Transplante de Células Tronco Hematopoéticas Fábio Rodrigues Kerbauy Andreza Alice Feitosa Ribeiro Introdução Transplante de células tronco hematopoéticas (TCTH) é uma modalidade de tratamento baseado na infusão de células tronco hematopoéticas (CTH) do próprio paciente (autólogo) ou de doador da mesma espécie (alogênico), aparentado ou não aparentado. É utilizado primariamente para o tratamento de doenças hematológicas, embora outros tipos de doenças sejam também tratados (Tabela 1). Anualmente são realizados em todo mundo mais de 15.000 TCTH autólogos e 30.000 alogênicos. Esquema de tratamento básico 1. Regime de Condicionamento: Administração de quimio e/ou radioterapia em altas doses (mieloablativo) ou com doses reduzidas (não- mieloablativo) antecedendo a infusão de CTH. Tem como principais objetivos: imunossupressão do doador e erradicação ou diminuição da doença residual de base. 2. Infusão de CTH: Coletadas por punção de medula óssea, aférese ou de cordão umbilical e infundidas através de cateter venoso central. 3. Profilaxia da Doença do Enxerto Contra Hospedeiro (DECH): Realizada somente no TCTH alogênico, através do uso de agentes imunossupressores (ex: ciclosporina e metotrexate) por tempo variável. Fonte de Células Tronco Hematopoéticas 1. Medula Óssea: Coleta realizada através de sucessivas punções aspirativas da medula óssea do doador. Embora traga desconforto ao doador, é seguro. 2. Células Tronco Periféricas: A constante circulação de CTH da medula óssea para o sangue periférico, possibilita sua coleta realizada através de aférese do doador. Realiza-se mobilização das CTH com fatores de crescimento ou inibidores de receptores de citocinas, que promovem circulação de grande quantidade de CTH no sangue periférico. É um método bastante conveniente e de escolha para TMO autólogo e maioria dos TMO alogênicos atualmente. É um método rápido e possibilita coleta de grande quantidade de CTH, conferindo recuperação hematopoética mais rápida. Por outro lado, o produto final apresenta maior quantidade de linfócitos T do que o produto coletado diretamente da medula óssea, levando a maior incidência de DECH, principalmente de DECH crônico. 3. Células Tronco de Sangue de Cordão Umbilical: O sangue de cordão umbilical é rico em CTH, mas devido ao pequeno volume coletado e ao menor número de CTH obtidas, possibilita transplantes principalmente em crianças e adultos de baixo peso. Geralmente a reconstituição imunológica é lenta. É escolhido para pacientes sem doadores HLAidênticos e que necessitam de TCTH rapidamente. A utilização de mais de um doador vem sendo empregada com sucesso, uma vez que a disparidade do sistema de histocompatibilidade humano é um fator de prognóstico de menor importância quando comparado ao número de CTH infundidas. 4. Células Tronco de Doador Haplo-idêntico: Atualmente existem dados suficientes na literatura que mostram a possiblidade de vencer a barreira do sistema de histocompatibilidade humano no TCTH. A utilização de ciclofosfamida no pós transplante é uma das técnicas que mais vem sendo utilizada para diminuir a possibilidade de rejeição e as altas taxas de DECH que eram comumente encontradas neste tipo de transplante com incompatibilidade HLA. Publicações recentes têm mostrado que transplante haploidêntico com ciclofosfamida-pós pode levar a taxas de sobrevida semelhantes a transplante com doadores não-aparentados HLA-compatível, tornando-se mais uma opção de tratamento para pacientes sem doadores familiares HLA-compatíveis. Complicações Mucosite: é uma das complicações mais freqüentes no TMO, especialmente naqueles que utilizam regimes de condicionamento mieloablativo. Além de cuidados gerais de saúde bucal, a utilização de LASER e uso de fatores de crescimento de queratina podem ser úteis na profilaxia e tratamento. Síndrome da Obstrução Sinusoidal hepática (SOS): também conhecida como doença veno-oclusiva Hepática é caracterizada por hepatomegalia dolorosa, icterícia e retenção hídrica. Decorre do dano de células endotelias sinusoidais, causando obstrução da circulação hepática e lesão hepatocelular. É potencialmente fatal. O uso de irradiação corpórea total, bussulfano e ciclofosfamida são algumas drogas que podem causar SOS. Alguns fatores de risco como doença hepática crônica e polimorfismos específicos do gene da hemocromatose são bem estabelecidos. A profilaxia através da seleção cuidadosa do regime de condicionamento deve ser preconizado. O uso de defibrotide está indicado em casos severos. Infecções relacionadas ao TMO: O conjunto de alterações clínicas frequentemente presentes no TMO como quebra de barreiras cutânea e mucosa, neutropenia e imunossupressão são fatores que predispõe pacientes transplantados a infecções por inúmeros agentes virais, bacterianos e fúngicos. Doença do enxerto versus hospedeiro agudo: É a complicação mais importante do TMO alogênico. É desencadeada por linfócitos T citotóxicos aloreativos do doador. A DECH aguda pode acometer pele, fígado e trato gastro- intestinal (TGI). Atinge cerca de 50% dos pacientes a despeito de profilaxia, e o principal fator de risco é a disparidade do sistema HLA. O tratamento inicial para pacientes com grau de DECH aguda maior ou igual a II é a imunossupressão realizada com corticoesteróides. Doença do enxerto versus hospedeiro crônica: Ocorre mais tardiamente, geralmente após 0 dias pós TCTH. Os principais fatores de risco são: idade avançada, fonte de CTH de coleta periférica, doadores não relacionados e presença de DECH aguda. Decorre da perda de auto-tolerância e muitas vezes se assemelha a doenças auto-imunes como esclerodermia e síndrome de Sjogren. Pode acometer um ou mais órgãos como pele, olhos, glândulas salivares, boca, trato gastro-intestinal, fígado e pulmões. Pacientes com doença extensa necessitam de uso de imunossupressão prolongada levando a complicações crônicas secundárias como diabetes, osteoporose e infecções. Está associada ao efeito conhecido como enxerto-versus-tumor, uma vez que pacientes acometidos por DECH crônico apresentam menor taxa de recidiva da doença de base. Neoplasias secundárias: O tipo e intensidade do regime de condicionamento empregado, bem como uso prolongado de imunossupressores podem levar a um maior risco de desenvolvimento de tumores de pele, mucosa oral, sistema nervoso central, tireóide e ossos e pacientes tratados com TMO alogênico. Já pacientes tratados com TMO autólogo apresentam maiores riscos de neoplasias hematológicas secundárias como as síndromes mielodisplásicas e leucemias agudas. Resultados Atualmente o TCTH promove a melhor chance de cura para diversas patologias. O sucesso do TCTH depende de diversos fatores do paciente como idade, performance status e doença de base. A sobrevida livre de eventos em 5 anos varia de acordo com o tipo de TCTH e patologia de base e os melhores resultados são alcançados em pacientes com doença em estágios inicias: Linfoma difuso de grandes células em primeira recaída quimiossensível: 45-50% (TCTH autólogo); Linfoma difuso de grandes células B refratário: 5-10% (TCTH autólogo). Leucemia mielóide crônica em fase crônica no primeiro ano após diagnóstico: 70-80% (TCTH alogênico), leucemia mielóide crônica em fase acelerada no: 30-35% (TCTH alogênico). Leituras recomendadas Thomas, E.D.; Blume, K.G.; Forman, S.J. transplantation. 3nd ed., Oxford, Blackwell, 2004. eds. Hematopoietic cell Copelan, EA. Hematopoietic Stem-Cell Transplantation. New England Journal of Méd. - Tabelas Tabela 1. Principais Indicações de Transplante de células tronco Hematopoéticas Transplante Autólogo Transplante Alogênico Doenças neoplásicas Doenças Neoplásicas Mieloma múltiplo Leucemia mielóide aguda Linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin Leucemia linfóide aguda Leucemia mielóide aguda Leucemia mielóide crônica Neuroblastoma Síndromes Mielodisplásicas Câncer de Ovário Doenças mieloproliferativas Outras doenças Linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin Tumores de células germinativas Leucemia linfóide crônica Doenças auto-imunes Mieloma múltiplo Outras Doenças Anemia aplástica Hemoglobinúria paroxística noturna Anemia de Fanconi Anemia de Blackfan-Diamond Talassemia maior Anemia falciforme Imunodeficiência severa combinada Síndrome de Wiskott-Aldrich Erros inatos do metabolismo