ENSINO DE GRAMÁTICA E ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO DISCURSO DO PROFESSOR SILVA, Oziel Pereira da1 SILVA, Luiza Helena Oliveira da2 RESUMO Nas últimas décadas, o ensino de Língua Portuguesa tem sido objeto de questionamentos constantes, sendo a questão central das discussões o ensino da Gramática Normativa, em virtude de esta ocupar lugar privilegiado/exclusividade no roteiro de trabalho de boa parte dos professores. Entretanto, estudiosos têm constatado que a prática tradicional-normativa, por privilegiar a transmissão e a memorização da nomenclatura gramatical com suas inúmeras classificações e regras [à parte do texto], pouco tem contribuído para a formação e o 1 Mestrando em Ensino de Língua e Literatura pelo Programa de PósGraduação em Letras (PPGL/MELL) da Universidade Federal do TocantinsUFT, Campus de Araguaína. E-mail:[email protected] 2 Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura (PPGL/MELL) da Universidade Federal do Tocantins-UFT, Campus de Araguaína. E-mail: [email protected] v. 6, n. 1, jan./abr. 2014 UnirG, Gurupi, TO, Brasil desenvolvimento da competência linguístico-discursiva dos alunos, cujos resultados refletem nos sistemas de avaliação de desempenho. Assim, a questionável eficiência desse modelo abriu precedentes para o surgimento de outra proposta, a Análise Linguística (AL). Esta propõe o estudo dos conteúdos gramaticais a partir de textos que circulam socialmente, levando o aluno a uma reflexão sobre a função dos recursos linguísticos neles empregados. Desse modo, o presente artigo procura compreender o discurso do professor de língua materna, a fim de verificar como ele se posiciona quanto a essas duas possibilidades de ensino. O percurso teórico foi subsidiado pelos pressupostos da Semiótica Discursiva e o metodológico por uma abordagem qualitativa. Os dados foram gerados a partir de entrevistas semiestruturadas com dois professores do Ensino Médio e os resultados revelaram que, apesar do reconhecimento da necessidade de mudança teórico-metodológica da práxis, desenvolvem-na sem muita clareza do que realmente é a Análise Linguística. Palavras-chave: Ensino de gramática. Análise Linguística. Semiótica. GRAMMAR TEACHING AND LANGUAGE ANALYSIS: A SEMIOTIC ANALYSIS OF TEACHER´S DISCOURSE. ABSTRACT In the last decades, Portuguese language teaching has been the reason for chronic or constant critiques and the central question of its discussion has been grammar as such a language teaching of normative is in an exclusive or even privileged place as part of the daily work of teachers. However, numerous scholars have observed normative practice, which encourages memorization that the traditional transmission and of grammar nomenclature with its many classifications and rules, has not contributed for the formation v. 6, n. 1, jan./abr. 2014 UnirG, Gurupi, TO, Brasil and development of discursive and linguistic ability and the results impact in the performance assessment systems. Thus, the doubtful effectiveness of such a model encouraged the emergence of an alternative proposal: Linguistic analysis or LA. This method proposes the study of grammar content from texts circulating socially, thus taking the student to a reflexive position about the function and linguistic resources used into the texts. In this way, the current study aims tocomprehend the discourse of a native language teacher, so as to evaluate how he or she act or think when faced with this two teaching systems. The theoretical base for this study came from material based on semi – structured interviews with two teachers from high school. Results demonstrated that even when the need for change is recognized, the practice using the new method is used without a clear and strong understanding of linguistic analysis. Keywords: Grammar teaching. Linguistic Analysis. Semiotics. v. 6, n. 1, jan./abr. 2014 UnirG, Gurupi, TO, Brasil 194 1 INTRODUÇÃO De outro lado, tem-se uma O domínio de uma língua por proposta que intenta superar os seus falantes é um bem cultural de fracassos resultantes da utilização da valor concepção tradicional de ensino de inestimável, uma vez que, enquanto marca identitária, ela os língua. significa pares, reflexão sobre a língua [epiliguísticas] agem se perante constituindo-os os seus sujeitos que Nesta, as sobrepõem atividades às de definição, ativamente por meio dela para a classificação construção a [metalinguísticas] (BRASIL, 1998). O transformação do contexto no qual se trabalho com os elementos gramaticais acham inseridos. visa não à memorização, mas à e, ainda, para e de exercitação É interessante notar, porém, construção do sentido do texto, a partir que o entendimento de como se dá a da função que nele desempenham. efetiva apropriação de uma língua por Nessa perspectiva, as formas da uma comunidade varia segundo as língua estão a serviço da construção diferentes concepções, isto é, há das modos distintos de conceber como os produção textual. Essa proposta de saberes renovação linguísticos construídos para desenvolvam que suas linguístico-discursivas. devem ser os falantes competências Geralmente tem-se, de um lado, uma postura mais habilidades de que leitura e intenta de uma substituição às atividades puramente gramaticais é chamada análise linguística. Sabe-se que o ensino de tradicional que tenta manter o status análise quo, em nome da preservação e da desafiador para os docentes, haja vista valorização de terem recebido, em sua maioria, uma linguagem [construídos sob a noção formação nos moldes tradicionais e de “certo” e “errado”] e que, por isso isso redundará, salvo exceções, em mesmo, faz uso de uma metodologia práticas que privilegia o ensino prescritivo das metalinguística. dos bons hábitos formas linguísticas [à parte do texto], linguística Assim, mostra-se de para reprodução compreender com vistas a um melhor domínio do melhor como o ensino de gramática se código pelo aluno. desenvolve nas salas de aula, será brevemente analisada Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. a Proposta 195 Curricular do Ensino Médio do Estado constitui em um objeto complexo que do Pará, considerando que as ações para ser compreendido, deve ser do analisado professor segundo as são desenvolvidas orientações nela constantes. além de dados estatísticos que apenas confirmam hipóteses. O objetivo deste trabalho foi verificar como o professor de língua Sobre esse aspecto Lüdke e André (1986, p.3-5) asseguram que materna se posiciona em relação ao [...] como atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador. [...] Assim, a sua visão de mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo irão influenciar a maneira como ele proprõe suas pesquisas [...] Não há, portanto, possibilidade de se estabelecer uma separação nítida e asséptica entre o pesquisador e o que ele estuda e também os resultados do que ele estuda. Ele não se abriga, como se queria anteriormente, em uma posição de neutralidade científica [...]. ensino tradicional de gramática e como ele constrói seu discurso frente os novos desafios impostos por essa nova abordagem de ensino, a Análise Linguística. Os princípios da Semiótica Discursiva serviram de base para a análise das entrevistas, cujos dados foram gerados em 21de agosto de 2013. 2 MATERIAS E MÉTODOS Nessa perspectiva, os dados Trata-se de uma pesquisa de natureza para qualitativa interpretativista são gerados em seu ambiente natural, com o uso de questionários, (CHIZZOTTI, 2006; LÜDKE; ANDRÉ, entrevistas, 1986; 2008), objetividade dá lugar à subjetividade considerando que o método qualitativo do pesquisador, entendida aqui não propõe um percurso diferente para a como uma ação contemplativa, mas produção do conhecimento, ou seja, a como uma atividade fundamentada em preocupação não está em quantificar pressupostos os em permitam uma visão aprofundada dos (TRIVIÑOS, fatos e garantam a qualidade do 1987 p.132) e, muito menos, em processo. A análise dos dados não manter o pesquisador distante de seu requer, necessariamente, o uso de objeto de pesquisa. Acredita-se que métodos como a realidade educacional se entretanto, deles fazer uso. BORTONI-RICARDO, dados, quantidades em coletá-los elevadas observações teóricos estatísticos Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. etc. que A lhe podendo, 196 De maneira geral, prioriza-se a compreensão, a ampliação o leva quase que invariavelmente a falar questões de gramática, tamanha é a relação que valores, se faz entre elas. Isso se deve ao fato discursos etc.) valorizando-se todos os de que, por anos a fio, prevaleceu (?) dados da realidade estudada e o entre os brasileiros um ensino no qual significado que as pessoas atribuem à a vida e às coisas que integram seu expressão cotidiano. resquício da filosofia grega, portanto. aprofundamento pesquisadas das (impressões, Participaram da e Falar de linguagem, no Brasil, pesquisa linguagem era do usada como pensamento, um 2 O objetivo desse tipo de ensino professores do Ensino Médio de uma era padronizar/uniformizar a língua, Escola tratando-a, Estadual no município de assim, como elemento Conceição do Araguaia-PA. Para a estático e homogêneo. Essa era a devida preservação do anonimato, os razão pela qual havia tanto interesse professores foram identificados como de seus proponentes em fazer com D.A (Docente “A”) e D.B (Docente “B”). que Ressalta-se terminologia gramatical. que: i) Ambos os os alunos aprendessem a participantes possuem graduação e Curioso, porém, é que esse especialização na área em apreço; ii) interesse pela padronização da língua Para a geração dos dados foram perdura até os dias atuais, em que boa realizadas entrevistas parte do professorado ainda lança mão permitiram de conceitos e de metodologias que interpretar, em determinado grau, o pouco (ou quase nada)acrescentam ao nível de compreensão dos professores desenvolvimento sobre a Análise Linguística, bem como linguístico-discursiva o conflito constante vivenciado por visto anularem o sujeito enquanto eles nova participante ativo da construção de normativo- enunciados significativos, bem como semiestruturadas entre proposta e que adoção o dessa ensino prescritivista de gramática. da competência dos discentes, os aspectos exteriores ao sistema da língua. 3 TRADIÇÃO ENSINO COM METALINGUAGEM GRAMATICAL: FOCO NA O principal equívoco dessa abordagem reside não em ensinar a norma padrão, mas em como a efetiva, Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 197 ou seja, por meio do conhecimento/reconhecimento Outrossim, não é fácil das abandonar uma prática já enraizada na estruturas linguísticas, de exemplos tradição e assumir, de imediato, outra criados para fins de memorização da configuração teoria e de repetitivos exercícios de fundamentos fixação, futuramente cobrados em um inquestionáveis. que contrarie tidos como processo avaliativo(ANTUNES, 2003). Compreende-se, portanto, que a 4 A PROPOSTA CURRICULAR DO preocupação está em transmitir ao ESTADO DO PARÁ PARA O ENSINO estudante a nomenclatura gramatical, MÉDIO desvinculada, por sua vez, de Desde a implantação quaisquer relações com os aspectos Parâmetros interacionais, (PCN), no final da década de 1990, há discursivos e um enunciativos da linguagem. O tom afirmações incisivo pode levar Curriculares dos esforço quase Nacionais comum em dessas substituir o antigo paradigma por outro leitor que possibilite aos discentes uma o desavisado a pensar que se está reflexão criticando os professores de língua executam no dia a dia da sala de aula. materna, o que não é verdade. Alguns Conforme visto acima, o modelo profissionais, consciente inconscientemente, reproduzindo durante o suas jornadas as atividades que ou tradicional de ensino não comporta apenas mais as exigências linguísticas atuais, aprenderam que são vivas e dinâmicas, e cujas estão que sobre escolares. manifestações, muitas vezes, Ademais, esmeram-se para fazer o escapam às prescrições da gramática melhor normativa. que podem. Falta-lhes, possivelmente, uma melhor formação, Todavia, o quase acima porém não devem ser condenados a utilizado tem sua presença justificada, carregar os posto que ainda há a insistência no fracassos apontados nos sistemas de ensino de um currículo que privilegia a avaliação, uma vez que se tem uma abordagem acrítica da nomenclatura herança educacional que apresenta gramatical, problemas de variadas ordens. encontrara mais de quinze anos da sobre seus ombros publicação apesar do dos Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. país se Parâmetros 198 Curriculares Nacionais (PCN, 1997; objetivo é “[...] minimizar o impacto da 1998 etc.) e de outras normativas passagem do Ensino Médio para o oficiais. Ensino Superior” (UEPA, s/d). Para uma rápida constatação, Os basta olhar a Proposta Curricular do atividades Ensino Médio do Estado do Pará, que junto aos discentes tenham como segue a forma canônica de disposição referencial o eixo Uso/Reflexão/Uso, dos conteúdos, com uma novidade com vistas ao desenvolvimento das aqui, habilidades de fala, escuta, leitura e outra significativo. ali, Nada mas nada que de realmente PCN a propõem serem que as desenvolvidas escrita apresente proposta de mudança. [...] pois é na prática de reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas situações de interação (PCN, 1998 p.34). Vale ressaltar que a escolha de análise dessa proposta se deve ao fato de que ela está estruturada segundo os critérios do Programa de Ingresso Seriado (PRISE) que, ao lado do Processo Seletivo (PROSEL), é uma Desse modo, a fim de verificar das formas de acesso aos cursos de se a proposta curricular utilizada pelas graduação da Universidade do Estado escolas apresenta os conteúdos de do evidente, maneira articulada com o que propõem portanto, que o conteúdo ensinado é os PCN, buscou-se analisar o discurso aquele da proposta curricular de LP do estado Pará (UEPA). que ajuda Fica os alunos a passarem no vestibular... da UEPA. Implantado em 1997, o PRISE é destinado aos alunos que do Pará, realizando-se, para isso, um contraponto entre eles. estão Digna de nota é a menção das cursando uma das séries do Ensino competências e habilidades requeridas Médio, de modo que, a cada uma das para séries corresponde uma das etapas demonstração de concordância com desse programa: 1º ano (1ª etapa) os Eixo temático: Leitura e Linguagens; 2º conforme ano (2ª etapa) Eixo temático: Leitura e discrepâncias com o projeto oficial. Linguagens e 3º ano (3ª etapa) Eixo temático: Leitura e Produção textual. O cada preceitos se série, dos uma tímida PCN. Todavia, há algumas verá, De início, convém notar que os conteúdos são Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. trabalhados 199 separadamente, isto é, língua, literatura e redação. Ou ainda: Língua há excessiva valorização da gramática tradicional. Portuguesa 1 (língua e redação) e Língua Portuguesa 2 (literatura). 5 ANÁLISE LINGUÍSTICA: UMA Portanto, não há articulação entre os TENTATIVA DE ROMPIMENTO COM saberes, mas sim fragmentação, o que A contraria as normas oficiais: “[...] evitar NORMATIVA a compartimentalização, mediante a PRÁTICA TRADICIONAL- Afirmou-se, no início deste interdisciplinaridade; e incentivar o trabalho, que alguns estudiosos têm raciocínio e a capacidade de aprender” questionado o ensino normativo da (BRASIL, 2000, p. 4; BRASIL, 1998 língua p.36). ANTUNES, 2003 e 2007; BAGNO, Outro aspecto relevante é que materna(GERALDI 2004; 2007; SILVA, 2011). não há exigência explícita de trabalho De um lado existem os que com e a partir dos gêneros textuais. insistem em manter uma metodologia Mais curioso, ainda, é que a produção que enfoca as formas linguísticas por textual é expressamente requerida elas mesmas e, de outro, os que apenas na última etapa do programa. objetivam um ensino que favoreça a Constatou-se, ainda, que, reflexão sobre o uso das formas apesar da definição dos conteúdos linguísticas para o ensino, não há especificação favoreça dos objetivos para as séries-alvo. Além capacidades do mais, os conteúdos e a quantidade dos a serem ensinados são os mesmos intenciona-se o rompimento com a desde sempre. Há, na verdade, uma prática tradicional-normativa de ensino exagerada preocupação em repassar de gramática. os conteúdos, independentemente de haver ou não aprendizagem. Assim, pode-se afirmar que há e o que, igualmente, desenvolvimento das linguístico-discursivas discentes. Noutras palavras: O passo inicial foi dado com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), que discordância entre o que propõem os criou as bases legais para PCN e a Proposta Curricular do reestruturação Estado do Pará, uma vez que, além de educacional. os conteúdos não serem articulados, aprovação, toda a educação do país do Logo, Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. a sistema com sua 200 passou por uma reforma: uma nova a metalinguagem descontextualizada, divisão foi implantada e objetivos de frases inventadas e com foco nas foram modificados, a educação básica unidades mínimas da língua (fonema, foi ampliada e o ensino passou a ser palavra, frase etc.), mas um ensino baseado efetivamente fundamentado no texto e em habilidades e competências. Agora, que priorizasse a reflexão sobre as O novo ensino médio [...] deixa [...] de ser apenas preparatório para o ensino superior ou estritamente profissionalizante, para assumir a responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente [...] (BRASIL, 2000, p.8). formas linguísticas (suas funções) e, de igual modo, a importância destas para a construção dos sentidos nele contidos. Mendonça (2006, p.205) afirma que “[...] o que configura um trabalho de AL é a reflexão recorrente e organizada, voltada para a produção Antes dessa reforma o ensino era baseado no depósito de informações e na memorização, sendo que o principal objetivo da última etapa de sentidos para a compreensão mais ampla Certamente, inovador o nesse que há processo na reflexão sobre de os utilizado pelo professor para efetivar essa reflexão sobre a língua será a Análise Linguística (AL). Geraldi (1984) no artigo Unidades básicas do ensino de português. Nele, abordagem propunha de sistema Ao tomar o texto como unidade serão abordados, portanto, a partir dele e, não, à parte dele. Geraldi assinala, ainda, que a partir dos textos dos alunos, o professor deve considerar os efeitos de sentido, e não apenas questões ortográficas e sintáticas, de modo que leve esses alunos a socializar suas Esse termo foi cunhado por autor do de análise, os aspectos gramaticais de elementos linguísticos. E o mecanismo o e a formação de leitores-escritores [...]”. transformação é o foco do ensino baseado usos linguístico, com o fim de contribuir para da educação básica era preparar o educando para prestar o vestibular. dos uma estudo/ensino nova da produções com seus pares e não somente com o professor, na maioria das vezes único interlocutor. Sendo assim, a abordagem dos fenômenos gramaticais, textuais gramática na qual teria prioridade não Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. e discursivos 201 deve acontecer a partir de produções das escritas dos alunos. concretamente, dos discursos que o Em linhas gerais, pode-se formas da linguagem, mais manifestam [...]”. afirmar que a AL considera o sujeito Vale ressaltar que, para a teoria como participante ativo do processo de em estudo, o sentido de um texto interlocução seu decorre da união entre o plano do desenvolvimento linguístico-discursivo conteúdo e o plano da expressão. mediante práticas contextualizadas de Entretanto, a busca por esse sentido ensino. passa, em primeiro lugar, pelo exame dessas A e efetiva práticas visa ao implementação não ocorrerá, do plano do conteúdo (o que o texto certamente, como num passe de diz). Isso não significa que o plano da mágica... de uma hora para outra. expressão é descartado. Na verdade, Conforme afirma Mendonça (2006, ele é (como) o texto diz o que diz. É p.225), ela é “[...] gradual e repleta de exatamente dúvidas, com passos adiante e atrás, e explicar 'o que o texto diz o que diz' e este parece ser o caminho mais 'como o diz', a semiótica trata [...] de provável e seguro, por mais paradoxal examinar que pareça”. organização textual e, ao mesmo por os isso que, “Para procedimentos da tempo, os mecanismos enunciativos de produção e recepção de texto” 6 SEMIÓTICA DISCURSIVA A Semiótica Discursiva (também (BARROS, 2005, p.12-13). denominada de Greimasiana), fundada Assim, pelo lituano Algirdas Julien Greimas Greimasiana (2002) encontrados por meio de “[...] uma é uma teoria cujos de para os a Semiótica sentidos patamares pressupostos basilares são oriundos sucessão de Saussure e Hjelmslev e que tem o mostra como se produz e se interpreta sentido(ou os sentidos), como seu o sentido, num processo que vai do objeto de estudo. Não “[...] o sentido mais simples ao mais complexo”, em si, mas [...] o modo como é denominado empregado no texto", adverte Barros Sentido3 (FIORIN, 2008, p.20). Percurso [...] são Gerativo que de (2005, p.2). Ou, nas palavras de Bertrand(2003,p.11), o “[...] „parecer do sentido‟, que se apreende por meio 3 Para uma melhor compreensão dos patamares do Percurso Gerativo de Sentido sugerimos a leitura de BARROS (2005). Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 202 Tendo em vista a À semântica discursiva, por sua interdependência entre texto, discurso vez, cabe revestir (logo, concretizar) e percurso gerativo de sentido, bem as mudanças de estado do nível como, os objetivos deste trabalho, será narrativo (FIORIN, 2008). tomado o Nível Discursivo como De posse desses conceitos- recurso para a análise das entrevistas. chave, segue a análise dos discursos De acordo com Barros gerados por meio das entrevistas. (2005,p.54), esse é o nível no qual “[...] Percebe-se, neles, o empenho de o sujeito da enunciação faz uma série ambos os docentes em manter o de opções para projetar o discurso, enunciatário (entrevistador) preso aos tendo em vista os efeitos de sentido enunciados. Esses enunciados são, de que deseja produzir". certo modo, um raio X que revela, por Sendo assim, a compreensão meio de algumas afirmações dos discursos depende de apreensão imprecisas, detalhes do momento de dos mecanismos nele envolvidos com conflito teórico-metodológico por que a passam na busca por uma nova finalidade enunciador de a convencer aceitá-los o como verdadeiros. realidade no ensino de língua portuguesa. Convém lembrar que esse nível, É patente que a estratégia dos assim como os que o antecedem, enunciadores possui uma sintaxe e uma semântica. desembreagem enunciativa, recurso À sintaxe discursiva cabe "[...] explicar utilizado quando a finalidade é produzir as relações do sujeito da enunciação efeitos com o discurso-enunciado e também enunciador e enunciatário. Ao projetar as relações que se estabelecem entre no enunciado um “eu” (desembreagem enunciador e enunciatário" (BARROS, actancial): “eu acho que é um pouco 2005,p.54). Na sintaxe as relações de cada um, né” – D.A; um “aqui” entre os sujeitos são construídas com (desembreagem base nas estratégias de proximidade e acredito que a sala de aula...”- D.B; e distanciamento, no um “agora” (desembreagem temporal): discurso as categorias de pessoa, “Hoje a gente já abre espaço, já, já espaço e tempo. percebe que há espaço pra outros instaurando-se de é utilização proximidade espacial): da entre “Eu gêneros textuais...”- D.B. O enunciador Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 203 tenta criar um efeito de realidade, Normativa, levando ao língua?!”(D.A);“é /.../ há uma proposta convencimento, à adesão de seu que é NOva, mais a gente não projeto. consegue, o destinatário Passa-se, agora, né, ainda, éa nossa interpretar, nem à fazer, é, é, executar essa ideia dentro compreensão de como as estruturas de sala, né?! [...] e acho que é louvável discursivas isso, mas a gente não sabe como deve são enriquecidas semanticamente pelos procedimentos ser o ensino [...]” (D.B) de tematização e figurativização, ou Pode-se constatar, no primeiro seja, como os valores fundamentais enunciado, TRADIÇÃO obrigatoriedade/imposição e MUDANÇA são que a se dá constituídos pelo uso de temas e indiretamente, isto é, ela se justifica figuras. Nunca é demais relembrar que (para os que a defendem) porque estamos analisando o discurso dos ainda prevalece o equívoco de que a professores em relação ao Gramática Normativa é a língua, de estudo/ensino (tradicional) de que ela abarca todas as manifestações gramática aulas língua desta, e que, portanto, deve ser portuguesa, bem como a prática da seguida (ANTUNES, 2007). Isso não análise linguística como ferramenta- significa, evidentemente, que ela não símbolo deva ser ensinada (SILVA, 2011). nas da de mudança e da ressignificação dessas aulas. Veja-se, igualmente, como os Logo de início, os enunciados documentos oficiais se posicionam a produzidos nas entrevistas permitem esse respeito: “[...] discute-se se há ou perceber não uma oposição no nível necessidade de ensinar temático, marcado por imposição da gramática. Mas essa é uma falsa tradição gramatical prescritivista e questão: a questão verdadeira é o dúvida que, para que e como ensiná-la” teórico-metodológica, sentimentos reveladores da realidade (BRASIL, contraditória dos docentes quanto ao nosso). ensino de língua Figurativizando respectivamente: materna. tem-se, “nós somos obrigados a estudar a Gramática 1998, Pode-se p.28) afirmar, (destaque em linhas gerais, que os documentos oficiais propõem conteúdos um ensino no gramaticais Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. qual os sejam 204 abordados de maneira crítico-reflexiva ele tem no seu dia-a-dia [...]” (D.A); “A nas de análise linguística, né, tá voltada pra das isso /.../ é analisar as manifestações pelos da língua. Analisar e refletir, né? alunos, possibilitando-os perceberem a Então, as várias manifestações são função que os recursos linguísticos válidas, né? [...] cada um traz o seu exercem nos enunciados (BRASIL, repertório [...]” (D.B) atividades produção de textual, necessidades leitura a e partir apresentadas 1998, p.29). O Fica segundo que os é enunciadores não precisam o conceito também esclarecedor, pois permite de AL e tentam reorganizar seus constatar discursos que os enunciado evidente docentes têm inserindo conhecimento de uma proposta que é relacionadas “NOva” [a AL] , mas que não sabem variedades como executá-la, revelando, portanto, forma, que o desconhecimento é a causa da dificuldade ocorra, em parte, devido ao dúvida instaurada e, certamente, o trabalho ano após ano centrado em responsável pela disjunção com a manuais mudança. Os supervalorizada pela escola, e cobrada de em concursos públicos) e em livros estarem conscientes de um dever- didáticos que, não raro, conduzem os fazer, de estarem dispostos a um docentes à acomodação e, querer-fazer, veem-se limitados por certamente, à desvalorização dos um não-saber-fazer, que os mantém estudos linguísticos, ainda que não o disjuntos do objeto-valor. percebam. Noutros termos: docentes-enunciadores, apesar à informações valorização linguísticas. acredita-se de De certa que gramática Essas das essa (ainda afirmações Na análise dos discursos, além aparecem figurativizadas no discurso do tema dúvida, constatou-se outro do D.A a seguir: “[...] na hora dele relacionado [aluno] fazer um concurso, o que vale inconsistência à mudança: a teórico-conceitual é o quê? SÓ É E, GRAMÁTICA relacionada à AL, figurativizada por NORMATIVA. termos vagos e imprecisos: “Estudar a [Linguística], língua em si, né?! Ou seja, u, u, u, dentro mesmo /.../, ou seja, na sala de valorizar o cotidiano do aluno na aula ela é válida, mais aí, como se diz, não AÍ?”; “Ela tem importância, questão da, do uso da linguagem que Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 205 (SILVA; BARBOSA; SILVA, 2009, p. 129-130). pro conhecimento de mundo lá fora, já não é a mesma coisa”. Acredita-se, também, que Disso a resultam afirmações dificuldade que está sendo tratada seja como a do D.B, assim figurativizada: resultante da ausência de concreta “[...] eu acredito, ainda que a principal relação entre teoria e prática em barreira é essa dificuldade de material alguns cursos de formação inicial e de estudo, de suporte de bagagem continuada. Neles, dedica-se grande científica na área [...]” parte do tempo ao estudo dos teóricos Em relação ao livro didático, e às concepções às quais se filiam, e a três observações são necessárias: a prática, geralmente, fica condicionada primeira, é que ele é um inegável apenas aos estágios de finais de recurso curso, conforme figurativizado em: “[...] aparece figurativizado nas palavras do aquela antiga é, é ( mesmo docente: “[...] a gente, às ) coisa, assim, para o professor, como entre vezes, tenta seguir alguma tendência, discurso, né, e a prática /.../ teoria e alguns /.../ algum autor ou até mesmo prática.” – D.B o próprio livro didático, que é um aquela relação Outra contraditória dificuldade enfrentada aliado4, né, em sala.” A segunda observação é que a pelos professores de língua materna é a falta de encaminhamentos práticos, adoção tanto por parte das diretrizes oficiais, precedida de uma visão crítica das quanto dos autores de livros didáticos. informações Ou contidas, seja, tem-se uma série de desse e visto material deve afirmações que muitos ser nele ainda diretrizes que devem ser cumpridas, mantêm uma abordagem tradicional contudo, pouco (ou quase nada) de dos fenômenos linguísticos, utilizando concreto é oportunizado aos docentes o texto apenas como pretexto para o para que as executem: ensino da terminologia gramatical, e isso certamente dificulta a efetivação [...] os PCN [...] orientam para o que deve ser feito, condenando as práticas definidas como tradicionais e, portanto, assentadas ao longo do tempo como legítimas no espaço das aulas de Língua Portuguesa, sem, contudo, oferecerem de modo mais concreto os caminhos possíveis, coerentes com os novos objetivos e diferentes concepções de linguagem. da prática de análise linguística em sala de aula. 4 SILVA (2009) também acredita que os livros didáticos publicados após a implementação dos PCN e do PNLD trazem propostas desestabilizadoras e renovadoras para o ensino de língua materna. Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 206 A terceira refere-se exatamente dúvidas em relação ao COMO fazer ao oposto, isto é, enquanto alguns análise linguística. O momento é, livros didáticos permanecem reféns do então, paradigma tradicional, outros há, que (re)aprendizagem. de adaptação, de “[...] estão iniciando o caminho de No entanto, se a meta é uma adequação à nova proposta, e os educação linguística de qualidade faz- professores precisam ser orientados se necessário, inicialmente, rever a em como utilizá-la” (TEIXEIRA, 2011, concepção p.172). As afirmações do autor citado fundamenta as ações, bem como, na primeira observação, certamente, fazer o possível para que as propostas encaixam-se nesta última. curriculares de linguagem de língua que portuguesa deixem de ser prescritivas e se tornem 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS reflexivas, Levando-se em conta o objetivo exposto na introdução domínio valorizando, de assim, competências o que espera-se, permitam a plena participação do mediante a aplicação dos princípios da indivíduo nas diversas atividades de Semiótica Discursiva, linguagem das quais venha a tomar proporcionado uma ter visão mais parte. Essa é, realmente, uma detalhada de como os professores de construção diária que exige esforço e língua pesquisa. materna constroem discursos em relação propostas díspares de seus às duas ensino: a Abandonar práticas tidas como corretas, que todo mundo faz, tradicional-normativa e a prática de AL, certamente redunda em desconfiança abordagem que propõe uma reflexão e/ou sobre a língua. apresenta como novidade. Mas, como desconforto àquilo que se Certamente os dados colhidos adverte Teixeira (2011, p.172) “O reveladores do importante agora é que, mesmo em trabalho de boa parte de nossos „pequenas doses‟, pouco a pouco, a docentes. Há AL seja integrada ao ensino de língua nebulosa pairando são da uma realidade espécie sobre de suas portuguesa”. cabeças, sem saberem, na verdade, como realmente agir. Há muitas Rev. Cereus, v. 6, n. 1, p. 191-208 ,jan.-abr./2014, UnirG, Gurupi, TO, Brasil. 207 REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. 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