® BuscaLegis.ccj.ufsc.br O mandado de injunção e seus efeitos na prática Paulo César Carvalho Pinto I. O mandado de injunção, remédio constitucional criado pela Carta Federal de 1988, previsto no art. 5º, inciso LXXI, é medida timidamente empregada pelos advogados e, conseqüentemente, pouco apreciada pelos tribunais pátrios. Herança do direito comparado, o mandado de injunção era denominado “Writ of Injunction”. Palavra originária do Latim, “injunctione” expressa, em nossa língua, o significado de imposição, ordem formal. Nos termos do dispositivo supracitado a Carta Magna determina: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. A princípio, o mandado de injunção não poderá ser impetrado sempre que se verificar a ausência de norma regulamentadora que impossibilite o exercício de quaisquer direitos, mas, tão somente, quando inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Certa parte da doutrina, da qual destacamos o eminente Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1996, p. 276), defende posicionamento no sentido de que o mandado de injunção “não alcança outros direitos, por exemplo, os inscritos entre os direitos sociais”, restringindo-se somente aos direitos e liberdades constitucionais e às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania. Porém, não nos parece que o legislador tenha objetivado a proteção exclusiva dos direitos, liberdades e prerrogativas mencionadas no indigitado artigo, ouvidando-se dos demais direitos e garantias que a Carta Política assegura. Entendemos, s.m.j., que a injunção deve ser deferida em qualquer hipótese de afronta a direitos constitucionais por ausência de norma regulamentadora. A menção aos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais é meramente exemplificativa. Desta forma, impõe a Constituição Federal a presença de dois pressupostos para a impetração do mandado de injunção: a) ausência de norma regulamentadora que prejudique a fruição dos direitos constitucionais assegurados pela Carta Magna, e b) a existência concreta desse direito. Não se presta, pois, o mandado de injunção para discutir a aplicação de norma existente, tampouco para deliberar acerca da constitucionalidade de norma vigorante. Vítima do próprio escopo, este remédio constitucional que foi criado para suprir omissões normativas ainda não possui norma que regulamente e estabeleça seu procedimento; por isso a jurisprudência e a doutrina têm, por analogia, aproveitado o procedimento previsto para o seu congênere – o mandado de segurança (Lei n. 1.533/51) –, no que for cabível. Nessa mesma linha, a lei 8.038/90 que instituiu normas procedimentais para os processos que especifica, perante o STJ e o STF, determina, no art. 24, parágrafo único, que “No mandado de injunção e no habeas corpus, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica”. A falta de lei específica provocou e ainda provoca constantes divergências sobre o tema, conforme veremos a seguir. II. O primeiro ponto discutido concerne à criação da norma legal omissa através da própria decisão que declara a procedência do mandado de injunção, substituindo a atuação do órgão competente para fazê-lo. Esta possibilidade, sustentada pela minoria, data venia, não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro porquanto não autorizada pelo art. 5º, inciso LXXI da Constituição Federal. Pelo contrário, a própria Constituição estabelece no seu art. 2º a proibição quando dispõe que os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si – princípio da independência dos poderes. Diversamente do que ocorre com os representantes dos Poderes Legislativo e Executivo, os do Poder Judiciário não passam por um sistema eletivo, característica que implementa o processo democrático por excelência. Desta forma, seria paradoxal imaginar que o juiz, na qualidade de representante do Estado para o fim de dizer o direito, na sentença pudesse legislar como se esta fosse sucedâneo de todo o processo legislativo. Por oportuno, destaca-se lição de Cláudia Servilha Monteiro, extraída da obra Humanismo Latino e Estado no Brasil (2003, p. 272), que traz importante questionamento: “A criatividade é uma conseqüência perfeitamente previsível na atividade do Judiciário. Sobretudo no século XX, a expansão do Estado determinou um espaço cada vez maior para o ativismo judiciário. A questão que se impõe é se o resultado criativo no momento da produção judicial do Direito transfere ao juiz uma competência legislativa legítima, uma vez que não emanada da livre formação da vontade dos cidadãos. Ou, em outros termos, se a produção criativa judicial do Direito coloca o juiz no papel de um legislador não-democrático”. Permitir que o Poder Judiciário supra a omissão legislativa, editando a norma faltante, é abrir precedente para que órgãos do Judiciário furtem atribuições próprias de outros poderes, importando quebra da sistemática constitucional. Assim, não é atribuição do Poder Judiciário legislar. Registre-se que calcado no princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, insculpido no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, há posicionamento no sentido de possibilitar ao julgador a oportunidade de decidir o caso concreto, com eficácia inter partes, sem, no entanto, legislar. Fomentada pelos arts. 4º e 5º da LICC, que dispõem respectivamente que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” e que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, esta corrente vem tomando força considerável. III. O segundo ponto discutido pelos tribunais é a possibilidade de fixação de prazo para a providencia ordenada, qual seja, a edição da norma. Num primeiro momento os tribunais adotaram posicionamento no sentido de somente declarar a omissão, comunicando-a, subseqüentemente, ao órgão inerte, proibindo a fixação de prazo para a edição da norma. Tal providência produziria os mesmos efeitos práticos da ação de inconstitucionalidade por omissão, entendimento fortemente criticado. Esta conclusão é resultado da aplicação extensiva do art. 103, §2º da Constituição Federal, que prevê a fixação de prazo somente em se tratando de órgão administrativo, verbis: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”. Essa linha de raciocínio induz à prejudicialidade do procedimento mandamental. Por certo, na maior parte dos casos, o órgão legiferante tem ciência da lacuna legislativa, não a suprindo por simples inércia. Nestes casos a providência legal determinada pela decisão teria efeitos inoperantes em face da desnecessidade da utilização do procedimento para informar fato já conhecido. Inexistente o prazo para edição da norma, o direito que já estava inviabilizado pela omissão ficará na expectativa do pronunciamento do órgão impetrado e, inevitavelmente, abandonado ao acaso. Porém o STF decidiu, por ocasião da apreciação do mandado de injunção n. 283, em que foi relator o Ministro Sepúlveda Pertence, pelo deferimento da medida para: “a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e à Presidência da República; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; (...)”. Não se trata, aqui, de afronta ao princípio da Independência dos Poderes porque a determinação da edição da norma não tem como origem a decisão proferida pelo Poder Judiciário, mas sim o próprio mandamento constitucional. É a Constituição que, quando se utiliza das expressões “nos termos da lei” (art. 5º, VII), “na forma da lei” (art. 5º, VI), “a lei assegurará” (art. 5º, XXIX), entre outras, manda o poder competente editar a norma específica; é uma determinação atribuída ao legislador infraconstitucional. No dizer de Hely Lopes Meirelles (2003, p. 252), ”o direito resguardado pela via do mandado de injunção é aquele desde logo assegurado pela Constituição, porém pendente de regulamentação. Se a Carta Política simplesmente faculta ao legislador a outorga de um direito, sem ordená-lo, o mandado de injunção é juridicamente impossível”. Portanto, não há que se falar em desobediência ao princípio de independência dos poderes quando o legislador infraconstitucional não leva a efeito os termos da Constituição Federal. Assim, na decisão que comunica ao impetrado a existência da lacuna legislativa, deve enxertar-se a determinação da edição da norma com fixação de prazo para sua conclusão, facultando ao impetrante, inclusive, como tem decidido o STF, o direito de acionar o judiciário, pelas vias comuns, para obter a devida reparação sofrida pelo nãoexercício do direito constitucional obstado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. MEZZAROBA, Orides (org.). 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