PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL D E JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO *03411543* Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário 76.2010.8.26.0000, da Comarca que são apelantes FAZENDA n° de Ribeirão DO ESTADO 0466187Preto, em DE SÃO PAULO e JUÍZO EX OFFICIO sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 3 a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação Desembargadores ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS (Presidente sem voto), LEONEL COSTA E LAERTE SAMPAIO. São Paulo, 08 de fevereiro de 2011. MAGALHÃES COELHO RELATOR dos 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto n° 19.848 Apelação Cível: n° 990.10.466187-0 - Comarca de Ribeirão Preto Recorrente: Juízo ex officio Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Fornecimento de aparelho CPAP com máscara nasal e componentes à portadora de síndrome de apnéia obstrutiva do sono - Alegada violação dos princípios orçamentários, não podendo o Poder Judiciário transformar-se em co-gestor do orçamento do Poder Executivo - A saúde é direito de todos e obrigação do Estado - Inteligência dos artigos 5 o e 196, da CF - Sentença de procedência mantida - Recursos não providos. Vistos, etc. I. Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público em face da Fazenda Municipal de Ribeirão Preto e Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando que sejam as rés compelidas a garantir o fornecimento de aparelho CPAP com máscara nasal, filtros, traquéia e seus componentes, juntamente com a Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO necessária reposição de equipamentos complementares (máscara e acessórios) e de forma periódica à paciente Iracy Otero Publio, para tratamento da doença síndrome de apnéia obstrutiva do sono. II. A ação foi julgada procedente para condenar as rés, solidariamente, ao fornecimento do aparelho CPAP com máscara nasal, filtros e seus componentes, juntamente com a necessária reposição de equipamentos complementares. Ressalva-se, entretanto, que a entrega do equipamento se dá de forma precária, permanecendo em poder da beneficiária enquanto perdurar a necessidade desta por referido aparelho, devidamente atestada por profissional competente. Sem condenação em honorários advocatícios, custas e despesas processuais ante o que dispõe o art. 18 da Lei n° 7.347/85. III. Interpostos recursos oficial e voluntário de apelação pela Fazenda do Estado de São Paulo, pugnando pela reforma da sentença monocrática. IV. Foram apresentadas contrarrazões. V. O Procurador de Justiça opinou pelo Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO não seguimento dos recursos e, em caso de serem conhecidos, pelo seu desprovimento. E o relatório. Trata-se, como se vê, de recursos oficial e voluntário de apelação interpostos pela Fazenda do Estado de São Paulo, almejando a reforma da sentença que julgou procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público para garantir o fornecimento de aparelho CPAP com máscara nasal, filtros, traquéia e seus componentes, juntamente com a necessária reposição de equipamentos complementares (máscara e acessórios) e de forma periódica à paciente Iracy Otero Publio, para tratamento da doença síndrome de apnéia obstrutiva do sono. Os recursos não merecem provimento. Preliminarmente, a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública é manifesta, face à sua função constitucional de tutela dos direitos e garantias fundamentais. Com efeito, a incapacidade financeira da Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO paciente para adquirir os insumos prescritos para tratamento de sua patologia, a recusa do Poder Público em atendê-la e o descumprimento do dever constitucional de tornar efetivo o acesso à saúde pública legitimam o Ministério Público para a propositura da ação. De fato, o pedido deduzido pelo Ministério Público é de impor ao Estado e ao Município de Ribeirão Preto o cumprimento de obrigação de fazer consistente no fornecimento dos insumos prescritos a todos aqueles que dele necessitem. E fato que a petição inicial refere-se especialmente à cidadã Iracy Otero Publio, demonstrando a omissão do Poder Público. Não é exato, portanto, asseverar-se que a ação destina-se à defesa de direito individual de um cidadão. E mesmo que a ação tutelasse exclusivamente direito da cidadã, ainda assim seria r cabível. E que embora o direito seja individual, é socialmente indisponível. Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Ainda que certo e determinado cidadão venha a ser o beneficiário da ação, o que está em análise são direitos induvidosamente, supra-individuais, com ele, mesmo outros porque, cidadãos serão beneficiados. Em arremate, a legitimação do Ministério Público para a defesa de interesse individual, homogêneo, social e indisponível - como na hipótese do direito à saúde dos cidadãos - é manifesta, ainda que vise a atender pretensão de pessoa determinada. A responsabilidade pelo fornecimento de remédios à população necessitada é conjunta dos três entes federativos, conforme rege a Constituição Federal. Assim, independentemente de onde a paciente trata sua saúde, a Municipalidade de Ribeirão Preto e a Fazenda do Estado de São Paulo são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de remédios. Forçoso, pois, afastar a preliminar suscitada. Com efeito, o art. 5o da Constituição Federal que trata dos direitos individuais, assegura aos cidadãos o direito à vida. Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO E como essa garantia fundamental não é um mero exercício de retórica, impõe-se ao Estado o dever de garanti-la dentre outros modos, assegurando o acesso à saúde pública. Bem por isso o art. 196 da Constituição Federal reconhece que a saúde é direito de todos e obrigação do Estado, que promoverá o atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde. Longe de se ver aqui, uma norma programática, recurso pelo qual usualmente os administradores públicos se escusam de cumprir as obrigações que lhes são dirigidas pela Constituição Federal, há que se ver uma norma impositiva de eficácia plena, que objetiva tornar real e não meramente retórico o direito à vida proclamado no art. 5o da Constituição Federal. Estando provado nos autos que a paciente está necessitando de certos insumos, por expressa indicação do profissional competente, o Estado por qualquer de seus entes políticos, seja a União, o EstadoApelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Membro ou Município está obrigado a fornecê-los, pena de vulneração do mais importante dos direitos garantidos constitucionalmente. Afinal, se a vida perece de que adiantará aos cidadãos outros direitos. O eminente Ministro Celso de Mello, em primoroso voto proferido no julgamento do RE 267.612RS, deixou consignado: "Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional 196 da Lei consagrado no art. Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organ ização federativa. A impôstergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5o, caput e art. 196), ou fazer contra essa prerrogativa interesse financeiro prevalecer, fundamental, um e secundário do Estado, entendo — uma vez configurado esse dilema que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles, como os ora recorridos, que têm acesso, por força de legislação distribuição local, gratuita ao de programa de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes. A legislação gaúcha - consubstanciada nas Leis n°s 9.908/93, 9.828/93 e 10.529/95 -, ao instituir esse marcadamente programa social, preceitos fundamentais dá de caráter efetividade a da Constituição da República (art. 5o, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade Constituição jurídico cuja das pessoas da pela República. constitucionalmente integridade responsável, o deve Traduz bem tutelado, por velar, Poder própria de Público, maneira a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários compõem, todos os entes políticos no plano organização federativa institucional, do Estado que a brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol VM/4332-4334, item n° 181, 1993, Forense Universitária) não pode converter-se em - promessa Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 1 0 -&- Wpk PODER JUDICIÁRIO wÊL TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, promover, em favor incumbindo-lhe das pessoas e das comunidades, medidas — preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamental idade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 11 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO quando estas destinadas adotarem a promover, providências em plenitude, satisfação efetiva da determinação a ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais — que traduz estágio necessário afirmação ao processo constitucional pressuposto indispensável de e que atua à sua sua como eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens n°s 20/21, 2000 Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos inadimplemento casos de da obrigação tenham elas acesso a um sistema injustificável estatal, que organizado de garantias instrumental mente vinculado à realização, por governamentais, parte das entidades da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. " A Fazenda do Estado de São Paulo não compreendeu bem, o que é profundamente lamentável, que o que está em causa é o direito à vida, bem supremo, que é Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 12 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO tutelado constitucionalmente. Não é hora, portanto, de buscar em certa retórica vazia do direito, uma maneira de subtrair-se à imposição constitucional. Não é suficiente, portanto, que o Estado proclame o reconhecimento de um direito Constitucional, para solapá-lo por meio de gestões de duvidosa eficiência e moralidade. r E necessário que esses direitos venham a ser respeitados e implementados pelo Estado, destinatário do comando Constitucional. Se não o fez, se pretexta a retórica, argumentos destituídos de significação, como a impossibilidade orçamentária, assiste ao cidadão o direito de exigir do Estado a implementação de tais direitos. Não se está, aqui, absolutamente o Poder Judiciário se investindo de co-gestor do orçamento do Poder Executivo. Está tão-somente fazendo cumprir um Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 13 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO comando Constitucional, que a insensibilidade própria dos burocratas prefere ver perecer ante argumentos que se contrapõem à principiologia constitucional. O argumento tão ao gosto dos burocratas de que o reconhecimento desse direito essencial ao cidadão do acesso à saúde pode implicar em comprometimento de outras políticas públicas de saúde não prevalece. Basta se proceda a uma gestão racional, eficiente e honesta da coisa pública. Que não se socorra com dinheiro público grandes conglomerados econômicos, que não se venda dólares a preços subsidiados a banqueiros falidos, em afronta ao princípio da legalidade e da moralidade administrativa. Que se faça enfim, a devida aplicação da contribuição tributária vinculada sobre movimentação financeira destinada aos programas de saúde pública. Se a Fazenda do Estado de São Paulo Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848 14 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO não atingiu, ainda, o grau ético necessário a compreender essa questão, deve ser compelida pelo Poder Judiciário, guardião da Constituição, a fazê-lo. Daí o( porquê, nega-se provimento aos recursos. MAGALHÃES COELHO Relator Apelação Cível n° 990.10.466187-0 - Voto 19.848