Indisciplina e Violência em meio escolar A sociedade tem-se confrontado recentemente com situações de indisciplina, participações disciplinares, conflitos entre alunos e mesmo entre alunos e professores ou funcionários em escolas por todo o país. Algumas, noticiadas nos meios de comunicação social, têm mesmo alarmado e escandalizado a opinião pública. Os incidentes disciplinares são diversos e assumem a forma de: desobediência à autoridade, desrespeito pelas regras instituídas, violência física e verbal, bullying ou a danificação de material da escola ou dos colegas. O que é a Indisciplina? O conceito de indisciplina é susceptível de múltiplas interpretações. Um aluno ou professor indisciplinado é, em princípio, alguém que possui um comportamento desviante em relação a uma norma explícita ou implícita sancionada em termos escolares e sociais. Estes desvios são todavia denominados de forma diferente conforme se trate de alunos ou de professores. Os primeiros são apelidados de indisciplinados, os segundos, de incompetentes. Aqui, comentaremos, sobretudo, os comportamentos desviantes dos primeiros, considerando os segundos como elemento do contexto escolar. A indisciplina pode implicar violência, mas não é necessário que esta ocorra. Alguns autores distinguem vários níveis de indisciplina: a) Perturbação pontual que afecta o funcionamento das aulas ou mesmo da escola; b) Conflitos que afectam as relações formais e informais entre os alunos, que podem atingir alguma agressividade e violência, envolvendo por vezes, actos de extorsão, violência física ou verbal, roubo, vandalismo, etc.; c) Conflitos que afectam a relação professor-aluno, e que em geral colocam em causa a autoridade e o estatuto do professor; d) Vandalismo contra a instituição escolar, que muitas vezes procura atingir tudo aquilo que ela significa. Os jovens (e alunos) são frequentemente apontados como naturalmente transgressores, violentos e indisciplinados. Mas sê-lo-ão por natureza ou porque as circunstâncias os estimulam a assumir comportamentos desviantes? Vejamos alguns lugares-comuns sobre este assunto: “A nossa juventude ama o luxo, é mal educada, zomba da autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As crianças de hoje são tiranas, não se levantam quando um velho entra numa sala, respondem aos pais e são, de modo geral, más.” Sócrates, 470-399 a. C. “Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar, amanhã, o seu comando, porque é insuportável, intolerante, é simplesmente horrível.“ Hesíodo, 720 a. C. “O nosso mundo atingiu um estado crítico, os filhos já não ouvem os pais, o fim do mundo não pode estar muito longe.” Sacerdote egípcio, 2000 a. C. “Esta juventude está podre até ao fundo do coração: os jovens são maus e preguiçosos, Não são nem serão nunca como os jovens de outrora. Os de hoje não são capazes de manter a nossa cultura.” Babilónia, 3000 anos a. C. Se alguns autores consideram a indisciplina uma tendência natural de todo o ser humano, inscrita no seu código genético, contra a qual a educação e a cultura actuam como freio, outra corrente sustenta que a natureza humana é uma espécie de recipiente vazio, pronto a ser preenchido pelos estímulos que recebe do exterior: as circunstâncias e os contextos. Tipos de Indisciplina e suas Manifestações A indisciplina não deve ser encarada apenas de uma forma negativa. Ela pode assumir uma função criativa e renovadora das práticas instituídas nos processos normais de mudança, de ruptura, do desenvolvimento pessoal e das organizações. As manifestações de indisciplina, nas suas formas mais elementares tornaramse uma rotina para qualquer professor. Exemplos de dois níveis de casos de indisciplina nas aulas: ▪ Manifestações mais frequentes e menos graves: - Apatia do grupo - Cochicho - Troca de mensagens e de papelinhos - Intervalos cada vez maiores - Exibicionismo - Perguntas feitas de forma a colocar em causa o professor, ou a desvalorizarem o conteúdo das aulas - Discussões frequentes entre grupos de alunos, de modo a provocarem uma agitação geral - Comentários despropositados - Silêncios ostensivos - Entradas e saídas "justificadas" - Uso de linguagem inapropriada ▪ Manifestações excepcionais e graves: - Agressão verbal/ física a colegas - Agressão verbal/ física a professores - Roubos - Provocações sexuais, racistas, etc. - Destruição do material escolar O primeiro nível está hoje amplamente generalizado, o segundo está em crescimento. Possíveis Factores da Indisciplina ▪ A Família É nela que os alunos adquirem os modelos de comportamento que exteriorizam nas aulas. A pobreza, a violência doméstica e a toxicodependência (o alcoolismo, em particular) parecem ser as principais causas que determinam o ambiente familiar, mas também a desagregação dos casais, ausência de valores, a permissividade e a negligência. ▪ Os Alunos É preciso dizer que, muitas vezes, as razões de fundo não são do foro da educação. Em muitos casos tratam-se de questões que deveriam ser tratadas no âmbito da saúde mental infantil e adolescente, da protecção social ou até do foro jurídico. Muitas vezes as escolas tentam resolver problemas para os quais não estão preparadas ou que nem sequer são da sua competência. Há quem refira a existência de três tipos de alunos: - Obrigados-satisfeitos: os que se conformam às exigências que a escola lhes impõe; - Obrigados-resignados: os que se adaptam ao sistema procurando tirar partido da situação, atingindo dois objectivos supremos: "gozar a vida" e "passar de ano"; - Obrigados-revoltados: os inconformados, que colocam tudo em causa: valores, normas estabelecidas, autoridade, etc... ▪ Os Grupos e as Turmas Certas manifestações de indisciplina, não passam muitas vezes de meras manifestações públicas de identificação com modelos de comportamento característicos de certos grupos. Através delas os jovens procuram obter a segurança e a força que lhes é dada pelos respectivos grupos. Numa sociedade em que os grupos familiares estão desagregados, o seu espaço é cada vez mais preenchido por estes grupos formados a partir de interesses e motivações muito diversas. ▪ O Ministério da Educação e o Sistema Educativo O Ministério da Educação também tem responsabilidades na promoção de uma cultura de irresponsabilidade e indisciplina, devido à ineficiência da legislação e sua aplicação. ▪ A Escola A organização da escola raramente tem capacidade de resposta para a multiplicidade de problemas que enfrenta. A crescente participação de alunos, pais, entidades públicas e privadas nas decisões tomadas nas escolas torna-se, por vezes, mais uma possível fonte de conflitos. ▪ Os Programas e actividades A motivação é um dos factores fundamentais da aprendizagem e da participação dos alunos, sendo um factor importante na criação de um bom clima de grupo e de escola. O tratamento do currículo e o desenvolvimento de estratégias/ actividades motivadoras são meio caminho andado para a inexistência de indisciplina. ▪ Os Regulamentos Disciplinares Para os alunos, frequentemente, o regulamento não existe, não participaram na sua construção. Espelha normalmente a vontade dos professores e do Conselho Executivo, tornando-se pouco eficaz na regulação efectiva dos comportamentos. ▪ Os Professores Há professores que provocam mais indisciplina que outros. Algumas das razões serão: - Falta de capacidade para motivarem os alunos; - Falta de preparação para lidarem com situações de conflito: - A forma agressiva como tratam os alunos; - A estigmatização e a rotulagem dos alunos; ▪ A Sociedade O mundo parece tornar-se cada vez mais violento: a televisão, o cinema, as diversões e o individualismo hedonista. A escola não se consegue isolar deste contexto. ▪ Os Grupos Sociais Problemáticos As escolas públicas são hoje frequentadas por populações escolares muito heterogéneas, contando no seu seio com um crescente número de alunos que provêm de grupos sociais onde subsistem frequentemente graves problemas de integração social (ciganos, negros, etc). Apesar da especificidade dos problemas destes alunos, a escola recusa-se, por uma questão ideológica, a tratá-los de um modo diferenciado. A democraticidade do tratamento não elimina os problemas de socialização. transportados para dentro da sala de aula. Resultado: os problemas são ▪ As Ideologias A abordagem da questão da violência não pode ser divorciada das ideologias políticas. As ideologias de direita sempre defenderam o primado do ordem e da responsabilização individual. O combate à indisciplina é uma bandeira que sempre lhes foi cara. As ideologias de esquerda tendem a ser mais tolerantes com a questão da indisciplina dos alunos. O problema é encarado como um mero reflexo de questões de natureza social, acabando os alunos por serem vistos como vítimas e não como "responsáveis". Os alunos são desculpabilizados e adoptam-se práticas desculpabilizadoras e permissivas. As Estratégias e os recursos: Os projectos educativos das escolas e agrupamentos devem identificar os motivos (muitas vezes complexos), definir estratégias e mobilizar os recursos existentes com vista à criação de um contexto escolar mais tranquilo, com mais respeito pelos outros e pela própria escola, numa perspectiva de crescimento/ enriquecimento pessoal e de valorização dos espaços educativos. Quando falamos no contexto escolar, pensamos, por exemplo, na necessidade de essas mesmas instâncias se envolverem num trabalho formativo (ateliers de formação) que ofereça aos professores e a outros responsáveis da escola um melhor conhecimento da especificidade comportamental dos alunos (por exemplo um problema de epilepsia, ou outros quaisquer problemas de ordem médica ou psiquiátrica) e uma maior consciência do tipo de resposta. Esta deve ser dada em termos: ▪ de exigência escolar – reconhecimento do que a criança sabe e é capaz de fazer, mais do que os seus fracassos; ▪ de criação de instrumentos e de condições para uma melhor comunicação interpessoal; ▪ da importância da afectividade nas relações com crianças com este tipo de problemas. Pensamos, ainda, na necessidade de acções que tenham como destinatários todos os alunos da turma em que se insere o aluno, por exemplo: ▪ debate interno, no grupo turma sobre o problema existente (por exemplo na área curricular não disciplinar Formação Cívica); ▪ definição de limites e de regras colectivamente aceites na turma de modo a prevenir possíveis problemas; ▪ criação no interior do grupo de uma força de pressão social no sentido do encorajamento, do reconhecimento e do aplauso colectivo de todos os pequenos progressos que se forem verificando no domínio da modificação do comportamento e da aprendizagem. Nas acções junto de outros casos problemáticos e situações de risco, um dos aspectos importantes será o da formação para a comunicação com os colegas, aprendendo a conhecê-los e a dar-se a conhecer, a escutar e compreender os seus problemas, a tomar decisões que vão no sentido da ajuda mútua e contrariando possíveis atitudes de rejeição e exclusão. Não raras vezes este tipo de comportamento agressivo está associado a insucesso escolar, mas também à falta de reconhecimento social e baixa autoestima. O apoio de um professor (actual ou antigo) com quem o aluno tenha uma relação mais próxima pode também ser uma via de comunicação e de ajuda profícua. Os referidos recursos de Apoio Educativo não podem esquecer também um forte apoio à família, incluindo formação para que esta saiba, igualmente lidar adequadamente com o problema. Se na escola se torna necessário criar uma disciplina positiva, com regras que os próprios alunos reconhecem como necessárias, na família essa disciplina é igualmente necessária. Em resumo, cremos que as receitas mais eficazes para combater a indisciplina são: Castigo, Compromisso, Negociação e Criatividade. A gestão do pessoal (quer docente quer não docente), dos espaços, equipamentos e instalações torna-se crucial para a prevenção e redução destes problemas. Tal como muitas das actividades e programas que já existem (bibliotecas, salas de estudo, clubes, desporto escolar, etc.). A afectação de um psicólogo às escolas/ agrupamentos, a realização de protocolos de colaboração com equipas de intervenção comunitária (pertencentes a outras instituições ou organizações que trabalham no meio, e o estabelecimento de parcerias e boa articulação com serviços e estruturas existentes (Equipa Multiprofissional; Equipa de Intervenção e Mediação em Meio Escolar, GNR – escola segura; Segurança Social; Colectividades CPCJ – comissão de protecção de crianças e jovens) são também muito importantes. Mário Rui, Sónia Sardo, Dulce Cirino – professores (texto produzido no âmbito do Projecto Educativo da EB 2,3 Bento Carqueja)