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REVISTA
19
ANO 03
MAIO 15
Ajuste econômico,
renúncias fiscais
e seguridade social
Evilasio Salvador | Guilherme Mello |
Maria Lucia Lopes da Silva
Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL
Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D
Código ISSN: 2358-0690
plataformapoliticasocial.com
Revista eletrônica idealizada e produzida pela
rede Plataforma Política Social que reúne
cerca de 300 pesquisadores e profissionais de
mais de uma centena de universidades, centros
de pesquisa, órgãos do governo e entidades da
sociedade civil e do movimento social.
EDITOR
Eduardo Fagnani
APOIO
EDITOR ASSISTENTE
Thomas Conti
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Davi Carvalho
www.fes.org.br
REVISÃO
Caia Fittipaldi
PROJETO GRÁFICO
Renata Alcantara Design
CONSELHO EDITORIAL
Ana Fonseca
NEPP/UNICAMP
André Biancarelli
Rede D - IE/UNICAMP
Erminia Maricato
USP
PARCERIA
Lena Lavinas
UFRJ
Código ISSN: 2358-0690
revistapoliticasocialedesenvolvimento.com
2
Índice
08
24
48
As consequências das renúncias tributárias
no financiamento da seguridade social no Brasil
Evilasio Salvador
Fundo público e as medidas provisórias nos 664
e 665: a contrarreforma da previdência em curso
Evilasio Salvador
Maria Lucia Lopes da Silva
Os primeiros resultados do ajuste:
presente sombrio, futuro incerto
Guilherme Mello
3
R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
Apresentação
Andre Biancarelli
REDE D
Eduardo Fagnani
P L ATA F O R M A P O L Í T I C A S O C I A L
Pedro Rossi
B R A S I L D E B AT E
Nesta edição #19 da Revista Política Social e
Desenvolvimento, seguimos no debate sobre
a gestão macroeconômica e seus impactos
sobre o desenvolvimento e a questão social.
Em “As Consequências das Renúncias
Tributárias no Financiamento da Seguridade Social no Brasil”, Evilasio Salvador
faz uma breve análise dos chamados
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
4
“gastos tributários” no período recente. O
autor demonstra que, entre 2010 e 2014,
em valores constantes, essas renúncias
fiscais saltaram de R$ 184,4 bilhões para
R$ 263,1 bilhões (de 3,6% para 4,7% do PIB),
comprometendo 23,06% da arrecadação
tributária federal no ano passado. Enquanto
as desonerações de impostos cresceram
16,48%, as renuncias tributárias advindas
das contribuições sociais que financiam
a seguridade social subiram 72,76% (em
termos reais). Apenas as renúncias advindas
da desoneração patronal da folha de pagamento alcançaram R$ 24 bilhões (2014),
afetando o Orçamento da Seguridade Social.
Segundo Salvador, o chamado gasto tributário já compromete quase 1/5 das receitas
públicas federais, também afetando o financiamento das políticas de saúde e educação
nos municípios, devido ao fato de que os
impostos desonerados (como o IR e o IPI)
são a base da composição do FPE e do FPM.
Por outro lado, o autor aponta uma “ausência
marcante” nos critérios adotados pela
Receita Federal, que não considera como
renúncia a isenção do Imposto de Renda (IR)
sobre os lucros e dividendos que, em 2012,
atingiram o montante de R$ 436 bilhões:
“se fosse aplicada uma alíquota de 25% sobre
esse montante, o resultado seria uma arrecadação adicional superior a R$ 100 bilhões
de Imposto de Renda”, ressalta Salvador. A
mesma “ausência” é observada com a não
tributação das remessas para o exterior
(que permanecem isentas da cobrança de
IR desde 1996), bem como com a dedução
dos “juros sobre capital próprio” (ou seja,
lucros).
Em “Fundo Público e as Medidas Provisórias
nos 664 e 665: a Contrarreforma da Previdência em Curso”, Evilasio Salvador e
Maria Lucia Lopes da Silva, destacam que,
apesar desses fatos, o segundo mandato da
presidenta Dilma Rousseff começou com
o anúncio de um pesado ajuste fiscal, que
impõe corte ou redução dos direitos sociais.
Para eles, em parte, o ajuste proposto é
fruto das escolhas econômicas anteriores,
que acarretaram perda de arrecadação de
recursos em decorrência do expressivo
aumento das renúncias tributárias. “Em
que pese o Brasil praticar ao longo da última
década os maiores superávits primários
do mundo”, em 2014 o resultado primário
do governo central fechou negativo em
-0,34% do PIB. Essa situação “provocou
forte pressão do mercado financeiro pela
retomada de uma política fiscal de corte de
gastos públicos”.
O artigo analisa as Medidas Provisórias
(MPs) nos 664 e 665 e seus impactos nos
direitos relacionados à seguridade social e
aqueles vinculados às relações de trabalho.
Os autores vêm essas medidas como
sequência da “contrarreforma da previdência social, em curso desde a Emenda
Constitucional nº 20, de 1998, em observância às diretrizes dos organismos financeiros internacionais”. Seguem, assim,
mesma direção e estratégias das medidas
anteriores: “favorecem o capital, limitam o
acesso aos direitos viabilizados pelo sistema
público e diminuem os valores dos benefícios, impondo prejuízos aos trabalhadores”.
Finalmente, em “Os primeiros resultados do
ajuste: presente sombrio, futuro incerto”,
Guilherme Mello, apresenta uma análise
dos primeiros resultados do ajuste fiscal e
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monetário posto em prática pelo ministro
Joaquim Levy e o Banco Central, destacando que, dentre os objetivos almejados,
“aparentemente nenhum caminhou para
sua consecução”. Para o autor, o ajuste fiscal,
“prejudicado pela queda de arrecadação
decorrente da desaceleração econômica,
está em estado terminal: é quase certo que
o governo não será capaz de alcançar sua
meta de economia de 1,2% do PIB em 2015”.
A inflação, impulsionada pelo aumento das
tarifas públicas e pela desvalorização do
câmbio “certamente romperá o teto da meta
e fechará o ano acima de 8%”. Com a manutenção da orientação atual, “as perspectivas
de recessão se ampliam, impactando no
mercado de trabalho, ocasionando aumento
do desemprego e diminuição da renda”. As
expectativas empresariais não se recuperaram, e o setor externo parece não reagir
à desvalorização cambial.
Em suma, os dados analisados “apontam
para um cenário de recessão, desemprego,
inflação alta e poucos avanços na redução do
déficit público (na realidade, o que se observa
é uma expansão do déficit nominal, dada a
elevação dos juros)”, afirma Mello.
Boa leitura!
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
6
7
R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
As consequências
das renúncias tributárias
no financiamento
da seguridade social
1
no Brasil
Introdução
Evilasio Salvador
Economista. Mestre e Doutor em Política Social. Professor
da Universidade de Brasília (UnB) no Departamento de Serviço Social
e no Programa de Pós-Graduação em Política Social.
Uma das questões pouco estudadas
sobre o sistema tributário brasileiro
refere-se às renúncias tributárias, que
são relevantes para a compreensão
do custeio do fundo público, isto é, o
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
8
Foto: Marion de Deutschland @ Pixalbay / CCO
S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L
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chamado financiamento indireto da
política pública. Para tanto, é necessária a análise das renúncias tributárias, permitindo assim identificar a
transferência indireta e extraorçamentária de recursos para o setor privado da
economia. Além disso, trata-se de um
instrumento de “socorro” às empresas
em momentos de crise do capitalismo.
Implicações
das desonerações tributárias
no financiamento
da seguridade social
e da educação
no orçamento federal
Por detrás das chamadas desonerações
tributárias e dos incentivos fiscais
encontra-se um conjunto de medidas
legais de financiamento público não
orçamentário de políticas públicas
(econômicas e sociais), constituindo-se em renúncias tributárias do fundo
público, geralmente em benefício das
empresas.
No Brasil, do ponto de vista legal, o
“Demonstrativo de Gastos Tributários”,
além de atender à obrigação constitucional, é um requisito exigido também
pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) (Lei Complementar nº 101/2000).
A LRF determina que o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (Ploa) será acompanhado de documento a que se refere
o § 6º do art. 165 da CF, bem como das
medidas de compensação de renúncias
de receita e do aumento de despesas
obrigatórias de caráter continuado.
Trata-se dos chamados gastos tributários, que são desonerações equivalentes a gastos indiretos de natureza
tributária. Portanto, são renúncias que
são consideradas exceções à regra do
marco legal tributário, mas presentes
no código tributário com o objetivo de
aliviar a carga tributária de uma classe
específica de contribuintes, de um setor
econômico ou de uma região.
Este artigo faz uma breve análise dos
gastos tributários e das suas implicações sobre as políticas sociais, com
ênfase sobre as políticas de seguridade
social (previdência, saúde e assistência
social) e de educação no período de 2011
a 2014, correspondente ao primeiro
mandato do governo da presidenta
Dilma Roussef.
Apesar de haver relativo consenso na
literatura internacional sobre os objetivos dos gastos tributários, o mesmo
não pode ser dito sobre os caminhos
metodológicos adotados para apuração
de tais gastos (BEGHIN; CHAVES;
RIBEIRO, 2010). Para fins deste texto,
adota-se o conceito de gasto tributário
usado pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil (RFB).
De acordo com a RFB (2013), são necessários dois passos para identificar os
gastos tributários: a) determinar todas
as desonerações tributárias, tendo-se
como base um sistema tributário de
referência; e b) avaliar, utilizando-se
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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Foto: Michal Jarmoluk @ Pixalbay / CCO
um conjunto de critérios definidos,
quais desonerações são gastos indiretos e passíveis de ser substituídas por
gastos diretos, vinculados a programas
de governo.
Com isso, o conceito de gastos tributários para a RFB (2013, p. 10) diz
r e s p e i t o a o s “g a s t o s i n d i r e t o s d o
governo realizados por intermédio do
sistema tributário, visando a atender
objetivos econômicos e sociais”. Esses
gastos “são explicitados na norma que
referencia o tributo, constituindo-se
uma exceção ao sistema tributário de
referência, reduzindo a arrecadação
potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do
contribuinte”.
Além disso, segundo a RFB (2013, p.
10), os gastos tributários “têm caráter
compensatório, quando o governo não
atende adequadamente a população
dos serviços de sua responsabilidade;
ou, têm caráter incentivador, quando o
governo tem a intenção de desenvolver
determinado setor ou região”.
Além do relatório “Demonstrativo dos
Gastos Tributários”, que acompanha
anualmente o Ploa, a RFB vem editando
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o documento intitulado “Demonstrativo
dos Gastos Tributários: Estimativas das
Bases Efetivas”.
Este novo documento objetiva
responder, ao menos em parte, a uma
das críticas que feitas aos relatórios
de gastos tributários que acompanham
o Ploa, que se tratava de uma estimativa das renúncias, não existindo
acompanhamento posterior, da efetivação e nem dos efeitos econômicos e
sociais esperados (BEGHIN; CHAVES;
RIBEIRO, 2010). Com isso, para atender
tanto à demanda dos órgãos de controle
quanto às organizações representativas
da sociedade por informações sobre
a realização dos gastos tributários, a
Receita Federal já publicou quatro relatórios com os gastos tributários efetivos
ocorridos no período de 2006 a 2012.2
A diferença metodológica entre os dois
documentos diz respeito ao fato de que
o “Demonstrativo dos Gastos Tributários” que acompanha o Ploa apresenta
as projeções desses gastos com informações disponíveis até o mês de agosto 3
do ano anterior do orçamento que será
votado pelo Congresso Nacional.
Já no relatório divulgado a partir das
bases efetivas, os gastos tributários
sã o atualiza dos, a companhando as
mudanças das variáveis econômicas
em que foram baseadas as estimativas e
projeções do relatório que acompanhou
o Ploa, além de refletir a disponibilidade de novas fontes de informações e
a necessidade de aprimoramentos na
metodologia empregada nas estimativas
e projeções (RFB, 2013). 4
Em 2009, os gastos tributários efetivos
(RFB, 2013) foram de R$ 160,4 bilhões
em valores atualizados pelo IGP-DI
para 2014. A partir de 2009, o governo
federal tomou um conjunto de medidas
p a r a c o mb a t e r o s e fe i t o s d a c r i s e
e co n ô m i c a mu n d i a l n o B r a s i l . No
cerne dessas medidas, encontram-se
as renúncias tributárias para diversos
setores econômicos.
A Tabela 1 apresenta os gastos tributários federais no período de 2010 a
2014, em valores deflacionados pelo
Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), com base nos
relatórios da RFB, sendo que os valores
correspondentes aos anos de 2013 e
2014 referem-se à estimativa dessas
despesas. Observa-se que os gastos
tr ib utár io s vêm s ubindo de fo rma
considerável nos últimos anos. Cresceram cerca de duas vezes mais do que
o orçamento da União entre os anos de
2011 e 2014.
Assim, em 2010, no último ano do
governo do presidente Lula, os gastos
t r i b u t á r i o s a l c a n ç a r a m R $ 184 , 4
bilhões, isto é, 3,6% do PIB. A partir do
governo da presidenta Dilma, os gastos
tributários evoluem de forma expressiva, saltando de 3,68% do PIB (2011)
para 4,76% do PIB (2014), comprometendo 23,06% da arrecadação tributária
federal (veja a Tabela 1).
Entr e a s me dida s desta c a da s p ela
Secretaria de Política Econômica do
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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Foto: Foto Pública / CCO
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Assim, em 2010, no último ano
do governo do presidente Lula,
os gastos tributários alcançaram
R$ 184,4 bilhões, isto é, 3,6%
do PIB. A partir do governo
da presidenta Dilma, os gastos
tributários evoluem de forma
expressiva, saltando de 3,68%
do PIB (2011) para 4,76% do PIB
(2014), comprometendo 23,06%
da arrecadação tributária
federal (veja a Tabela 1).
Ministério da Fazenda (SPE, 2010)
estão as desonerações no PAC. Essas
a çõ e s fo r a m co mp le m e nt a d a s p o r
medidas temporárias relativas à política fiscal, por meio de uma série de
desonerações tributárias temporárias
para estimular as vendas e o consumo,
além de outras renúncias históricas,
que devem alcançar 4,76% do PIB em
2014 . As iniciativas mais recentes
começaram com a redução do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI)
para o setor automotivo ao final de 2008
e, ao longo de 2009, alcançaram outros
setores econômicos: bens de consumo
dur áve i s, ma t er ial de co n st r uç ã o,
bens de capital, motocicletas, móveis
e alguns itens alimentícios.
Em 2010, mais medidas de socorro ao
capital privado no País foram tomadas,
envolvendo a prorrogação da redução do
IPI para a indústria automobilística e
a redução do IPI dos eletrodomésticos
da chamada linha branca (geladeiras,
fo gõ es, má quinas de lavar). Nessa
mesma direção, o governo brasileiro
lançou, em agosto de 2011, o plano
“Brasil Maior”, sob o argumento de
aumentar a competitividade da indústria nacional, a partir do incentivo à
inovação tecnológica e à agregação de
valor.
A chave-mestra do plano foi constituída
pelas desonerações tributárias – como
a redução de IPI sobre bens de investimento, redução gradual do prazo para
devolução dos créditos do PIS-Pasep/
Cofins sobre bens de capital e a desoneração da contribuição previdenciária
incidente sobre a folha de pagamento
para alguns segmentos econômicos
(confecção, calçados, móveis e softwares) –, que serão compensadas no
f a t u r a m e nt o d a s e mp r e s a s de ss e s
segmentos. Diante do agravamento
da crise internacional, essas medidas
foram ampliadas em 2012. 5
Nos anos seguintes, o governo federal
continuou ampliando a desoneração
da contribuição previdenciária sobre
a fo lh a de p a ga m e nt o p a r a o u t r o s
segmentos e prorrogou a redução de
IPI sobre automóveis, dentre outras
medidas.
Os dados da Tabela 1 estão organizados
por tributos (impostos e contribuições
sociais) e revelam que, nos últimos
cinco anos, os gastos tributários cresceram 42,67% acima da inflação medida
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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A S C O N S E Q U Ê N C I A S D A S R E N Ú N C I A S T R I B U TÁ R I A S N O F I N A N C I A M E N T O D A S E G U R I D A D E S O C I A L N O B R A S I L
TABELA 1: Gastos tributários de 2010 a 2014: bases efetivas de 2010 a 2012 e projeções para 2013 e 2014
Valores em R$, deflacionados pelo IGP-DI
Estimativa das bases efetivas
Tributos
Impostos 2010
2011
101.172.042.728 106.233.021.717 2012
107.160.077.436 2013
2014
Em %
112.861.607.378 117.843.191.940 16,48% 3.961.216.566
3.874.656.326
Imposto Importação – II
3.862.338.054
3.444.387.403
Imposto sobre a Renda
de Pessoa Física – IRPF
30.150.499.729
32.308.871.312
33.026.387.297
34.375.617.066
37.145.891.434
Imposto sobre a Renda de
Pessoa Jurídica – IRPJ
36.751.983.255
36.475.764.409
38.207.805.846
39.293.781.983
41.302.913.049
5.075.291.827
5.903.514.655
5.562.672.878
6.081.560.824
6.027.167.425
20.884.107.034
21.761.883.977
21.266.851.713
23.384.348.261
23.586.904.950
Imposto sobre a Renda
Retido na Fonte – IRRF
Imposto sobre Produtos
Industrializados –
Operações Internas – IPI-I
3.442.153.911
Variação de
2010 a 2014
Projeção
2.702.990.504
2.836.155.107
3.174.434.789
3.718.962.086
Imposto sobre Operações
Financeiras – IOF
1.708.356.509
3.465.603.234
2.443.987.952
2.010.261.228
2.081.351.672
Imposto sobre Propriedade
Territorial Rural – ITR
36.475.818
36.841.619
35.783.050
35.859.364
35.613.413
Contribuições sociais 83.273.374.795 88.506.209.269 106.494.001.408 129.654.886.026 143.862.904.881 8.234.286.663
8.763.224.903
9.885.666.469
11.888.309.718
12.262.831.011
8.328.235.057
8.596.306.619
9.696.125.843
9.936.799.909
9.800.053.523
42.366.860.467
44.874.056.145
50.487.493.643
60.083.559.736
61.646.695.151
24.343.992.609
26.272.621.601
36.424.715.452
47.746.216.663
60.153.325.196
1.396.077.838 1.445.065.089 12,38%
18,76%
3.788.693.672
1.396.077.838
1.445.065.089
40,17%
21,83%
-2,36%
72,76% 48,92%
17,67%
45,51%
Outros -­‐ 1.228.318.277 1.361.991.951 147,10%
Adicional ao frete para a
Renovação da Marinha
Mercante – AFRMM
-
Total 184.445.417.524 Gastos tributários/arrecadação
em %
Gastos tributários/PIB
em %
23,20%
12,94%
IPI-Vinculado
Contribuição Social para o
PIS-Pasep
Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido – CSLL
Contribuição para o
Financiamento da
Seguridade Social – Cofins
Contribuição para a
Previdência Social
0,32%
1.228.318.277
195.967.549.262 1.361.991.951
215.016.070.795 243.912.571.241 263.151.161.911 17,52%
16,24%
18,30%
19,84%
23,06%
3,60%
3,68
4,12%
4,51%
4,76%
42,67% Fontes:
RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas de Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.
RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.
Elaboração própria Vide
SALVADOR, 2015)
S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L
15
R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
pelo IGP-DI. Chama a atenção que,
enquanto as desonerações de impostos
cresceram 16,48%, os gastos tributários advindos das contribuições sociais
(Cofins,6 PIS,7 CSLL 8 e contribuições
previdenciárias9) que f inanciam a
seguridade social tiveram uma evolução
de 72,76% em termos reais.
Esta forma de apresentação dos dados
é importante para se compreender o
desenho institucional do f inanciamento das políticas sociais no Brasil
definido pela CF de 1988, que passa
pela existência de um orçamento específico para as políticas sociais que integram o sistema de seguridade social
(previdência social, assistência social,
saúde e se gur o-desempr e go) e p or
gastos mínimos obrigatórios por todos
os entes da Federação em educação e
saúde, sendo essencial, para tanto, a
vinculação de recursos orçamentários
para a realização dos direitos sociais.
Os gastos tributários incidentes sobre as
contribuições sociais da seguridade social
predominaram no conjunto de medidas
adotadas pelo governo federal. Assim,
estima-se que o acréscimo nos gastos
tributários sobre as contribuições sociais
da seguridade social, durante o primeiro
governo da presidenta Dilma Rousseff (de
2011 a 2014), seja R$ 60,6 bilhões a mais
do que o ocorrido em 2010, o que equivale
ao orçamento federal anual da Política de
Assistência Social.
Os dados também revelam o acréscimo de
R$ 16,7 bilhões nos gastos tributários dos
impostos (Imposto sobre a Renda, IPI,
IOF e ITR) no período de 2011 a 2014, o
que reduz a base do cálculo mínimo dos
recursos a serem aplicados na educação.
Destaca-se que os gastos
tributários advindos
da desoneração da folha
de pagamento alcançaram
o montante de R$ 24 bilhões
em 2014, representando mais
da metade das desonerações
alocadas na função trabalho
e 9,64% dos gastos tributários
previstos no Ploa 2014
(RFB, 2013).
Destaca-se que os gastos tributários
advindos da desoneração da folha de
pagamento alcançaram o montante de R$
24 bilhões em 2014, representando mais
da metade das desonerações alocadas na
função trabalho e 9,64% dos gastos tributários previstos no Ploa 2014 (RFB, 2013).
Essas desonerações da folha de pagamento
afetam diretamente o Orçamento da Seguridade Social (OSS), pois a Contribuição
de Empregados e Empregadores, que
integra a contribuição sobre a folha de
pagamento, representa mais da metade
do OSS (SALVADOR, 2010).
O governo federal incluiu no âmbito do
plano “Brasil Maior”, lançado em agosto
de 2011, a desoneração da folha de pagamento para alguns segmentos econômicos
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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(confecção, calçados, móveis e softwares),
que será compensada no faturamento
desses segmentos. Diante do agravamento
da crise econômica internacional, essas
medidas foram ampliadas em 2012.
Em abril de 2012, ampliaram-se as desonerações tributárias por meio da substituição
da contribuição previdenciária patronal
sobre a folha de pagamento 10 (20% do
INSS) de 15 setores da indústria por uma
alíquota entre 1,5% e 2,5% sobre o faturamento bruto das empresas. De acordo com
o Ministério da Fazenda, somente esta
renúncia é estimada em R$ 7,2 bilhões11.
Isso ocorre porque a mudança de base da
contribuição da folha de pagamento para
uma alíquota sobre a receita bruta das
empresas foi fixada em um patamar inferior à cobrada sobre a folha de pagamento.
A desoneração da folha de pagamento foi
sendo ampliada, alcançando, em janeiro
de 2014, 56 segmentos da economia (dos
setores de indústria, serviços, transportes,
construção e comércio).12
As desonerações desses segmentos da
economia estão consubstanciadas em
quatro leis (12.546/2011, 12.715/2012,
12.794/2013 e 12.844/2013) originárias de
medidas provisórias, sendo ainda que as
medidas provisórias 601/2012 e 612/2013
tiveram seus prazos de vigência encerrados
em 1º de agosto de 2014, sem a aprovação
do Congresso Nacional. Essas medidas
perderam a validade e, com isso, pelo
menos 14 segmentos da economia não
foram beneficiados pela desoneração da
contribuição previdenciária sobre a folha
de pagamento.
Essa renúncia deveria
obrigar o governo a promover
uma compensação no OSS
equivalente à renúncia
tributária realizada
com recursos do Orçamento
Fiscal, evitando assim
prejuízos financeiros
para o financiamento
da seguridade social. Contudo,
o governo não vem
compensando adequadamente
o caixa da previdência social
com a perda das receitas
decorrentes da desoneração
da contribuição patronal
sobre a folha de pagamento.
Nos termos das referidas leis, a contribuição patronal dos setores beneficiados
passa a incidir sobre o faturamento, com
dedução quando for o caso da parcela exportada. As empresas dos setores beneficiados
passaram a contribuir sobre o seu faturamento – 1% da indústria, 1% do comércio,
2% dos serviços, 2% dos transportes – como
contribuição patronal para a previdência
social. Essa desoneração implica um
volume significativo de recursos renunciados do OSS.
Essa renúncia deveria obrigar o governo a
promover uma compensação no OSS equivalente à renúncia tributária realizada com
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Foto: Nasa / Fotos Públicas (10/04/2015)
recursos do Orçamento Fiscal, evitando
assim prejuízos financeiros para o financiamento da seguridade social. Contudo,
o governo não vem compensando adequadamente o caixa da previdência social com
a perda das receitas decorrentes da desoneração da contribuição patronal sobre a
folha de pagamento.
No primeiro ano de vigor das novas regras,
houve um repasse da Secretaria do Tesouro
Nacional (STN) de R$ 1,79 bilhão referente à compensação da desoneração da
folha de pagamento ocorrida em 2012,
conforme o Ministério da Previdência
Social (MPAS, 2014). Isso significa uma
perda de recursos, pelos dados oficiais, de
R$ 1,9 bilhão somente em 2012. Em 2013, o
repasse de recursos ao caixa previdenciário
pela STN começou a ser realizado somente
em abril, assinalado como “arrecadação
– Darfs/Compensação Lei nº 12.546” no
fluxo de caixa da previdência social. O
Informe da Previdência Social de janeiro
de 2014 (págs. 28 e 29) registra um repasse
de R$ 9 bilhões em 2013 nessa rubrica.
Chama a atenção que o fluxo de caixa não
faz menção à compensação das perdas
decorrentes da Lei nº 12.715/2012 e que o
valor repassado para todo o ano de 2013 fica
abaixo da estimativa da renúncia feita pela
RFB para o período de janeiro a novembro
de 2013 (último dado disponível),13 de R$
9,1 bilhões, faltando estimar as perdas de
dezembro e do 13º salário.
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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Ressalva-se, ainda, que há dúvidas sobre a
metodologia de apuração da renúncia tributária. Um estudo detalhado (ZANGHELINI et al, 2013) sobre a desoneração da
folha de pagamento de cada segmento
econômico, publicado pela Anfip e pela
Fundação Anfip, estima que – somente
para ano de 2012 – a renúncia corresponderia, na realidade, a R$ 7,06 bilhões, isto
é, R$ 3,96 bilhões a mais do que o previsto
pela RFB e quase quatro vezes a mais que
o valor repassado pela STN à Previdência
Social. O estudo dessas entidades também
destaca outros problemas decorrentes das
novas legislações que desoneraram a folha
de pagamento. Um deles diz respeito à
quantificação dessas renúncias na velocidade que vem ocorrendo. Além disso,
os cálculos são herméticos, não havendo,
portanto, transparência necessária no
processo (ZANGHELINI et al, 2013).
Convém destacar que a previdência social
vem perdendo receitas não somente com a
desoneração da folha de salários, conforme
já analisado anteriormente, mas também
com outras renúncias tributárias concedidas para alguns setores da economia,
como as entidades filantrópicas (R$ 9,9
bilhões), a exportação da produção rural
(R$ 4,6 bilhões) e o Simples Nacional –
Regime Especial Unificado de Arrecadação
de Tributos e Contribuições devidos pelas
Microempresas e Empresas de Pequeno
Por te (R$ 17,6 bilhões) (RFB, 2013;
ZANGHELINI et al, 2013). Esse conjunto
de renúncias traz implicações importantes para o financiamento do RGPS,
aumentando a necessidade de cobertura
do sistema por parte do Tesouro Nacional.
Em particular, chama a atenção a imunidade concedida ao agronegócio exportador,
o que aumenta a demanda de cobertura
financeira do subsistema rural. Em 2005,
essa renúncia foi da ordem de R$ 2,1
bilhões, sendo que, para 2014, o valor apresenta um crescimento de 119%. Tal situação
implica a necessidade de maior solidariedade entre os trabalhadores urbanos e
rurais (ANFIP, 2013).14
Os gastos tributários na função saúde
evoluíram de R$ 20,6 bilhões, em 2010, para
R$ 24,9 bilhões, em 2014 e representam
9,50% do montante dos gastos tributários
de 2014 (SALVADOR, 2015). Uma parte
importante das desonerações tributárias
que dão origem aos gastos tributários na
área de saúde está relacionada à dedução,
no imposto de renda das pessoas físicas,
de despesas com plano de saúde e serviços
médicos e, no caso das pessoas jurídicas,
de valores relativos à assistência médica,
odontológica e farmacêutica prestada a
empregados. Estas duas modalidades de
renúncias na área de saúde totalizaram R$
14,4 bilhões em 2014. Os gastos tributários
na função saúde equivalem a, aproximadamente, 29% do total de recursos diretamente alocados pelo governo federal no
orçamento da saúde em 2014.15
Na função assistência social, o crescimento do gasto tributário, no período de
2010 a 2014, foi de 20% acima da inflação,
conforme Salvador (2015), representando,
em 2014, 7,49% do montante dos gastos
tributários federais. Nesta função social
estão alocados os benefícios tributários
concedidos às entidades filantrópicas e às
entidades sem fins lucrativos (associação
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civil e filantrópica), que alcançaram
R$ 13,2 bilhões, representando 5,3% do
montante dos gastos tributários federais
em 2014 (RFB, 2014). Apesar da criação
do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), que tem como uma das suas diretrizes centrais a primazia do Estado na
execução da política de assistência social
(COUTO, 2009), ainda são significativas
as desonerações que originam os gastos
tributários na função assistência social.
Os gastos tributários na assistência social
totalizaram R$ 19,7 bilhões, representando,
aproximadamente, 30% do orçamento
desta política social (SALVADOR, 2015).
Considerações finais
As medidas de desonerações tributárias
adotadas para combater a crise afetaram
ainda mais o financiamento do orçamento
da seguridade social, enfraquecendo com
isso as fontes tributárias das políticas de
previdência social, saúde e assistência
social, além das implicações para os
estados e municípios no tocante ao financiamento das políticas de educação e saúde.
As justificativas são de cunho econômico,
mas deve-se assegurar que o OSS não
perca recursos por conta das desonerações tributárias. Destaca-se, sobretudo,
o expressivo acréscimo nos gastos tributários incidentes sobre as contribuições
sociais, em particular aquelas incidentes
na contribuição previdenciária sobre a
folha de pagamento.
O chamado gasto tributário
já compromete quase 1/5 das
receitas públicas federais (ou
seja, o equivalente a 4,76% do
PIB) e afeta o financiamento
das políticas de saúde e
educação nos municípios
brasileiros, devido ao fato de
que os impostos desonerados
(como o IR e o IPI) são a base da
composição do FPE e do FPM.
O chamado gasto tributário já compromete
quase 1/5 das receitas públicas federais (ou
seja, o equivalente a 4,76% do PIB) e afeta
o financiamento das políticas de saúde
e educação nos municípios brasileiros,
devido ao fato de que os impostos desonerados (como o IR e o IPI) são a base da
composição do FPE e do FPM. Como os
municípios e os estados têm gastos obrigatórios com saúde e educação, as desonerações federais implicam restrições
principalmente nos orçamentos municipais para os gastos sociais. Torna-se
necessário que a incidência política das
entidades da sociedade civil brasileira
pressione o governo federal para assegurar
a reposição de recursos por meio do orçamento fiscal, de forma que compensem as
perdas no financiamento tanto da seguridade social e da educação em nível federal
quanto dos recursos que compõem o FPE
e o FPM.
A expansão dos gastos tributários e a
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Foto: johnpotter @ Pixabay / CCO
acentuação da regressividade dos tributos
possibilitam redirecionar em surdina
o fundo público para o capital devido à
própria opacidade de suas informações
e à orientação do núcleo duro estatal de
subtrair a economia do debate público.
Neste caso, o controle social é negado
tanto no seu sentido de acompanhamento
quanto no de partilha de poder decisório
(TEIXEIRA, 2012).
Convém ressaltar que a RFB, órgão responsável pela realização dos estudos dos gastos
tributários que acompanham as peças
orçamentárias no Brasil, é um dos mais
blindados ao controle social. Não existe
nenhum instrumento público ou instância
oficial que garanta a relação da sociedade
civil organizada com a Receita Federal. O
órgão, por exemplo, não apresenta estudos
que demonstrem a eficácia e a efetividade
na concessão dos gastos tributários.
Destaca-se uma ausência de mérito conceitual das classificações feitas pela Receita
Federal para os gastos tributários. Mas,
seguramente, um aprofundamento de
pesquisa suscitaria muitas questões. Uma
certamente seria relacionada à ausência
de gastos tributários alocados na função
previdência social, em que pesem as
inúmeras renúncias que são concedidas
sobre os tributos exclusivos dessa política social. Outra ausência marcante nos
relatórios da RFB é a não consideração,
como gasto tributário, da isenção do IR
sobre os lucros e dividendos distribuídos,
assim como a não tributação das remessas
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Foto: Fotos Públicas / CCO
dessas rendas para o exterior, que permanecem isentas da cobrança de IR desde
1996. Segundo dados de Introíni (2015)16
recentemente publicados, no ano de 2012
foram declarados R$ 207 bilhões de lucros e
dividendos recebidos pelas pessoas físicas.
O total de lucros e dividendos distribuídos
– incluídas as pessoas físicas e jurídicas,
exceto as optantes pelo Simples – foi de
R$ 436 bilhões no mesmo ano. Se fosse
aplicada uma alíquota de 25% sobre esse
montante, o resultado seria uma arrecadação adicional superior a R$ 100 bilhões
de imposto de renda. No que se refere à
dedução dos “juros sobre capital próprio”,
que nada mais são do que um eufemismo
para lucros, um levantamento realizado
em 87 empresas com grande volume de
ações negociadas mostrou que somente
elas pretendiam economizar pouco mais
de R$ 25 bilhões pelo uso desse instrumento em 2014. O cálculo aproximado
da renúncia fiscal do Tesouro foi de R$ 15
bilhões. A pergunta que se faz é a seguinte:
por que tais recursos não são considerados
como gastos tributários?
A atual conjuntura econômica e política do
Brasil impõe inúmeros desafios à sociedade
civil. O segundo mandato da presidenta
Dilma Rousseff (iniciado em 1º/01/2015)
começou com o anúncio de um pesado
ajuste fiscal, que impõe corte ou redução
dos direitos sociais: seguro-desemprego,
pensões, abono salarial, dentre outros,
além do aumento das alíquotas de alguns
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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impostos. Tal ajuste proposto é também
resultado das escolhas econômicas feitas
no mandato anterior da presidenta, que
acarretaram perda de arrecadação de
recursos sem os resultados esperados no
crescimento econômico, em que pese o
expressivo aumento dos gastos tributários,
o que causou perdas de recursos para as
políticas sociais.
NOTAS
1 Este artigo é uma versão simplificada da publicação do INESC
“Renúncias Tributárias: os Impactos no Financiamento das
Políticas Sociais no Brasil” (SALVADOR, 2015).
2 Os relatórios estão disponíveis em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/DGTA/default.htm>.
O relatório utilizado neste estudo é o mais atual: RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas das Bases Efetivas
– 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da Receita Federal
do Brasil, 2013.
3 O projeto de lei que trata do orçamento anual deve ser enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional até o dia 31 de
agosto.
4 RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas das
Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da
Receita Federal do Brasil, 2013.
5 Todas as medidas tomadas no governo brasileiro a partir de
2010 estão disponíveis em: <http://www.receita.fazenda.gov.
br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/default.htm>.
REFERÊNCIAS
6 COFINS: Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social.
ANFIP. Análise da Seguridade Social, 2012. Brasília: ANFIP;
Fundação ANFIP, 2013.
7 PIS: Contribuição Social para o Programa de Integração Social.
BEGHIN, Nathalie; CHAVES, José; RIBEIRO, José. Gastos Tributários Sociais de Âmbito Federal: Uma Proposta de Dimensionamento. In: CASTRO, Jorge; SANTOS, Cláudio; RIBEIRO, José (orgs.).
Tributação e Equidade no Brasil. Brasília: IPEA 2010, p. 375-408.
COUTO, Berenice. O Sistema Único de Assistência Social: Uma
Nova Forma de Gestão da Assistência Social. In: MDS. Concepção
e Gestão da Proteção Social não Contributiva no Brasil. Brasília:
MDS, 2009, p. 205-218.
INTROÍNI, Paulo Gil. Tributação dos Ricos: O Debate Interditado. Teoria em Debate (on-line), 04.02.2015. Último acesso
em: 08.02.2015. Link: <http://www.teoriaedebate.org.br/
materias/economia/tributacao-dos-ricos-o-debate-interditado?page=0,0>.
MPAS. Informe da Previdência Social, volume 25, no 1, janeiro de
2014, p. 21.
SALVADOR, Evilasio. Fundo Público e Seguridade Social no Brasil.
São Paulo: Cortez, 2010.
SALVADOR, Evilasio. Renúncias Tributárias: os Impactos no
Financiamento das Políticas Sociais no Brasil. Brasília: INESC,
2015.
RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários – PLOA 2014.
Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2013.
RFB. Demonstrativo dos Gastos Tributários: Estimativas de
Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013. Brasília: Secretaria da
Receita Federal do Brasil, 2013.
TEIXEIRA, Sandra Oliveira. Participação e Controle Democrático
sobre o Orçamento Público Federal em um Contexto de Crise
do Capital. Tese (doutorado em Serviço Social) – Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2012.
8 CSLL: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
9 O Relatório com o “Demonstrativo dos Gastos Tributários:
Estimativas de Bases Efetivas – 2011. Série 2009 a 2013” é o
primeiro publicado pela Receita Federal que inclui, juntamente
com os gastos tributários, as renúncias previdenciárias.
10 Um detalhamento sobre a desoneração da folha de pagamento e os impactos para o financiamento da previdência social
pode ser visto em ZANGHELINI, Airton et al. Desoneração da
folha de pagamento: oportunidade ou ameaça? Brasília: ANFIP e
Fundação ANFIP, 2013.
11 Acesse o link: <http://www.receita.fazenda.gov.br/automaticoSRFSinot/2012/04/05/2012_04_05_11_49_16_693391637.
html>.
12 A lista dos segmentos beneficiados pela desoneração da folha
de pagamento pode ser vista em: <http://www1.fazenda.gov.br/
spe/publicacoes/conjuntura/bancodeslides/por_legislacao.pdf>.
13 Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/default.htm>.
14 ANFIP. Análise da Seguridade Social, 2012. Brasília: ANFIP;
Fundação ANFIP, 2013.
15 Os dados do sistema Siga Brasil informam que o orçamento
federal pago na área de saúde, em 2014, foi de R$ 86,3 bilhões.
16 INTROÍNI, Paulo Gil. Tributação dos Ricos: O Debate Interditado. Teoria em Debate (on-line), 04.02.2015. Último acesso
em: 08.02.2015. Link: <http://www.teoriaedebate.org.br/
materias/economia/tributacao-dos-ricos-o-debate-interditado?page=0,0>.
ZANGHELINI, Airton et al. Desoneração da Folha de Pagamento:
Oportunidade ou Ameaça? Brasília: ANFIP e Fundação ANFIP,
2013.
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R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
Fundo público
e as medidas provisórias
nos 664 e 665:
a contrarreforma
da previdência em curso
Introdução
Evilasio Salvador
Economista. Mestre e Doutor em Política Social pela Universidade
de Brasília (UnB). Pós-Doutor em Serviço Social pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professor no Serviço Social e no
Programa de Pós-Graduação em Política Social da UnB.
Maria Lucia Lopes da Silva
Assistente Social, Dra. em política social, Profª do curso de serviço
social e do Programa de Pós-graduação em Política Social (PPGPS)
do Departamento de Serviço Social(SER) da UnB.
O governo brasileiro vem adotando um
conjunto de medidas, desde 2008, visando
a refrear os impactos da crise do capital
na economia brasileira. Nos últimos anos,
as iniciativas governamentais têm sido
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Foto: © M I C H A E L • N A S H/ Photographizemag
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R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
insuficientes para a retomada da taxa de
crescimento econômico que se estagnou
em 2014. Em que pese o Brasil praticar
ao longo da última década os maiores
superávits primários do mundo,1 no ano
passado o resultado primário do governo
central fechou negativo em -0,34% Produto
Interno Bruto (PIB). Tal situação provocou
forte pressão do mercado financeiro pela
retomada de uma política fiscal de corte
de gastos públicos.
Um dos motivos que afetou o resultado
primário brasileiro está relacionado diretamente à política de desonerações tributárias, que alcançou 4,76% do PIB, em 2014,
comprometendo 23,06% da arrecadação
federal, conforme estimativas da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB,
2014).
Em resposta à pressão do mercado financeiro, no dia 29 de dezembro de 2014, o
governo brasileiro anunciou medidas
duras e restritivas de direitos que atingem
fortemente os trabalhadores. Tais medidas
foram impostas autoritariamente, sem
qualquer diálogo com a sociedade, por
meio de Medidas Provisórias (nº 664 e nº
665), publicadas em edição extra do Diário
Oficial da União no dia 30 de dezembro.
Sob a alegação de “corrigir distorções”,
“aumentar a transparência”, “reduzir
despesas” e “assegurar a sustentabilidade do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) e da previdência social”, mudanças
profundas foram realizadas na pensão por
morte, auxílio-doença, aposentadoria por
invalidez, auxílio-reclusão, abono salarial,
seguro-desemprego e seguro-defeso.
Este artigo analisa, na primeira parte, o
socorro concedido por meio do orçamento
público ao capital ao longo do primeiro
mandato da presidenta Dilma Rousseff
(2011 a 2014), notadamente as desonerações tributárias. Na segunda parte,
analisam-se as Medidas Provisórias (MPs)
nos 664 e 665 e seus impactos nos direitos
relacionados à seguridade social e aqueles
vinculados às relações de trabalho.
1. Fundo público
e orçamento na crise
do capital: o ajuste recente2
No capitalismo, o fundo público exerce
uma função ativa nas políticas macroeconômicas, sendo essencial tanto na esfera da
acumulação produtiva quanto no âmbito
das políticas sociais. O fundo público tem
papel relevante para a manutenção do
capitalismo na esfera econômica e para a
garantia do contrato social. O alargamento
das políticas sociais garante a expansão do
mercado de consumo, ao mesmo tempo
em que os recursos públicos são financiadores de políticas anticíclicas nos
períodos de retração da atividade econômica (SALVADOR, 2012). O orçamento
público é a expressão mais visível do fundo
público.
O fundo público envolve toda a capacidade
de mobilização de recursos que o Estado
tem para intervir na economia, seja por
meio das empresas públicas ou pelo uso
das suas políticas monetária e fiscal, assim
como pelo orçamento público (SALVADOR;
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Foto: pollygodders @ Pixabay
TEIXEIRA, 2014). Uma das principais
formas da realização do fundo público é
por meio da extração de recursos da sociedade na forma de impostos, contribuições
e taxas, sendo o resultado, portanto, da
tributação das diversas formas de renda
da economia: salário, lucro, juro e renda
da terra (BEHRING, 2010). Esses recursos
são apropriados pelo Estado para o desempenho de múltiplas funções.
Atualmente, o fundo público exerce pelo
menos quatro importantes funções no
capitalismo (SALVADOR, 2010):
a.
o financiamento do investimento
capitalista, por meio de subsídios, de
desonerações tributárias, por incentivos
fiscais, por redução da base tributária das
empresas e de seus sócios;
b.
a garantia de um conjunto de políticas sociais que asseguram direitos e
permitem também a inserção das pessoas
no mercado de consumo, independentemente da inserção no mercado de trabalho;
c.
assegura vultosos recursos do orçamento para investimentos em meios de
transporte e infraestrutura e nos gastos
com investigação e pesquisa, além dos
subsídios e das renúncias fiscais para as
empresas;
d.
assegura renda para uma classe
rentista na sociedade, isto é, aqueles que
vivem de aplicações no mercado financeiro e recebem, por meio do orçamento
público, recursos sob a forma de juros e
amortização da dívida pública.
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R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
Tabela
1 –1:
Gastos
por POR
Grupos
de Natureza
de Despesas:
OrçamentoORÇAMENTO
da União(1) DA UNIÃO (1)
TABELA
GASTOS
GRUPOS
DE NATUREZA
DE DESPESAS:
Valores
constantes,
em bilhões
(R$), deflacionados
pelo IGP-DI
Valores
constantes,
em bilhões
(R$), deflacionados
pelo IGP-DI
GND
2011
2012
2013
2014
125,50
378,99
131,56
200,98
60,15%
Inversões financeiras
40,61
46,47
57,61
65,13
60,39%
Investimentos
21,94
26,16
21,82
22,76
3,72%
Juros e encargos da dívida
168,44
158,82
158,37
179,48
6,56%
Outras despesas correntes
817,37
840,08
879,61
946,51
15,80%
Pessoal e encargos sociais
233,74
223,60
228,57
250,93
7,36%
Total do orçamento
1.407,60
1.674,12
1.477,54
1.665,79
18,34%
Participação de juros mais amortização
20,88%
32,12%
19,62%
22,84%
-
Amortização da dívida (2)
Var. 2011 a 2014
Fonte: STN. SIGA Brasil.
Elaboração própria.
Notas:
1) Somente o orçamento fiscal e da seguridade social (despesa liquidada).
2) Excetuados os valores referentes ao refinanciamento da dívida pública (rolagem).
O orçamento público é desde sua origem
uma peça política (OLIVEIRA, 2009). O
orçamento público não se limita, portanto,
a apenas uma peça técnica que o governo
tem para expressar seu planejamento de
gastos e a origem dos recursos públicos,
mas é instrumento de planejamento de
cunho político que serve para orientar
as negociações sobre quotas de sacrifício
sobre os membros da sociedade no tocante
ao financiamento do Estado e é utilizado
como instrumento de controle e direcionamento dos gastos (OLIVEIRA, 2009).
Assim, a decisão sobre os objetivos de
gastos do Estado e a fonte dos recursos para
financiá-los não são somente econômicas,
mas principalmente são escolhas políticas,
refletindo a correlação de forças sociais e
políticas atuantes e que têm hegemonia
na sociedade. Os gastos orçamentários
definem a direção e a forma de ação do
Estado nas suas prioridades de políticas
públicas.
No Brasil, os recursos do orçamento
público são expressos na Lei Orçamentária
Anual (LOA). Na realidade, a LOA compõe
o ciclo orçamentário juntamente com o
Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O objetivo
principal dessas leis é integrar as atividades de planejamento e orçamento para
garantir a execução das políticas governamentais nos municípios, nos estados,
no Distrito Federal e em âmbito nacional.
A Tabela 1 permite, de forma agregada,
compreender o destino dos recursos orçamentários durante o primeiro governo
da presidenta Dilma Rousseff (de 2011 a
2014) no tocante aos orçamentos fiscal e da
seguridade social, no âmbito da União, por
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
28
FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Grupos de Natureza de Despesa (GND), em
valores deflacionados pelo Índice Geral de
Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI),
em preços de 2014.
Observa-se expressiva
participação das despesas
financeiras, excluindo os
valores referentes
ao refinanciamento da dívida
pública (rolagem), sobre
o orçamento fiscal
e da seguridade social da União.
No período de 2011 a 2014,
as despesas com a amortização
da dívida cresceram 60,15%,
em valores reais, e as despesas
com o pagamento de juros
e encargos apresentam um
crescimento de 6,56%.
A participação das despesas
de juros mais amortização
representou 22,84% do
orçamento público em 2014.
Observa-se expressiva participação das
despesas financeiras, excluindo os valores
referentes ao refinanciamento da dívida
pública (rolagem), sobre o orçamento
fiscal e da seguridade social da União. No
período de 2011 a 2014, as despesas com a
amortização da dívida cresceram 60,15%,
em valores reais, e as despesas com o
pagamento de juros e encargos apresentam
um crescimento de 6,56%. A participação
das despesas de juros mais amortização
representou 22,84% do orçamento público
em 2014.
Por outro lado, em que pese o crescimento
do orçamento público federal (fiscal e
seguridade social) em 18,34%, em termos
reais, os gastos com pessoal e encargos
sociais cresceram somente 7,36%. As
outras despesas correntes – que incluem
o pagamento de benefícios e serviços no
âmbito das políticas sociais, a transferência de recursos federais para estados
e municípios, o pagamento de benefícios
previdenciários, dentre outros – cresceram
somente 15,80%. Os investimentos públicos
(previstos no Programa de Aceleração do
Crescimento), no âmbito do orçamento
fiscal e da seguridade socialtiveram
modesto crescimento de 3,72% (Tabela 1).
Em 2014, as outras despesas correntes
alcançaram o montante de R$ 946,51
bilhões. Deste montante, 45% (ou 55,7%,
quando se incluem das despesas com
pessoal) referem-se aos gastos com os benefícios previdenciários do Regime Geral da
Previdência Social e do Regime Próprio dos
Servidores Públicos Federais, incluindo o
pagamento de inativos, pensões e outros
benefícios previdenciários a mais 32
milhões de pessoas, conforme a Secretaria
do Tesouro Nacional (STN).3 Nas outras
despesas correntes, encontra-se também a
transferência de recursos do orçamento da
União para os estados e os municípios, que
representaram 23% do montante do orçamento pago em 2014. As demais despesas
correntes foram destinadas à execução das
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FOTO: Fotos Públicas / CCO
outras políticas sociais do governo, além
dos gastos com aquisição de material de
consumo, pagamento de diárias, contribuições e subvenções.
Com a crise do capitalismo alcançando
a economia brasileira, o governo federal
tomou um conjunto de iniciativas para
tentar manter o crescimento econômico
no país. Este texto limita-se, a trazer
elementos para análise das implicações
das renúncias tributárias, conhecidas
legalmente como gastos tributários, e suas
implicações no financiamento das políticas
de seguridade social.
Entende-se que o principal impacto na
seguridade social das medidas tomadas
pelo governo brasileiro no socorro ao
capital diz respeito às renúncias tributárias, que se constituem um verdadeiro
(des)financiamento da seguridade social.
Destacam-se, sobretudo, as políticas de
desonerações tributárias das contribuições sociais e a desoneração da folha de
pagamento, que afetam o financiamento
do orçamento da seguridade social. Não
se adentra ao detalhamento das desonerações dos impostos, como o Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e o
Imposto sobre a Renda (IR), que têm fortes
rebatimentos federativos, principalmente,
no financiamento de parte da seguridade
social dos estados e municípios, sobretudo,
na assistência social e na saúde, além da
afetar os gastos com a política de educação.
A desoneração de IR e IPI afeta o Fundo de
Participação dos Municípios e o Fundo de
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
30
FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Participação dos Estados (SALVADOR,
2014).
A desoneração tributária cresceu de forma
considerável atingindo principalmente as
contribuições sociais vinculadas à seguridade social. Por detrás das chamadas desonerações tributárias e incentivos fiscais
encontra-se um conjunto de medidas legais
de financiamento público não orçamentário de políticas públicas (econômicas e
sociais), constituindo-se renúncias tributárias do orçamento público, geralmente
em benefício das empresas (SALVADOR;
TEIXEIRA, 2014).
Trata-se dos chamados gastos tributários,
que são desonerações equivalentes a gastos
indiretos de natureza tributária. Portanto,
são renúncias que são consideradas exceções à regra do marco legal tributário, mas
presentes no código tributário com objetivo
de aliviar a Carga Tributária de uma classe
específica de contribuintes, de um setor
econômico ou de uma região (BEGHIN;
CHAVES; RIBEIRO, 2010).
Esses gastos são operacionalizados por
meio do orçamento público e implicam a
redução da base de incidência de tributos
das empresas. Por se tratar aparentemente
de isenções, tem-se uma falsa ideia de
“custo zero” desses gastos de natureza
indireta, quando na realidade o Estado está
deixando de arrecadar tributos de determinado setor da sociedade e, portanto, na
prática abstendo-se de receitas públicas
para executar diretamente, por meio do
orçamento estatal, as políticas públicas.
Além da ausência do controle democrático
desses gastos (ALVARENGA, 2012).
Com os efeitos da crise econômica mundial
sobre a economia brasileira, o governo vem
adotando uma série de medidas no campo
fiscal para incentivar as empresas instaladas no país e retomar o investimento
privado, mas na prática tem contribuído
somente para recomposição das taxas de
lucros de vários setores econômicos.
O relatório de gastos tributários
que acompanhou o Projeto
de Lei Orçamentária (PLOA)
de 2006 estimou em R$ 58,9
bilhões as desonerações
tributárias (SRFB, 2005). Esse
valor vem subindo de forma
considerável e, em 2014,
estima-se que o gasto tributário
(excetuando as renúncias
previdenciárias) alcance
R$ 192,6 bilhões (SRFB, 2013),
portanto, um acréscimo
de 227%, em relação a 2006.
O relatório de gastos tributários que acompanhou o Projeto de Lei Orçamentária
(PLOA) de 2006 estimou em R$ 58,9
bilhões as desonerações tributárias (SRFB,
2005). Esse valor vem subindo de forma
considerável e, em 2014, estima-se que o
gasto tributário (excetuando as renúncias
previdenciárias) alcance R$ 192,6 bilhões
(SRFB, 2013), portanto, um acréscimo de
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FOTO: Pixabay / CCO
227%, em relação a 2006.
Como foi analisado no artigo anterior da
presente revista, as renúncias tributárias
aumentaram de forma expressiva, principalmente as previdenciárias que cresceram
147,10%, acima do IGP-DI, no período de
2010 a 2014. A partir do governo da presidenta Dilma, os gastos tributários evoluem
de forma expressiva, saltando de 3,68%
do PIB (2011) para 4,76% do PIB (2014),
comprometendo 23,06% da arrecadação
tributária federal.
Portanto, as medidas de desonerações
tributárias adotadas para combater a crise
afetaram ainda mais o financiamento do
orçamento da seguridade social, enfraquecendo com isso o financiamento das
políticas sociais da previdência, saúde e
assistência social. Além das implicações
para os estados e municípios no financiamento das políticas de educação e saúde
(SALVADOR; TEIXEIRA, 2014).
2.Retomada
da contrarreforma
da previdência: análise
das Medidas Provisórias
nos 664 e 665
As Medidas Provisórias (nº 664 e nº 665)
foram apresentadas com parte do ajuste
fiscal da nova equipe econômica do governo
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
32
FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
federal. As medidas trazem cortes de
direitos, afetando milhões de trabalhadores/as brasileiros/as. Entende-se que
essas medidas não podem ser vistas isoladamente, nem tampouco como mudanças
diminutas ou uma “minirreforma”, como
estão sendo caracterizadas. Adota-se aqui
a perspectiva apontada por Behring (2003)
da contrarreforma e da recuperação histórica do termo “reforma” feito por Coutinho
(2010, p. 35), que destaca:
“A palavra reforma foi sempre organicamente ligada às lutas dos subalternos para
transformar a sociedade e, por conseguinte,
assumiu na linguagem política uma conotação claramente progressista e até mesmo
de esquerda. O neoliberalismo busca utilizar
a seu favor a aura da simpatia que envolve a
ideia de “reforma’. É por isso que as medidas
por ele propostas e implementadas são
mistificadoramente apresentadas como
“reformas”, isto é, como algo progressista em
face do “estatismo”, que tanto em sua versão
comunista como naquela socialdemocrata,
seria agora inevitavelmente condenado à
lixeira da história. Desta maneira, estamos
diante da tentativa de modificar o significado da palavra “reforma”: o que antes da
onda neoliberal queria dizer ampliação
dos direitos, proteção social, controle e
limitação do mercado, etc., significa agora
cortes, restrições, supressão desses direitos
e desse controle. Estamos diante de uma
operação de mistificação ideológica que,
infelizmente, tem sido em grande medida
bem-sucedida”.
Na realidade, portanto, as medidas provisórias dão seguimento à contrarreforma
da previdência social, em curso, desde a
Emenda Constitucional nº 20 de 1998, em
observância às diretrizes dos organismos
financeiros internacionais, especialmente
do Banco Mundial, por meio do documento
“Envejecimiento sin crisis”, de 1994.
Segundo o documento, as mudanças nos
sistemas de previdência social deveriam
propiciar: criação de poupança obrigatória, por meio de contribuições definidas
e do regime de capitalização; poupanças
voluntárias e redução da extrema pobreza
por meio das pensões públicas, em outras
palavras, os sistemas públicos de previdência social deveriam ser enxutos para
dar espaço à expansão dos fundos de
pensão (BANCO MUNDIAL, 1994).
Na realidade, portanto,
as medidas provisórias dão
seguimento à contrarreforma
da previdência social, em
curso, desde a Emenda
Constitucional nº 20 de 1998,
em observância às diretrizes
dos organismos financeiros
internacionais, especialmente
do Banco Mundial, por meio do
documento “Envejecimiento
sin crisis”, de 1994.
As recomendações voltavam-se para favorecer a acumulação, em contexto de crise
estrutural do capital. Desde então, estas
diretrizes continuam sendo seguidas,
a partir de duas grandes estratégias:
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R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
limitação do acesso aos direitos viabilizados pela previdência pública e redução
dos valores de benefícios. Em 1998, o
Regime Geral da Previdência Social (RGPS)
foi o mais mutilado pelas mudanças.
Dentre outras medidas, as aposentadorias
deixaram de ser por tempo de serviço para
ser por tempo de contribuição; limitou-se
o acesso às aposentadorias proporcionais e
especiais; estabeleceu-se um teto nominal
máximo para os valores de benefícios
do Regime Geral de Previdência Social
(RGPS), na ocasião, R$ 1.200,00 - o que
correspondia a dez salários mínimos9;
tentou-se vincular o tempo de contribuição
da idade para fins de aposentadoria; como
não foi possível, excluiu-se a fórmula de
cálculo dos benefícios da Constituição,
abrindo espaço para a criação do fator
previdenciário, em 1999, que tenta
cumprir essa função, disfarçadamente,
até o momento.
Em 2003, no governo do presidente Lula, as
diretrizes e estratégias foram as mesmas,
porém, os Regimes Próprios de Previdência
Social (RPPS), destinados aos servidores
públicos, foram os mais atingidos. Dentre
as medidas, citam-se: o fim da aposentadoria integral para estes servidores; a
vinculação do tempo de contribuição à
idade para fins de aposentadoria; contribuição previdenciária para os servidores
aposentados; instituiu-se a previdência
complementar para estes servidores e a
possibilidade de teto para aposentadoria.
Em abril de 2012, foi autorizada a criação
da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal
(Funpresp) que passou a funcionar em
fevereiro de 2013. A Lei nº 12.618 de 30 de
abril de 2012, além de autorizar a criação
da fundação para gerir planos de benefícios
para os servidores de cada um dos poderes,
estabeleceu o teto de aposentadoria dos
servidores públicos, no valor do teto dos
valores dos benefícios do regime geral.
Com isso, um dos propósitos pretendidos,
em 1998, pelo governo Fernando Henrique
e os seus aliados, representantes do capital,
foi parcialmente alcançado: a uniformização dos direitos dos servidores públicos e
demais trabalhadores cobertos pelo regime
geral, tendo como referência os direitos
mais diminutos.
As MP nº 664 e nº 665
de 30 dezembro de 2014 seguem
a mesma direção e estratégias
das medidas anteriores:
favorecem o capital, limitam
o acesso aos direitos
viabilizados pelo sistema
público e diminuem os valores
dos benefícios, impondo
prejuízos aos trabalhadores
As MP nº 664 e nº 665 de 30 dezembro de
2014 seguem a mesma direção e estratégias das medidas anteriores: favorecem
o capital, limitam o acesso aos direitos
viabilizados pelo sistema público e diminuem os valores dos benefícios, impondo
prejuízos aos trabalhadores. Estas medidas
alcançam tanto os servidores públicos
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Foto: Geralt @ Pixabay / CC0
quanto os trabalhadores empregados e seus
dependentes econômicos, os desempregados e os pescadores artesanais cobertos
pelo regime geral. Assim, não se pode falar
em medidas isoladas; elas compõem a
contrarreforma da previdência social, em
curso desde 1998.
A MP no 664 alterou a legislação que trata
do Plano de Benefícios da Previdência
Social (Lei nº 8.213/91); da carreira de
perícia médica (Lei nº 10.876/04); do
Regime Jurídico Único (Lei nº 8.112/90)
e da aposentadoria especial ao cooperado
de cooperativa de trabalho ou de produção
(Lei nº 10.666/03) trazendo, dentre outras,
as seguintes mudanças:
Pensão por morte
Foi introduzida a exigência de dois anos de
casamento ou união estável, exceto quando
o óbito do segurado decorrer de acidente
posterior ao casamento ou no início da
união estável ou se o cônjuge, companheiro
ou companheira for considerado incapaz
e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada. Esta regra
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R E V I S T A P O L Í T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 9
Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
já está sendo cumprida desde 14 de janeiro
deste ano. A pensão por morte era isenta de
carência; a partir de 1º de março passaram
a ser exigidos 24 meses da contribuição
previdenciária, para acessá-la. Exceção
para casos em que o segurado estiver em
gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria
por invalidez, ou ainda quando ocorrer a
morte por acidente do trabalho e doença
profissional ou do trabalho. Deixa de ser
vitalícia indiscriminadamente, e passa
a ser somente para aqueles cônjuges cuja
expectativa de sobrevida for igual ou
menor que 35 anos, de acordo a tábua de
mortalidade do IBGE5, atualmente, isso
ocorre para quem tem 44 anos e mais, no
momento do acesso ao beneficio. As pessoas
mais jovens poderão ter o beneficio por um
período que varia de 3 a 15 anos. O valor a
ser recebido deixa de ser 100% do valor a
que o segurado teria direito para aposentadoria no momento do óbito e passa a valer
50% desse valor, seguido de acréscimos de
10% por dependente, no limite de cinco. O
benefício mínimo continua sendo de um
salário mínimo. Para os trabalhadores
do RGPS foi eliminada a possibilidade
de conversão da parte do beneficio para
outro dependente no caso da cessação de
cotas individuais. Ressalvado o direito de
opção, foi vedada a percepção cumulativa
de pensão deixada por mais de um cônjuge,
companheiro ou companheira, e de mais de
duas pensões. Exclui-se o direito à pensão
para o dependente condenado pela prática
de crime doloso que tenha resultado na
morte do segurado – regra válida desde
31 de dezembro de 2014. Estas mudanças
também são válidas para os servidores
públicos, regidos pela Lei nº 8.112 de 1990,
exceto a reversão das cotas individuais
cessadas por morte ou perda da qualidade
de segurados em favor dos cobeneficiários
que ainda poderá ocorrer, porém, para
estes, foi eliminada a possibilidade de
terem como dependente pessoa designada
que vivesse sob sua dependência econômica até 21 anos ou, se inválido, enquanto
durasse a invalidez.
Auxílio-doença
Até 28 de fevereiro de 2015 as empresas
arcavam com os primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador empregado e o
restante era custeado pelo orçamento da
seguridade social. O benefício tinha início
a partir do décimo sexto dia e correspondia
à média dos maiores salários de 80% do
período contributivo , para os que ingressaram na previdência a partir de 29 de
novembro de 1999.6 A partir de primeiro
de março, o trabalhador empregado ficará
afastado das atividades, custeado pelos
empregadores por 30 dias e o beneficio
terá inicio a partir do trigésimo primeiro
dia ou a partir da data de entrada do requerimento, se entre o afastamento e a data
de entrada do requerimento decorrerem
mais de quarenta e cinco dias. As perícias
médicas poderão ser feitas nas empresas
que dispõem de serviço médico, desde
que realizem convênio com o INSS. A
Perícia médica do INSS será responsável
pela supervisão desta atividade. O teto
para o valor do auxílio-doença passou a
ser equivalente à média dos últimos 12
salários de contribuição à Previdência,
se não for alcançado o número de doze
será a média dos salários de contribuição
existentes. A perícia médica poderá ser
feita nas empresas que dispõem de serviços
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Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé
médicos, por meio de convênios ou acordo
de cooperação técnica e sob supervisão da
Perícia Médica do INSS.
Auxílio-reclusão
De acordo com o art. 80 da lei 8.213/91
o auxílio reclusão é devido, nas mesmas
condições da pensão por morte, aos dependentes de segurado recolhido a prisão que
não receber remuneração da empresa nem
estiver em gozo de auxílio-doença, de
aposentadoria ou de abono de permanência
em serviço. Dessa forma, passaram a ser
exigidos dois anos de casamento ou união
estável para que o cônjuge do preso tenha
acesso ao auxílio, regra em vigor desde 14
de janeiro de 2015. Era isento de carência,
mas passaram a ser exigidos 24 meses de
contribuição. A renda mensal e a duração
do beneficio seguem o mesmo critério das
pensões, devendo ser observado ainda se
o segurado permanece recluso em regime
fechado, única condição que assegura aos
dependentes direito ao beneficio. As duas
últimas regras passaram a vigorar em 1º
de março de 2015.
Aposentadoria por invalidez
Como o auxílio-doença, a aposentadoria
por invalidez era devida ao segurado
empregado a partir do décimo sexto dia do
afastamento das atividades por invalidez.
Desde 1º de março de 2015 passou a ser
devida ao segurado empregado, a partir
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé
do trigésimo primeiro dia do afastamento
da atividade ou a partir da data de entrada
do requerimento, se entre o afastamento e
a data de entrada do requerimento decorrerem mais de quarenta e cinco dias. O
pagamento do salário integral dos 30
dias em que ficar afastado das atividades
por invalidez será feito pela empresa, da
mesma forma que a pericia médica, se
houver na empresa serviço médico conveniado com o INSS.
Perícia Médica
O INSS, a seu critério e sob sua supervisão,
poderá realizar perícias médicas por
convênio ou acordo de cooperação técnica
com empresas; e por termo de cooperação
técnica firmado com órgãos e entidades
públicos.
Já a MP nº 665 alterou a legislação que trata
do seguro-desemprego e do abono salarial (Leis nº 7.998/90 e nº 8.900/94) e do
seguro-defeso (Lei nº 10.779/03) e trouxe,
dentre outras, as seguintes mudanças:
Abono salarial
Antes das mudanças, o benefício, no valor
de um salário mínimo, era pago aos trabalhadores celetistas, com renda de até dois
salários mínimos e que haviam trabalhado
por pelo menos um mês com carteira
assinada no ano anterior ao pagamento.
A partir de 31 de dezembro de 2014 só terá
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Foto: Eduardo Fagnani / Vaidapé
direito ao benefício quem tiver trabalhado
por pelo menos seis meses ininterruptos,
com carteira assinada, no ano anterior ao
pagamento; o valor do benefício passa a
ser proporcional ao período trabalhado,
variando de meio (para os que trabalharam
seis meses) até um salário mínimo (para
os que trabalharam doze meses).
24 meses; na segunda, 12 meses e, na
terceira, seis meses. As parcelas também
foram modificadas, de acordo com o tempo
de emprego.
Seguro-desemprego
Atualmente o benefício é de um salário
mínimo pago aos pescadores artesanais
durante o período em que a pesca é proibida. É exigida pelo menos uma contribuição à Previdência e ter registro de
pescador há um ano. Pode ser acumulado
com outros benefícios assistenciais ou
previdenciários. A partir de primeiro de
abril será exigido pelo menos três anos
Atualmente, o trabalhador demitido sem
justa causa, após seis meses ou mais de
trabalho na mesma empresa, tem direito
ao benefício. De acordo com a MP 665, o
acesso ao benefício ficará mais difícil. Na
primeira solicitação, será preciso ter pelo
menos 18 meses no emprego, nos últimos
Seguro-defeso
(seguro-desemprego para pescadores
artesanais)
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
de registro como pescador artesanal e a
comprovação do exercício da atividade,
exclusiva e ininterrupta e comercialização
dos produtos por pelo menos um ano
antes da data do início do defeso, além da
inscrição no INSS como pescador artesanal
e pagamento das contribuições previdenciárias. Será vedado acumular o benefício
com outros de natureza previdenciária ou
assistencial. O requerimento deixa de ser
feito no Sistema Nacional de Emprego
(SINE) e passará a ser feito no INSS.
3. Qual o significado
e impacto das medidas?
Inicialmente, reafirma-se que as medidas
atuais seguem a lógica das medidas ocorridas em anos anteriores, já comentadas
brevemente. Com isso, confirma-se a
tendência da previdência social enxuta
para dar lugar à expansão da previdência
privada (SILVA, 2012). Dificultou-se o
acesso a direitos previdenciários existentes, além dos mesmos terem sido
minimizados em valores mensais e tempo
de duração. Milhões de trabalhadores e
seus dependentes econômicos serão
prejudicados.
Além disso, os argumentos utilizados e
as medidas em si, ferem os princípios e a
lógica da seguridade social instituída pela
Constituição Federal de 1988, que pode
ser caracterizada como uma expressão
de um contrato social solidário para
assegurar a proteção de todos, diante das
intempéries do mercado e de situações
que exijam compromissos familiares e
outros que possibilitem maior expansão
e desenvolvimento social dos indivíduos.
O financiamento da seguridade social com
base em fontes diversificadas, o princípio
da equidade na participação do custeio do
sistema e a existência do orçamento único
da seguridade social estabelecidos pela
Constituição Federal de 1988, em vigor,
constantemente negados pelo governo, são
essenciais para dar sustentação ao sistema
que, ao contrário do que alegou o governo
para justificar as medidas, não está “em
crise” nem com a sua “sustentabilidade”
comprometida.
Aqui, vale ressaltar que apesar das renúncias fiscais (como a desoneração da folha
de pagamento), analisadas anteriormente,
e da incidência da Desvinculação dos
Recursos da União (DRU) sobre o orçamento da seguridade social, como tem
sido divulgado pela ANFIP7 e outros grupos
de estudos e pesquisas e pesquisadores
da área 8, a seguridade social tem sido
superavitária na perspectiva desenha na
CF de 1988. De acordo com a análise da
seguridade social em 2013, realizada pela
ANFIP9, naquele ano, de acordo com a entidade houve um saldo de R$ 76,2 bilhões no
orçamento da seguridade social. Percebe-se
que somente o corte do favorecimento a
algumas empresas dos ramos que passaram
a contribuir sobre o faturamento, e não
sobre a folha de pagamento, seria capaz
de cobrir os R$ 18 bilhões que o governo
diz que quer economizar com as medidas.
No que se refere à pensão por morte, além
dos argumentos recheados de preconceitos e julgamentos morais utilizados
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Aqui, vale ressaltar que
apesar das renúncias fiscais
(como a desoneração da folha
de pagamento), analisadas
anteriormente, e da incidência
da Desvinculação dos Recursos
da União (DRU) sobre
o orçamento da seguridade
social, como tem sido divulgado
pela ANFIP12 e outros grupos
de estudos e pesquisas
e pesquisadores da área13,
a seguridade social tem sido
superavitária na perspectiva
desenha na CF de 1988.
De acordo com a análise
da seguridade social em 2013,
realizada pela ANFIP14,
naquele ano, de acordo com
a entidade houve um saldo
de R$ 76,2 bilhões no orçamento
da seguridade social.
pelo governo (que devem ser rechaçados),
ao dizer que as medidas visam a inibir os
“casamentos oportunistas” com finalidade
de onerar os cofres públicos, as medidas
atingem o conjunto dos trabalhadores
e favorecem o capital, devido às limitações de acesso, redução dos valores e do
tempo de duração dos benefícios. Entre
os mais prejudicados estão as mulheres.
Isso porque, em primeiro lugar, de acordo
com os dados do Ministério da Previdência
Social, as mulheres são as principais
beneficiárias da pensão por morte. Em
2013, elas eram 86,8% dos pensionistas
por morte do RGPS (BRASIL, 2014c, p.
6). Em segundo lugar, porque se a ampla
maioria dos casamentos e uniões estáveis
são heterossexuais, os homens morrem
mais cedo, as mulheres possuem melhores
expectativas de sobrevida e, em 2012, a
participação da mulheres no conjunto dos
benefícios foi de 56,16% e destas 54,68%
estavam até a faixa etária entre 40-44 anos
(BRASIL, 2014d, p .7), pode-se estimar,
conservadoramente, que no mínimo, 50%
das mulheres pensionistas localizam-se até
essa faixa etária, portanto, com sobrevida
superior a 35 anos, o que não lhes permitirá
pensão vitalícia, no máximo, o beneficio
será mantido pelo período de 3 a 15 anos.
As mudanças na pensão por morte também
alcançaram os servidores públicos, isso
reforça a uniformização dos direitos entre
os beneficiários do Regime Geral e dos
Regimes Próprios de Previdência Social,
por meio do rebaixamento de direitos e
não da isonomia pelo direito mais abrangente, o que seria correto e adequado. Pois,
é desejável uma previdência pública que
contemple o conjunto dos trabalhadores
e assegure-lhes direitos iguais, a partir
de uma base aceitável socialmente, capaz
de atender-lhes as necessidades pré-estabelecidas e propiciar-lhes a expansão
como indivíduos sociais. Todavia, não é
aceitável que isso aconteça pela restrição
de direitos já conquistados, o nivelamento
de direitos, por um nível abaixo do já existente para algumas categorias de trabalhadores é prejudicial a esta categoria e à
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
Foto: Changing © A L E K S A N D R • M A L I N / Photographizemag
sociabilidade como um todo.
No que se refere às medidas afetas ao
auxílio-doença, os prejuízos são também
enormes, além da redução dos valores
dos benefícios com a novas regras, o fato
dos 30 primeiros dias de afastamento das
atividades serem cobertos pelas empresas
e das mesmas poderem, inclusive, realizar
as perícias médicas dos segurados, pode
aguçar as pressões e o controle sobre os
afastamentos dos trabalhadores, o que pode
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incidir em adoecimento e permanência
em atividade, além do mascaramento dos
adoecimentos por acidentes do trabalho,
doenças ocupacionais e do trabalho, demissões e rotatividade no emprego. Assim,
apesar de reação de algumas empresas,
essas medidas poderão favorecê-las, em
longo prazo, pelo maior controle sobre os
afastamentos dos empregados. A mesma
análise pode ser feita em relação às aposentadorias por invalidez.
Aqui vale registrar, ainda, dois aspectos.
O primeiro é que tanto o auxílio-doença
quanto as aposentadorias por invalidez
terão datas de início retardadas, em pelo
menos 15 dias, o que prejudica os trabalhadores. O segundo aspecto diz respeito
à privatização da pericia médica que se
constitui um grande malefício à previdência social pública e aos trabalhadores.
As medidas referentes ao auxílio-reclusão,
muito semelhantes às medidas aplicadas às
pensões, fragilizam mais ainda este benefício que tem sido objeto de ataques moralistas e preconceituosos. No que se refere às
políticas sociais, cabe ao Estado assegurar
a proteção aos cidadãos e cidadãs, por meio
da aplicação do fundo público, sem julgamento moral sobre o código de conduta
seguido por estes. Vale lembrar, que os
dependentes dos segurados não podem
“ser punidos” pela conduta do segurado
de quem dependem economicamente.
A prisão do segurado, por si, já constitui
a aplicação da pena prevista para o ato
infracional cometido, conforme previsto
pelo Código penal para cada situação. As
medidas protetivas do atendimento das
necessidades básicas e manutenção do
padrão de vida dos dependentes de presos,
em regime fechado, não podem compor
a tipificação de uma pena extensiva à
família.
As alteração realizada pela MP nº 665 são
tão prejudiciais aos trabalhadores quanto
as da MP 664 analisadas anteriormente.
Todas provocarão restrições de acesso dos
trabalhadores aos benefícios existentes e
devem ser analisadas levando-se em conta
a situação do mercado de trabalho no país.
O abono salarial, que nos últimos anos
expandiu-se, terá acesso inibido dada a
ampliação do período de carência, de um
para seis meses ininterruptos. A renda do
benefício também cairá por ter-se tornado
proporcional ao período trabalhado. Nisso,
é lúcida a análise do Dieese, no documento
“Considerações sobre as medidas provisórias nº 664 e nº 665 de 30 de dezembro
de 2014”10:
“Ao limitar o direito ao Abono Salarial aos
trabalhadores que mantiveram vínculos
formais por pelo menos seis meses e pagar
o restante de forma proporcional, a nova
regra reduz seu público alvo, excluindo
cerca de 9,94 milhões de trabalhadores
desse direito constitucional e pagando ao
restante um valor inferior ao que é pago
atualmente. Apenas os trabalhadores que
se mantiveram no emprego pelo período
dos 12 meses – o que corresponde a aproximadamente 35% do total daqueles que antes
tinham esse direito – receberão o mesmo
que anteriormente. Para o Governo, a
economia será de R$ 8,45 bilhões, praticamente metade do gasto atual” (DIEESE,
jan/2014, p 8-9).vAs medidas referentes ao
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
seguro-desemprego atingirão uma grande
massa de trabalhadores, especialmente os
mais jovens que buscam inserção em um
mercado de trabalho em que o emprego tem
sido extremamente rotativo. Em 2009, “de
cada 16 contratos assinados de trabalho,
15 correspondiam a demissões no mesmo
exercício” (ANFIP, jul. 2010, p. 57 11).
As medidas referentes
ao seguro-desemprego atingirão
uma grande massa
de trabalhadores, especialmente
os mais jovens que buscam
inserção em um mercado
de trabalho em que o emprego
tem sido extremamente
rotativo. Em 2009, “de cada 16
contratos assinados de trabalho,
15 correspondiam a demissões
no mesmo exercício”
(ANFIP, jul. 2010, p. 5716).
Essa tendência persistiu para os anos
subsequentes, conforme apontam os dados
da RAIS. Isso, com certeza, terá forte rebatimento no não acesso ao beneficio. Tomando-se como exemplo as projeções realizadas
pelo Dieese, com base na RAIS, em 2013
havia um grande número de vínculos
trabalhistas rompidos, sem justa causa:
“12,5 milhões de vínculos. Desse total,
3,2 milhões (25,9%) não tinham direito
ao benefício do seguro-desemprego, pois
tinham menos que seis meses de emprego
antes do rompimento registrado ao longo
do ano de 2013” (Dieese, jan/2015, p. 5).
Considerando que a exigência para acesso
ao primeiro pedido de seguro- desemprego
passou para 18 meses de emprego, nos
últimos 24 meses anteriores à demissão,
utilizando-se os mesmos dados de 2013,
como referência, tem-se que “o contingente
de trabalhadores que não teriam direito ao
benefício do seguro-desemprego aumentaria para 8,0 milhões, ou seja, 64,4% do
total de desligados” (DIEESE, jan/2015,
p.5.). Essa projeção revela o quanto esta
medida poderá ser prejudicial a milhões
de trabalhadores desempregados involuntariamente, em um contexto de crise
estrutural do capital, em que o desemprego
só tende a aumentar. Vale ressaltar que as
regras também apontam para uma redução
das parcelas que podem ser acessadas pelos
trabalhadores ao longo dos anos, uma vez
que as mesmas estão vinculadas a um
tempo maior de permanência no emprego,
o que é pouco provável em um contexto
típico de instabilidade de emprego.
Quanto às medidas do seguro-defeso,
a situação também é muito delicada. O
governo justifica as medidas em decorrência da elevação dos gastos do FAT e
também da incidência de fraudes em
relação ao beneficio. No entanto, sabe-se
que o número de pescadores artesanais é
reduzido, estudo realizado em 2013, pelo
Instituto da Pesca de São Paulo, indicou
que, em 2011, foram registrados 993.445
pescadores em todo o país, sendo 99,2%
oriundos da pesca artesanal12. Segundo
o mesmo estudo, em 2011, foram beneficiados pela política de seguro-defeso
619.861 pescadores, o que equivalia a
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62,0% dos registrados no país. Portanto,
do ponto de vista da quantidade, não se
pode falar em número que comprometa
a sustentabilidade do FAT. Este fundo,
todavia, tem sofrido grande impacto, mas
da incidência da DRU. Segundo o DIEESE,
em 2013, a DRU retirou cerca de R$ 78,7
bilhões do FAT (DIEESE, jan/2015, p. 3).
As fraudes devem ser combatidas pelo
controle democrático e medidas de gestão
e não pela restrição de direitos.
Chama a atenção que o conjunto das
medidas atinge principalmente os trabalhadores de baixa renda (os pensionistas,
desempregados, pescadores artesanais,
e os que ganham até 2 salários mínimos
e recebem abono salarial) e com menos
capacidade de mobilização. O que revela
a profunda contradição entre o discurso
governamental de combate à extrema
miséria e as medidas adotadas. Apesar
disso, estão sendo percebidas reações
sociais. Os empresários reagiram ao prazo
de 30 dias para afastamento das atividades sob responsabilidade de custeio da
empresa. Os trabalhadores, por meio das
centrais sindicais, também manifestaram
descontentamento, em nota elaborada
conjuntamente criticando as medidas
e exigindo sua revogação.13 Além disso,
são noticiadas pelo menos quatro Ações
Diretas de Inconstitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal contestando
as medidas. A primeira foi impetrada, no
dia 06 de fevereiro, pela Confederação
Brasileira de Aposentados e Pensionistas
(COBAP) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), a ADI nº
5234/15 que pede liminar para suspender
os efeitos da MP e, no mérito, a declaração
de inconstitucionalidade. O partido e a
confederação sustentam que a edição das
MPs não cumpre o pressuposto de urgência
e afrontam a proibição do retrocesso social.
Na sequencia e na mesma linha argumentativa, a Força Sindical impetrou outra
ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) é a responsável pela
ADI nº 5238/15 e a ANFIP pela ADI 5246/15.
Percebem-se mobilizações e incidências
políticas junto aos parlamentares, manifestações isoladas de grupos específicos
junto aos ministérios, como do Movimento
de Mulheres Camponeses, ligadas à via
campesina. Além disso, as manifestações do dia 15 de abril, organizadas pelas
centrais sindicais, trouxeram em suas
pautas a reivindicação da revogação das
medidas, apesar disso, as mobilizações de
massa, até o fechamento deste artigo, não
foram capazes de fazer o governo recuar.
NOTAS
[1] Conforme matéria publicada na Revista Carta Capital
(07/03/2014) o superávit brasileiro é um dos cinco maiores do
mundo (DRUMMOND, 2014).
2 Parte da análise aqui desenvolvida encontra-se em SALVADOR,
Evilasio. Os impactos das renúncias tributárias no financiamento
das políticas sociais no Brasil. Brasília: Inesc, fevereiro de 2015
(No prelo).
3 Informações disponíveis em: <http://www.tesouro.fazenda.
gov.br/web/stn/-/series-historicas>.
4 Atualmente o teto é de R$ 4.663,75, um pouco menos de seis
salários mínimos.
5 A “Tábua Completa de Mortalidade - Ambos os Sexos” é publicada no primeiro dia útil do mês de dezembro de cada ano e já é
utilizada para o cálculo do fator previdenciário.
6 Data de publicação da Lei nº 9.876, de 1999.
7 Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
do Brasil.
8 Cf. GESST/UnB http://gesst.unb.br/index.php?option=com_
content&view=frontpage ; GOPSS http://gopss-uerj.blogspot.
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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FUNDO PÚBLICO E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS NOS 664 E 665: A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA EM CURSO
com.br/
9 Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social - ANFIP.
Análise da Seguridade social 2013. Brasília: ANFIP, set/2014. p.
72, 127 e 34, respectivamente.
10 Disponível em http://www.dieese.org.br/ acesso em 7 de
março de 2014.
11 ANFIP. Analise da Seguridade Social em 2009. Brasília: Anfip,
jul. 2010
12 Relatório disponível em http://ftp.sp.gov.br/ftppesca/serreltec_50.pdf acesso em 7 de março de 2015.
13 . Cf. página eletrônica da Força Sindical, CSB, CTB, CUT, NCST
e UGT
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Centro de Estudos sobre Desigualdades e Desenvolvimento, 2012.
ANFIP. Análise da Seguridade social 2013. Brasília: ANFIP,
set/2014.
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2010.
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social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010.
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30.12.2014. Altera as Leis no 8.213, de 24.07.1991, nº 10.876, de
2.07.2004, nº 8.112, de 11.12. 1990, e a Lei nº 10.666, de 8 de
maio de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, nº 252-A, seção 1,
p. 1, 30 dez. 2014a.
BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória nº 665 de
30.12.2014. Altera a Lei no 7.998, de 11.01.1990, que regula o
Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e institui
o Fundo de Amparo ao Trabalhador, altera a Lei nº 10.779, de
25.11.2003, que trata do seguro-desemprego para o pescador.
Diário Oficial da União, Brasília, nº 252-A, seção 1, p. 2-3, 30 dez.
2014b.
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Social. Mar/2014.v.26 nº 3. Brasília: MPS, 2014c.
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S É R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N Ô M I C A E Q U E S TÃ O S O C I A L
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Os primeiros
resultados do ajuste:
presente sombrio,
futuro incerto
Guilherme Mello
Economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/
Unicamp e professor da Facamp
Após cinco meses de mudança nos rumos
da política econômica do governo, o ajuste
fiscal e monetário colocado em prática pelo
ministro Joaquim Levy e o Banco Central
já apresenta seus primeiros resultados.
Antes de repassar os dados conjunturais da
economia brasileira e buscar compreender
sua conexão com as atuais diretrizes fiscais,
AJUSTE ECONÔMICO, RENÚNCIAS FISCAIS E SEGURIDADE SOCIAL
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O S P R I M E I R O S R E S U LT A D O S D O A J U S T E : P R E S E N T E S O M B R I O , F U T U R O I N C E R T O
Foto: Fotos Públicas / CCO
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cabe repassar rapidamente os principais
objetivos do ajuste recessivo colocado
em prática desde o início do segundo
governo Dilma: a recuperação do superávit
primário contribuiria para a recuperação
das expectativas do mercado, tanto no que
tange à inflação quanto ao crescimento. O
aumento da poupança pública contribuiria
para reduzir o ritmo de aumento dos juros,
que não estariam combatendo os efeitos
da alta dos preços sozinhos; enquanto
isso, a retomada da confiança empresarial
reduziria os juros longos, incentivando o
investimento e, por consequência, aumentando o crescimento. A contratação fiscal
seria expansionista, passando apenas por
um curto período recessivo necessário
para recuperar a confiança nas políticas
de Estado.
Destes objetivos acima listados, aparentemente nenhum caminhou para sua consecução nestes cinco primeiros meses. O
ajuste fiscal, prejudicado pela queda de
arrecadação decorrente da desaceleração
econômica, está em estado terminal: é
quase certo que o governo não será capaz
de alcançar sua meta de economia de 1,2%
do PIB em 2015. A inflação, impulsionada
pelo aumento das tarifas públicas e, a
partir de março, pela desvalorização do
câmbio acumulada nos primeiros meses do
ano, certamente romperá o teto da meta e
fechará o ano acima de 8%. O crescimento
econômico é negativo e as perspectivas
de recessão se ampliam, impactando
no mercado de trabalho, ocasionando
aumento do desemprego e diminuição da
renda. As expectativas empresariais não
se recuperaram e não param de decair,
batendo novos recordes de mínima a cada
mês. O setor externo, última esperança
de recuperação econômica do governo,
parece não reagir à desvalorização cambial
e segue com déficits preocupantes nas transações correntes (apesar de plenamente
financiáveis pelos investimentos diretos
estrangeiros).
Destes objetivos acima listados,
aparentemente nenhum
caminhou para sua consecução
nestes cinco primeiros meses.
O ajuste fiscal, prejudicado
pela queda de arrecadação
decorrente da desaceleração
econômica, está em estado
terminal: é quase certo
que o governo não será capaz
de alcançar sua meta
de economia de 1,2% do PIB
em 2015.
Em suma, a única variável que caminha
na direção esperada pelo governo é a
expectativa de inflação e de juros para
2016, que aponta queda nas previsões,
mas sempre sujeitas a alterações dadas
as surpresas altistas da inflação ainda
em 2015. O custo para essa redução, no
entanto, parece estar sendo muito maior
que o governo esperava, assim como a
duração da recessão que se avizinha.
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Resultados fiscais
recorrente dos dados das receitas fiscais.
O resultado fiscal do governo central no
mês de março registrou um superávit
primário de R$ 1,463 bilhões, revertendo
parte do déficit de R$ 7,357 bilhões em
fevereiro. Com este resultado, o resultado
fiscal do governo central acumulado no
ano é positivo em R$ 4,485 bilhões (contra
resultado positivo de R$ 14,4 bilhões no
mesmo período de 2014), mas permanece
negativo no acumulado de doze meses,
quando registra déficit primário de R$ 27,3
bilhões, ou 0,49% do PIB.
Já o resultado fiscal do setor público consolidado, que reúne estados, munícipios e
empresas estatais, foi de apenas R$ 239
milhões em março, dado o déficit de R$
1,1 bilhão dos governos regionais e R$ 97
milhões das estatais. No acumulado do
ano, o superávit é de R$ 19 bilhões (contra
R$ 25,6 bilhões do primeiro trimestre de
2014) e o déficit primário acumulado em
doze meses se ampliou de 0,64% para 0,7%.
O déficit nominal também aumentou no
acumulado de doze meses, passando de
6,83% do PIB em fevereiro para 7,81% do
PIB em março.
O ritmo de receitas se mostrou em queda,
tendo passado de R$ 86,5 bilhões em março
de 2014 para apenas R$ 82,6 bilhões em
2015, mesmo com a ampliação da participação dos impostos indiretos elevados
recentemente pelo governo (com destaque
para alta do IPI). No acumulado do ano
até março, a queda em relação ao mesmo
período de 2014 foi de 4,4%.
Do lado das despesas, ocorreu uma redução
menos drástica, de 0,8% no acumulado
do ano até março. Boa parte da redução
das despesas, entretanto, está ligada
aos profundos cortes nos investimentos
públicos, que apresentaram redução de
26,7% na comparação com o mesmo período
de 2014, com o PAC apresentando redução
de 32,5% em relação a março de 2014.
Com os resultados atuais, a meta de superávit primário de R$ 55,3 bilhões para o
governo central estabelecida para 2015 fica
mais distante, em particular dada a queda
Este conjunto de dados
evidencia uma situação já
esperada por alguns analistas:
mesmo com um corte pesado
nas despesas (concentrada nas
despesas de investimentos
e gastos sociais), a queda
nas receitas não deve
possibilitar a obtenção da meta
de 1,2% de primário.
Este conjunto de dados evidencia uma
situação já esperada por alguns analistas:
mesmo com um corte pesado nas despesas
(concentrada nas despesas de investimentos e gastos sociais), a queda nas
receitas não deve possibilitar a obtenção
da meta de 1,2% de primário.
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Foto: Fotos Públicas / CCO
Atualmente, os analistas mais otimistas
contam com a possibilidade de superávit
primário de 0,8% para o final de 2015, desde
que sejam aprovadas as MPs enviadas pelo
governo acerca da revisão dos direitos
trabalhistas e a retirada dos subsídios
na folha de pagamentos. Caso a recessão
se aprofunde, estas previsões devem se
alterar, reduzindo as expectativas de
receita e reduzindo o superávit esperado,
o que criará uma nova rodada de pressão
sobre o governo para maiores cortes no
gasto público.
Inflação e política monetária
No campo da inflação, o Índice de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA-15) registrou alta de 1,07% em abril, uma queda
em relação ao índice e 1,24% verificado
em março. O principal item a influenciar o índice permanece sendo o custo da
energia elétrica, que subiu 13,02% (decorrente tanto da entrada em cena das novas
bandeiras tarifárias, quanto do aumento
de tarifas autorizados pelo governo), sendo
responsável por 42% da alta do IPCA-15 e
0,45 pontos no índice total.
Com esta elevação, o grupo habitação apresentou aceleração de 2,78% para 3,66%,
seguido pela elevação de 1,04% do grupo
alimentação e bebidas e 0,94% do grupo
vestuário. Com este resultado, o IPCA-15
acumulado em 12 meses foi de 8,22% em
abril (maior que o resultado e março,
quando o acumulado somava 7,9%), sendo
4,61% apenas no ano de 2015.
Em resposta, o Copom decidiu por uma
nova elevação de 0,5% na taxa Selic,
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elevando-a para o patamar de 13,25%, maior
taxa desde dezembro de 2008. Em suas
considerações, o Banco Central repetiu o
comunicado anterior, deixando em aberto a
possibilidade de novas elevações na taxa de
juros. A elevação dos juros em meio ponto
percentual já era esperada pela totalidade
do mercado, após declarações neste sentido
por integrantes do Banco Central.
Nossa autoridade monetária
está-se valendo de um forte
aperto monetário (com
evidentes custos sobre os
investimentos e sobre o custo da
dívida pública, o que deteriora
os resultados fiscais nominais)
para evitar a propagação
dos choques inflacionários
decorrentes do aumento de
tarifas públicas e da recente
desvalorização cambial.
Nossa autoridade monetária está-se
valendo de um forte aperto monetário (com
evidentes custos sobre os investimentos
e sobre o custo da dívida pública, o que
deteriora os resultados fiscais nominais)
para evitar a propagação dos choques
inflacionários decorrentes do aumento de
tarifas públicas e da recente desvalorização
cambial.
Mesmo assim, as expectativas são que
a inflação feche o ano na casa dos 8%,
recuando apenas em 2016, quando há
uma disputa entre as expectativas do
Banco Central (que insiste que a inflação
cairá para o centro da meta já em 2016)
e do mercado, que ainda projeta inflação
próxima a 5,6%, mesmo com todo aperto
monetário e fiscal até lá.
Crescimento econômico
e mercado de trabalho
No campo do crescimento econômico,
o IBC-Br, uma espécie de prévia do PIB
calculado pelo Banco Central, apontou
expansão da economia brasileira no mês
de fevereiro, contrariando a expectativa
média dos analistas, que apontavam para
queda de 0,2% no indicador. De acordo
com os dados divulgados pelo BC, o Brasil
apresentou crescimento de 0,36% na atividade econômica em fevereiro, revertendo
a queda de 0,11% apresentada no mês anterior, mas ainda não compensando a queda
de 0,57% observada em dezembro/2014.
No acumulado de doze meses, o IBC-Br
apresentou variação negativa de 0,6%, pior
que o dado de queda de 0,38% de janeiro.
A média móvel trimestral, entretanto,
apresentou alguma melhoria, caindo 2,18%
em fevereiro após apresentar queda de
2,7% em agosto. Para o final de 2015, o BC
mantém a estimativa de queda de 0,5%
do PIB, sendo que o boletim Focus mais
recente aponta para queda maior, de 1,01%.
No mercado de trabalho, a taxa de desemprego medida pela Pesquisa Mensal de
Emprego (PME) do IBGE apresentou alta
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em março, chegando à casa dos 6,2%. No
mês de fevereiro, a taxa era de 5,9%, tendo
partido de um patamar de 5,3% em janeiro.
Em março de 2014, a taxa era de 5%. O
aumento da taxa de desemprego em março
decorreu em grande medida do aumento
da população desocupada, com a demissão
de 48 mil pessoas. A População Economicamente Ativa também cresceu neste
período, aumentando em 27 mil pessoas.
A possibilidade de um aumento
expressivo da taxa
de desemprego depende
do aumento rápido da PEA
e da dissolução de acordos
coletivos de trabalho no
meio do ano, assim como
do prosseguimento da crise
no setor de petróleo e gás,
infraestrutura e construção civil.
Do lado da renda, registrou-se queda de
2,8% no rendimento médio habitual de
março em relação a fevereiro, com queda
de 3% se compararmos ao mesmo mês
de 2014. A possibilidade de um aumento
expressivo da taxa de desemprego depende
do aumento rápido da PEA e da dissolução
de acordos coletivos de trabalho no meio
do ano, assim como do prosseguimento da
crise no setor de petróleo e gás, infraestrutura e construção civil.
Já os índices de confiança apresentaram
variação discrepante: na indústria
prossegue o processo de deterioração das
expectativas, com queda de 3,4% no Índice
de Confiança da Indústria (ICI) calculado
pela FGV, chegando ao patamar de 72,8
pontos (onde qualquer número abaixo de
100 indica retração). No setor de serviços,
no entanto, os resultados da pesquisa de
confiança de abril da mesma FGV apresentaram uma evolução no índice, que
subiu 4,2% para o nível de 85,9 pontos. Esta
melhora se deu em particular pela recomposição dos índices de confiança no futuro,
em decorrência do arrefecimento da crise
política e do fim do risco de racionamento
de energia elétrica.
Via de regra, tanto a confiança dos empresários quanto dos consumidores estão na
quadra do pessimismo, batendo recordes
negativos similares aos verificados em
2009, durante a crise americana. A recuperação da confiança parece não se realizar
somente com o anúncio de uma redução
do déficit público, exigindo medidas de
recuperação econômica mais sólidas.
Setor externo
O saldo comercial do Brasil com o resto
do mundo na terceira semana de abril
foi negativo em US$ 240 milhões, resultado de exportações de US$ 3,745 bilhões
e importações que somaram US$ 3,985
bilhões. Apesar de apresentar alta na
comparação semanal, passando de média
diária de US$ 721,9 milhões nas primeiras
semanas do mês para média diária de
US$ 749 milhões na terceira semana, o
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Foto: LoggaWiggler @Pixabay / CCO
volume de exportações apresentou queda
na comparação mensal e anual, tendo caído
5% em relação ao mês anterior e passado de
média diária de US$ 986,2 milhões em abril
de 2014 para apenas US$ 733,2 milhões
em abril de 2015, desempenho 25,7% pior.
A queda nas exportações alcançou todas
as categorias de bens (básicos, semimanufaturados e manufaturados), mas se
mostrou mais acentuada nos produtos
básicos (queda de 29,4%), dada a queda
do preço das commodities nos mercados
internacionais.
média diária registrada em abril de 2014.
O mais recente resultado ampliou o déficit
comercial brasileiro registrado no ano, que
alcançou o valor negativo de US$ 5,665
bilhões.
Já o volume de importações também apresentou redução, mas de menor monta,
com queda de 22,8% na comparação com a
As perspectivas para o setor externo são
de redução gradual do déficit comercial,
em decorrência da desaceleração das
Com estes resultados, o déficit em transações correntes alcançou 4,22% do PIB em
março, efeito também da reformulação
da metodologia das contas externas feita
pelo Bacen, que ampliou o déficit, mas
também ampliou o volume de investimentos externos diretos que o financiam.
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importações. A esperança de que uma
taxa cambial mais desvalorizada incentive
as exportações parece ser irreal, dado o
cenário internacional de baixo crescimento
e a desarticulação de nossas cadeias produtivas, para não falar do recente movimento
de revalorização do câmbio, que não aponta
uma tendência clara para o futuro e cria
incertezas para potenciais exportadores.
Já na balança de serviços, a mudança do
patamar no câmbio começa a fazer efeito
na conta de viagens internacionais, reduzindo nosso déficit no setor de serviços.
Apesar desta leve melhoria, ainda levará
alguns anos para alcançarmos patamares
considerados saudáveis de déficit em transações correntes (algo próximo a 3% do
PIB) neste atual cenário internacional,
devendo até lá sermos financiados pelo
IED e em carteira.
Conclusões
Os dados aqui apresentados acerca da
economia brasileira apontam para um
cenário de recessão, desemprego, inflação
alta e poucos avanços na redução do déficit
público (na realidade, o que se observa é
uma expansão do déficit nominal, dada
a elevação dos juros). A promessa de que
todos estes fatores se reverterão ainda este
ano parece cada vez mais distante, sendo
quase certo que este quadro negativo se
manterá até o final de 2015.
parece haver nenhum fator de reversão
estrutural do ciclo recessivo que adentramos, com o setor externo ainda bastante
enfraquecido (a revalorização do real,
dada a elevação dos juros doméstica e a
manutenção dos juros americanos, joga por
terra qualquer expectativa de recuperação
econômica pela via das exportações), e
a demanda interna claudicante, dado o
aumento do desemprego, a diminuição
da renda e dos investimentos autônomos.
A sinalização de um pacote de infraestrutura, no regime de concessão pública,
parece ser a única boa notícia que pode
incitar algum aumento de confiança nos
empresários, mas diante da fragilização
das principais empreiteiras nacionais é de
se questionar a viabilidade de tais obras.
De positivo, resta a certeza de que 2016
apresentará uma taxa de inflação menor
que 2015, assim como uma reversão na
trajetória de alta dos juros. Esta reversão,
se combinada com a manutenção da desvalorização cambial e uma expansão rápida
dos investimentos privados (nacionais
ou estrangeiros) pode, em tese, retirar
a economia de sua trajetória recessiva,
apesar de todos os dados estarem hoje
apontando para a direção oposta.
O mais provável, porém, é que 2016 apresente baixo crescimento, alto desemprego
e inflação mais próxima ao centro da meta,
um cenário que em nada ajuda na construção de um projeto de desenvolvimento
mais inclusivo e igualitário.
Já para 2016, na ausência de mudanças na
estratégia de política econômica atual, não
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