Curso de Biomedicina Artigo de Revisão DOENÇA DO ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO (DECH): A MAIOR COMPLICAÇÃO PARA O TRANSPLANTE DE CÉLULAS TRONCO HEMATOPOÉTICAS (TCTH) GRAFT-VERSUS-HOST DISEASE (GVHD): THE MAJOR COMPLICATIONS FOR HEMATOPOIETIC STEM CELL TRANSPLANTATION 2 Keila de Sousa Alvez1, Thaiany Martins Rodrigues1, Graziela Silveira Araújo Alves 1 Aluna do Curso de Biomedicina 2 Professora Mestre do Curso de Biomedicina Resumo O transplante de células progenitoras hematopoéticas (TCTH) é a modalidade terapêutica utilizada no tratamento e cura de inúmeras doenças hematológicas e imunodeficiências primárias, contudo, existem várias complicações associadas a esta prática, sendo a mais importante delas devido à alta taxa de morbimortalidade a doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) que é uma doença imunologicamente mediada pela liberação de citocinas. Este estudo revisa as indicações, tipos, complicações do TCTH, principais componentes imunológicos envolvidos na patogênese da DECH aguda e crônica, bem como avaliar a correlação entre a presença de polimorfismos genéticos na incidência da DECH. A fisiopatologia da DECH é complexa e envolve uma série de respostas de diversos efetores imunológicos a estímulos antigênicos naturais ou que são expressos devido ao dano tecidual provocado pela doença ou pelo sistema de condicionamento. A produção das citocinas está sob rigoroso controle genético, assim polimorfismos nas regiões codificadoras podem alterar fatores de transcrição gênica, causando variações na quantidade de citocina produzida na DECH, interferindo no prognóstico do paciente. Recentemente, vários estudos têm revelado a importância do polimorfismo gênico das citocinas, o que poderia auxiliar numa intervenção terapêutica mais precoce. Palavras-Chave: Transplante de Medula Óssea, Fisiopatologia, Citocinas, Polimorfismo. Abstract The transplantation of hematopoietic stem cell transplantation (HSCT) is a therapeutic modality used in the treatment and cure of many hematological diseases and primary immunodeficiency’s, however, there are several complications associated with this practice, the most important being due to high morbidity and mortality rate of disease graft versus host disease (GVHD) which is a disease immunologically mediated cytokine release. This study reviews the indications, types, HSCT complications, major immune components involved in the pathogenesis of acute and chronic GVHD, and to evaluate the correlation between the presence of genetic polymorphisms in the incidence of GVHD. The pathophysiology of GVHD is complex and involves a number of different immunological effector responses to natural or antigenic stimuli that are expressed due to tissue damage caused by disease or conditioning system. The cytokine production is under strict genetic control, and polymorphisms in the coding regions can alter gene transcription factors causing variations in the amount of cytokine produced in GVHD, interfering with the patient's prognosis. Recently, several studies have shown the importance of cytokine gene polymorphism, which could assist in early therapeutic intervention. Keywords: Bone Marrow Transplant, Pathophysiology, Cytokines, Polymorphisms. Contato: [email protected] Introdução Atualmente, o Transplante de Células Tronco Hematopoéticas (TCTH) é uma das alternativas terapêuticas de maior eficiência para diversas doenças na qual a atividade medular se encontra comprometida ou danificada. Essa terapia tem como finalidade a recuperação da função da medula óssea de pacientes acometidos com patologias de origem neoplásica, hematológica, imunológica ou 1,2 metabólica. Contudo, apesar do TCTH ser a única medida curativa para muitas doenças, seja de origem neoplásica ou não neoplásica, existem várias complicações relacionadas a esse tipo de transplante, dentre elas, destaca-se pela sua gravidade e complexidade a Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DECH). Essa doença se caracteriza principalmente no fato das células imunocompetentes presentes no enxerto transplantado desencadear a ativação do sistema imunológico do receptor, através de uma cascata enzimática de citocinas, ativando primeiramente monócitos e linfócitos e, posteriormente, todo o sistema imune, deflagrando diversas lesões à 3 órgãos e tecidos do receptor. A DECH pode ser classificada em aguda e crônica, e a principal característica que as diferem, são seus sinais e sintomas e pelo fato de ativarem o 4 sistema imune de forma distinta. Desde a descoberta da DECH por E. Donnal Thomas, em 1957, vários outros estudos a respeito das possíveis causas da DECH foram realizados e comprovados. O sistema Antígeno Leucocitário Humano (HLA) incompatível entre receptor e doador é um dos principais fatores que contribuem para que a doença ocorra, porém estudos mais recentes a respeito de outros genes não pertencentes ao antígeno HLA estão sendo realizados. Esses estudos têm verificado os polimorfismos genéticos das citocinas que estão associados à resposta de rejeição da DECH. Assim, já existem associações entre esses polimorfismos e a ocorrência e gravidade das manifestações clínicas da DECH 5,6 após o TCTH. O objetivo dessa pesquisa foi relatar a fisiopatologia da DECH, definindo a atuação do sistema imunológico, especialmente das citocinas, bem como avaliar a correlação entre a presença de polimorfismos genéticos e o prognóstico dos pacientes. Metodologia: Revisão Bibliografia NarrativaRetrospectiva. Fonte de Pesquisa: artigos e teses encontrados em banco de dados como Scielo, PubMed e Medline. Foram pesquisados 60 artigos e, dentre eles foram selecionados 33, por maior especificidade ao tema. Discussão O transplante de órgãos e tecidos é uma alternativa terapêutica eficiente e segura no tratamento de diversas doenças, determinando melhoria na qualidade e na perspectiva de vida. Facultado pelo aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas, desenvolvimento de imunossupressores e compreensão imunológica da compatibilidade e rejeição, o transplante de órgãos e tecidos deixou de ser um tratamento experimental e passou a figurar um procedimento extremamente eficaz no controle das insuficiências terminais de alguns 7,8 órgãos e falência de alguns tecidos. O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH) ou Transplante de Medula Óssea (TMO) consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoéticas para tratamento de pacientes com déficit medular. O TCTH é, hoje, reconhecidamente, um tratamento efetivo para doenças neoplásicas, hematológicas ou não, doenças metabólicas e deficiências imunológicas, podendo ser dividido em três tipos, dependendo do doador e das células progenitoras: ü Transplante Alogênico: envolve a infusão de células-tronco de um doador compatível, aparentado ou não. Em algumas situações, é preciso a substituição completa da hematopoese do paciente pela de um doador saudável, habitualmente um familiar com compatibilidade no sistema HLA. Este tipo de transplante apresenta complicações relacionadas a reações imunológicas entre receptor e doador, desde a rejeição até a DECH ou GVHD (da sigla em inglês “graft versus host disease”). Esse transplante alogênico pode ser subdividido em: TCTH com mieloablação, para o qual se utilizam altas doses de agentes citotóxicos no condicionamento prétransplante, com o objetivo de destruição completa da medula óssea do receptor, antes da infusão de células-tronco hematopoéticas; e em TCTH sem mieloablação que ocorre quando se minimiza a intensidade ablativa do tratamento com agentes citotóxicos do receptor pré-infusão das células-tronco do doador. 9,2 ü Transplante Singênico: o doador é um irmão gêmeo idêntico. É a modalidade mais rara de transplante devido a pouca frequência de gêmeos idênticos na população. A identidade antigênica entre doador e receptor é absoluta e não se produz, portanto, nenhuma complicação imunológica e sem efeito antitumoral, 2,10 porém pode haver recidivas. ü Transplante Autólogo: as células-tronco hematopoéticas provêm da medula óssea ou do sangue periférico do próprio indivíduo a ser transplantado (receptor). Nesse caso, as células progenitoras são coletadas previamente de forma programada, quando o paciente se encontra em remissão completa da doença, exceto no caso do Mieloma Múltiplo que, apesar de a medula óssea estar infiltrada de plasmócitos, eles não são oncogênicos, e haverá redução da massa tumoral e aumento da sobrevida. Este tipo de transplante tem menos risco que o alogênico por não existir nenhum tipo de reação imunológica entre receptor e doador; por isso, pode ser usado em pacientes mais idosos. Entretanto, como o efeito antitumoral é menor, o índice de 11 recidivas é maior. Para a obtenção de células progenitoras hematopoéticas são necessárias quantidades adequadas de células da medula, as quais podem ser coletadas na crista ilíaca posterior, através de múltiplas punções e aspirações da medula, ou do sangue periférico, através de máquinas de aférese 2,12,13 ou ainda do sangue do cordão umbilical. As indicações para os transplantes alogênicos e singênicos são divididos em doenças não neoplásicas e doenças neoplásicas (Tabela 1). Tabela 01 – Indicações de Transplante de TCTH Doenças não neoplásicas Doenças neoplásicas Anemia aplástica grave (AAG) Leucemia Mielóide Crônica (LMC) Anemia de Fanconi Leucemia Mielóide Aguda (LMA) Chediaki-Higashi Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) Wistok-Waldrich Síndrome Mielodisplásica Imunodeficiência combinada severa; Leucemia mielomonocítica crônica Osteoporose Mielofibrose maligna aguda Adenoleucodistrofia Linfomas não Hodgkin Leucodistrofia metacromática infantil Talassemia maior Anemia falciforme Fonte: FERNANDI,2010. A DOENÇA HOSPEDEIRO DO ENXERTO CONTRA O A DECH é uma síndrome cuja patologia se caracteriza pelo fato de células imunocompetentes do doador, após o TCTH, serem responsáveis por desencadear uma grande cascata de mediadores inflamatórios (citocinas), que irão ativar o sistema imunológico do receptor, fazendo com que o mesmo, ataque e lesione órgãos e tecidos como 3 pele, fígado e todo o trato gastrointestinal (TGI). E. Donnall Thomas e sua equipe médica, em meados de 1957, foram os responsáveis pela realização dos primeiros TCTH e também pela descoberta da DECH. Em 1962, esse grupo de pesquisa observou uma síndrome secundária recorrente do processo de TCTH que ocorria após a “pega” do enxerto e se caracterizava pela presença de perda de peso, quadro diarreico, lesões em pele e fígado, presença de infiltrado linfocitário e aumento do tecido linfóide 4,14 no enxerto. Diante dessa descoberta, em 1966, Billingham, médico que também fazia parte da equipe de Thomas, estabeleceu alguns critérios, utilizados até hoje, que caracterizam o aparecimento da DECH, são eles: ü O enxerto deve possuir células imunocompetentes; ü O receptor deve apresentar antígenos reconhecidos como não próprio pelas células imunocompetentes da medula óssea enxertada; ü O organismo do receptor deve ser incapaz de destruir as células imunocompetentes presen5 tes no enxerto. Atualmente, já estão bem estabelecidos os fatores que podem favorecer a DECH: ü Doadores não aparentados; ü Incompatibilidade do sistema HLA; ü Altas doses de quimioterapia no “regime de condicionamento”, que podem vir a ocasionar lesões no trato gastrointestinal (TGI) aumentando assim os níveis de secreção de citocinas. A DECH possui algumas classificações e subclassificações, podendo se apresentar como, limitada, quando as lesões estão localizadas apenas na pele ou em apenas um órgão; extensa, quando ocorrem múltiplas lesões na pele e acometimento de vários órgãos; e ainda como aguda (DECH-a) e 15 crônica (DECH-c). DECHa e DECHc A principal diferença entre DECHa e DECHc se encontra no mecanismo distinto de ativarem o sistema imune. Na DECHa o resultado final é a ativação completa de linfócitos T alorreativos, enquanto na DECHc estão envolvidos a ativação de linfócitos T auto e alorreativos com formação de 4, 16,17 anticorpos, ou seja, ativação de linfócitos B. A DECHa e DECHc eram classificadas e diagnosticadas de acordo com o período em que seus sinais de sintomas apareciam: DECHa se manifestava em até 100 dias após o TCTH e a DECH-c se manifestava no período após esses 100 dias. Em 2006, o National Institutes of Health (NIH), padronizou os critérios de diagnóstico e diferenciação para DECHa e DECHc, não mais baseados no período em que ocorre e sim em seus sinais e sintomas, sendo estabelecidos novos 15,18 critérios de classificação. Assim, a DECHa pode ser subclassifica em: ü Clássica: quando ocorre antes de 100 dias após o TCTH e apresenta sinais e sintomas como exantema maculopapular na superfície corporal e intenso quadro de diarreia, náuseas, vômito, anorexia, íleo paralitico ou hepatite colestática; ü Tardia: quando seus sinais e sintomas aparecem após 100 dias da realização do TCTH, acontece frequentemente após a retirada dos imunossupressores. ü Grau I, II, III e VI, de acordo com a gravidade das manifestações clinicas (Tabela 2). Tabela 2 - Manifestações Clínicas e Diagnóstico para DECHa Pele (rash maculopapular) Fígado (Dosagem de Bilirrubina Total) Trato Gastrointestinal (Diarreia) Grau I Presente em menos de 50% da superfície corporal Sem alteração dos valores de referencia Sem quadro de diarreia Grau II Presente em mais de 50% da superfície corporal 2,0 – 3,0 mg/dL Entre 500 e 1.000 ml/dia, com náuseas e vômitos Grau III Presente em mais de 50% da superfície corporal 3,1 – 15,0 mg/dL Acima de 1.000 ml/dia Acima de 15,0 mg/dL Dor abdominal grave com ou sem presença de íleo paralitico. Grau IV Eritroderma generalizada com presença de bolhas e descamação Fonte: BOUZAS, 2010. (Adaptado) E a DECHc é subclassificada como: ü Clássica: na qual apresenta sinais e sintomas como despigmentação da pele, eritema, alopecia, artralgia, edema em membros superiores e inferiores, insuficiência do pâncreas (Tabela 3); ü Síndrome de Sobreposição: se caracteriza pelo aparecimento dos sintomas clássicos 16,19 da DECHa e DECHc. Tabela 3 – Manifestações Clínicas e Diagnóstico para DECH-c Órgão ou Sistema Pele Unhas Cabelos Boca Olhos Trato gastrointestinal Fígado Pulmão Músculos e Articulações Alterações Imunohematológicas Outras Sinais e Sintomas - Despigmentação - Alterações de Esclerose - Hiper/hipopigmentação - Edema - Prurido - Distrofia - Unhas opacas - Perda das unhas - Alopecia cicatrizante ou não - Descamação com pápulas no couro cabeludo - Restrição na abertura da boca pela esclerose - Xerostomia - Úlceras - Gengivite e mucosite - Eritema - Dor - Ressecamento e dor - Conjuntivite - Fotofobia - Hiperpigmentação periorbitária - Blefarite - Estenose do terço médio superior do esôfago - Insuficiência do pâncreas exócrino - Dosagem de Bilirrubina total e Fosfatase Alcalina > 2x acima do valor de referência. - ALT e AST > 2x maior que os valores de referência. -Bronquiolite obliterante (diagnóstico através de biopsia pulmonar. - Fasciíte - Endurecimento das articulações - Edema nas articulações - Câimbras musculares - Artralgia ou Artrite - Trombocitopenia - Eosinofilia - Linfopenia -Presença de Autoanticorpos (AHAI e PTI) - Derrame Pericárdico ou Pleural - Neuropatia periférica - Ascite Fonte: BOUZAS, 2010. (Adaptado) A COMPATIBILIDADE ENTRE O SISTEMA HLA O Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC), localizado na região do braço curto do cromossomo 6 (6p 21.3), trata-se de uma região do genoma humano responsável por uma grande variabilidade de genes funcionais (loci). Em humanos esse complexo é conhecido como Antígenos Leucocitários Humanos (HLA), pois foi detectado por J. Dausset, em 1958, na superfície 20 de leucócitos. O sistema HLA pertence a um conjunto de genes que possuem como principal função a de codificar as principais moléculas encarregadas pela apresentação do antígeno na superfície, participando, portanto, da imunidade adquirida, mas podendo participar da imunidade inata, por meio de sua interação com as células Natural 5,21,22 Killer (NK). Os genes HLA são os mais polimórficos do genoma humano, com milhares de alelos descritos. Essas moléculas apresentam numerosas funções do sistema imune, como: responsabilidade pela seleção clonal, indução de tolerância imunológica, imunidade mediada por células T, resposta inflamatória e produtos celulares como as citocinas e anticorpos. O sistema HLA também esta está diretamente relacionado ao processo de rejeição de órgãos e tecidos e à suscetibilidade para algumas doenças 23 infecciosas e autoimunes. O sistema HLA contém aproximadamente quatro milhões de pares de bases e seus genes encontram-se fisicamente agrupados dentro de três regiões distintas, denominadas classe I, II e III. A região classe I (porção mais telomérica) apresenta os genes que codificam as moléculas clássicas HLA-A, HLA-B e HLA-C e as moléculas não-clássicas HLA-E, HLA-F, HLA-G. A região classe II apresenta cinco loci, denominados DP, DN, DO, DQ e DR, localizados próximo ao 6 centrômero. As moléculas classe I estão presentes em todas as células nucleadas e plaquetas, e são responsáveis por apresentar antígenos (peptídeos) aos linfócitos T citotóxicos (TCD8+). As moléculas classe II são encontradas apenas em linfócitos B, macrófagos, monócitos, células de Langerhans, células dendríticas, células endoteliais e linfócitos T quando ativados, são responsáveis pela apresentação de antígenos aos linfócitos TCD4+. Já as moléculas de classe III não possuem a função de apresentar antígenos, sendo responsáveis pelo sistema complemento (C2, C4 e 7,24 fator B) e pelo fator de necrose tumoral (FNT). O reconhecimento dos antígenos pelos linfócitos T através das moléculas do sistema HLA, podem ocorrer por duas vias; a via citosólica, na qual a molécula HLA classe I irá se associar ao antígeno endógeno, essa associação ocorre com a ajuda de três proteínas: a chaperonina que mantém o complexo HLA estável até a ligação com a β2 microglobulina; a TAP (Transporter of Associated Peptide), que aproxima o antígeno da molécula HLA; e a LMP (Large Multipurpose Protease), cuja função é degradar as proteínas sintetizadas na célula em fragmentos constituídos por nove aminoácidos. A molécula HLA classe I passa, então, a expressar, na superfície de sua célula, amostras de seu metabolismo protéico. Se ocorrerem alterações nesses produtos do metabolismo, elas serão reconhecidas pelo sistema imune via linfócito T citotóxico (CD8). Na via endolítica, o antígeno exógeno, fagocitado pela célula e digerido por enzimas proteolíticas, origina diversos peptídeos que se associam às moléculas HLA classe II. O complexo formado migra para a superfície da célula onde é 21 reconhecido pelo linfócito T auxiliar (CD4). De acordo com Buhler et al. (2012), o elevado polimorfismo nos genes HLA torna pouco provável que dois indivíduos escolhidos aleatoriamente na população expressem moléculas HLA idênticas. Essa diferença genética pode ser vista como a base da rejeição para os transplantes, que tem sido considerada a barreira que impede seu sucesso, pois ao reconhecer um antígeno incompatível com o organismo do receptor, irá conduzir a resposta imune celular e humoral, que por sua vez acarretará na destruição do órgão ou enxerto transplantado. A aloimunização é a formação de anticorpos quando ocorre a exposição do indivíduo a antígenos não próprios. Nos transplantes, as células alogênicas do doador, que expressam as diferenças polimórficas dos alelos HLA, são responsáveis pela sensibilização do receptor. Dessa forma, os linfócitos TCD4 recebem, através de seus receptores de membrana, o primeiro sinal de ativação que leva à sua proliferação e produção de 25 citocinas. As citocinas, por sua vez, induzem a expansão de clones de linfócitos TCD8 e a diferenciação de linfócitos B em plasmócitos, que irão secretar anticorpos específicos para os determinantes antigênicos das moléculas HLA do doador. A aloimunizacão pode ocorrer tanto pelos antígenos HLA classe I, quanto pelos antígenos HLA 20 classe II. O PAPEL DAS CITOCINAS IMUNOPATOGÊNIA DA DECH NA As citocinas são classificadas como proteínas que possuem uma ampla distribuição em diversos tipos celulares, conhecidas como mediadores pleiotrópicos, possuindo papel muito importante na comunicação celular. Essa comunicação ocorre devido sua interação com os receptores de membrana presentes nas células, portanto, as citocinas também podem ser conhecidas como glicoproteínas 23 transmembrânicas. Esses estímulos bioquímicos gerados pelas citocinas são responsáveis por desempenhar várias funções, como influenciar o crescimento e diferenciação de linfócitos e regular a intensidade da 26 resposta imune. De acordo com estudos realizados por Jaksch e Mattsson (2008), as citocinas são liberadas durante o “regime de condicionamento”, período que antecede o TCTH, no qual ocorre o processo de destruição por irradiação e quimioterapia total da medula óssea do receptor (ablação medular), atuando como uma cascata enzimática que ativa sequencialmente monócitos e linfócitos. A imunopatogenia da DECH é complexa e pode ser dividida em fase aguda e crônica, sendo a 26 fase aguda subdividida em três etapas. Na etapa I, devido ao regime de condicionamento, o processo de destruição da medula óssea leva a uma lesão de vários tecidos do receptor, incluindo mucosa intestinal e fígado, que ocasiona a secreção das primeiras citocinas inflamatórias: o Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α) e as Interleucinas-6 e 1 (IL-6 e IL-1), que no póstransplante irá ocasionar: ü Aumento da expressão do antígeno HLA, que estimula os fatores de reconhecimento do MHC e o Complexo de Histocompatibilidade Secundário, conhecido como mHag (originais das regiões polimórficas de proteínas presentes nas células-alvo do receptor); ü Maturação de células dendríticas por ação da IL-6; ü Início do processo de ativação e maturação de células TCD4 do doador (presentes no transplante); ü Liberação de lipopolissacarídeos, que irá aumentar ainda mais a produção de citocinas TNF-α e IL-6, ocasionando dano celular ao trato gastrointestinal; ü Início do processo de apoptose endotelial. Na fase II, irá ocorrer: ü Proliferação das células TCD4, ativadas na fase I; ü Produção de citocinas inflamatórias IL-2 e Interferon-γ (INF-γ) pelo Th1 que irão induzir a expansão de linfócitos TCD4, TCD8 e NK; ü Estimulação do antígeno HLA de classe I e II, que potencializará a ativação dos linfócitos TCD8+ e TCD4+, respectivamente; ü Ativação completa das células T devido ativação do antígeno B7 nas Células Apresentadoras de Antígenos (APCs) e consequente ativação dos receptores CD28 e CTLA-4 nas células TCD4. ü Produção de citocinas supressoras Th2 (IL4, IL-10, células T supressoras CD4- e CD8) que irão tentar controlar a cascata do processo inflamatório e intensidade da DECH. Na fase III irá ocorrer: ü Ativação de fagócitos e células mononucleares por ação do INF-γ; ü Ativação dos queratinócitos e fibroblastos por ação dos lipossacarídeos, ocasionando manifestações tegumentares da DECH; ü Produção de outros tipos de citocinas pró-inflamatórias. A fase crônica da DECH pode se manifestar entre 3 a 6 meses após o TCTH, podendo ser resultante da DECH aguda (forma progressiva) ou não, e se caracteriza pelo reconhecimento tardio de linfócitos T autorreativos do doador, que reconhecem as diferenças alogênicas do receptor e através de citocinas como IL-4 e INF-γ estimulam a ativação de linfócitos B autorreativos, produzindo assim auto-anticorpos que ocasionarão dano ao enxerto pela ativação de células mononucleares e fibrose tecidual, além da presença de atrofia e 14,15 disfunção tímica. Assim, a seleção tímica para eliminação de clones de células T alo ou auto-reativas se encontra 27 ineficaz. Células do tipo Th1 e Th2 irão estimular a produção das citocinas IL-4, INF γ e TNF-α, que por sua vez, irão estimular a produção de colágeno e produzir as lesões fibróticas características da DECH crônica. Células do tipo Th3 também estão presentes na síndrome da DECH crônica e irão estimular a produção de Fator de Necrose TumoralBeta (TNF-β), que é responsável por ocasionar mudanças esclerodérmicas na pele, pelo fato de ser capaz de estimular a matriz extracelular e imunossupressão prolongada, por também ser uma citocina que atua desempenhando papel regulatório 28 no sistema imunológico. POLIMORFISMOS GÉNETICOS NA DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO Os polimorfismos genéticos correspondem a variações naturais de um gene ou cromossomo. Podem atuar como marcadores genéticos, já que são transmitidos associados a outros genes localizados na região cromossômica próxima a eles. Essas variações na sequência de DNA podem criar ou destruir sítios de reconhecimento de enzimas de restrição e podem estar associados a 27 apenas uma base. A frequência de alelos heterozigotos para o polimorfismo genético ocorre geralmente numa 29,30 frequência superior a 1% na população geral. A produção das citocinas está sob rigoroso controle genético, assim polimorfismos nas regiões codificadoras, íntrons ou regiões promotoras dos genes associados à produção de citocinas, podem alterar a ligação dos fatores de transcrição gênica, causando variações na quantidade de citocina 31,32 produzida conforme a região gênica afetada. Um indivíduo pode ser capaz de produzir níveis altos, intermediários e baixos de citocinas de acordo com a herança e expressão de alelos, sendo este um fator atualmente ligado ao desenvolvimento 7,13 da DECH. Nesse contexto, a variação individual da resposta imune a transplantes esta relacionada à variação genética na regulação da expressão dos genes de citocinas. Vários genes já foram associados ao desenvolvimento e gravidade da DECH, bem como à sobrevida dos pacientes, por modularem a intensidade da inflamação e os danos 19,33 teciduais após o TCTH. Trabalhos envolvendo polimorfismos genéticos de citocinas e suas correlações com a DECH vêm apresentando resultados relevantes. Contudo, ainda existem muitas discrepâncias entre os estudos que tem avaliado essa relação entre o sucesso do TCTH e a presença de polimorfismos Nessa revisão, elencam-se os principais achados sobre esta temática (Tabela 4). Tabela 4 - Estudos sobre polimorfismos de genes de citocinas associados com a doença do enxerto contra o hospedeiro. Polimorfismo Características Autor SNP/ Genótipo Dominici et al., 2002 IL1A-889 TT ↑ da resposta imunológica DECHa IL1RN, IL1A889, Incidência DECHa e DECHc e IL1AVNTR sobrevida após o transplante Dinarello, 1996 Rocha et al., 2002; Cullup et al., 2001 Incidência DECHa de grau II-IV. -330 G/G (Macmillan et al., 2003) John et al. (1998) - 3X na produção de IL-2 em indivíduos homozigotos MacMillan et al. (2003b) G\G quando comparados aos homozigotos T\T Hoffmann et al., 2001 +166 Mutação silenciosa John et al. (1998) -174 G/G ↑ probabilidade de DECHa Cavet et al. (2001) -174 G/C e C/G ↑ probabilidade de DECHc Cavet et al. (2001) -1237 A/G ↑ da mortalidade Shamim et al., 2006 IL-18 haplótipo GCG 137,607, ↓ do risco de mortalidade Cardoso et al., 2004 656 Middleton ↑ da DECHa mais grave e DECHc, com baixa Cavet IL-10 -1064 sobrevida. et et Takahashi Cavet al., al., et et al., al., 1998; 1999; 2000; 2001; Nordlander et al., 2002; Bettens et al., 2006 1082 G/G, IL-10 IL-10 ↑ incidência de DECHa ou DECHc. Rocha et al. 2002 ↑ incidência de DECHa com risco de mortalidade. Dickinson et al. 2001 -1082,-592, Socié et al., 2001 -819GCC/GCC Keen et al., 2004 -592 A/A ↓ Incidência de DECH grau III e IV e morte em Lin et al., 2003 remissão IL-10 haplótipo IL10 , -1082, - Risco aumentado de DECH crônica Kimet al., 2005 819, -592ATA Bogunia-Kubik et al., 2003; Complicações tóxicas em transplantes HLA-idênticos Bettens et al., 2006 TNF-α TNF-α íntron 2 (alelo A) aparentados ou não e alta mortalidade TNF-α -308 GG/GA Em HLA-idênticos não-aparentados à pega tardia de Takahashi et al. 2001 neutrófilos. TNF-α +488A Forma grave de DECHa e mortalidade precoce na Mullighan, Bardy, 2004 DECHc TNF -863(C/A) e -857 (C/T) Associado a DECHa grau III e IV. Menor recaída. Ishikawa et al., 2002 TNF -238G/A Maior gravidade e incidência de DECH crônica Viel et al., 2007 TNF TNFd3/d3 ↑ incidência de DECHa, grau III e IV e IL10 -1064, Klöger et al., 2000 DECHa severa. Keen et al., 2004 Alta mortalidade em HLA-idêntico não-aparentado. TNF TNFd4 DECH moderada à grave em HLA-idêntico não- Nordlanderet al., 2002 aparentado Awad et al., 1998 ↑ incidência na DECHa, enquanto outros relatam que Leffell et al.,2001 e Hattori TNFβ1 +869 e +915 TG/GG 92% dos indivíduos não desenvolveram a doença. et al., 2002 Fibrose medular Tambur et al., 2001 Pravica INF-γ +874AA Risco de DECH aguda et al., 1999; Mlynarczewska et al., 2004 Considerações Finais A Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro é uma síndrome clínica caracterizada por inúmeros sintomas, sendo uma das principais causas de morbimortalidade após o TCTH. Esta reação ocorre devida uma resposta alorreativa dos linfócitos do enxerto contra os antígenos de histocompatibilidade do hospedeiro, sobretudo após o transplante alogênico, embora tenha ocorrido em casos raros de transplante autólogo. Tendo em vista que o sistema HLA é responsável pelo reconhecimento do próprio e não próprio, a genotipagem HLA detalhada e nãoHLA pode ser útil para melhorar o curso do TCTH, auxiliando na seleção do doador e identificando receptores com alto risco para desenvolver a DECH. A DECH é um processo complexo e seu controle não depende de um único agente, dessa forma, o conhecimento da imunopatogênese é um fator crucial para a prevenção ou controle da doença. Como perspectivas futuras, estudos de polimorfismos gênico das citocinas poderão ser usados como marcadores de prognóstico e evolução dos pacientes pós TCTH. Além disso, estudos de cinética da coexistência de células do doador e do receptor que visa à detecção de quimera mista pós-transplante estão sendo desenvolvidos para diminuir os casos de rejeição e DECH. Enquanto isso, sugere-se que pesquisas sejam realizadas para o desenvolvimento de uma terapia imunossupressora adequada para os pacientes que apresentarem a DECH. Referências: 1. 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