Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 A CULPA NÃO É MINHA! REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR SANTOS, Edvanderson Ramalho dos – UEPG FERREIRA , Adriano Charles – UEPG Introdução A escola se encontra no epicentro da crise social. Ela reflete em sua espacialidade os problemas e tensões de todas as esferas – econômica, social, política, emocional, afetiva –, “onde subjetivações das condições vividas nesse tempo acontecem de forma intensa e com toda radicalidade” (JUSTO, 2010, p. 37). Ocupando uma situação paradoxal no tecido social, é aclamada para dar respostas aos diversos dilemas e contradições desse mundo em permanente mudança. Com tudo isso, não é de se estranhar que ela se configura como um verdadeiro “barril de pólvora” (p. 37). É desse contexto que emerge a problemática da indisciplina escolar, “um dos maiores obstáculos pedagógicos do nosso tempo” (PARRAT-DAYAN, 2008, p. 9). Com isso, a indisciplina torna-se motivo de incessantes discussões entre diretores, professores, pedagogos, familiares, alunos, entre outros. Assim, ela é um tema circulante e partilhado nas escolas. Apesar dessa relevância, raramente os agentes escolares recorrem aos conhecimentos do universo reificado (MOSCOVICI, 1978) para embasarem sua prática. Pelo contrário, muitas explicações e significações ao fenômeno em tela são derivadas das experiências sentidas pelos professores em seu cotidiano. São representações sociais fruto de conhecimentos, atitudes e imagens construídas uns sobre os outros. Essas representações não se localizam apenas nos planos subjetivos ou intrapessoais, mas são circulantes, sociais, ou seja, são ideias construídas em interações intersubjetivas e transubjetivas (JODELET, 2007). Com base nisso, perguntamos: Quais são as representações sociais dos professores de Ponta Grossa-PR sobre indisciplina escolar? Partimos da premissa de que “toda intervenção centrada na mudança da realidade social implica uma valorização dos saberes populares” (p. 53). Vale lembrar que este trabalho é parte de nossa pesquisa de mestrado, que se encontra em andamento. Assim, para este artigo, optou-se por realizar um recorte temático de nossa investigação, focando na abordagem estrutural da representação social sobre a indisciplina escolar dos docentes. Desta forma, o presente texto tem por objetivo realizar algumas considerações iniciais sobre o núcleo central e o sistema periférico das representações sociais dos docentes de Ponta Grossa-PR sobre a indisciplina escolar. Através de evocações das características e definições dos docentes sobre “as causas da indisciplina”, podemos ter os primeiros indícios da representação docente sobre a indisciplina. Metodologia A pesquisa possui um caráter quanti-qualitativo. Para o acesso as evocações docentes, utilizamos a técnica das associações livres de palavras. Essa técnica consiste em pedir aos sujeitos que, a partir de um termo indutor apresentado pelo pesquisador (no nosso caso: “aluno indisciplinado”), digam palavras ou expressões que lhes tenham vindo imediatamente à lembrança. As palavras que tenham a maior frequência de evocação e a menor ordem média de evocação (quando a palavra é lembrada prontamente) são as que mais provavelmente pertencem ao núcleo central da representação. De tal modo, aplicamos a técnica das associações livre de palavras mediante um questionário que foi preenchido por 271 professores da rede pública de Ponta Grossa-PR. No 25 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 questionário solicitamos aos professores que listassem cinco palavras ou expressões que descrevessem as “causas da indisciplina”. Após as evocações, os docentes deveriam justificar em algumas frases a palavra ou expressão evocada, que era para eles, a mais relevante. Esse procedimento permitiu a recontextualização da evocação, ao passo que os sujeitos poderiam justificar o porquê de sua escolha. Após coletadas, as evocações foram agrupadas segundo núcleos de significados comuns. Em seguida, as evocações coletadas nos questionários foram analisadas com o apoio do software de análise de evocações EVOC – Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocations. O presente instrumento de análise ajuda a identificar os prováveis elementos que compõem o núcleo central, pois analisa a frequência e ordem média de evocação das palavras. Resultados O termo indutor das associações livre de palavras, “causas da indisciplina”, originou 1056 evocações dos 271 professores. Essas evocações, após tratadas e substantivadas, resultaram em 55 palavras diferentes. No processamento realizado pelo EVOC, 242 evocações com frequência menor que 16 foram descartadas. Das 55 palavras diferentes, 22 integram os quadrantes – com uma frequência média de 37 evocações – conforme indica a Tabela 1. A ordem mediana de evocação (OME) calculada pelo EVOC foi de 2,7. Tabela 1 – Possível composição estrutural da representação social dos professores sobre as causas da indisciplina CAUSAS DA INDISCIPLINA NÚCLEO CENTRAL F >= 37 e OME< 2,7 Palavras F Ausência da família 166 Desinteresse 90 Ausência de limites 53 ZONA DE CONTRASTE F < 37 e OME < 2,7 Palavras F Dificuldade de aprendizagem 35 Mal educado 31 Descomprometimento 29 Desmotivação 28 Salas lotadas 19 Desvalorização da educação 19 Sistema educacional 18 Ausência de regras 17 OME 1,952 2,311 2,396 OME 2,514 2,484 2,621 2,607 2,158 2,579 2,611 2,471 1a PERIFERIA F >= 37 e OME>= 2,7 Palavras Despreparo dos professores Ausência de perspectivas Impunidade 2a PERIFERIA F <37 e OME>= 2,7 Palavras Desrespeito Aulas monótonas Más companhias Problema social Liderança negativa Excesso de direitos Apoio pedagógico Rebeldia F 51 44 38 OME 3,039 3,091 3,000 F 33 27 26 24 18 16 16 16 OME 2,939 3,370 3,500 2,875 3,222 2,938 3,625 3,688 Fonte: O autor. A tabela 1 é organizada por quadrantes. O núcleo central, pela sua alta frequência e baixa OME, congrega os elementos que possivelmente constituem o núcleo central da representação social, no qual se encontram os termos mais consensuais dessa representação. Já a 1ª Periferia e a Zona de Contraste dizem respeito aos elementos que, apesar de não serem estruturais, são significativos em sua organização. Finalmente, a 2° Periferia reúne os elementos mais periféricos da representação, em função da sua baixa frequência e elevada OME, isto é, foram evocadas mais tardiamente. No entanto, compõem a 2° Periferia apenas as palavras que apresentem frequência superior à frequência mínima estipulada pelo pesquisador para análise no programa. Logo, palavras que não apresentem a frequência mínima estipulada não aparecem nos quadrantes; sendo descartadas. De acordo com as informações da Tabela 5 o provável núcleo central da representação social sobre as causas da indisciplina é composto pelas evocações “Ausência da família”, “Desinteresse” e 26 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 “Ausência de limites”. Nota-se ainda que os elementos do universo pedagógicos – “despreparo dos professores”, “aulas monótonas”, “dificuldade de aprendizagem”, “sistema educacional”, “salas lotadas” – aparecem na periferia dessa representação. Mediante a análise de conteúdo das justificativas dos docentes a essas evocações notamos que a má educação, o desinteresse, o desrespeito e a ausência de limites dos alunos recaem sobre a ausência de suas famílias. Ou seja, os professores compartilham um padrão de família ideal, que possa prover o discente em suas necessidades básicas e afetivas, devendo ser estável do ponto de vista econômico e emocional. Os professores esperam, pois, que os alunos venham de lares em que “o padrão de relacionamento tende a seguir os padrões familiares dominantes” (BARRETO, 1980, p. 48). Há nisso uma representação da educação como bancária: aos professores cabe ensinar os conteúdos escolares; e à família, a formação moral e educação dos filhos nos padrões sociais dominantes. Considerações finais O conjunto das evocações ao termo indutor causas da indisciplina sugerem a centralidade da ausência da família nas explicações dos professores. Já os elementos referentes ao universo pedagógico encontram-se na periferia desta representação. Com isso, percebemos que os docentes tergiversam sobre as causas da indisciplina, mantendo uma posição defensiva frente á indisciplina escolar, visto que atribuem à família a culpa para esse fenômeno. Referências BARRETO, Elba Siqueira de Sá. A professora primária frente a alunos e alunas de distinta condição social. 1980, 215 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1980. JODELET, Denise. Imbricações entre representações sociais e intervenção. Tradução de Eugênia Paredes. In: MOREIRA, Antonia Silva Paredes; CAMARGO, Brígido Vizeu (Orgs.). Contribuições para a teoria e o método de estudos das representações sociais. João Pessoa: Universitária – UFPB, 2007. cap. 2. p. 45-74. JUSTO, José Sterza. Escola no epicentro da crise social. In: LA TAILLE, Yves de; PEDRO-SILVA, Nelson; JUSTO, José Sterza. Indisciplina/disciplina: ética, moral e ação do professor. 3. ed. atual. ortog. Porto Alegre: Mediação, 2010. cap. 2. p. 23-54. MOSCOVICI, Serge. A representação Social da Psicanálise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 291 p. PARRAT-DAYAN, Silvia. Como enfrentar a indisciplina na escola. Tradução de Silvia Beatriz Adoue e Augusto Juncal. São Paulo: Contexto, 2008.143 p. 27