Processos gerais no metabolismo proteico e síntese de aminoácidos

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Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes
Processos gerais no metabolismo proteico e síntese de aminoácidos
1- Um determinado número de moléculas de cada proteína endógena sofre hidrólise durante um dia mas, nos
indivíduos adultos saudáveis, um número equivalente é sintetizado. A percentagem de moléculas afetadas
por este processo de renovação depende principalmente da proteína em análise sendo muito baixa no caso
do colagénio (cerca de 0,2% de renovação diária), relativamente modesta no caso das proteínas dos
músculos esqueléticos (2% dia-1), elevada no caso das proteínas das vísceras (7-15% dia-1) e elevadíssima
no caso de enzimas reguladas por transcrição/tradução (renovação total em horas). Considerando o
conjunto das proteínas de um adulto (cerca de 10-12 kg de proteínas num adulto normal com 70 kg) cerca
de 300 g de proteínas sofrem hidrólise por dia e um valor idêntico sofre re-síntese o que representa uma
taxa de renovação (turnover) de cerca de 3% (em média, 1 cadáver proteico novo por mês; 100%/3% dia1
=33 dias). Apesar da sua modesta taxa de renovação, porque as proteínas dos músculos constituem cerca
de 30-40% da massa total de proteínas do organismo, a sua taxa de renovação é responsável por cerca de
1/4 da taxa global. Em geral, um indivíduo adulto saudável mantém constante a quantidade total de
proteínas endógenas. De facto, a massa de proteínas endógenas “flutua” ao longo de um dia aumentando
no período pós-prandial e diminuindo durante o jejum. No entanto, tendo em conta a massa total de
proteínas, as variações percentuais são mínimas e, além disso, considerando um período de 24h (ou mais)
pode dizer-se que a velocidade de hidrólise é, no adulto, igual à de síntese. Um indivíduo que está nestas
condições diz-se em equilíbrio azotado (ou que tem um balanço azotado nulo). O uso do adjetivo
“azotado” para referir a existência de um balanço nulo na massa de proteínas endógenas dos adultos resulta
do facto de a esmagadora maioria do azoto presente no organismo ser o azoto dos resíduos aminoacídicos
das proteínas.
2- A hidrólise das proteínas endógenas é catalisada por protéases e a dos polipeptídeos formados por
peptídases acabando na libertação dos aminoácidos constituintes. Muitas proteínas citoplasmáticas e do
retículo endoplasmático sofrem hidrólise através de um sistema localizado no citoplasma das células e que
se designa sistema da ubiquitina-proteossoma. São alvos preferenciais deste sistema as proteínas que têm
alterações estruturais, as que têm taxas de renovação elevada (caso das enzimas reguladas por
transcrição/tradução, por exemplo), mas também algumas proteínas com taxas de renovação relativamente
baixas como as proteínas das miofibrilas musculares. As proteínas que vão ser degradadas por este sistema
são primeiramente conjugadas com uma molécula proteica designada por ubiquitina. Este processo envolve
um sistema enzimático em que se consome ATP e, em vários ciclos de “ubiquitinação”, forma-se uma
cadeia de moléculas de ubiquitina ligadas à proteína alvo. As proteínas poliubiquitinadas vão ser
reconhecidas por uma estrutura proteica em forma de barril designada por proteossoma e é no seu interior
que as proteínas poliubiquitinadas vão ser degradadas por diversas protéases libertando polipeptídeos. Estes
polipeptídeos saem para o citoplasma onde são hidrolisados por peptídases. Um outro sistema de
degradação de proteínas envolve os lisossomas. Neste sistema podem ser degradadas proteínas que vêm do
meio extracelular (via endocitose) assim como organelos inteiros e grandes porções de citoplasma (num
processo designado por autofagia). Neste sistema as proteínas são digeridas por protéases com pH ótimo
ácido que se designam por catepsinas; os aminoácidos libertados acabam por sair para o citoplasma das
células. As proteínas segregadas para o lúmen do tubo digestivo ou que resultam da descamação do epitélio
são, juntamente com as proteínas da dieta, hidrolisadas pelas protéases e peptídases digestivas.
3- A esmagadora maioria dos aminoácidos formados durante a hidrólise das proteínas endógenas (cerca de
300 g dia-1) é reutilizada na síntese de novas moléculas proteicas. No entanto, uma parte não é reutilizada
porque uma parte das moléculas dos aminoácidos libertados no catabolismo das proteínas endógenas sofre
transformações irreversíveis ficando excluída do ciclo de reutilização. Esta perda obrigatória de
aminoácidos endógenos (cerca de 25 g dia-1 no adulto)1 é, em grande parte, uma consequência da presença,
1
A perda obrigatória de aminoácidos (obligatory aminoacids losses) pode, na prática, ser determinada avaliando as perdas
de azoto do organismo num indivíduo que tem uma dieta equilibrada sob todos os pontos de vista exceto um: não ingere
proteínas. A ureia difunde do sangue para o lúmen intestinal e, no lúmen do cólon, por ação das bactérias é convertida em
amónio; este amónio é reabsorvido e, no fígado, vai ser novamente reconvertido em ureia. Este processo constitui um ciclo
entero-intestinal ureia-amónio e retarda a excreção da ureia sintetizada a partir do catabolismo dos aminoácidos. Por isso, é
necessário esperar vários dias antes de se tornarem patentes as consequências (diminuição da excreção de ureia na urina)
da exclusão das proteínas da dieta.
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nas células, de enzimas que têm como substratos aminoácidos e catalisam transformações catabólicas
irreversíveis incluindo desaminações e oxidações. O azoto dos aminoácidos que sofrem catabolismo é
maioritariamente transformado em ureia (que se perde na urina) enquanto o seu esqueleto carbonado
(a parte desprovida de azoto) pode ser oxidado a CO2, em última análise contribuindo para a síntese de
ATP. O azoto das proteínas não se perde apenas na forma de ureia. A urina contém outros compostos
azotados que, em última análise, também provêm do metabolismo dos aminoácidos; dentre estes é de
destacar a creatinina, o ácido úrico, o ião amónio e, embora em quantidades muito mais pequenas,
aminoácidos (modificados ou não) e catabolitos de hormonas e neurotransmissores que tiveram
aminoácidos na sua génese. Também se perdem aminoácidos endógenos nas fezes pois uma parte das
proteínas do epitélio intestinal que descama, das mucinas segregadas (glicoproteínas do muco) ou mesmo
parte das enzimas digestivas não são completamente digeridas (ou são digeridas pelas bactérias presentes
no lúmen do cólon e os produtos usados na síntese proteica bacteriana). O facto de, em média, 16% da
massa das proteínas ser azoto permite estabelecer uma relação entre a massa de azoto perdida nas excreções
e a massa de proteínas que essa massa de azoto representa. Assim, para converter a massa do azoto
excretado em equivalentes de massa de proteínas multiplica-se a massa do azoto excretado por 6,25 (100/16
= 6,25). Tal como acontece na maioria das situações, em condições de ingestão proteica nula mas
equilibrada sob todos os outros aspetos, a maioria do azoto sai do organismo na urina. Nestas condições,
cerca de 70% do azoto correspondente às perdas obrigatórias de aminoácidos perde-se na urina (50% na
forma de ureia e 20% na forma de creatinina, amónio e outros compostos) e cerca de 20% nas fezes; os
restantes 10% correspondem às perdas de proteínas inteiras na pele que descama, nas unhas e cabelos que
crescem, nas secreções nasais, no fluxo menstrual ou na ejaculação e na ureia que está presente no suor.
4- Poderia pensar-se que, para repor as perdas obrigatórias de 25 g de aminoácidos dia-1, bastaria ingerir uma
quantidade equivalente de proteínas, mas não é isso que acontece. A absorção de aminoácidos no intestino,
leva a um aumento transitório da sua concentração nas células e a um aumento da velocidade do seu
catabolismo: uma parte substancial dos aminoácidos ingeridos fica sujeita à ação das enzimas catabólicas
sofrendo, junto com os libertados na hidrólise das proteínas endógenas, oxidação e desaminação
irreversível. Além disto, uma parte das proteínas ingeridas não chega a ser absorvida e perde-se nas fezes.
Os trabalhos experimentais com seres humanos adultos saudáveis apontam para valores da ordem dos 50 g
dia-1 como o mínimo de proteínas a ingerir para repor as perdas obrigatórias de aminoácidos [1]. Nas
situações em que a massa de proteínas endógenas está a aumentar diz-se que há um balanço azotado
positivo; na condição contrária diz-se que o balanço azotado é negativo; o balanço azotado é nulo
quando não há aumento nem diminuição da massa proteica. Porque é uma boa aproximação à realidade
considerar que a massa de aminoácidos livres (cerca de 150 g no organismo inteiro) é estacionária, quando
o balanço azotado é positivo (negativo, nulo) a massa de azoto ingerido é superior (inferior, igual) à de
azoto excretado; caso exista uma diferença entre os valores da síntese e da hidrólise de proteínas endógenas
(ou seja, se houver variação na sua massa global de proteínas endógenas) essa diferença reflete-se numa
diferença equivalente entre o azoto ingerido e o azoto excretado. Assim uma outra definição de balanço
azotado baseia-se na diferença entre a massa de azoto ingerido e a massa de azoto excretado (ou na
diferença entre os valores de massa de proteínas correspondente). Um indivíduo que, durante um
determinado período de tempo (uma semana ou um mês, por exemplo), está em balanço azotado nulo e
ingere 50 g de proteínas /dia, perde na urina, fezes, pele, nariz e genitais uma massa de azoto equivalente
(50 g × 0,16 = 8 g de azoto /dia) e a sua massa proteica endógena, embora possa ter sofrido flutuações
diárias, não variou no intervalo de tempo considerado. Um indivíduo que num terminado período de tempo
excretou, por exemplo, 10 g de azoto em excesso relativamente ao ingerido deverá ter perdido uma massa
proteica endógena de 62,5 g (10 g de azoto × 6,25 g de proteína/ g de azoto = 62,5 g de proteína).
5- Poderia pensar-se que a massa de proteínas ingeridas seria um importante fator na definição da variação da
quantidade de proteínas do organismo. A massa de gordura do organismo aumenta quando o valor calórico
da dieta é superior à despesa energética mas, no caso do azoto, o sistema funciona de forma diferente. A
massa de proteínas endógenas baixa (balanço azotado negativo) se a ingestão for inferior à quantidade
necessária para repor as perdas obrigatórias (≈25 g dia-1) e fazer face ao acréscimo de perdas resultante da
ingestão (outros 25 g dia-1), mas uma ingestão de proteínas acima do montante necessário para cobrir
as necessidades (≈50 g dia-1) resulta apenas no catabolismo dos aminoácidos excedentários e num
aumento da produção de ureia. Ao contrário do que acontece com a massa de gordura, a quantidade de
cada uma das proteínas do organismo só depende da dieta na medida em que (i) esta pode constituir um
fator limitador da sua síntese e (ii), acessoriamente, na medida em que o aumento da massa de gordura é
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acompanhado pela formação de vasos sanguíneos, de adipócitos e de tecidos de suporte (que contêm
proteínas). Ingerir mais proteínas que as necessárias para repor os aminoácidos que sofrem catabolismo,
não provoca, por si só, balanço azotado positivo.
6- Considerando o organismo como um todo, o balanço entre a massa de proteínas que sofre hidrólise e a que
é sintetizada é, em grande medida, dependente do que acontece com as proteínas dos músculos. Ao
contrário do que acontece com a maioria das proteínas cuja síntese e degradação depende em grande
medida de fatores de regulação específicos, as proteínas musculares ou, mais precisamente, as proteínas
diretamente envolvidas no processo contrátil (a actina e a miosina), sofrem variações de massa que
dependem em grande medida de fatores hormonais e comportamentais. Quando a massa proteica endógena
sofre variações positivas ou negativas no seu valor global as proteínas primariamente afetadas são, na
esmagadora maioria dos casos, as proteínas musculares. Por isso os fatores que afetam a síntese e a
degradação das proteínas musculares são importantes para compreender a regulação do balanço azotado. A
hormona do crescimento (também designada por somatotrofina), a testosterona e a insulina são
hormonas que afetam positivamente a síntese das proteínas musculares estimulando o processo de iniciação
da tradução. Ao mesmo tempo, reforçando o seu contributo para o incremento da massa proteica muscular,
têm um papel inibidor na degradação através de ações que envolvem inibição da proteólise que ocorre nos
proteossomas. No entanto, num adulto saudável, estas hormonas não provocam, por si só, incrementos na
massa proteica muscular. Para aumentar a massa das proteínas de um determinado grupo de músculos há
que fazer “exercícios de musculação”, ou seja, fazer exercícios anaeróbicos utilizando esse grupo de
músculos. Este tipo de exercícios (levantamento de peso, corridas de “sprint”, etc.) provoca aumento do
catabolismo durante o exercício mas, durante o repouso que se lhe segue, a síntese proteica é estimulada e,
no balanço global, há incremento da massa de proteínas. Algumas moléculas sinalizadoras extracelulares
como as hormonas tiroideias, o cortisol e as citosinas inflamatórias têm efeitos opostos e provocam
diminuição na massa das proteínas dos músculos. Em consonância com o efeito das hormonas tiroideias no
metabolismo basal (as hormonas tiroideias aumentam o metabolismo basal), as hormonas tiroideias
também têm um efeito positivo na taxa de síntese proteica mas, considerando o somatório dos dois efeitos
antagónicos, o efeito catabólico predomina sobre o anabólico. O contrário acontece quando o indivíduo
pratica exercícios anaeróbicos como. Nestes casos há aumento quer do processo de síntese quer dos
processos de hidrólise, mas o somatório é positivo havendo incremento da massa proteica dos músculos
envolvidos.
7- Sob efeito das hormonas acima referidas, do exercício e de outros fatores a quantidade total de proteínas do
organismo aumenta (balanço azotado positivo) nos indivíduos (i) em fase de crescimento (crianças e
adolescentes), (ii) que estão a engordar, (iii) que estão a recuperar após um período de balanço azotado
negativo ou (iv) que, através de exercício físico anaeróbico (ou ingerindo esteroides anabolizantes), estão a
aumentar a sua massa muscular. Nos indivíduos adultos que estão a engordar a maior parte do aumento da
massa corporal deve-se à acumulação de triacilgliceróis no tecido adiposo, mas também ao aumento das
proteínas dos vasos que irrigam esse tecido e dos tecidos de sustentação incluindo os músculos. É de
esperar que haja balanço azotado negativo (i) a partir dos 40-50 anos de idade, (ii) quando se diminui a
atividade física ou (iii) quando se emagrece voluntariamente, (iv) em consequência de défice nutricional
proteico e/ou proteico-calórico ou (v) em situações de doença. A perda de massa muscular associado ao
envelhecimento é, pelo menos em parte, uma consequência da diminuição da sensibilidade dos músculos
aos efeitos anabólicos do exercício físico mas também à diminuição desse exercício. Grande parte das
doenças agudas e crónicas cursam com balanço azotado negativo. Embora a diminuição do apetite e do
exercício possam ter um papel na diminuição da massa muscular, não são estes os fatores determinantes na
maioria dos casos. A diminuição da massa muscular associada a muitas doenças (cancros, traumatismos
acidentais ou cirúrgicos, doenças infecciosas agudas e crónicas, etc.) é uma componente da resposta
adaptativa que leva à hidrólise das proteínas musculares, desta forma disponibilizando aminoácidos para a
síntese aumentada de proteínas que ocorre no fígado (designadas por “proteínas de fase aguda”) ou nos
tecidos que estão em processo de cicatrização [2]. Nestes processos participam as citosinas inflamatórias
que, direta e indiretamente, provocam aumento nos processos de hidrólise e inibição da síntese das
proteínas musculares. As citosinas são produzidas por células do sistema imunológico e aumentam em
situação de inflamação. Os efeitos indiretos das citosinas inflamatórias envolvem a diminuição da
sensibilidade aos efeitos anabolizantes da insulina e da somatotrofina e à estimulação da secreção de
cortisol. A diminuição da secreção de insulina no pâncreas também pode ser um fator determinante. Neste
contexto, é clássico referir que, antes da introdução da terapêutica insulínica, os doentes com diabetes tipo
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1 morriam num estado de caquexia: as proteínas dos músculos iam desaparecendo enquanto os aminoácidos
constituintes se iam convertendo em glicose que, em grande parte, se perdia na urina.
8- Num indivíduo adulto saudável que mantém constante a sua massa muscular, é de prever que a quantidade
total de proteínas também se mantém mais ou menos constante: nestas condições, os aminoácidos excluídos
do ciclo de reutilização são repostos por ingestão e incorporados nas proteínas sintetizadas existindo
balanço azotado nulo. Quando a ingestão proteica não é suficiente para repor os aminoácidos que sofrem
catabolismo há balanço azotado negativo. No caso das crianças o balanço azotado é fisiologicamente
positivo, mas uma ingestão deficiente de proteínas provoca atraso no crescimento. Em situações de
subnutrição proteica pode surgir uma doença designada de kwashiorkor em que, além do atraso de
crescimento, há edemas nos membros e ascite (líquido no espaço entre os dois folhetos do peritoneu). O
edema e a ascite são provocados pela diminuição da produção de albumina no fígado. A albumina é a
proteína mais abundante no plasma sanguíneo e tem efeito osmótico que contrabalança a pressão hidráulica
que favorece a saída de líquido do plasma para o espaço extracelular. Quando a concentração plasmática de
albumina baixa este fator de retenção de líquido no plasma diminui e passa a predominar a pressão
hidráulica provocando edema e ascite. A perda de massa muscular que ocorre em situações de défice
nutricional proteico-calórico como o que acontece nas situações de “greve de fome” é mais marcada que
a simples omissão das proteínas da dieta de um indivíduo. No défice nutricional proteico-calórico, para
além da “perda obrigatória de aminoácidos”, há uma perda adicional que é adaptativa e resulta da
diminuição da insulina. Quando um indivíduo inicia uma “greve de fome” a hidrólise das proteínas
musculares fica aumentada e fornece ao fígado aminoácidos que são usados como substratos na síntese de
glicose. Porque o glicogénio se esgota em um ou dois dias de jejum, a gliconeogénese tem, neste processo,
um papel determinante na síntese da glicose que é oxidada no cérebro. No entanto, à medida que o tempo
de jejum se prolonga a proteólise muscular diminui porque há diminuição da secreção de hormonas
tiroideias. Esta diminuição da proteólise relativamente ao que acontecia nos primeiros dias de jejum,
acompanha-se duma diminuição da necessidade de fornecer glicose ao cérebro: à medida que o jejum se
prolonga aumenta a síntese de corpos cetónicos que podem substituir até 2/3 das necessidades energéticas
do cérebro.
9- Poderia pensar-se que cada uma das moléculas de cada um dos aminoácidos que se perde para o ciclo de
reutilização teria de ser substituída pela ingestão de uma molécula igual mas esta ideia, só parcialmente, é
verdadeira. (i) Alguns dos aminoácidos excluídos do ciclo não podem ser sintetizados pelo organismo
humano pois não dispomos das enzimas indispensáveis para o processo e nestes casos os aminoácidos
dizem-se nutricionalmente indispensáveis (ou essenciais). Para substituir um determinado aminoácido
nutricionalmente indispensável que sofreu catabolismo é necessário ingerir esse aminoácido. Ou seja, no
caso dos aminoácidos nutricionalmente indispensáveis, cada molécula perdida tem de ser substituída por
uma igual. (ii) Alguns dos aminoácidos excluídos do ciclo podem ser repostos por síntese endógena a partir
de intermediários do metabolismo da glicose e, nestes casos, os aminoácidos dizem-se nutricionalmente
dispensáveis (ou não essenciais). No entanto, deve notar-se que, embora o esqueleto carbonado provenha
da glicose, o grupo azotado vem de outros aminoácidos que terão de ser ingeridos em quantidade suficiente
para colmatar as perdas de azoto. O “esqueleto carbonado” da alanina, por exemplo, provém do piruvato,
mas o azoto da alanina “tem de vir” doutro aminoácido. (iii) Um terceiro grupo de aminoácidos (cisteína e
tirosina) forma-se a partir de aminoácidos indispensáveis (metionina e fenilalanina, respetivamente) e
poderão classificar-se como semi-indispensáveis2 [1].
10- No caso dos aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do metabolismo da glicose (serina
[3C,1N,1OH], glicina [2C,1N], alanina [3C,1N], aspartato [4C,1N], asparagina [4C,2N], glutamato
[5C,1N], glutamina [5C,2N], prolina [5C,1N] e arginina [6C,4N]), embora o esqueleto carbonado possa ser
formado a partir da glicose, os grupos azotados (amina, amida ou guanidina) resultam da transferência
direta ou indireta de grupos amina (ou amida) de aminoácidos para esses intermediários. Para que um
indivíduo adulto tenha a capacidade de manter constante a massa das suas proteínas precisa de absorver, na
forma de aminoácidos, tantos átomos de azoto como os que perde na urina, nas fezes, nos genitais, nas
secreções nasais ou na pele. Se a quantidade total de azoto ingerido (na forma de proteínas) não for
2
Quem classifica faz um exercício de organização dos conhecimentos da forma que lhe dá mais jeito. Também é frequente
chamarem à cisteína e à tirosina “condicionalmente indispensáveis” porque só são indispensáveis se a dieta for pobre em
metionina e fenilalanina, respetivamente.
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suficiente para colmatar o azoto excretado o indivíduo fica em balanço azotado negativo. Em geral, um
défice de aminoácidos nutricionalmente dispensáveis corresponde a uma ingestão quantitativamente
inadequada de proteínas: na presença de azoto aminoacídico em quantidade suficiente para formar os
grupos azotados o organismo pode sintetizar um aminoácido nutricionalmente dispensável a partir de
intermediários do metabolismo glicídico e, nesta síntese, todos os outros aminoácidos são, em última
análise, potenciais dadores de azoto.
11- Através da ação catalítica de variadas enzimas, os aminoácidos podem libertar o azoto do seu grupo amina
(ou de outros grupos azotados) na forma de amónio (NH4+). O ião amónio é a forma protonada do
amoníaco (NH3); o seu pKa é cerca de 9,3, predominando, por isso, a forma protonada, quer no meio
interno, quer na urina. A maioria do amónio (azoto inorgânico) formado dá origem a ureia que se perde na
urina, mas uma parte pode ser recuperado para o metabolismo por ação catalítica (i) da desidrogénase do
glutamato (ver Equação 1) e (ii) da sintétase da glutamina (ver Equação 2). Por ação destas enzimas o
azoto inorgânico do amónio pode ser convertido em azoto aminoacídico. O glutamato [5C,1N] é um
aminoácido dicarboxílico com 5 carbonos e difere do α-cetoglutarato por ter, em vez do grupo cetónico,
um grupo amina no carbono 2. A glutamina [5C,2N] difere do glutamato porque, em vez do grupo
carboxílico em C5, tem um grupo amida nesse carbono.
Equação 1
Equação 2
α-cetoglutarato + NH4+ + NADPH → glutamato + NADP+ + H2O
glutamato + NH4+ + ATP → glutamina + ADP + Pi
12- Para além de poder ter origem na ação da desidrogénase do glutamato (ver Equação 1), a síntese de
glutamato também tem lugar em reações de transaminação (ver Equação 3) em que diversos aminoácidos
cedem o grupo amina (azoto orgânico) ao α-cetoglutarato gerando glutamato e os α-cetoácidos
correspondentes. Assim, o glutamato e a glutamina (via sintétase da glutamina; ver Equação 2) podem
formar-se endogenamente a partir de um intermediário do ciclo de Krebs (o α-cetoglutarato); sabendo-se
que os intermediários do ciclo de Krebs se podem formar a partir da glicose (via glicólise e carboxílase do
piruvato) conclui-se que o glutamato e a glutamina são aminoácidos nutricionalmente dispensáveis.
Equação 3
α-aminoácido X + α-cetoglutarato ↔ glutamato + α-cetoácido X
13- A alanina [3C,1N] difere do piruvato porque, em vez do grupo cetónico no carbono 2, tem um grupo
amina; o aspartato [4C,1N] difere do oxalacetato pela mesma razão. A síntese de alanina e aspartato é o
resultado da transferência do grupo amina do glutamato para os α-cetoácidos correspondentes: o piruvato
e o oxalacetato, respetivamente. A transamínase da alanina (ver Equação 4) e a transamínase do
aspartato (ver Equação 5) catalisam, respetivamente, a formação de alanina e aspartato mas, como estas
reações são fisiologicamente reversíveis, também intervêm nos processos em que estes aminoácidos
perdem o grupo α-amina para o α-cetoglutarato. Existem muitas transamínases com especificidades
distintas relativamente a um dos substratos, mas o outro substrato é (quase) sempre o glutamato/αcetoglutarato (ver Equação 3). Dependendo do sentido em que a reação esteja a ocorrer uma reação de
transaminação pode servir para formar um determinado aminoácido à custa da conversão do glutamato em
α-cetoglutarato ou para formar glutamato à custa da conversão de um determinado aminoácido no seu αcetoácido correspondente. Uma característica comum a todas as transamínases (e a muitas outras enzimas
envolvidas no metabolismo aminoacídico) é a presença de piridoxal- fosfato (derivado da vitamina B6)
como grupo prostético3.
Equação 4
Equação 5
glutamato + piruvato ↔ α-cetoglutarato + alanina
glutamato + oxalacetato ↔ α-cetoglutarato + aspartato
14- A serina [3C,1N,1OH] é um aminoácido que contém 3 carbonos e um grupo hidroxilo em C3. A glicina
[2C,1N] é o aminoácido mais simples e contém apenas 2 carbonos. Transamínases com diferentes
3
No decurso do ciclo catalítico o piridoxal-fosfato que está, no início do ciclo, ligado ao grupo 6-amina de um resíduo de
lisina da transamínase, converte-se em piridoxamina-fosfato, mas, no final do ciclo, regenera-se a forma original. Com
quatro exceções (lisina, prolina, triptofano e arginina) existem transamínases que (com maior ou menor eficácia) são
capazes de catalisar a troca entre o grupo cetónico dos α-cetoácidos correspondentes e o grupo amina do glutamato.
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especificidades intervêm no processo de síntese da serina a partir de 3-fosfoglicerato (um intermediário
da glicólise) e da glicina a partir de glioxilato (contém um grupo aldeído em vez do grupo amina no
carbono α). No processo de síntese da serina a partir do 3-fosfoglicerato intervém primeiro uma
desidrogénase que converte o grupo hidroxilo do carbono 2 num grupo cetónico levando à formação do 3fosfohidroxipiruvato (ver Equação 6) que é substrato da transamínase da fosfoserina (ver Equação 7). A
fosfoserina (formada após a reação de transaminação) é hidrolisada por uma fosfátase com a consequente
formação da serina (ver Equação 8). O glioxilato (aceitador de grupos amina em reações de transaminação
em que a alanina é o dador da amina; ver Equação 9) pode resultar da oxidação do glicolato (que existe em
muitas plantas comestíveis) por ação da oxídase do glicolato (ver Equação 10)4.
Equação 6
Equação 7
Equação 8
Equação 9
Equação 10
3-fosfoglicerato + NAD+ → 3-fosfohidroxipiruvato + NADH
glutamato + 3-fosfohidroxipiruvato ↔ α-cetoglutarato + fosfoserina
fosfoserina + H2O → serina + Pi
alanina + glioxilato → piruvato + glicina
glicolato + O2 → glioxilato + H2O2
15- A reação catalisada pela hidroximetiltransférase da serina (ver equação 11) para além de permitir a
síntese de glicina a partir de serina (e o inverso) também permite a metilação do tetrahidro-folato (H4folato): o N5,N10-metileno-H4-folato formado nesta reação é indispensável na síntese de timina e,
portanto, do DNA. O facto de a glicina se poder formar a partir da serina (ver Equação 11) e de esta poder
gerar-se a partir de um intermediário da glicólise (3-fosfoglicerato; ver Equação 6, Equação 7 e Equação 8)
permite compreender que, quer a serina, quer a glicina sejam aminoácidos nutricionalmente dispensáveis.
Equação 11
serina + H4-folato ↔ glicina + N5,N10-metileno H4-folato
16- A prolina [5C,1N] é o único aminoácido em que o grupo amina é uma amina secundária (que liga os
carbonos 2 e 5). A arginina [6C,4N] contém 6 carbonos mas um deles faz parte da estrutura do grupo
guanidina [1C;3N] que se liga ao carbono 5. Quer a prolina quer a arginina podem ser sintetizadas a partir
do glutamato. O glutamato pode, por redução do grupo carboxílico C5, originar o semialdeído do
glutamato e este composto pode seguir dois destinos distintos: (i) num deles (por redução dependente do
NADPH) dá origem à prolina e (ii) no outro origina a ornitina que, via ação catalítica das enzimas do
ciclo da ureia, se converte em arginina. A conversão do semialdeído do glutamato em ornitina é catalisada
pela transamínase da ornitina (ver Equação 12).
Equação 12
glutamato + semialdeído do glutamato ↔ α-cetoglutarato + ornitina
17- A arginina [6C,4N] é sintetizada no ciclo da ureia. A arginina é um intermediário desse ciclo,
concretamente o intermediário que sofre hidrólise por ação da argínase levando à formação de ureia
[1C,2N] e ornitina [5C,2N]. No ciclo da ureia a ornitina converte-se em citrulina [6C,3N] que, por sua vez
origina arginino-succinato [10C,4N]; é o arginino-succinato que regenera a arginina. Assim, a ornitina, a
citrulina, o arginino-succinato e a arginina são intermediários do ciclo da ureia. No entanto, a arginina é
também é dos aminoácidos constituintes das proteínas e, quando é utilizada na síntese proteica (ou noutros
processos, como a síntese de creatina ou de óxido nítrico), a concentração de arginina poderia baixar pondo
em risco o funcionamento do ciclo. No entanto, tal como acontece no ciclo de Krebs, quando uma molécula
de um intermediário “sai do ciclo”, uma outra molécula de outro intermediário é formado a partir de
compostos que não fazem parte do ciclo. A reação que diretamente “alimenta” a formação de
intermediários do ciclo da ureia já foi referida (ver Equação 12): é catalisada pela transamínase da ornitina
e permite a formação da ornitina a partir de semialdeído do glutamato. A ureia é apenas sintetizada no
fígado pois é neste órgão que existe a argínase, uma hidrólase que catalisa a formação de ureia a partir da
arginina. Embora o ciclo da ureia completo só exista no fígado, as enzimas que levam, a partir da glutamina
4
A glicina também pode formar-se a partir da colina (que resulta, maioritariamente, da hidrólise das lecitinas). Nesta via
metabólica a colina é oxidada no grupo hidroxilo formando-se betaína (trimetilglicina). A betaína é dadora de um metilo à
homocisteína formando-se dimetilglicina (betaína + homocisteína → dimetilglicina + metionina) que por sua vez pode
ceder os dois restantes metilos ao tetrahidrofolato (H4-folato) gerando-se a glicina (dimetilglicina + H4-folato → sarcosina
+ N5,N10-metileno-H4-folato; sarcosina + H4-folato → glicina + N5,N10-metileno-H4-folato).
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(via glutamato) à formação de ornitina e à conversão desta em citrulina também existem nos enterócitos. Os
enterócitos captam glutamina do plasma e uma parte desta glutamina é convertida em citrulina. A citrulina
formada nos enterócitos passa para o plasma sanguíneo e pode ser captada pelo fígado mas também pelo
rim. As enzimas “do ciclo da ureia” que catalisam a conversão sequenciada de citrulina em argininosuccinato e deste em arginina (sintétase do arginino-succinato e arginino-succínase) existem nestes dois
órgãos e levam à formação de arginina. As enzimas do ciclo da ureia, para além do seu papel no
catabolismo de todos os aminoácidos também têm um papel anabólico: a síntese de arginina. Estudos
em leitões mostraram que a velocidade de formação líquida de arginina (massa formada subtraída da parte
que se converte em ureia e ornitina) é inadequada para sustentar adequadamente a síntese proteica que está
aumentada devido ao crescimento rápido que ocorre nos mamíferos bebés. Embora não existam evidências
que o mesmo aconteça nos bebés humanos [3] admite-se que possa ser assim e, por isso, a arginina é,
frequentemente, classificada como um aminoácido condicionalmente indispensável [1].
18- A asparagina [4C,2N] difere do aspartato [4C,1N] porque, em vez do grupo carboxílico em C4, tem um
grupo amida nesse carbono. De forma semelhante ao que acontece no caso da glutamina e do glutamato, a
asparagina forma-se a partir do aspartato por ação catalítica da sintétase da asparagina (ver Equação 13).
No entanto, ao contrário do caso da síntese da glutamina em que o azoto incorporado é azoto inorgânico, na
síntese da asparagina, o dador do azoto é a glutamina. Além disso, na reação catalisada pela sintétase da
asparagina, forma-se AMP e PPi e não ADP e Pi como no caso da sintétase da glutamina (ver Equação 2).
Equação 13
aspartato + glutamina + ATP → asparagina + glutamato + AMP + PPi
19- A fenilalanina [9C,1N] contém um anel benzénico; a tirosina [9C,1N,1OH] deriva da fenilalanina por
hidroxilação desse anel benzénico. É frequente classificar-se a tirosina como semi-indispensável porque
é sintetizada a partir da fenilalanina, um aminoácido nutricionalmente indispensável. Uma deficiência
nutricional de tirosina pode ser colmatada desde que ocorra a ingestão de fenilalanina em quantidade
adequada para satisfazer as necessidades dos dois aminoácidos. A reação de formação da tirosina é
catalisada pela hidroxílase da fenilalanina, uma oxigénase de função mista (ver Equação 14). Para que o
processo possa continuar a dihidrobiopterina formada é reduzida pelo NADPH numa reação catalisada por
uma redútase (ver Equação 15).
Equação 14
Equação 15
fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2 → tirosina + dihidrobiopterina + H2O
dihidrobiopterina + NADPH → tetrahidrobiopterina + NADP+
20- O átomo de enxofre da cisteína [3C,1N,1S] tem origem na metionina [5C,1N,1S], um aminoácido
indispensável. Tal como no caso da tirosina, também a cisteína pode ser classificada como semiindispensável: as necessidades nutricionais de cisteína podem ser colmatadas desde que ocorra a ingestão
de metionina em quantidade adequada para satisfazer as necessidades dos dois aminoácidos. Os carbonos
da cisteína têm origem na serina. O processo de síntese da cisteína é complexo porque se relaciona com a
complexa via metabólica da degradação da metionina (ver Equações 16- 21). Durante o catabolismo da
metionina forma-se um intermediário (homocisteína) que contém ainda 4 carbonos da metionina mas que,
em vez do grupo metilo ligado ao carbono 4 por uma ligação sulfureto, contém um grupo tiol. Este
intermediário (homocisteína) reage com a serina formando-se um composto (cistationina) que contém o
átomo de enxofre entre os carbonos que derivaram da homocisteína e os que derivaram da serina (ver
Equação 19). A clivagem da cistationina (ver Equação 20) origina cisteína (3 carbonos e azoto derivados da
serina e o enxofre da homocisteína) assim como NH3 e α-cetobutirato (derivados da homocisteína).
Equação 16
Equação 17
Equação 18
Equação 19
Equação 20
Equação 21
ATP + metionina → S-adenosil-metionina + Pi + PPi
S-adenosil-metionina + aceitador → S-adenosil-homocisteína + aceitador metilado
S-adenosil-homocisteína + H2O → homocisteína + adenosina
homocisteína + serina → cistationina
cistationina → cisteína + NH3 + α-cetobutirato
α-cetobutirato + NAD+ + CoA → propionil-CoA + NADH + CO2
Embora a metionina seja um aminoácido nutricionalmente indispensável existe um mecanismo que
permite "salvar" metionina em processo catabólico: a homocisteína é aceitadora do grupo metilo do N5-
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metil-H4-folato regenerando-se metionina (síntase da metionina; ver Equação 22). O N5-metil-H4-folato
forma-se por redução dependente do NADPH que é catalisada pela redútase do N5,N10-metileno-H4folato (ver Equação 23).
Equação 22
Equação 23
N5-metil-H4-folato + homocisteína → H4-folato + metionina
N5,N10-metileno-H4-folato + NADPH → N5-metil-H4-folato + NADP+
21- Oito (valina, leucina, isoleucina, treonina, metionina, lisina, fenilalanina, triptofano) dos 20
aminoácidos5 que são incorporados nas proteínas aquando da sua síntese são, classicamente, classificados
como nutricionalmente indispensáveis. No entanto, excetuando os casos da lisina e do triptofano, existem
transamínases que (com maior ou menor eficácia) são capazes de catalisar a troca entre o grupo cetónico
dos α-cetoácidos correspondentes e o grupo amina do glutamato. Embora absurdo do ponto de vista
económico e muito pouco eficaz na esmagadora maioria dos casos, seria possível usar os α-cetoácidos
correspondentes para substituir na dieta uma grande parte dos aminoácidos nutricionalmente
indispensáveis. A Equação 24, a Equação 25 e a Equação 26 mostram as reações de transaminação que
envolvem os aminoácidos ramificados. Estas reações são fisiologicamente reversíveis, mas isto não
significa que os aminoácidos ramificados sejam nutricionalmente dispensáveis. O α-ceto-isocaproato, αceto-β-metil-valerato e o α-ceto-isovalerato formam-se (por transaminação) no primeiro passo do
catabolismo dos aminoácidos correspondentes (que fazem parte das proteínas) e a reação em que a mesma
transamínase catalisa a reação inversa apenas significa a recuperação de metabolitos intermediários do
processo catabólico desses aminoácidos. No caso da histidina também não existem, nos mamíferos, vias
metabólicas de síntese, mas a exclusão deste aminoácido na dieta só provoca sintomas de défice (surge
anemia) após um mês [4]. É possível que na origem desta resistência esteja a capacidade de formar
histidina a partir de carnosina, um dipeptídeo (β-alanil-histidina) abundante no tecido muscular. Embora
alguns livros de texto classifiquem a histidina num grupo à parte, de acordo com Kopple e Swendseid [4], a
histidina é um aminoácido nutricionalmente indispensável.
Equação 24
Equação 25
Equação 26
α-ceto-isocaproato + glutamato ↔ leucina + α-cetoglutarato
α-ceto-β-metil-valerato + glutamato ↔ isoleucina + α-cetoglutarato
α-ceto-isovalerato + glutamato ↔ valina + α-cetoglutarato
22- Tal como os aminoácidos dispensáveis também os aminoácidos indispensáveis sofrem catabolismo a uma
velocidade que depende da atividade intrínseca das enzimas envolvidas e da concentração do aminoácido
em causa. Para assegurar a manutenção da massa de proteínas do organismo há, não só que ingerir uma
quantidade total de aminoácidos adequada (em média 50 g dia-1 num adulto saudável com 70 kg), mas
também que repor cada uma das moléculas dos aminoácidos indispensáveis que se perderam. Tendo em
conta as necessidades mínimas de cada um dos aminoácidos indispensáveis foram inventadas proteínas
padrão: uma proteína padrão é uma proteína que, ingerida na quantidade mínima indispensável para repor
as perdas obrigatórias de azoto, contém a quantidade mínima de cada aminoácido indispensável para repor
a perda individual de cada um destes aminoácidos [1]. Se uma dieta contiver como único constituinte
proteico uma proteína que não contém um aminoácido indispensável (caso da gelatina que não contém
triptofano) a capacidade dessa dieta para colmatar as necessidades aminoacídicas é nula. Todas as proteínas
endógenas contêm pelo menos um resíduo de triptofano e, por isso, nenhuma proteína pode ser
sintetizada na ausência de triptofano e o mesmo poderia ser dito relativamente a cada um dos outros
aminoácidos indispensáveis. Quando, no contexto de uma dieta equilibrada sob o ponto de vista energético,
se ingere como única proteína gelatina nenhum dos aminoácidos que resultam da sua hidrólise intestinal
pode ser usado na síntese proteica porque falta o triptofano. Nestas circunstâncias, com a exceção do
triptofano, todos os aminoácidos aumentam de concentração aumentando a velocidade da sua oxidação.
Quando se ingere como única proteína gelatina a quantidade de azoto perdido é igual à perda obrigatória
somada a toda a gelatina ingerida cujos aminoácidos são também perdidos. No caso da gelatina o
aminoácido limitante da sua qualidade dietética é o triptofano mas, no caso de outras proteínas como, por
exemplo, nas proteínas do trigo e outros cereais, o aminoácido limitante é a lisina. No caso das proteínas do
trigo a lisina não está ausente, mas existe numa quantidade menor que a prevista nas proteínas padrão. A
percentagem de lisina nas proteínas de trigo é cerca de metade da percentagem de lisina numa proteína
5
Ou 21, se considerarmos também o caso da selenocisteína.
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padrão: assim, para colmatar as necessidades de lisina usando exclusivamente proteínas de trigo haveria
que ingerir não 50 g de proteína de trigo mas o dobro deste valor [1, 5].
23- Um parâmetro que costuma ser utilizado para avaliar a qualidade dietética das proteínas é o índice
químico. Para calcular o índice químico de uma proteína começa-se por determinar a percentagem de cada
um dos aminoácidos essenciais na proteína em questão (massa de aminoácido essencial/100 g de proteína).
Depois comparam-se essas percentagens com as percentagens correspondentes numa proteína padrão
dividindo, para cada aminoácido essencial, a percentagem na proteína em análise pela percentagem na
proteína padrão. A cada aminoácido essencial vai, assim, corresponder uma determinada fração que será
inferior a 1 se a proteína em análise for menos rica nesse aminoácido que a proteína padrão. A fração de
valor mais baixo é o índice químico da proteína em questão e o aminoácido correspondente é o aminoácido
limitante dessa proteína. No caso das proteínas do trigo, como já referido, o aminoácido limitante é a lisina,
o índice químico é pouco superior a 0,5 e para alimentar um indivíduo adulto saudável, usando
exclusivamente, proteínas de trigo, a ingestão proteica deveria ser cerca do dobro (1/0,5 = 2) da que seria
necessária se o índice químico das proteínas da dieta fosse 1 ou superior a 1 (como acontece no caso da
maioria das proteínas de origem animal). No caso da gelatina o índice químico é zero e é impossível obter
uma ingestão proteica adequada usando exclusivamente esta proteína. Na realidade é muito pouco comum
que a dieta seja tão monótona que apenas contemple uma única espécie vegetal. Na maioria dos casos o
aminoácido limitante num determinado alimento não é o mesmo em dois alimentos de natureza distinta.
Porque o aminoácido limitante num determinado alimento pode não ser o aminoácido limitante noutro
alimento, a ingestão conjunta dos dois alimentos resulta num índice químico conjunto mais próximo de 1
(ou mesmo superior a 1). Um exemplo clássico de complementaridade entre proteínas é a mistura feijão e
arroz. Os aminoácidos limitantes da proteína do feijão são os aminoácidos sulfurados cisteína e metionina e
o índice químico é 0,91; o aminoácido limitante no caso do arroz é a lisina e o índice químico é 0,87. No
entanto, uma mistura 50:50 de proteínas de feijão e arroz resulta num índice químico superior a 1. Quando
o índice químico é superior a 1 não significa que seja suficiente ingerir menos proteínas que as necessárias
no caso de o índice químico ser 1: para manter o organismo em balanço azotado nulo, a massa de azoto
proteico ingerido deve ser sempre suficiente para contrabalançar as perdas. Um outro fator que influencia a
qualidade dietética das proteínas dos alimentos é a sua digestibilidade, ou seja, a percentagem dos
aminoácidos das proteínas que acabam de facto absorvidos no tubo digestivo. Em geral, devido ao facto de
uma parte das proteínas estar em grânulos que não são “atacados” nos processos digestivos, a
digestibilidade das proteínas de origem vegetal é menor que as de origem animal. O fator digestibilidade
também é afetado pelos processos culinários.
24- Em algumas proteínas (como a peroxídase do glutatião) existem resíduos de selenocisteína [3C,1N,1Se] ,
um aminoácido semelhante à cisteína e à serina. Na selenocisteína em vez do átomo de enxofre do grupo
tiol (caso da cisteína) ou do átomo de oxigénio do grupo hidroxilo (caso da serina) existe um átomo de
selénio. A síntese da selenocisteína ocorre a partir da serina quando esta está ligada a um tRNA específico
que tem como anticodão a sequência ACU e se denomina tRNASec (Sec é a abreviatura de selenocisteína).
A reação é catalisada por uma transférase (ver Equação 27) em que o dador de selénio é o seleno-fosfato
(“selénio ativado”). O codão correspondente ao tRNASec (UGA) é normalmente um codão de terminação
mas em determinados RNA mensageiros contendo sequências específicas (como é o caso do RNAm
codificador da peroxídase do glutatião) este codão liga-se ao anticodão do selenocisteinil-tRNASec
ocorrendo a incorporação do aminoácido selenocisteína na estrutura da proteína em processo de síntese.
Equação 27
seleno-fosfato + seril-tRNASec → selenocisteinil-tRNASec + Pi
25- Os aminoácidos hidroxiprolina [5C,1N,1OH] e hidroxilisina [6C,2N,1OH] constituem casos especiais
pois existem na estrutura do colagénio (a proteína mais abundante dos mamíferos) mas não existem no
RNA codificador do colagénio codões para estes aminoácidos. A síntese da hidroxiprolina e da
hidroxilisina ocorre por ação de oxigénases do retículo endoplasmático (hidroxílases da prolina e da lisina)
que catalisam a hidroxilação de resíduos de prolina e lisina do colagénio durante o processo de acabamento
pós-tradução (ver Equação 28). A vitamina C é um cofactor das hidroxílases da prolina e da lisina e a
deficiência de vitamina C leva à formação de colagénio anormal.
Equação 28
resíduo prolil ou lisil + O2 + α-cetoglutarato →
resíduo hidroxiprolil ou hidroxilisil + succinato + CO2
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26- O caso do aminoácido carboxiglutamato [6C,1N] (constituinte de várias proteínas como a protrombina e
outras proteínas envolvidas no processo de coagulação sanguínea) tem algumas semelhanças com os casos
da hidroxiprolina e hidroxilisina já que a sua formação resulta da transformação de resíduos de glutamato
após a síntese da proteína. A transformação envolve a atividade de uma oxigénase (ver Equação 29) e uma
reação não enzímica (ver Equação 30). Na ação da oxigénase o oxigénio molecular oxida a vitamina K que
passa da forma hidroquinona à forma epóxido; simultaneamente, o carbono C4 de resíduos de glutamato da
proteína ioniza-se a carbanião (carga -1) que é aceitador de CO2. A regeneração da forma hidroquinona da
vitamina K a partir da forma epóxido envolve a ação de oxiredútases.
Equação 29
Equação 30
resíduo de glutamato + O2 + vitamina K (forma hidroquinona) →
resíduo de glutamato na forma de carbanião + vitamina K (forma epóxido)
resíduo de glutamato na forma de carbanião + CO2 → resíduo de carboxiglutamato
1. Levesque, C. L. & Ball, R. O. (2012) Protein and amino acid requirements in Biochemical, physiological and molecular aspects of
human nutrition (Stipanuk, M. H. & Caudill, M. A., eds) pp. 331-356, Elsevier, St. Louis.
2. Kotler, D. P. (2000) Cachexia, Ann Intern Med. 133, 622-34.
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5. Schaafsma, G. (2000) The protein digestibility-corrected amino acid score, J Nutr. 130, 1865S-7S.
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Processos gerais e síntese de aminoácidos; Rui Fontes
colina
cisteína
na
glicose
betaína
cistationina
dimetil-glicina
homocisteína
sarcosina
metionina
3-fosfoglicerato
3-fosfohidroxipiruvato
3-fosfoserina
serina
glicina
glicolato
alanina
piruvato
oxalacetato
treonina
asparagina
aspartato
arginina
ureia
prolina
ornitina
Ciclo de
Krebs
semiladeído do
glutamato
NH3 + NAD(P)H
glioxilato
Carbamilfosfato
Ciclo
da ureia
citrulina
NAD(P)+
α-ceto-glutarato
glutamato
fenilalanina
glutamina
tirosina
prolina
hidroxiprolina
lisina
hidroxilisina
glutamato
carboxiglutamato
Seril-t-RNASec
Selenocisteinil-t-RNASec
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