Pesquisadores do HC avaliam colesterol e triglicérides

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Campinas, 13 a 19 de outubro de 2008
JORNAL DA UNICAMP
Pesquisadores do HC avaliam colesterol
e triglicérides de 2 mil crianças e jovens
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Foto: Antoninho Perri
EDIMILSON MONTALTI
Especial para o JU
P
esquisadores do Hospital de
Clínicas (HC) da Unicamp
analisaram durante oito anos
os resultados de colesterol e
de triglicérides no sangue de
aproximadamente 2 mil crianças e adolescentes entre 2 e 19 anos atendidos
no Ambulatório de Dislipidemias e em
ambulatórios especializados do HC,
principalmente na área de Pediatria.
Este estudo retrospectivo de análise
clínico-laboratorial foi conduzido pela
professora Eliana Cotta de Faria, do
Departamento de Patologia Clínica da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Unicamp, com a colaboração do
patologista clínico Fábio Bernardi Dalpino e da pediatra Raquel Takata.
O estudo encontrou altos índices de
colesterol e triglicérides nas crianças e
adolescentes. Os dados surpreenderam
até mesmo os pesquisadores. Inéditos nessa faixa etária da população
brasileira, eles compõem o trabalho
“Lípides e lipoproteínas séricos em
crianças e adolescentes ambulatoriais
de um hospital universitário público”,
publicado recentemente na Revista
Paulista de Pediatria.
De acordo com a literatura mundial
e brasileira especializadas, o colesterol
em crianças e adolescentes deve ser
inferior à 170mg/dL e os triglicérides menores que 100 mg/dL. Para as
análises estatísticas do perfil lipídico
dessa faixa etária, os pesquisadores da
Unicamp adotaram valores de corte
internacionais, nacionais e os recomendados pelo médico e pesquisador norteamericano Kwiterovich, estudioso das
dislipidemias na infância. Os resultados
encontrados pelos pesquisadores do
Ambulatório de Dislipidemias do HC
nas medidas analisadas de lipoproteínas
do LDL-colesterol (considerado “ruim”)
do HDL-colesterol (tido como “bom”) e
dos triglicérides foram muito alterados,
tanto em meninas quanto em meninos.
Das crianças entre 2 e 9 anos, 44%
apresentaram valores alterados para o
colesterol total, 36% para o LDL-colesterol e 56% para os triglicérides. Entre
os adolescentes de 10 e 19 anos, 44%
apresentaram alterações para o colesterol total, 36% para o LDL-colesterol
e 50% para os triglicérides. A pesquisa
também indicou que houve uma redução
de HDL-colesterol em 44% das crianças
e em 49% dos adolescentes.
Outros dados analisados neste estudo indicaram que aproximadamente
34% das crianças e adolescentes tinham
hi­percolesterolemia combinada com
hipertrigliceridemia; 15% das crianças e 20% dos adolescentes tinham
hipercolesterolemia combinada com
hipoalfalipoproteinemia (diminuição
do HDL-colesterol); e, na média, 30%
tinham hipertrigliceridemia combinada
com hipoalfalipoproteinemia.
Segundo a pesquisadora, no Brasil,
até o momento, não há estudos com
uma grande amostra de crianças e
adolescentes ambulatoriais. Houve
interesse em explorar os indivíduos
atendidos no Hospital de Clínicas da
Unicamp por ele abranger uma região
com cerca de cinco milhões de pessoas. “Os dados encontrados, portanto,
refletem a situação da população desta
região do país”, explicou a médica e
pesquisadora Eliana Cotta de Faria.
“Os resultados obtidos direcionam
a ação para uma abordagem também
preventiva. Na medida em que retratamos a realidade das crianças e adolescentes atendidos do HC, nós devemos
programar medidas de intervenção
nessas faixas etárias para o diagnóstico
precoce e correto das suas causas e seu
respectivo tratamento. Assim, podemos
retardar a progressão da aterosclerose e
de suas complicações, principalmente
cardiovasculares, além de evitarmos,
também, a pancreatite aguda, causada
pelo aumento de triglicérides”, explicou Eliana.
De acordo com a docente, algumas
dislipidemias têm causas genéticas.
Entretanto, a maioria delas são causadas
por concentrações alteradas de lipídios
e lipoproteínas, partículas que carregam
as gorduras circulantes no sangue. As
dislipidemias se caracterizam pelo aumento do colesterol e dos triglicérides
A professora Eliana Cotta de Faria atende paciente no Ambulatório de Dislipidemias da FCM: levantamento inédito
Índices
obtidos
em estudo
desenvolvido
ao longo de
oito anos
surpreendem
especialistas
em algumas dessas lipoproteínas. As
lipoproteínas mais conhecidas são a
VLDL, LDL e HDL. A VLDL é uma
lipoproteína responsável por transportar
os triglicérides. A LDL é a principal
lipoproteína responsável por transportador o colesterol para os tecidos. Ela é
importante para o organismo por ser precursora de hormônios, vitaminas e sais
biliares. O colesterol da LDL, na forma
natural de sua molécula, não é prejudicial à saúde. Porém, se ele for oxidado
pelo organismo ou agentes externos,
como as frituras, pode se depositar na
parede das artérias, favorecendo o aparecimento de doenças cardiovasculares.
Essa oxidação, ou mudança química da
molécula, pode ser induzida também
pelo tabagismo, estresse, infecções e
pelo consumo de alimentos.
A HDL é a lipoproteína “lixeira”,
que retira todo o excesso de colesterol
das membranas das células, levando-o
ao fígado para excreção. O colesterol
é excretado pela bile. Quando a LDL
está em excesso, oxida-se e é captada
de maneira não controlada por outros
receptores não regulados pelo colesterol, acumulando-se progressivamente
nas células. O desequilíbrio nesse
mecanismo é um dos principais fatores
de risco para a aterosclerose.
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) define aterosclerose como o espessamento das artérias pelo acúmulo
de gorduras, carboidratos complexos,
componentes do sangue, células e
material intercelular.
De acordo com a pesquisadora, a
aterosclerose começa na vida intrauterina e se manifesta, clinicamente, por
meio de angina, infarto agudo do miocárdio, derrames cerebrais e aneurismas
na vida adulta, por volta dos 45 anos nos
homens e 55 anos nas mulheres.
“Os fatores de risco para a aterosclerose são inúmeros. As dislipidemias
são fatores de importância primordial
e, quanto mais cedo se corrigir esta
alteração, menor é a progressão da
doença”, explicou Eliana.
Nas crianças, existem várias causas
de dislipidemias. Do ponto de vista das
doenças causadoras, as doenças renais,
as doenças de fígado, as endócrinas
como a obesidade, o diabete mellitus
e o hipotireoidismo, além de várias
de origem genética, são as principais.
Do ponto de vista do estilo de vida
contemporâneo, o estresse emocional,
o sedentarismo e a alimentação inadequada são fatores que contribuem para
o aumento da prevalência da obesidade
e sobrepeso, que ocasionam doenças
relacionadas às dislipidemias.
Na opinião de Eliana, o medo da
violência, o excesso de jogos de computador, as dietas de fast-food e as dietas ricas em gordura saturada, açúcar
e frituras são altamente perniciosas
para os lípides sanguíneos e parecerem
contribuir com essa realidade. “Se a
família tem um padrão pouco saudável
de alimentação, as crianças irão seguir
este modelo”, explica Eliana.
No caso dos adolescentes, o tabagismo, o uso de anticoncepcionais e a
gravidez são outros fatores que, associados aos anteriores, contribuem para
o desenvolvimento de dislipidemias.
Um caso raro no mundo
A equipe multidisciplinar que compõe o Ambulatório
de Dislipidemia do HC atende casos graves da doença.
Um dos casos atendidos e acompanhados até hoje é o
de um menino com 12 anos. Ele nasceu com uma deficiência enzimática da lipoproteína lipase (LPL) que
é uma enzima chave no catabolismo das lipoproteínas.
Ela atua, principalmente, no tecido adiposo e muscular.
A incidência da doença é estimada em um para cada
milhão de recém-nascidos. O caso da criança é raro no
mundo. Ele é o 16º paciente pesquisado.
Aos 6 meses de idade, o garoto apresentava triglicerídeos no sangue iguais a 726mg/dL. O fígado e o baço
eram volumosos. O diagnóstico médico inicial foi de
virose. Até que, numa crise de dor abdominal, o menino
foi encaminhado para o HC da Unicamp.
O diagnóstico e tratamento dietético foram feitos no
Ambulatório de Dislipidemias. Ele foi acompanhado,
também, na Gastropediatria e na Cardiologia.
“Hoje, a doença é controlada, desde que ele siga as
recomendações dietéticas. Caso contrário, ele pode vir
a apresentar pancreatite aguda ou epididimite, tais como
complicações do aumento de triglicérides”, disse Roseli,
a mãe do paciente.
Apesar de várias pesquisas mundiais, principalmente
no Canadá, não há medicamento para esta dislipidemia.
O único tratamento é dietético.
Para ajudar na dieta de filho, de um ano e meio
para cá, Roseli começou a cursar uma faculdade de
Nutrição. Ela mudou o cardápio retirando a gordura, os
carboidratos simples e o açúcar. No lugar, introduziu arroz integral e alimentos ricos em fibras. “O carboidrato
também faz subir os triglicérides”, disse Roseli, com
voz de especialista.
Para quem chegou até 6.000mg/dL de triglicerídeos
no sangue, o menino tem uma vida normal. Ele é escoteiro, medalha de bronze no Campeonato Paulista
de judô, excelente aluno e sabe o que pode e o que não
pode comer. “Quando ele ultrapassa a cota de gordura e
carboidratos ingeridos no dia, é crise na certa”, comentou a mãe.
Numa dessas crises, a equipe do Ambulatório de
Dislipidemias do HC da Unicamp fez com o paciente
um teste terapêutico em regime de internação hospitalar
de curta duração para controle absoluto da sua dieta. Os
pesquisadores ofereceram clara de ovo como fonte de
proteínas da dieta. Os triglicérides de V. reduziram-se
para 300mg/dL.
“As pancreatites e as epididimites de repetição do
garoto são de origem genética. Ele tem que fazer um rigoroso controle alimentar continuado até o surgimento de
um tratamento que supra essa grave deficiência enzimática”, comentou Eliana, que acaba de diagnosticar dois
novos casos menos graves de LPL no ambulatório.
O grupo de pesquisadores do Ambulatório de Dislipidemias do HC da Unicamp foi o primeiro a descrever,
em crianças, o aparecimento da epididimite aguda na
deficiência de LPL. Este trabalho foi, recentemente, submetido à publicação no Journal of Clinical Lipidology.
Serviço do HC prescreve
dieta e elabora cardápios
As crianças e adolescentes
atendidos no ambulatório de
Dislipidemias do HC vêm, geralmente,
encaminhados dos postos de saúde
de Campinas, de centros de saúde
de cidades vizinhas e do próprio HC,
já com suspeita ou o diagnóstico de
dislipidemias. Após a realização de
uma série de exames, a equipe do
ambulatório começa o tratamento. O
serviço de nutrição do HC prescreve
uma dieta individualizada e elabora
cardápios para as crianças e
adolescentes. Essa dieta é baseada
em frutas, legumes, alimentos ricos em
fibras, restrita em gordura de origem
animal, colesterol e gordura saturada
de carne vermelha e leite gordo. As
crianças, em geral, usam leite de soja.
As mães aprendem, por exemplo,
a preparar bolos e biscoitos a base
de soja. Em alguns casos de maior
restrição, a suplementação vitamínica é
oferecida.
É recomendado, no mínimo, 30
minutos de atividade física diária ou
pelo menos três vezes por semana. Se
o paciente for tabagista, é solicitada
a interrupção do fumo. Não são
preconizadas drogas redutoras dos
lipídeos (hipolipemiantes) para as
crianças, exceto em casos muito
graves. Mesmo em adolescentes,
somente são utilizadas medicações
numa situação em que não há nenhuma
resposta ao tratamento de mudanças de
estilo de vida.
“Caminhando nessa linha de
investigação, nós delineamos o perfil de
risco para as crianças e adolescentes
antes do tratamento. Quando incluímos
o exercício físico e a dieta, nós estamos
acrescentando fatores de risco negativo
ao perfil de lípides destes pacientes.
Essa é uma população que merece
muito carinho e um muito cuidado para a
prevenção da doença”, explicou Eliana.
Após oito anos atendendo crianças
e adolescentes, os pesquisadores
notaram que as famílias, ao receberem
o diagnóstico da doença, têm reações
diversas. Se a família é muito humilde,
ela se conforma mais. Se a família tem
expectativas maiores para a criança, o
impacto é muito maior. Não são raras
as famílias cujos membros entram em
pânico.
“Por mais que se explique à família
que são situações tratáveis, raramente
letais, que com cuidados se controlam
ou dependendo da causa se curam, o
problema maior que encontramos é o da
família não conseguir fazer o tratamento:
umas por dificuldades socioeconômicas,
outras por descaso ou problemas
pessoais. Colocar uma criança e um
adolescente em dieta não é fácil. Para
dar certo, a família inteira tem que se
comprometer”, explicou Eliana.
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