido da Constituição - naquilo que ela significa no âmbito do Estado
Democrático de Direito - inexoravelmente acarretará uma - baixa aplicação [...]”,
reduzindo, assim, a possibilidade da “[...] concretização dos direitos fundamentaissociais”. Streck vincula a baixa compreensão da Constituição ao “[...] senso
comum teórico que atravessa o imaginário dos juristas. Nele, os juristas operam
como se o Direito fosse composto por dois mundos [...]”, o primeiro de concepção
objetivista, no qual “[...] lei e Direito e texto e norma estariam colados - e o da
perspectiva subjetivista, em que o intérprete se assenhora dos sentidos da lei,
descolando - a norma do texto”. 332
330
STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: Porque Hermenêutica é Applicatio?,
2014. p. 282.
331 STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: Porque Hermenêutica é Applicatio?,
2014. p. 282.
332 “Ora, as condições de possibilidades para que o intérprete possa compreender um texto
implicam (sempre e inexoravelmente) a existência de uma pré-compreensão (seus pré-juízos)
acerca da totalidade (que a sua linguagem lhe possibilita) do sistema jurídico-político-social. [...]
em qualquer das teses que procuram resolver a questão de como se interpreta e como se aplica,
localiza-se no sujeito da modernidade, isto é, no sujeito “da subjetividade assujeitadora”, objeto da
ruptura ocorrida no campo da filosofia pelo giro linguístico-ontológico e que não foi recepcionado
pelo direito. Isso significa poder afirmar que qualquer fórmula hermenêutico-interpretativa que
continue a apostar no solipsismo estará fadada a depender de um sujeito individualista (ou
egoísta, para usar a melhor tradução da palavra em alemão Selbstsüchtiger), como que a
repristinar o nascedouro do positivismo através do nominalismo. Está-se lidando, pois, com
rupturas paradigmáticas e princípios epocais que fundamentam o conhecimento em distintos
períodos da história (do eidos platônico ao último princípio fundante da metafísica moderna: a
114
É preciso considerar, portanto, que “[...] para superar o positivismo é
preciso superar também aquilo que o sustenta: o primado epistemológico do
sujeito (da subjetividade assujeitadora) e o solipsismo teórico da filosofia da
consciência [...]”. Não tem como fugir disso. Aliás, para Streck, as teorias
baseadas “no esquema sujeito-objeto” representam uma armadilha, a qual pode
ser superada por meio da hermenêutica, ao se refletir de forma adequada sobre
“[...] uma teoria da decisão judicial, livre que está tanto das amarras desse sujeito
onde reside a razão prática como daquelas posturas que buscam substituir esse
sujeito por estruturas ou sistemas”. Esse cenário talvez represente “[...] a chave
de toda a problemática relativa ao enfrentamento do positivismo e de suas
condições de possibilidade”.333
Não por outro motivo, é relevante demonstrar que:
[...] persistem equívocos nas construções epistêmicas atuais e
como tais equívocos se dão em virtude do uso aleatório das
posições dos vários autores que compõe o chamado póspositivismo. Com efeito, isso fica evidente no conceito de
princípio. O caráter normativo dos princípios – que é reivindicado
no horizonte das teorias pós-positivistas – não pode ser encarado
como um álibi para a discricionariedade, pois, desse modo,
estaríamos voltando para o grande problema não resolvido pelo
positivismo.334
A análise reflete a crítica de Streck à “tese da abertura (semântica) dos
princípios”, com a qual trabalha a teoria da argumentação, bem como outras que
o autor entende não possuírem “filiação a matrizes teóricas definidas”, daí sua
incompatibilidade “com o modelo pós-positivista de teoria do Direito”. Já que “[...]
o positivismo sempre nutriu uma espécie de aversão aos princípios”. 335
Sustenta Streck:
A superação do positivismo implica enfrentamento do problema da
discricionariedade judicial ou, também poderíamos falar, no
enfrentamento do solipsismo da razão prática. Implica, também,
assumir uma tese de descontinuidade com relação ao conceito de
princípio. Ou seja, no pós-positivismo, os princípios não podem
vontade do poder, de Nietzsche).” STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: Porque
Hermenêutica é Applicatio?, 2014. p. 283.
333 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 267
334 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 267
335 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 267
115
mais serem tratados no sentido dos velhos princípios gerais do
direito nem como cláusulas de abertura.336
Nessa perspectiva, a teoria pós-positivista precisa superar, de acordo
com Streck, três elementos estruturais dos positivismos jurídicos, justificando o
autor que essa necessidade advém de o positivismo ter se caracterizado “[...]
pelas fontes sociais do Direito, pela separação entre Direito e moral e pela
discricionariedade delegada ao juiz nos hard cases ou nas incertezas da
linguagem em geral”; ainda é observável “[...] uma correspondência de tais
características
com
os
obstáculos
opostos
pelo
positivismo
ao
[...]
neoconstitucionalismo: a falta de uma nova teoria das fontes, a falta de uma nova
teoria da norma e a ausência de uma teoria da interpretação [...]”.337
Em seu entendimento, existe uma maneira de “unificar essas
características e os obstáculos, uma vez que é possível vislumbrar uma
imbricação ou cruzamento entre eles”. Para tanto, Streck argumenta que a
construção de uma teoria pós-positivista precisa observar alguns elementos.338
Não pode restar dúvida de que tanto a separação como a
dependência/vinculação entre direito e moral estão ultrapassadas,
em face daquilo que se convencionou chamar de
institucionalização da moral no direito (esta é uma fundamental
contribuição de Habermas para o direito: a co-originariedade entre
direito e moral), circunstância que reforça, sobremodo, a
autonomia do direito. Isto porque a moral regula o comportamento
interno das pessoas, só que esta “regulação” não tem força
jurídico-normativa. O que tem força vinculativa, cogente, é o
direito, que recebe conteúdos morais (apenas) quando de sua
elaboração legislativa. Observemos: é por isso que o Estado
Democrático de Direito não admite discricionariedade (nem) para
336
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 268
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 268
338 “Há que se ter presente que o direito do Estado Democrático de Direito supera a noção de
“fontes sociais”, em face daquilo que podemos chamar de prospectividade, isto é, o direito não
vem a reboque dos “fatos sociais” e, sim, aponta para a reconstrução da sociedade. Isso é
facilmente detectável nos textos constitucionais, como em terrae brasilis, onde a Constituição
estabelece que o Brasil é uma República que visa a erradicar a pobreza, etc, além de uma gama
de preceitos que estabelecem as possibilidades (e determinações) do resgate das promessas
incumpridas da modernidade. Essa problemática tem relação direta com a construção de uma
nova teoria das fontes, uma vez que a Constituição será o locus da construção do direito dessa
nova fase do Estado (Democrático de Direito). Consequentemente, não mais há que se falar em
qualquer possibilidade de normas jurídicas que contrariem a Constituição e que possam continuar
válidas; mais do que isso, muda a noção de parametricidade, na medida em que a Constituição
pode ser aplicada sem a interpositio legislatoris, fonte de serôdias teorias que relativizavam a
validade/eficácia das normas.” STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p.
268
337
116
o legislador, porque ele está vinculado a Constituição (lembremos
sempre a ruptura paradigmática que representou o
constitucionalismo compromissório e social).339
Entende-se, com base nos elementos caracterizadores de uma teoria
pós-positivista, que “[...] no paradigma do Estado Democrático Constitucional, o
direito, para não ser solapado pela economia, pela política e pela moral [...]
adquire uma autonomia que, antes de tudo, funciona como uma blindagem [...]”
contra as próprias dimensões que o inventaram.340 Note-se que a “Nova Crítica do
Direito
está
para
além
do
caráter
lógico-argumentativo
das
teorias
discursivas/argumentativas, ligando-se ao mundo prático, ao círculo hermenêutico
e à diferença ontológica”.341 A partir desse raciocínio de Streck, Nascimento
argumenta que é “[...] imprescindível que se superem os paradigmas aristotélicotomista e da filosofia da consciência, ainda impregnados na jurisdição
constitucional brasileira”.342
Atenha-se que:
“[...]. Tudo isso significa assumir que os princípios constitucionais - e a Constituição lato sensu
(afinal, qualquer prospecção hermenêutica que se faça – seja a partir de Dworkin, Gadamer ou
Habermas – só tem sentido no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito – ao
contrário do que se possa pensar, não remete para uma limitação do direito (e de seu grau de
autonomia), e, sim, para o fortalecimento de sua de autonomia. Consequentemente, nos casos
assim denominados de “difíceis”, não é mais possível “delegar” para o juiz a sua resolução. Isto
porque não podemos mais aceitar que, em pleno Estado Democrático de Direito, ainda se postule
que a luz para determinação do direito in concreto provenha do protagonista da sentença. Isso
significa que, para além da cisão estrutural entre casos simples e casos difíceis, não pode haver
decisão judicial que não seja fundamentada e justificada em um todo coerente de princípios que
repercutam a história institucional do direito. [...] tem-se por superada a discricionariedade a partir
do dever fundamental de resposta correta que recai sobre o juiz no contexto do paradigma do
Estado Democrático de Direito. Por tudo isso, torna-se necessário construirmos as condições para
a elaboração de uma teoria da decisão jurídica, ou seja, no plano da validade, discutirmos as
possibilidades (ou necessidades) de elaborarmos um efetivo controle das decisões judiciais. Uma
democracia não se consolida com delegações em favor do Poder Judiciário. O direito não é aquilo
que os Tribunais dizem que é. Se isso fosse verdadeiro, a doutrina não teria importância. E, na
medida em que uma República de Juízes é impossível, alguns não o serão. Consequentemente,
devemos pensar no espaço da democracia daqueles que não são juízes (que, como se sabe, são
milhões de brasileiros). Este é o desafio de uma teoria crítica do direito nesta quadra da história.”
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 268-270
340 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 268-270
341 NASCIMENTO, A filosofia hermenêutica para uma jurisdição Constitucional democrática:
fundamentação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade, 2009. p. 164-165
342 “Para isso, relacionando com o que Stein e Streck afirmam sobre necessidade da retomada da
filosofia pelo direito, com a denominação filosofia no direito, pode-se também pensar a filosofia na
Constituição, ou seja, uma “sabedoria” presente na sua aplicabilidade em sociedade [...]. Nesse
contexto, através de discursos decisórios atentos ao verdadeiro exame dos elementos
antecipatórios dos enunciados aplicados aos casos concretos, propõe-se chegar à efetividade da
Constituição, elo conteudístico que une Estado e sociedade.” NASCIMENTO, A filosofia
hermenêutica para uma jurisdição Constitucional democrática: fundamentação/aplicação da norma
jurídica na contemporaneidade, 2009. p. 165
339
117
[...] a hermenêutica da faticidade busca o verdadeiro, entendido
como uma metáfora no sentido da busca pela resposta
hermeneuticamente adequada à Constituição. Salienta-se que de
forma alguma esta resposta ou verdade deve ser entendida como
absoluta, no sentido metafísico aristotélico-tomista da antiguidade,
ou com o sentido iluminista da modernidade. [...] O “caso
concreto” somente pode ser entendido a partir da reposta
adequada à faticidade e à historicidade, estabelecendo-se, assim,
a impossibilidade de separação entre questão de fato e questão
de direito.343
De toda sorte, deve-se ter presente que “[...] a hermenêutica
fenomenológica
busca
em
discursos
decisórios
o
sentido
material
do
constitucionalismo e dos direitos fundamentais”. É de se verificar que “o Poder
Judiciário, em tempos de neoconstitucionalismo, pode ser entendido como um
órgão que possibilita o desvelar do sentido democrático [...]”, visto que “[...] a
democracia não se manifesta de forma indireta por meio de representantes, mas
possibilita aos cidadãos ou às entidades de classe o acesso à jurisdição”.
Entretanto, o poder jurisdicional não pode se efetivar em bases arbitrárias, “[...]
valores próprios inautênticos ou juízos de ponderação”.344
Refutar a existência de uma resposta “para cada caso” adequada à
Constituição seria, “[...] portanto, uma resposta correta sob o ponto de vista
hermenêutico –, pode significar a admissão de discricionariedades interpretativas,
o que se mostra antitético ao caráter não-relativista da hermenêutica filosófica [...],
bem como “[...] ao próprio paradigma do novo constitucionalismo principiológico
introduzido pelo Estado Democrático de Direito, incompatível com a existência de
múltiplas respostas”.345
Os argumentos de Streck demonstram que:
É possível - e necessário – dizer, sim, que uma interpretação é
correta e a outra é incorreta. Movemo-nos no mundo exatamente
porque podemos fazer afirmações dessa ordem. E disso nem nos
damos conta. Ou seja, na compreensão os conceitos
interpretativos não resultam temáticos enquanto tais, como bem
lembra Gadamer; ao contrário, determinam-se pelo fato de que
343
NASCIMENTO, A filosofia hermenêutica para uma jurisdição Constitucional democrática:
fundamentação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade, 2009. p. 164-165
344 NASCIMENTO, A filosofia hermenêutica para uma jurisdição Constitucional democrática:
fundamentação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade, 2009. p. 165
345
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da
discricionariedade dos juízes, 2015. p. 14
118
desaparecem atrás daquilo que eles fizeram falar/aparecer na e
pela interpretação. Aquilo que as teorias da argumentação ou
qualquer outra concepção teorético filosófica (ainda) chamam de
“raciocínio subsuntivo” ou “raciocínio dedutivo” nada mais é do
que esse “paradoxo hermenêutico”, que se dá exatamente porque
a compreensão é um existencial (ou seja, por ele eu não me
pergunto porque compreendi, pela simples razão de que já
compreendi, o que faz com que minha pergunta sempre chegue
tarde).346
Para o autor, “[...] uma interpretação é correta quando desaparece, ou
seja, quando fica objetivada através dos existenciais positivos, em que não mais
nos perguntamos sobre como compreendemos algo [...]", ou seja, por que a
interpretação levou a uma determinada compreensão e não a outra. Streck atribui
que “[...] o sentido se deu (manifestou-se), do mesmo modo como nos movemos
no mundo através de nossos acertos cotidianos, conformados pelo nosso modo
prático de ser no mundo”. Para ele, perde o sentido “separar/cindir a
interpretação” em casos fáceis e difíceis347.348 Dessa forma, acredita o autor que
“[...] é possível dizer, sim, que uma interpretação é correta e a outra é incorreta.
Movemo-nos no mundo exatamente porque podemos fazer afirmações dessa
ordem”.349
Daí que, paradoxalmente, o caso difícil, quando compreendido
corretamente, torna-se um caso simples. É aqui que - por ser
correta (sequer nos perguntaremos sobre ela) - a interpretação
“desaparece”. Ou seja, reiterado a partir da existencialidade
compreensiva, o caso (que não é simples e nem complexo, mas,
sim, um caso) passará ao nível da objetivação e sobre o qual não
haverá perquirição acerca dos motivos da compreensão. Por tais
razões, torna-se inviável – como querem, [...] os teóricos da teoria
da argumentação - sustentar “raciocínios dedutivos” (causaisexplicativos) para os “casos simples”.350
346
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da
discricionariedade dos juízes, 2015. p. 14
347 “Na medida em que o nosso desafio é levar os fenômenos à representação (pela linguagem),
casos simples (easy cases) e casos complexos (hard cases) estão diferenciados pelo nível de
possibilidade de objetivação, tarefa máxima de qualquer ser humano”. STRECK, Bases para a
compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do esquema sujeito-objeto, 2007.
p. 39
348 STRECK, Hermenêutica, neoconstitucionalismo e o problema da discricionariedade dos
juízes, 2015. p. 14
349 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 38
350 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 39
119
De acordo com os argumentos de Streck, Costa conduz ao
entendimento de que “no paradigma do Estado Democrático de Direito, incumbe
ao Judiciário tomar decisões que satisfaçam simultaneamente à previsibilidade da
decisão e ao sentimento de justiça”. Ou seja, “[...] a prestação jurisdicional deve
ser capaz de aplicar razoavelmente as normas, produzindo decisões equilibradas
(previsíveis) e adequadas (justas) ao caso decidendo”. É com esse propósito que
nasce “[...] a trilogia [...] hermenêutica, a previsibilidade e a efetividade das
normas constitucionais [...]”, sendo fundamental analisar o “[...] papel do intérprete
na aplicação da norma, enquanto contribuição da Hermenêutica Filosófica, o que
parece ser a melhor forma de se construir um modelo de aplicação do Direito [...]”
e
mediante
a
compatibilidade
de
diferentes
percepções
de
justiça
e
previsibilidade, deve ser oportunizado “[...] atingir o seu desiderato no âmbito da
jurisdição constitucional”.351
Diante disso, é vital “[...] que o intérprete leve em consideração o
diálogo permanente entre a Hermenêutica Constitucional e a Hermenêutica
Filosófica [...]”, pois a tendência à subjetividade na interpretação “[...] não deve
servir para fundamentar as decisões judiciais em preferências pessoais”. Portanto,
“[...] a previsibilidade das decisões judiciais, na medida em que, ciente da
influência da subjetividade no ato de julgar [...], o julgador pode tomar uma
decisão o mais imparcial possível”. Segundo Costa, “[...] o aplicador do Direito,
ciente da sua condição, não é escravo do método, porque não acredita na sua
autossuficiência, o que lhe permite trazer à baila a sua historicidade e os seus
pré-conceitos, para confrontação e superação [...]”, conforme o momento que
vivencia.352
Para Staffen, “existe uma alteração substancial grave do itinerário
decisório. Defender a justificação significa autorizar a antecipação do produto
final, independentemente dos critérios colecionados [...]”. A importância consiste
na justificação do julgador sobre as opções particulares que o levaram a decidir,
351
COSTA, Rafael de Oliveira. Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Filosófica: Horizontes
da Previsibilidade das Decisões Judiciais. Direito, Estado e Sociedade n. 44, p. 122 a 141
jan./jun., 2014. p. 137
352 COSTA, Hermenêutica Constitucional e Hermenêutica Filosófica: Horizontes da Previsibilidade
das Decisões Judiciais, 2014. p. 137
120
pois “[...] fundamentar vincula-se à necessidade – no caso brasileiro, dever
constitucional - de se fundir fatos com fundamentos jurídicos de modo a se obter
um produto final indissociável dos argumentos”. Assim, “[...] cerceia juízos de
solipsismo
judicial,
proveniente
da
escola
do
Direito
Livre
e
da
instrumentalidade”.353
De toda sorte, avalia Streck:
[...] a tese da resposta correta em um sistema “não avançado” não
é uma possibilidade, e, sim, uma necessidade. Isso implica a
superação do esquema sujeito-objeto, a partir dos dois teoremas
fundamentais da hermenêutica: o circulo hermenêutico e a
diferença ontológica, superando qualquer possibilidade da
existência de grau zero de sentido (“ideologia do caso concreto”),
resgatando a tradição autêntica (sentido da Constituição
compreendido como o resgate das promessas da modernidade) e
reconstruindo, a partir dessas “premissas”, em cada caso, a
integridade a coerência interpretativa do direito. A resposta correta
é uma metáfora, como o juiz Hércules de Dworkin também o é. 354
Ao referir-se à resposta apontada pela hermenêutica, a qual é
considerada “a resposta hermeneuticamente adequada à Constituição”, Streck
explica que ela precisa ser justificada explicitamente e obrigatoriamente com base
na Constituição, pois, no plano de uma argumentação racional, [...] a
hermenêutica não pode ser confundida com teoria da argumentação, não
prescinde, entretanto, de uma argumentação adequada [...]”. Reportando-se a
Gadamer, para quem “interpretar é explicitar o compreendido”, aponta que “[...] a
tarefa de explicitar o que foi compreendido é reservada às teorias discursivas e,
em especial, à teoria da argumentação jurídica”. Todavia, “[...] esta não pode
substituir ou se sobrepor àquela, pela simples razão de que é metódicoepistemológica”. 355
Não por outra razão que:
[...] a tese da resposta constitucionalmente adequada (ou a
resposta correta para o caso concreto) pressupõe uma fortíssima
353
STAFFEN, Hermenêutica e justificação jurídica: reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos
postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados, 2014. p. 20
354 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 150-151
355 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 152
121
sustentação argumentativa e não um duelo retórico-persuasivo. A
diferença entre hermenêutica e a teoria argumentativa é que
aquela trabalha com uma justificação do mundo prático, ao
contrário desta, que se contenta com uma legitimidade meramente
procedimental. Isto é, na teoria do discurso, a pragmática é
convertida no procedimento. Quando explicito o (já)
compreendido, esse processo se dá no nível lógicoargumentativo, e não filosófico. 356
Em virtude dessas considerações, Streck destaca que “[...] filosofia não
é lógica. Esse proceder epistemológico é antecipado; não se confunde com o
próprio conhecimento”. Afirmando que é por meio da hermenêutica que se
corporifica “uma fenomenologia do conhecimento”. Nessa, é necessário que se
efetive a justificação (descrição), demonstrando o que foi compreendido, pois
somente “na explicitação é que haverá o espaço de uma teoria do conhecimento”.
357
Portanto, a resposta ao caso vincula-se à justificação, a qual deve ser
fundamentada e evidente, “[...] contendo a reconstrução do Direito, doutrinaria e
jurisprudencialmente, confrontando tradições, enfim, colocando à lume a
fundamentação jurídica que, ao fim e ao cabo, legitimará a decisão [...]”.358
A tese da resposta hermeneuticamente adequada é, assim,
corolário da superação do positivismo – que é discricionário,
abrindo espaço para várias respostas e a consequente livre
escolha do juiz – pelo (neo)constitucionalismo, sustentado em
discursos de aplicação, intersubjetivos, em que os princípios têm o
condão de recuperar a realidade que sempre sobra no
positivismo. Despiciendo lembrar, neste ponto desta discussão,
que o positivismo é entendido, neste texto e no restante de
minhas obras, a partir de sua principal característica: a
discricionariedade, que ocorre a partir da delegação em favor dos
juízes para a resolução dos casos difíceis (não abarcados pela
regra). [...] Antes de tudo, trata-se de uma questão de democracia.
[...] a crítica à discricionariedade judicial não é uma “proibição de
interpretar”. Ora, interpretar é dar sentido (Sinngebung). É fundir
356
STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 152
357 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 152
358 STRECK, Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira positivista,
2008. p. 152
122
horizontes. E Direito é um sistema de regras e princípios,
comandado por uma Constituição.359
Em entrevista concedida à Revista do Tribunal de Contas de Minas
Gerais, Streck sintetiza sua posição em relação à tese da existência de uma
resposta correta:
Primeiro, é necessário entender o que é pós-positivismo. Da
minha perspectiva, positivismo não é simplesmente a superação
do positivismo exegético. Esse talvez seja o grande problema de
algumas correntes que se dizem neoconstitucionalistas. No fundo,
não há muita diferença entre alguns pressupostos defendidos pelo
neoconstitucionalismo - principalmente o neoconstitucionalismo à
brasileira - e o positivismo normativista, defensor da ideia de que
“interpretar a lei é um ato de vontade”. São teorias voluntaristas.
Pois é exatamente contra o axiologismo e o voluntarismo que
proponho a adição da hermenêutica filosófica, claro que
devidamente adaptada àquilo que venho denominando de Crítica
Hermenêutica do Direito.360
Remetendo à “hermenêutica filosófica [...] tese que vem de HansGeorg Gadamer, que por sua vez se apoia na filosofia hermenêutica, de matriz
heideggeriana”, as quais já abordadas no estudo, Streck relata que a partir delas
verifica-se “[...] uma ruptura com o subjetivismo próprio da filosofia da
consciência. Gadamer constrói uma hermenêutica que não é metodológica”, na
obra “Verdade contra o Método”. Todavia, o autor chama a atenção para “[...] o
fato de ser uma hermenêutica não metodológica não quer dizer que se possa
dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”, pois, como menciona Streck, “[...]
Gadamer rejeita qualquer forma de relativismo filosófico”.361
Infere Streck que
[...] a hermenêutica se afasta de qualquer tentação niilista ou
relativista. Pode-se dizer que a hermenêutica é conservadora. A
tradição constrange a atribuição de sentidos. Mas a tradição não
torna o intérprete refém. Mas toda interpretação tem DNA. O
direito tem DNA. É da reconstrução da história institucional e do
revolvimento do chão linguístico que sustenta a tradição que
359
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, Constituição e autonomia do Direito. Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), Unisinos, v. 1, n.1, p. 65-77,
janeiro-junho 2009. p. 76-77
360 FERRAZ, Leonardo de Araújo; MARCHESANI, Juliana Mara; ARAÚJO, Silvia Costa Pinto
Ribeiro de. Entrevista Professor Lenio Luiz Streck. Revista do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais, Minas Gerais, Ano XXIX, v. 81, n. 4, out./nov./dez., 2011. p. 13
361 FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 13-14
123
exsurgirá a resposta. Pela hermenêutica, substitui-se a
subjetividade pela intersubjetividade forjada a partir de um a priori
compartilhado. Na hermenêutica, não há repostas antes das
perguntas. Não há conceitos sem coisas. Por isso, Gadamer vai
dizer que interpretar é aplicar (applicatio). 362
O jurista ainda acrescenta às pesquisas de Heidegger e Gadamer as
obras de “Josef Esser, Friedrich Müller, Arthur Kaufmann e Ronald Dworkin”, ao
mencionar que “o sentido se dá na concretude”, o qual está inserido “[...] na
fenomenologia hermenêutica, entendida globalmente [...]”. Para ele, os referidos
autores possibilitam “[...] pensar em um acesso hermenêutico para o Direito”, que
vá além do “esquema sujeito-objeto”. Abordando-se sobre o prisma do Direito,
“[...] podemos dizer que a hermenêutica é uma teoria que se coloca entre o
objetivismo e o idealismo (subjetivismo). Nem o intérprete é escravo da lei
(estrutura) nem ele é o ‘dono’ dos sentidos”. Assim, “a tese da resposta correta
que desenvolvo é a tese da resposta adequada à Constituição. Trata-se de uma
imbricação das teses de Gadamer e Dworkin”, considerados “antirrelativistas”, o
que leva ao entendimento de que “[...] a discricionariedade é uma questão que
deve ser combatida. Embora Gadamer não fale em resposta correta, há várias
indicações acerca da interpretação correta”. 363
Considera Streck que não há uma “[...] única resposta correta nem é
uma entre várias. É apenas a resposta, que exsurgirá dessa reconstrução da
história institucional”. Em virtude dessas considerações, indica cinco princípios
que podem viabilizar o alcance da resposta adequada:
Na verdade, são princípios-padrão que devem ser seguidos para
que alcancemos a resposta correta (adequada à Constituição). No
primeiro, devemos preservar a autonomia do direito, afastando os
predadores do direito (juízos morais, políticos e econômicos).
Esses são os predadores externos. Há também os predadores
internos, isto é, aqueles elementos que fragilizam a autonomia do
direito, como o ensino jurídico standard, o uso da ponderação, que
se transformou em álibi para decisionismos, a discricionariedade,
a transformação dos princípios em valores, etc. No segundo
princípio (padrão), devemos estabelecer as condições para a
realização de um controle da interpretação. Democracia quer dizer
controle. Aqui, a discricionariedade é o grande inimigo. Em
terceiro lugar, estabelecer que a fundamentação das decisões é
um dever fundamental dos juízes e tribunais. Aqui estamos em
362
363
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 13-14
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 14
124
face do dever de accountabillity hermenêutica. É a fundamentação
da fundamentação. Por último, deve-se garantir que cada cidadão
tenha sua causa julgada a partir da Constituição e que haja
condições para aferir se essa resposta está ou não
constitucionalmente adequada. 364
Ao ser questionado sobre a teoria da decisão, Streck menciona que, no
Brasil, após a promulgação da Constituição Federal, ocorreram múltiplas
demandas, destacando que “[...] precisamos de uma nova teoria das fontes, uma
nova teoria da norma, uma nova teoria da interpretação e, finalmente, uma nova
teoria da decisão”.365
Dado que “[...] a Constituição brasileira possui um catálogo extenso de
direitos sociais, que se transformam em direitos sociais-fundamentais, é
inexorável que ocorra uma judicialização nesse campo da aplicação do Direito”.
Para Streck é preciso fazer uma distinção “[...] entre judicialização, que é um
problema de competência (ou incompetência) dos Poderes, e o ativismo, que é
um problema de comportamento dos juízes”. Segundo esse doutrinador, “no
Brasil, é possível constatar que o ativismo se transformou em uma vulgata
judicialização. E isso deve ser combatido”. Orientando, assim que “as decisões
não podem ser frutos do solipsismo [...] do julgador”. Portanto, “[...] não se pode
substituir aquilo que chamamos de produção democrática do Direito. É neste
espaço que precisamos de uma teoria da decisão”. 366
364
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 18
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 16
366 FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO, Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 16
365
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo proporcionou perceber que o assunto não esgotou-se, pois,
no momento em que se entende que o Direito evolui com a sociedade, precisando
ser tratado o seu sentido no tempo e no espaço, e, ainda, que o paradigma ora
dominante (racionalista) não atende mais aos anseios do tempo presente, por
óbvio que o tema se reveste de fundamentalidade no tempo presente, merecendo
novas tratativas no futuro. Segundo Espindola, é importante aventar “[...] uma
nova atuação jurisdicional por meio da releitura da história das instituições
processuais, abandonando a concepção de processo como produto da
racionalidade instrumental-procedimental [...], desafios para o Direito processual
civil moderno”.
A propósito, Castanheira Neves registra que se o tempo atual deve ser
um tempo de transformações em todos os domínios, não é de causar estranheza
que a compreensão e valorização do “poder jurisdicional”, da jurisdição e do papel
do juiz, se encontram em discussão, justificando a necessidade de acompanhar a
modernidade.367 Para ele, “[...] decisivo é [...] o problema do sentido, do sentido
da jurisdição hoje. Por isso se fala, e bem, de crise do juiz, de crise da justiça”. 368
A realização do Direito em Castanheira Neves reflete a superação do
normativismo-legalista, objetivando ir ao encontro do tempo presente repleto de
constantes e contínuas transformações, as quais demandam um novo modelo de
jurisdição que atenda aos anseios jurídicos, realizando o “direito pelo direito” e a
consolidação do Estado Democrático de Direito. Portanto, refere-se a um
diferente sentido da jurisdição, para a qual se torna essencial uma compreensão
CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito,
1998. p. 1
368 CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito,
1998. p. 2
367
126
do direito para além de um “estrito legalismo”.369 Assim, identifica-se que o
sentido da jurisdição depende da compreensão do sentido do Direito, que precisa
ter a interpretação de seu conteúdo vinculada a uma concepção hermenêutica e
não apenas a perspectiva dogmática, o que é considerado um desafio na
contemporaneidade.
Castanheira Neves e Espindola discorrem, acerca do futuro da
jurisdição, que é preciso reconhecer o homem-pessoa, sujeito de direitos, o que
inclui sua autonomia e dignidade ética, não como objeto da imposição do Direito,
mas analisar a ciência jurídica como uma “alternativa humana”. Revela-se, assim,
o
modelo
de
contemplando
jurisdição
uma
nova
em
Castanheira
perspectiva
do
Neves,
homem
o
jurisprudencialismo,
o
“homem-pessoa”,
reconhecendo o Direito como ciência da compreensão.
Depreende-se que um “sentido para o Direito” corresponde a um
diferente “sentido da jurisdição”, para tanto, a realização do “Direito pelo Direito”,
enquanto possível resposta, deve estar em consonância com “o direito como
alternativa humana”, pressupondo um novo olhar hermenêutico adequado à
Constituição. Todavia, a importância à crise do sentido do Direito e da jurisdição
ainda abarca examinar a existência da corrente procedimentalista que seria um
contraponto ao substancialismo.
Nessa seara, Streck revela as correntes procedimentalistas370 e
substancialistas371, esse é contraponto ao procedimentalismo, são teses
diferenciadas, questão considerada novidade no Brasil, no “constitucionalismo
brasileiro”.372 Segundo Capelletti,373 “parece não ter superado o problema do
protagonismo judicial e do instrumentalismo processual, enquanto Dworkin
assumiu uma postura que pode ser caracterizada de substancialista; sendo
CASTANHEIRA NEVES, Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”,
“função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do Direito,
1998. p. 4
370 STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 262
371 STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Perspectivas e Possibilidades de
Concretização dos Direitos Fundamentais-Sociais no Brasil, 2003. p. 263
372 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 162
373 CAPPELLETTI, Juízes legisladores?, 1999. p. 23-24
369
127
procedente mencionar que nem Dworkin374, nem Habermas assumiram uma
postura favorável ao decisionismo.375 Tese que Streck defende quando se trata da
jurisdição constitucional e de seu papel, por ser contrária a qualquer postura que
se firme com base em discricionariedades, desicionismos, ou que remeta ao
“esquema sujeito-objeto”.376 Ora, se o procedimentalismo atua como uma espécie
de “método, ou como um instrumento que se encontra a disposição dos agentes
sociais, jurídico e políticos”. Por óbvio, afasta-se do paradigma hermenêutico e da
pré-compreensão, condição essencial para se refletir sobre sentido.377
Dessa forma, a busca da resposta adequada em Direito necessita da
compreensão de seu sentido. Depreende-se, assim, que as decisões devem partir
dos princípios constitucionais e da implementação de direitos fundamentais,
exercendo, o Judiciário, papel de extrema importância para a consolidação do
Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, a interpretação constitucional contemporânea torna-se
parte do Direito de participação democrática. Se a teoria da interpretação se
efetiva numa sociedade fechada, corrobora para uma redução, na medida em que
se concentra na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos
formalizados.378 Não por outro motivo Streck afirma ser essencial discutir tanto o
papel da Constituição quanto o da jurisdição constitucional “[...] no Estado
Democrático de Direito, bem como as condições de possibilidade para a
implementação/concretização dos direitos fundamentais-sociais a partir desse
novo paradigma de direito e de Estado”. É preciso “[...] assegurar os
procedimentos da democracia – que são absolutamente relevantes – é preciso
entender a Constituição como algo substantivo, porque contém direitos
fundamentais, sociais, coletivos [...]”, os quais foram pactuados como possíveis
de realização. 379
374
DWORKIN, O império do direito., 1999. p. 81
STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 162
376 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013. p. 162
377 STRECK, Jurisdição constitucional e decisão jurídica, 2013, 2013. p. 172
378 HÄBERLE, Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição, 1997. p. 9-18
379 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 179
375
128
Streck380 demonstra que o positivismo jurídico foi sendo construído no
tempo/espaço e denominado jusnaturalismo. Referenciando Arthur Kaufmann e
Castanheira Neves, mostra que “[...] o positivismo jurídico representa uma
consequência ou a consagração dos ideais jusnaturalistas, está-se a falar do
jusnaturalismo moderno e não do jusnaturalismo clássico (greco-medieval)”.
Enquanto que o “[...] positivismo jurídico e Direito positivo são coisas distintas”.
Esse é norteado por um “[...] conjunto de normas jurídicas que regem uma
determinada realidade social, geográfica e historicamente determinada [...]”,
enquanto “positivismo jurídico” se baseia numa “[...] postura teórico-metodológica
acerca do Direito positivo”.
Concorda-se com Streck no que diz respeito à necessidade de
ressignificar a interpretação jurídica, que tem como pressuposto uma teoria da
decisão judicial, apresentando-se, assim, como uma refutação final e direta ao
problema do ativismo, aí se revela um vínculo entre “[...] teoria democrática e
aportes filosóficos de propostas que transformem radicalmente a maneira de
compreender o problema hermenêutico”.381 Faz-se importante compreender,
nesse universo, que “[...] qualquer interpretação que contribua para a
compreensão deve já haver compreendido o que se deve interpretar, dirá
Heidegger”.382
De toda sorte, a interpretação depende da compreensão, a qual se
vincula à pré-compreensão, oportunizando uma estrutura prévia do sentido, “[...]
que se funda essencialmente em uma posição prévia [...], visão prévia [...] e
concepção prévia – que já une todas as partes do sistema”.383 Na visão de Streck
e de estudiosos que adotam a mesma linha doutrinária, o ativismo judicial é
considerado um problema do Direito, mais especificamente da teoria da
interpretação, envolvendo questões inerentes à análise e às maneiras de abordar
os problemas que se referem à interpretação do Direito.
380
STRECK, Lenio Luiz. O direito como um conceito interpretativo., 2010. p. 502
TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário, 2013. p.
150
382 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
383 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 100
381
129
Examinando a hermenêutica sobre o viés da “applicatio”, Streck
salienta quatro aspectos importantes: fontes, norma, interpretação e decisão, os
quais revestem o novo constitucionalismo, provocando alterações no Direito, bem
como propiciando superar o paradigma positivista.384
Isso tudo remete, neste momento final das considerações, ao problema
proposto sobre a existência da resposta adequada em Direito no cotidiano
jurisdicional. Para tanto, avaliou-se a posição de Streck, que revelou, no decorrer
do estudo, importantes questões que envolvem jurisdição constitucional,
hermenêutica, ativismo judicial, sentido do Direito, dentre outras polêmicas que
refletem em um novo modo de pensar o Direito. Assim, para tratar sobre o sentido
da interpretação, abordou-se Heidegger e Gadamer, identificando-se a crítica em
relação à ciência como conhecimento metódico, exato e universalmente válido, a
qual é consubstanciada por Streck, que, em diversas passagens, afirma que “[...]
o conjunto de obra de Heidegger constitui-se em base fundante de um novo olhar
sobre a hermenêutica jurídica embora – registre-se – o filósofo não tenha
dedicado, em suas obras, espaço para o direito”. Frisando que a importância de
Heidegger “[...] é facilmente perceptível pela viragem ontológica (ontologishe
Wendung) no campo da hermenêutica jurídica, proporcionada por seu discípulo
Hans-Georg Gadamer [...]”.385
Desse modo, identificou-se que a resposta adequada numa perspectiva
democrática envolve o papel da jurisdição constitucional, não incluindo neste
ínterim respostas conteudísticas e procedimentais, pois seria contrapor-se a
verdade e ao consenso, já que somente por meio da linguagem chega-se à
interpretação. Heidegger demonstrou que, em Filosofia, é errado “pensar nas
palavras como fonte de ‘essências de significado’”, o autor era um crítico da
“existência de uma filosofia da linguagem”, em razão desta desconsiderar “o lugar
mais originário” onde a questão da linguagem nasce.386
384
STRECK, Superando os diversos tipos de positivismo: porque hermenêutica é Applicatio?,
2014. p. 279
385 STRECK, Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas, 2014. p. 99
386 STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
130
Heidegger demonstra “[...] como o enunciado é um modo derivado da
interpretação (que por sua vez foi possibilitada por uma (pré) compreensão
existencial) [...]”. Denota-se que “[...] não é nas palavras que devemos buscar os
significados do mundo (ou do direito, para ser mais específico), mas é para
significar (o Direito) que necessitamos de palavras”. Por tanto, as palavras têm
esse fim, dotar as coisa de significado.387 A compreensão se efetiva no momento
em “[...] que a articulação do significado dado às coisas (ou ao Direito) esteja
provido de sentido”.388 Gadamer também é enfático quanto à hermenêutica
jurídica não partilhar dos “argumentos logicamente concludentes”.389
A hermenêutica se afasta do decisionismo e do subjetivismo.
Principalmente se observada sob a perspectiva de Gadamer, o qual “[...] rejeita
peremptoriamente qualquer acusação de relativismo à hermenêutica jurídica. Isso
porque, paradoxalmente, falar de relativismo é admitir verdades absolutas,
problemática, aliás, jamais demonstrada”. A hermenêutica se encontra distante do
relativismo, por negar a finitude e a temporalidade. 390
Streck é considerado marco teórico ao examinar a temática, com base
nas formas de interpretação e aplicação da constituição, propicia (re)pensar o
Direito e
defende a possibilidade e premência de respostas corretas nessa
ciência.391 Adota, para tanto, a linha que segue a hermenêutica filosófica,
demonstrando que por meio dela ocorre “uma fenomenologia do conhecimento”.
A partir dessas colocações, pode-se então enumerar as seguintes conclusões:
a) a hermenêutica filosófica de Heidegger e não é metodológica não
significa que se possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, já
que é preciso atentar para não adotar um relativismo filosófico;
b) a partir da hermenêutica, como base na intersubjetividade, verificase que são necessárias perguntas para que sejam reveladas as
387
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
STRECK, Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 260-261
389 STRECK, Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto, 2007. p. 36
390 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e possibilidades críticas do direito: ensaio sobre a cegueira
positivista, 2008. p. 135
391 STRECK, Lenio Luiz. Decisão jurídica em tempos pós-positivistas, 2010. p. 265
388
131
respostas, ou seja “[...] não há conceitos sem coisas. Por isso,
Gadamer vai dizer que interpretar é aplicar (applicatio)”; 392
c) o ingresso da hermenêutica para além do sujeito-objeto aproxima-se
da “tese da resposta correta [...] resposta adequada à Constituição.
Trata-se de uma imbricação das teses de Gadamer e Dworkin”,
considerados “antirrelativistas”, embora Gadamer não fale em
resposta correta, há várias indicações acerca da interpretação
correta”; 393
d) a resposta correta aparecerá quando ocorrer uma reconstrução da
história institucional, o que está vinculado a princípios, de acordo
com Streck: preservação da autonomia do Direito; estabelecimento
de condições para pôr em prática um controle da interpretação;
fundamentação das decisões vista como um dever fundamental dos
juízes e condições de analisar se a resposta está efetivamente
adequada constitucionalmente; ainda é preciso uma nova teoria que
contemple fontes, norma, interpretação e, consequentemente, uma
nova teoria da decisão.
Coaduna-se, assim, com a posição de Streck e confirma-se a hipótese
sobre a possibilidade de a resposta em Direito ser aquela que está adequada à
Constituição, para tanto, é imprescindível o paradigma hermenêutico filosófico,
quando a proposta for efetivar, uma nova teoria da interpretação e aplicação da
Constituição.
Construir novos caminhos seria, contudo, uma das possiblidades de
atribuir o “sentido do Direito” e buscar alcançar a possível resposta adequada em
Direito.
392
393
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO. Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 13-14
FERRAZ; MARCHESANI; ARAÚJO. Entrevista Professor Lenio Luiz Streck, 2011. p. 14
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