Programa DIREITOS HUMANOS EDUCAÇÃO E CIDADANIA Subprograma ESCOLA E CIDADANIA 1ª Oficina: “Projeto Político Pedagógico: uma construção coletiva?” Texto 1 Ao longo das oficinas de 2008, faremos referência a concepções, idéias e fundamentos que balizaram o trabalho realizado nos últimos ciclos de oficinas pedagógicas. Considerando a estreita articulação entre as principais temáticas abordadas, se faz necessário levantar questões relacionadas ao trabalho permanente de tessitura de uma cidadania ativa e de uma cultura de afirmação dos direitos humanos no interior de nossas escolas. No estudo sobre as diferentes concepções de democracia, reconhecíamos os avanços trazidos pelos processos de democratização na América Latina vividos nas últimas décadas e a importância de consolidar as conquistas da democracia representativa. Ressaltávamos, contudo, a importância de investir na construção de um modelo de democracia participativa, que é o efetivamente capaz de ampliar os direitos econômicos, sociais e culturais, reconhecendo as grandes maiorias despossuídas como sujeitos de direitos. Nas discussões sobre gestão escolar, resgatávamos os reflexos da democratização no campo da educação e, numa perspectiva histórica sucinta, identificávamos o aparato legal que estabeleceu formas mais democráticas da organização dos sistemas de ensino locais. Assim, a Lei de Diretrizes e Bases – LDB (lei n° 9394/96), ao definir as diretrizes para a implantação da gestão democrática na escola previu dois condicionantes: a participação da comunidade escolar (abordada na 2ª oficina do ciclo de 2007) e a participação dos/as profissionais de educação na elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP), que será objeto de estudo na presente oficina. Com a preocupação de problematizar a construção do coletivo – por nós entendido como alicerce para a emergência de uma cultura democrática na escola – elaboramos uma síntese/adaptação dos estudos de Stauffer (2007), Veiga (2003) e Gadotti (2000 e 2001) sobre os sentidos do PPP, buscando oferecer subsídios para o instigante debate sobre a compreensão deste instrumento como um marco regulatório ou emancipador. Como eixo norteador dessa reflexão entendemos a escola como uma arena política onde, a partir do embate entre forças da renovação e da conservação, torna-se possível desenvolver uma cultura escolar referenciada pela afirmação dos direitos humanos. Stauffer (2007) situa o início da discussão sobre o PPP na LDB que regulamenta a gestão democrática nas escolas, colocando a sua elaboração como responsabilidade técnica e política dos/as educadores/as e de toda a comunidade educativa. Esta autora traz a visão de alguns/mas autores/as quanto ao sentido do PPP, ficando claro que determinados elementos são consensualmente destacados pelos estudiosos do assunto. Dentre esses elementos, cita-se a explicitação dos fundamentos teórico-metodológicos, os objetivos, as formas de implementação das atividades pedagógicas e da avaliação. Apesar dos diferentes enfoques destacados, observa-se que a autonomia e a participação – elementos constitutivos da gestão democrática – são exigências preliminares do PPP. E autonomia e participação não se limitam à mera declaração de princípios consignados em algum documento. Sua presença precisa ser sentida no conselho escolar, nas reuniões sistemáticas do corpo docente, mas também na circulação das informações, no planejamento do ensino, na formação de grupos de trabalho, na definição do calendário escolar, na escolha do livro didático, na organização de eventos culturais, de atividades cívicas, esportivas, recreativas. É neste sentido que Gadotti afirma que a gestão democrática é atitude e método. E, por isso mesmo, o autor evidencia algumas limitações e obstáculos à instauração de um processo democrático como parte do projeto político-pedagógico da escola como, por exemplo, a nossa pouca experiência democrática, a própria estrutura de nosso sistema educacional que é vertical e muitas vezes autoritário e a mentalidade que atribui aos técnicos e apenas a eles a capacidade de governar, baseada na idéia de que o povo é incapaz de exercer o governo. Gadotti (2000) também assinala que freqüentemente se confunde projeto com plano. Segundo ele, o plano diretor da escola – como conjunto de objetivos, metas e procedimentos – faz parte do seu projeto, mas não é todo o seu projeto. Isto porque o plano fica no campo do instituído oficialmente. “Um projeto necessita sempre rever o instituído para, a partir dele, instituir outra coisa. Tornar-se instituinte. Um projeto político-pedagógico não nega o instituído da escola que é a sua história, que é o conjunto dos seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu modo de vida. Um projeto sempre confronta esse instituído com o instituinte. Por exemplo, hoje a escola pública burocrática se confronta com as novas exigências da cidadania e com a busca de uma nova identidade de cada escola, pautas de uma sociedade cada vez mais pluralista”. (GADOTTI, 2000:1-2) Grande parte dos autores que discutem o tema do PPP embasaram-se em Gadotti, identificando-se com a idéia chave do autor, ou seja, a afirmação de que o processo de elaboração do PPP implica na definição de pressupostos filosófico-sociológico, didático-metodológico, pensando o processo vivido pela escola em sua totalidade. A definição desses pressupostos, entretanto, deverá partir do coletivo, sendo este construído através das relações entre diretores/as, equipe técnico-pedagógica, professores/as, equipe técnicoadministrativa, aluno/as, pais/mães e comunidade. E essa elaboração não será uma aquisição natural ou outorgada. Trata-se de uma conquista oriunda de conflitos, embates e lutas cotidianas, alimentada pela possibilidade da construção coletiva, suscitando a oportunidade para a escola desafiar-se, colocando-se como autora do seu próprio processo educativo, resgatando, assim, sua identidade e sua intencionalidade. Nessa trajetória, as singularidades dos sujeitos, a diversidade que compõe a escola vem à tona, e deve se aproveitar o compromisso, a criatividade e a capacidade reflexiva de todos/as os/as envolvidos/as para se repensar o trabalho escolar como um todo. Veiga (2003) traz elementos mais sutis à discussão sobre o PPP, mostrando que este instrumento – mesmo com o discurso comum de propiciar a melhoria da qualidade da educação pública – assume um duplo caráter: pode ser concebido como ação regulatória ou como ação emancipatória. Assim, a reforma educacional preconizada pela LDB muitas vezes tem estimulado uma participação formal, legitimadora de um controle burocrático cada vez maior sobre as instituições educativas, os/as professores/as, os/as servidores/as técnico-administrativos e alunos/as. Observa-se uma preocupação maior pela padronização, planejamento centralizado e uniformidade, fundamentandose na lógica que concebe a ciência numa perspectiva técnico-instrumental. Respondendo, neste caso, a uma ação regulatória, o PPP é assumido como um conjunto de atividades que vão gerar um produto: um documento pronto e acabado que representa, em última análise, uma rearticulação do sistema visando a introdução acrítica do novo no velho. Dentro dessa perspectiva regulatória, nega-se a diversidade de interesses e de atores que estão presentes, porque não é uma ação da qual todos/as participam e na qual compartilham uma mesma concepção de homem, de sociedade, de educação e de instituição educativa. Trata-se de um conjunto de ferramentas (diretrizes, formulários, fichas, parâmetros, critérios etc.) proposto em nível nacional, estadual e municipal com vistas ao controle burocrático. Neste sentido, o PPP é visto simplesmente como um documento programático, convertendo-se em uma relação insumo/processo/produto, articulando-se, pois, à lógica da racionalidade científica, fundamentada nas idéias de eficácia, norma, prescrição, ordem e equilíbrio. Pode-se propor mudanças para melhorias parciais do ensino, da aprendizagem, mas o processo não está articulado integralmente com o produto. Em síntese, o PPP concebido dentro dos marcos da regulação deixa de lado o processo de produção coletiva e, ao não reconhecer as relações de força e conflito entre o institucional e o contexto mais amplo, na realidade está apostando muito mais na perpetuação do instituído. Por outro lado, a elaboração do PPP dentro dos marcos da emancipação supõe uma ruptura com as orientações da ciência conservadora, alicerçando-se nos fundamentos de uma concepção crítica de ciência que se opõe às clássicas dicotomias entre teoria/prática, sujeito/objeto, conhecimento/realidade, buscando implementar processos inovadores que resistam às formas instituídas e aos mecanismos de poder que deslegitimam a participação coletiva. Esta perspectiva de construção e implementação do PPP busca superar a reprodução acrítica, enfatizando a importância da reflexão acerca da realidade interna da escola, referenciada a um contexto social mais amplo. Neste sentido, o PPP nunca é um produto acabado, concluído, devendo sempre considerar de uma forma dinâmica a comunidade em sua volta, sua história, sua constituição, suas demandas, assim como as orientações das políticas educacionais, partindo do entendimento de que a escola é o lugar por excelência onde o processo de construção do conhecimento se dá de forma sistematizada. Dentro dos marcos da emancipação, o projeto político-pedagógico enfatiza o processo de construção coletiva. É compreendido como um meio de engajamento coletivo para integrar ações dispersas, criar sinergias, no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes momentos do trabalho pedagógico-administrativo, desenvolver o sentimento de pertença, mobilizar os/as protagonistas para a explicitação de objetivos comuns, definindo o norte das ações coletivas a serem desencadeadas com vistas a uma ação transformadora comprometida. Como afirma Veiga (2003), a construção do PPP no âmbito da emancipação representa um movimento de luta em prol da democratização da escola que não esconde as dificuldades e os pessimismos da realidade educacional, mas não se deixa levar por esta, procurando enfrentar o futuro com esperança em busca de novas possibilidades e novos compromissos. É um movimento constante para orientar a reflexão e ação da escola. O objetivo da produção e implementação de um projeto político pedagógico na perspectiva da emancipação é fortalecer a construção de um trabalho coletivo que busque, efetivamente, ultrapassar as práticas sociais alicerçadas na exclusão e na discriminação, comprometendo-se com os desafios do enfrentamento das desigualdades educacionais com vistas a tecer cotidianamente a cidadania e a cultura dos direitos humanos no interior das escolas. Referências Bibliográficas GADDOTI, Moacir (2001). Dimensão política do projeto pedagógico. SEED/MG. STAUFFER, Anakeila de Barros (2007). Projeto político-pedagógico : instrumento consensual e/ou contra-hegemônico à lógica do capital ? Tese de doutorado, Rio de Janeiro, PUC-Rio. VEIGA, Ilma Passos Alencastro (2003). “Inovações e projeto político-pedagógico: Uma relação regulatória ou emancipatória?” in Caderno Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro. GADOTTI, Moacir (2000). “O Projeto Político Pedagógico da Escola na perspectiva de uma educação para a cidadania” In: GADOTTI, Moacir et al. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas. RESGATANDO O SENTIDO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Texto 2 Apresentamos, alguns pontos centrais da proposta da educação em direitos humanos a partir do reconhecimento da escola como um espaço importante não só na construção e socialização de conhecimento, mas também na formação de sujeito de direitos. A educação em direitos humanos pressupõe uma prática educativa participativa, dialógica e democrática que trabalhe a relação teoria e prática e na qual o cotidiano escolar seja pautado pela vivência dos Direitos Humanos. Assim, a afirmação de uma relação democrática dentro de uma escola que quer promover uma educação em direitos humanos supõe que - seja na dinâmica da sala de aula, seja em qualquer espaço do contexto escolar as relações sejam marcadas pela dialogicidade, pelo reconhecimento do direito à diferença e pela valorização do esforço de construção coletiva. Uma proposta metodológica de educação em direitos humanos deve ter alguns eixos articuladores. A referência permanente ao cotidiano é um aspecto fundamental. É no tecido diário de relações, emoções, produção e socialização de conhecimento que a realidade do contexto social penetra a realidade da escola. Trata-se de superar a tendência à passividade diante das formas de violação dos direitos humanos que muitas vezes estão presentes no cotidiano escolar, buscando formas de expressar indignação e propor alternativas. Procurando estimular a troca de experiência no interior da escola, a educação em direitos humanos ressalta a dimensão ética do trabalho educativo e fortalece um compromisso com a proposta de mudanças nesse cotidiano. Outro eixo da proposta de educação em direitos humanos é o compromisso com a construção de uma sociedade que tenha por base a afirmação da dignidade de toda pessoa humana. Esta é a utopia radical a ser vivida como exigência ético-política fundamental numa sociedade em que as desigualdades e discriminações a cada dia se tornam mais gritantes. Daí a importância de uma permanente e articulada análise da realidade local, nacional e internacional para que se trabalhe nos espaços potenciais de mudança, fazendo com que a afirmação da dignidade não seja um princípio abstrato e sim um compromisso do educador e dos educandos com a construção de um projeto emancipatório. REALIZAÇÃO APOIO