A ATUAÇÃO TRANSFORMADORA DO PROFESSOR Vamos enriquecer nossos estudos, agora com outros autores que discutem este mesmo tema, visando ao seu aproveitamento nas ações educativas em sala de aula. Iniciemos com Marli André, organizadora do livro Pedagogia das Diferenças na Sala de Aula. Marli André é Professora Titular aposentada na Faculdade de Educação da USP, atualmente é professora do programa de estudos pós-graduados em educação: Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e desenvolve pesquisas na área de formação de professores. No capítulo 1º do livro que organizou, Marli André discute e analisa a proposta de Perrenoud para a Pedagogia das Diferenças. Philippe Perrenoud é sociólogo e professor na Universidade de Genebra, atuando no campo do currículo, práticas escolares e das instituições de formação. Seu referencial é a escola suíça, porém seus temas são abrangentes e tratam de questões amplas como o processo de fabricação da excelência e do fracasso escolar. Para Perrenoud, a Pedagogia das Diferenças é uma concepção voltada para o objetivo primordial da escola, garantir a todos os alunos o acesso a uma cultura de base comum; conseqüentemente, uma forma de luta contra o fracasso escolar. Adverte quanto às ações e medidas imediatistas que não alcançam resultados em curto prazo, mas que podem reforçar a idéia de que o fracasso é uma fatalidade. Mas, o que é fracasso escolar? Historicamente analisado de diferentes maneiras, o fracasso escolar já foi visto como um patrimônio genético, ou seja, herdado com o nascimento. Outros grupos teóricos conceberam o fracasso escolar como “formado” no ambiente cultural e nas condições sócioeconômicas da família do estudante, ambos influenciando mais ou menos o fracasso ou o sucesso escolar. O maior peso está, no entanto, na cultura familiar sócio-econômicas. No final da década de 70, estudos de Sociologia em Educação trazem novas explicações para o fracasso escolar. Estes apontam as desigualdades (biológicas, psicológicas, socioeconômicas e culturais) transformadas em desigualdades escolares. O fracasso está, então, no interior da escola, na organização do trabalho pedagógico e na estruturação das relações. Para tal entendimento, há que se denunciar a escola como reprodutora de desigualdades sociais. Como? Há diferenças educacionais nas diferentes escolas. Onde estudam alunos mais favorecidos há mais e melhores recursos e meios de aprendizagem, sua localização é estrategicamente melhor e em melhores regiões, há menor rotatividade de professores. Já nas escolas onde os alunos são menos favorecidos, na melhor das hipóteses, há projetos para a diminuição de repetência ou de evasão escolar, projetos de recuperação de férias ou classes de aceleração. Há diferenças na própria sala de aula. O professor, na sua relação com todo o grupo, quase sempre volta-se mais em direção aos alunos mais participativos, mais atentos. Este mesmo professor, quando se relaciona de forma individual com seus alunos, geralmente possui mais afinidade com aqueles mais limpos, mais bem vestidos, mais bonitos, mais motivados. Há atitudes para os menos favorecidos, que acentuam as diferenças. Perrenoud distingue: diferenciação intencional — atitudes positivas para ajudar na construção — e diferenciação involuntária — as que ele chama de selvagens, por reforçar a diferença com base nos preconceitos e na ausência de consciência a respeito das dessemelhanças entre seres humanos. Retomemos nossa discussão a respeito da Pedagogia das Diferenças na Sala de Aula. Esta desconsidera que as discriminações negativas também devem ser enfrentadas com determinação, competência e vontade política. O enfoque de seu trabalho é o tratamento das diferenças no contexto da sala de aula. Na Pedagogia das Diferenças, na Sala de Aula: O aluno é o centro do processo; O professor é um orientador ou uma fonte de recursos e de apoio; Pauta-se em princípios de correntes construtivistas e interacionistas; O ensino é voltado para as competências e o trabalho com projetos, pesquisas e situações-problema. Segundo Perrenoud, citado por André (2002:19), diferenciar o ensino “é organizar as interações e atividades de modo que cada aluno se defronte constantemente com situações didáticas que lhe sejam as mais fecundas.” Portanto, faz-se necessário entender que ensino diferenciado não é ensino individualizado, ou seja, um “método” para cada um dos alunos, mas sim ações com acompanhamento e recursos individualizados. A diferenciação reconhece o grupo como oportunidade de educação mútua e de aprendizagem: construção de uma identidade coletiva, trabalho cooperativo, tomada de consciência, respeito e ação em relação às diferenças e desigualdades. Obviamente, a concretização da diferenciação depende dos recursos, grau de liberdade, tipo de instituição, condições do exercício docente e apoio técnico. É importante que existam pesquisas de atividades e situações de aprendizagem que sejam significativas e mobilizadoras, diversificadas segundo as diferenças pessoais e culturais. Portanto, a diferenciação precipitada pode gerar concepções estreitas de ensino e aprendizagem, assim como uma fragilidade de modelos explicativos. “Diferenciar é, sobretudo, aceitar o desafio de que não existem receitas prontas...” (André, 2002: 22) A Pedagogia das Diferenças na sala de aula requer a prática da avaliação formativa. Trata-se da avaliação que possui um aspecto, não classificatório, mas de formação, no sentido de ajudar o aluno a aprender, a formar-se e a ser “educado”. Para essa prática, é imprescindível que o professor tenha sentidos de observação e de percepção aguçados. Esta observação constante é a principal fonte de dados do professor, a qual está a serviço da regulação, do acompanhamento do processo de aprendizagem e da ação didática. Demanda confiança e cooperação e deve ser proporcional às necessidades. Além da avaliação formativa e da observação dos alunos, o “suporte” do professor consciente das diferenças em sala de aula, é necessário que sua formação profissional esteja em ação/reflexão constantes JUNTO de toda a equipe escolar e NO trabalho coletivo. Vamos, agora, discutir algumas práticas ou alguns pontos da diversidade possível do ponto de vista da sua efetivação em sala de aula. Marli André e Marta Maria Pontin Darsie (2002) refletem juntas no segundo capítulo do livro Pedagogia das diferenças na sala de aula a respeito de um, aparentemente simples, mas de grande valor didático, instrumento de prática avaliativa, a escrita do diário no atendimento às diferenças. Na discussão com a intenção de ação sobre as diferenças, as autoras defendem a avaliação como forma de obter informações sobre o processo ensino-aprendizagem, de diagnosticar os avanços dos alunos, bem como suas necessidades de completar uma determinada aprendizagem. Enfim, tratam da avaliação formativa no sentido de diagnosticar falhas e aperfeiçoar cada vez mais o processo de ensino-aprendizagem. A proposta de um Ensino Diferenciado está aliada a uma Observação Formativa. A revisão das práticas avaliativas é um processo complexo que exige mudanças profundas nas relações escolares, no projeto pedagógico e nas interações da sala de aula. O professor deve organizar situações de aprendizagem que permitam a cada aluno apropriar-se da cultura elaborada. Por intermédio de uma pesquisa de ação com um grupo de professoras das primeiras séries do Ensino Fundamental, André e Darsie (2002) trabalharam com o objetivo de rever e analisar práticas avaliativas na sala de aula. Darsie sugeriu o diário reflexivo como instrumento de avaliação e de investigação didática, e outros teóricos contribuíram com a pesquisa através de idéias de avaliação: como processo de sustentação de aprendizagem do aluno; como função diagnóstica; como forma de manter-se um “olhar positivo”; como formativa, no sentido de atender às diferenças e de repúdio ao fracasso escolar. O estudo de André e Darsie foi dividido em dois módulos: Estudo com as professoras sobre o tema avaliação, a partir de textos e resultados de pesquisas, sendo introduzido um diário como instrumento de reflexão. Acompanhamento dos projetos elaborados pelas professoras, visando alterar as práticas avaliativas na sala de aula. O registro no diário teve como objetivo a reflexão do próprio processo de aprendizagem e sobre o processo de implantação de projetos de mudança nas práticas avaliativas. Do primeiro módulo do seu estudo sobre avaliação, considerada impulsionadora da aprendizagem e promotora da melhoria no ensino, as autoras e o grupo de professoras destacaram: A aprendizagem é um processo e cabe ao professor organizar atividades de ensino capazes de desencadear, reforçar e acompanhar esse processo, colaborando com ele. Escolhas são feitas, sendo necessária uma tomada de consciência da eficácia de seu ensino e sua reorganização, tendo em vista o sucesso da aprendizagem. A tomada de consciência se faz, acompanhando o processo de aprendizagem → avanços e dificuldades dos alunos são critérios para investigar os resultados do ensino. A avaliação propicia uma coleta de informações sobre a organização e efetividade do ensino. Abordagem do tema avaliação e investigação didática exigem: conhecimento dos processos de aprendizagem dos alunos com o objetivo de reorganizar atividades de ensino, ajustando-as à aprendizagem; acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos (avaliação) e monitoração de seu ensino (investigação didática). Avaliação permite dupla retroalimentação, indicando ao aluno sucessos e dificuldades durante a sua aprendizagem, permitindo-lhe a construção/reconstrução do conhecimento; ao professor, como se desenvolve o processo de aprendizagem e, portanto, de ensino, explicitando os aspectos bem-sucedidos e os que precisam ser modificados. Avaliação→dinâmica→impulsionadora da aprendizagem do aluno e promotora da melhoria do ensino. Do segundo módulo do seu estudo, pelo acompanhamento dos projetos elaborados pelas professoras, e tendo o diário reflexivo dos alunos como instrumento de avaliação e de investigação didática, as autoras e as professoras destacaram: Utilização de diários pelas crianças após cada aula, para o registro de sua aprendizagem. O acompanhamento desses diários desencadeia reflexões e mudanças nas práticas das professoras, ou seja, serve de referência para a investigação de seu ensino. Somente com boas atividades o aluno aprende? Foram percebidas dificuldades dos alunos em relação à ortografia, e a utilização dos diários acabou por ajudá-los no sentido de sanarem estas dificuldades. Os diários podem revelar atitudes e posturas do professor durante a aula: humor, mais ou menos paciência, entre outras. Enfim, a utilização dos diários demonstrou nesta pesquisa de ação que estes são: desencadeadores de aprendizagens tanto para alunos, como para o professor; permitem ao aluno observar-se no processo, procurando caminhos para superar possíveis dificuldades, são uma fonte de informações ao professor sobre o processo de aprendizagem dos alunos e também para reflexão de seu ensino. Para essa discussão utilizaremos o texto escrito por Neuza Bertoni Pinto (2002) para o capítulo três do livro Pedagogia das diferenças na sala de aula, cujo título é Erro: uma estratégia para a diferenciação do ensino. Há, nesta discussão, uma forma diferenciada de encarar o erro na sala de aula. Historicamente, na prática avaliativa, o erro possui aspectos negativos: falta, incapacidade e insuficiência; no entanto, pode ser utilizado de maneira construtiva no processo ensino-aprendizagem. Encará-lo dessa forma, aponta um novo olhar sobre ele, como: Indicador que permite buscar um caminho personalizado para atender às necessidades do educando→tratamento às diferenças; Questionamentos sobre o ensino; Identificação de obstáculos para o aprendizado; Estratégia didática para uma avaliação formativa. É pertinente lembrarmos que estamos tratando o ensino diferenciado como uma maneira de individualizar o processo e a avaliação dos alunos e, para tanto, o erro deles pode indicar a nós, professores, o que ocorre com cada um quando e no que erram e, a partir disso, buscarmos soluções para tornar suas aprendizagens realmente efetivas. Neuza Bertoni Pinto (2002) realizou um trabalho de observação em uma 4ª série da rede pública em relação às práticas construtivas e à individualização do ensino, tendo como viés o tratamento com o erro. Destaques desse trabalho: A produção do estatuto do erro reforça mitos e preconceitos em relação ao sucesso/fracasso escolar do aluno, favorecendo alguns e desfavorecendo outros; A prática de correções coletivas feitas por alunos que dominam os conteúdos: Estes alunos são tratados como “apresentadores” de formas corretas; A professora acompanha, julga e faz alguma retificação, se necessário; Exposição de um modelo correto; Participação pequena ou nula dos outros alunos; O professor não visualiza se todos constatam ou não seus erros; Não há discussão de possíveis erros, apenas substituição, sem reflexão, por formas corretas; “Institucionalização primitiva”: procedimento canônico. Analisando estas práticas observadas, podemos destacar: o professor é o protagonista e os alunos, coadjuvantes; a prática é individualizada; a organização espacial favorece um trabalho individual; não ocorreu percepção das diferenças no tratamento dos alunos. Em momentos “diferenciados”, no entanto, foram observadas práticas com melhores resultados. Isso quando a professora instigava a classe a buscar respostas diferentes, criar hipóteses e experimentá-las numa espécie de espaço “adidático”. A socialização de diferentes raciocínios ou a organização do ensino não mais em carteiras enfileiradas promoveu outras interações. O trato dado, pela professora, ao medo da exposição dos erros, pela discriminação dos colegas, também contribuiu para gerar outro “clima” na classe e para o surgimento de elevação da auto-estima de algumas crianças. Assim, é possível apresentar (não como “receitas”, mas como ponto de partida para um trabalho diferenciado com erros) algumas práticas: Funções distintas da avaliação: de controladora (rigor na comprovação) para formativa (caráter orientador); No trabalho com uma classe numerosa: perceber as diferenças existentes no grupo, dando atendimento especial ao aluno que erra. Estratégias de eleição de monitores por fila ou da adoção de painel informativo podem contribuir com o professor que trabalha com uma classe numerosa; Conhecer o pensamento do aluno a respeito de seus erros auxilia o professor a identificar diferentes tipos de erros e a contribuir com a elevação da auto-estima dos seus alunos; O conhecimento “informal” dado na oralidade também contribui muito para o professor com percepção aguçada a respeito das falas dos seus alunos.