20, 21 e 22 de junho de 2013 ISSN 1984-9354 RESPONSABILIDADE NAS ORGANIZAÇÕES: PARA UM APROFUNDAMENTO CONCEITUAL DA CHAMADA RESPONSABILIDADE SOCIAL Jorge Moraes (Universidade Petrobras) Wanderley Antunes Bezerra (Petrobras) Resumo O objetivo do presente artigo é realizar uma análise conceitual da chamada responsabilidade social no âmbito das organizações. Para isso, avaliaremos o presente conceito a partir da ética, mas também a partir de uma perspectiva estratégicaa e política. Como conclusão, construiremos um quadro de referência teórico útil a uma melhor compreensão da responsabilidade social nas organizações. Palavras-chaves: Responsabilidade Social; Responsabilidade Instrumental; Organizações; Ética. IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Responsabilidade é a condição ou característica de ser responsável, isto é, de responder pelas ações de alguém. Por exemplo, quando pais são responsáveis pelas ações de seus filhos ou quando se é responsável por suas próprias ações. Assim, o responsável é aquele que age de forma livre, ou seja, sem ser constrangido por outrem. Desse modo, somente podemos ser responsáveis se formos de fato livres. Somos responsáveis, portanto, pelas escolhas que fazemos e justamente porque somos capazes de fazer escolhas. Caso contrário, nenhuma responsabilidade nos poderia ser atribuída. Em geral a responsabilidade é facilmente observada do ponto de vista individual, isto é, quando alguém é responsável por uma determinada ação ou omissão. Mas o que acontece quando a responsabilidade é investigada no interior de um grupo ou organização? Quem responde pela ação de quem? O quão livres ou dependentes somos quando vivemos em sociedade? Estas questões foram originalmente observadas pela filósofa alemã Hanna Arendt em sua obra Responsabilidade e Julgamento e dizem respeito à responsabilidade coletiva. Nesse sentido, quando investigamos a responsabilidade estabelecida no interior de uma rede de relações e interdependências, estamos diante de uma responsabilidade que não está concentrada em apenas um sujeito, mas encontra-se difusa, pois é coletiva. Utilizando uma expressão mais conhecida, estamos diante da chamada Responsabilidade Social. A Responsabilidade Social é, portanto, a condição de ser responsável dentro de uma rede de interações sociais, ou seja, é a condição de responder pelas ações ou omissões deflagradas no interior de uma malha de conexões sociais. Todavia, muitas vezes descartamos essas conexões. Nos esquecemos que também fazemos parte da mesma rede de relações que deflagrou um determinado processo. Esquecemos que os eventos em sociedade ocorrem devido às interações, expectativas e reações inerentes à vida social. Quando nos damos conta disso, estamos observamos que, em graus diferentes, todos contribuímos de algum modo pelos acontecimentos sociais das comunidades onde vivemos, por ação ou omissão, pois todos estamos de algum modo conectados a uma rede de relações sociais, sendo impensável um ser completamente extra-social. 2 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Neste sentido, mesmo um eremita, em algum momento de sua vida, dependeu, em algum grau, do relacionamento com outro ser social – de seus pais, por exemplo –, ou pelo simples fato de possuir uma competência lingüística, mesmo que não a utilize, ele não pode se eximir de ser social. Uma questão importante, portanto, não é se há ou não graus de interação social, pois eles sempre existirão. Mas a que nível se está consciente dessas relações. Por isso o responsável não é apenas livre para agir ou se omitir, ele também deve ser consciente para deliberar sobre suas ações. Quando agimos irrefletidamente, podemos dizer que somos irresponsáveis, mas não que não podemos ser responsabilizados. Em algum momento o resultado de nossa ação ou omissão pode trazer à tona o desencadeamento dos fatos que a produziram, evidenciando assim nossa responsabilidade. Desse modo, ao sermos finalmente responsabilizados, temos a oportunidade de nos tornamos conscientes de nossas ações ou omissões a posteriori. Por outro lado, o agente realmente responsável se anteciparia, sendo consciente a priori por suas ações ou omissões. Suas ações seriam, portanto, acompanhadas do conhecimento de suas possíveis conseqüências antes mesmo dele as realizar. A respeito dessa relação entre ação e consciência da ação, vale a pena citar o filósofo alemão Karl-Otto Apel em sua obra Ética e Responsabilidade: “por meio da invenção de ferramentas e armas o homem superou a correspondência organicamente condicionada entre o ‘mundo percebido’ da sua experiência dos sentidos e o ‘mundo agido’ dos seus possíveis efeitos de ação. Desde então, o possível efeito das suas ações ultrapassa fundamentalmente o possível controle de comportamento”. (APEL, 2007, p. 18) Segundo Apel a capacidade cada vez maior da ação humana ao longo da história supera a modesta capacidade de percepção dos efeitos dessas mesmas ações sobre a Terra. Todo o nosso desenvolvimento tecnológico atesta isso. Sendo assim o homo faber, ao superar o homo sapiens, age necessariamente de forma irresponsável, pois em sua ação ele não é consciente de todos os processos deflagrados por ela e de todas as conseqüências desses processos. Tornar-se responsável de forma rigorosa é tornar-se consciente de todas as interações das quais fazemos parte, de todas as reações que desencadeamos por nossas ações ou omissões. Desse modo, para ser socialmente responsável é preciso, em primeiro lugar, iniciar um processo de tomada de consciência dos efeitos de nossas ações ou omissões. A reflexão, portanto, é o elemento fundamental para a realização da Responsabilidade Social. 3 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Todavia, como já destacamos, não agimos isoladamente. Por isso um aspecto importante da Responsabilidade Social é que ela diz respeito a relações. Nessa perspectiva, podemos dizer que quão mais organizadas são as relações em uma comunidade, mais disperso é o grau de responsabilidade vigente no âmbito dessas relações. Ou seja, as ações são realizadas não pela deliberação isolada de um componente do grupo, mas dependem de uma interação cada vez maior de componentes do grupo e isso se torna mais visível quando as ações se tornam mais complexas e, por isso, exigem relações mais bem organizadas (ELIAS, 1998). Por outro lado, à medida que um componente do grupo contribui cada vez mais para a organização de sua comunidade, maior sua responsabilidade face aos demais componentes. Isto ocorre porque este componente em especial possui mais conexões diretas dentro da rede de relações que compõe todo o grupo, portanto, possui e controla mais informações, toma mais decisões que influenciam mais componentes da rede, etc. Isso se dá sem detrimento da responsabilidade dos demais componentes do grupo, pois podem ser responsabilizados também por omissão ou desconhecimento. Essa conclusão ao mesmo tempo assimétrica e incongruente pode ser explicada da seguinte forma; o líder de uma organização é mais responsável devido ao maior número de conexões e por possuir maior conhecimento dos processos onde ele está inserido. Por outro lado, o liderado pode ser responsabilizado por não assumir conscientemente seu papel na organização onde está inserido. O primeiro seria responsável a priori e o segundo seria responsabilizado a posteriori. O problema da Responsabilidade Social, compreendida não apenas como uma característica ou um atributo, mas como disciplina autônoma, é estudar as interações no interior de grupos e organizações, identificando o fluxo de influências, de controle, e também as expectativas, as reações e as resistências às ações de controle. Não somente no interior de organizações isoladas, mas entre organizações diferentes e entre organizações e indivíduos, sempre levando em consideração o meio ambiente onde um determinado grupo se encontra, tendo como objetivo final determinar os vetores de responsabilidade que se formam no interior dessas relações. Desse modo a Responsabilidade Social pode avaliar as conseqüências potenciais e efetivas da ação ou omissão de indivíduos, empresas e governos no seio da sociedade e no interior do meio ambiente onde se instalam as organizações. Todavia, a Responsabilidade Social não se restringe apenas a determinar os vetores de responsabilidade. Nessa perspectiva, ela permanece ligada à Ética, como uma categoria ou 4 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 disciplina da filosofia moral. Além disso, ela também pode ser subordinada à Estratégia, ou à Política, conquistando dimensões distintas, se caracterizando como Responsabilidade Social Instrumental. Como categoria da Ética a Responsabilidade Social é prescritiva. Não se restringe apenas a avaliar as conseqüências potenciais e efetivas de uma determinada ação ou omissão. Mas visa a definir um modo de ser e de agir responsável, tanto para organizações como para indivíduos, um modo de ser e agir dentro do qual se responde pelas ações e omissões. Um exemplo dessa prescrição encontra-se na obra de Hans Jonas, O Princípio Responsabilidade: “aja de tal modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a Terra”. Subordinada à Estratégia ela também é prescritiva, todavia, ela prescreve algo em função de objetivos que lhe são externos. Ela visa a garantir um modo de relacionamento harmonioso entre grupos e entre grupos e indivíduos a fim de permitir a consecução de objetivos estratégicos, de modo que seja assegurado o contínuo alcance desses mesmos objetivos, ou seja, que seja garantida não apenas a excelência, mas a continuidade dessa excelência. Em outras palavras, se uma organização deseja alcançar um determinado objetivo, a fim de assegurar esse objetivo, ela deve se preocupar com a qualidade das relações que estabelece e que permitem a realização de seus objetivos. Se, além disso, quiser continuar a alcançar esses mesmos objetivos no futuro, ela deve também se preocupar com as conseqüências advindas de suas ações na perspectiva da manutenção de seus relacionamentos. Nesse sentido, a Responsabilidade Social torna-se um instrumento para alcançar objetivos estratégicos, que podem ser de ordem econômica, de imagem, de ocupação de território, etc. Ou seja, ajo responsavelmente não porque desejo ser ético, mas porque desejo alcançar outros objetivos compreendidos como sendo estratégicos. Tendo em vista tais objetivos, preciso conquistar bons relacionamentos que me permitirão alcançar meus objetivos. A este respeito, o conceito de transindividualidade, apresentado por Dwight Furrow, demonstra e aprofunda a importância estratégica dos vínculos sociais (Furrow, 2007). Por outro lado, subordinada à Política, a Responsabilidade Social visa a ampliar a esfera de poder de um determinado grupo que voluntariamente assume as responsabilidades tradicionalmente atribuídas ao poder público. À medida que esse grupo estende sua 5 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 responsabilidade, ele passa a definir a produção de políticas públicas e culturais, ganhando, portanto, poder sobre aquilo que diz respeito à coisa pública. Obviamente, alcançar o poder pode ser considerado um objetivo estratégico (embora nem sempre seja), mas como a diluição de poder ou democratização (por parte dos stakeholders) também pode ser alcançada através da Responsabilidade Social, este tópico merece ser estudado separadamente, como um aspecto específico da Responsabilidade Social. Conclusão: Responsabilidade Social é, portanto, a condição de responder pelas ações ou omissões potenciais ou efetivas dentro de uma rede de relações sociais. Pode ser uma categoria da Ética, quando tem o objetivo de promover ações responsáveis em si mesmas, sem objetivos externos; ou pode ser instrumental, quando subordinada à Estratégia ou à Política. No primeiro caso, ela é um instrumento de consecução de um plano estratégico. No segundo caso ela é instrumento de ampliação da esfera de influência de quem atua com Responsabilidade Social ou ainda um instrumento de democratização do poder, por parte dos stakeholders. 6 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Categoria Ética Reflete sobre um modo de ser e de agir responsável para grupos e indivíduos: “aja de tal modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a Terra” Hans Jonas Instrumento Estratégia A RS pode garantir o alcance de objetivos estratégicos. Política A RS pode ampliar a esfera de poder e/ou democratizar as relações dentro da empresa e da empresa com seus Stakeholders. 1.2. Fig. 1 - Modos da Responsabilidade Social Referencias Bibliográficas: APEL, Karl-Otto. Ética e responsabilidade: o problema da passagem para a moral pósconvencional. Lisboa: Instituto Piaget, 2007. ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. ão aulo: ompan ia das etras, 2004. ELIAS, Norbert. Envolvimento e alienac . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. FURROW, Dwight. tica: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2007. JONAS, Hans. : ensaio . Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. 7