doença do enxerto contra o hospedeiro e suas manifestações bucais

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DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO (DECH) E
SUAS MANIFESTAÇÕES BUCAIS
DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO (DECH)
E SUAS MANIFESTAÇÕES BUCAIS
GRAFT VERSUS HOST DISEASE AND
ORAL CHANGES
Renata CÓRDOVA PETERSEN *
Claudia Marcela CANCINO **
Isabel SASADA ***
Caroline DILLENBURG ****
Ingeburg HELLWIG *****
Alexandre BAUMGARTEN ******
Ana Paula SCHERER *******
___________________________________
* Mestranda em Ortodontia na PUCRS. Aluna do Curso de Especialização em Odontologia para
Pacientes com Necessidades Especiais ABO-RS.
** Doutora em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Professora do Curso de Especialização em
Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais ABO-RS.
*** Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Coordenadora do Curso de Especialização em
Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais ABO-RS.
**** Mestre em Patologia Oral. Professora do Curso de Especialização em Odontologia para
Pacientes com Necessidades Especiais ABO-RS.
***** Doutora em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Professora do Curso de Especialização
em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais ABO-RS.
****** Aluno do Curso de Mestrado em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aluno do Curso de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades
Especiais ABO-RS.
******* Aluna do Curso de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades
Especiais ABO-RS.
CÓRDOVA PETERSEN, R.; CANCINO, C.; SASADA, I. et al., Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) e suas
manifestações bucais. Rev. Odontologia (ATO), Bauru, SP., v. 15, n. 9, p. 563-572, set., 2015.
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DOENÇA DO ENXERTO CONTRA O HOSPEDEIRO (DECH) E
SUAS MANIFESTAÇÕES BUCAIS
RESUMO
O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) caracteriza-se
pela infusão intravenosa de células progenitoras hematopoéticas com o objetivo de
restabelecer a função medular. Atualmente constitui a melhor opção terapêutica
para pacientes com doenças hematológicas, genéticas ou ainda, desordens
autoimunes. No entanto, este procedimento requer tratamento concomitante de
imunossupressão, favorecendo o desenvolvimento de determinadas complicações
muitas vezes manifestadas na cavidade bucal e, observadas mais frequentemente
em casos de TMO halogênico, em diferentes períodos pós-transplante. A incidência
e severidade da DECH dependem entre outras coisas do grau de
histocompatibilidade entre o doador e o hospedeiro. Esta complicação do TCTH
pode persistir por meses ou até anos, requerendo que o paciente tenha
acompanhamento multidisciplinar por longo prazo pós-transplante. Existem dois
tipos de DECH distintos e são eles: DECH aguda e DECH crônica. A cavidade bucal
é um sítio de alta predileção para o acometimento da DECH, podendo ser a primeira
expressão ou mesmo o único local detectável e, por este motivo se faz de extrema
importância o acompanhamento do paciente em longo prazo por uma equipe
multidisciplinar composta por médicos e Cirurgião Dentista. A DECH é a principal
causa de mortalidade e morbidade dos pacientes submetidos ao TCTH halogênico,
sendo seu diagnóstico, controle e acompanhamento fundamental para a sobrevida
do paciente.
ABSTRACT
Bone marrow transplantation (BMT) is currently the best therapeutic
option for patients with hematologic diseases, genetic or autoimmune disorders. It is
characterized by intravenous infusion of hematopoietic stem cells in order to restore
marrow function. However, this procedure requires concomitant immunosuppression
treatment, which favors the development of certain complications, often manifested in
the oral cavity. The oral changes were observed more frequently in cases of
allogeneic TMO, in different periods post-transplant. The incidence and severity of
graft-versus-host disease depend among other things on the degree of
histocompatibility between donor and host. This complication of BMT may persist for
months or years and requires the patient to have multidisciplinary follow-up posttransplant long-term. There are two distinct types of GVHD and they are: acute
GVHD and chronic GVHD. The oral cavity is a site of high predilection for
involvement of GVHD and may be the first expression or even the only detectable
site, therefore it is extremely important to monitor the long-term patient by a
multidisciplinary team consisting of physicians and dentist. There is an association
between the presence of graft-versus-host disease (GVHD) and oral changes.
Therefore, it is concluded that there is a relatively high incidence of changes in oral
cavity of patients receiving bone marrow transplantation, a fact which confirms the
need to consider this site for examination. GVHD is the leading cause of mortality
and morbidity of patients undergoing allogeneic BMT, and its diagnosis, control and
monitoring key to patient survival.
Unitermos: Transplante células-tronco hematopoiéticas; Imunossupressão;
Manifestações bucais.
Uniterms: Bone marrow transplantation; Immunosuppression; Oral manifestations.
CÓRDOVA PETERSEN, R.; CANCINO, C.; SASADA, I. et al., Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) e suas
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INTRODUÇÃO
A medula óssea constitui o tecido encontrado no interior dos ossos,
possuindo aspecto gelatinoso e, estando relacionada com a produção de células
sanguíneas, as hemácias, leucócitos e as plaquetas. É formada principalmente por
células sanguíneas imaturas, os hemocitoblastos e células adiposas. A medula
óssea vermelha está presente nos fetos em quase todos seus ossos, porém a
quantidade de hemocitoblastos diminui conforme aumenta a idade do indivíduo,
sendo substituídos por células adiposas. Assim, a medula passa a servir como
depósito de gordura, sendo chamada de medula óssea amarela. A medula
vermelha permanece ativa apenas nas extremidades dos ossos longos, como úmero
e fêmur e, ossos chatos, como a bacia (AZEVEDO, 2010).
Existem diversas doenças podendo alterar o funcionamento normal da
medula óssea, com prejuízo para a hematopoiese. Atualmente, o tratamento mais
indicado para grande parte destas doenças é o transplante de células-tronco
hematopoiéticas (TCTH). Este procedimento terapêutico consiste na infusão venosa
de células do tecido hematopoiético, com a finalidade do restabelecimento da
renovação celular após a aplasia medular, seja ela de causa benigna primária,
secundária a neoplasia maligna ou ainda, relacionada ao tratamento realizado para
estas neoplasias (HUNTER; HAYNES; RUSSELL, 1995). Os TCTH podem ser
divididos em dois tipos de acordo com a origem das células transplantadas, podendo
ser obtidas do próprio paciente, o transplante autogênico / autólogo, de um doador
aparentado ou não, o transplante halogênico, ou entre irmãos gêmeos, o transplante
sengênico. A coleta das células pode ser feita a partir da medula óssea, do sangue
periférico ou ainda, do cordão umbilical (FERRARA; DEEG, 1991 e
MASTROPIETRO; OLIVEIRA; SIMÕES et al., 2010).
Dentre as principais indicações para a realização do TCTH são
encontradas as falhas no funcionamento da medula óssea, como anemia aplástica
severa e, a anemia de Fascino, doenças pré-malignas ou malignas, como a
leucemia linfoblástica aguda, a leucemia mielóide aguda e a crônica, síndromes
mielodisplásicas e linfomas dos tipos Hodgkin e não-Hodgkin. Além disso, o TCTH
também tem sido indicado com sucesso no tratamento de desordens autoimunes
e/ou hematológicas não neoplásicas como as imunodeficiências primárias,
hemoglobinúria paroxística noturna, talassemia, anemia falciforme, além das
doenças genéticas (SANTOS; MESSAGGI; MANTESSO et al., 2009 e BOUZAS;
SILVA; TAVARES et al., 2010).
A literatura atual evidencia a existência de inúmeros fatores
decorrentes deste procedimento podendo resultar em transtornos físicos e/ou
psicológicos para os pacientes, além de ser uma das principais causas de
mortalidade e morbidade do TCTH halogênico, a doença do enxerto contra o
hospedeiro (DECH). É uma síndrome que concilia características de autoimunidade
e imunodeficiência. Esta doença ocorre em virtude da ativação de células T em
resposta às moléculas do complexo de genes de histocompatibilidae principal (MHC)
halogênico após um TMO histocompat
(VIZONI; LIEBER; SOUZA et al., 2008).
antígenos do hospedeiro
como estranhos e, desencadeiam sua resposta imunológica, afetando vários órgãos,
principalmente a pele, fígado, intestino e a cavidade bucal, podendo ter
consequências letais. Os sinais sistêmicos são variados dependendo do órgão
(PEREIRA; GASPARETTO; CORREA, et. al., 2010).
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A cavidade bucal é o sitio de predileção para o acometimento da
DECH, por esta razão e, pelas consequências graves desta doença sendo
fundamental que o paciente receba assistência de uma equipe multidisciplinar e, que
seu acompanhamento seja realizado em longo prazo.
Este trabalho tem como objetivo revisar a literatura e alertar quanto à
importância da presença constante do Cirurgião Dentista no ambiente hospitalar,
uma vez que a DECH é a principal causa de mortalidade e morbidade dos pacientes
submetidos ao TCTH halogênico, sendo o seu diagnóstico, controle e
acompanhamento fundamentais para a sobrevida do paciente.
METODOLOGIA
A metodologia do presente trabalho consistiu, em uma revista
bibliográfica referente ao tema proposto. Foi construído através do levantamento de
dados encontrados na literatura já existente até o ano de 2014 sendo realizadas
pesquisas bibliográficas por meio de artigos científicos dispostos no banco de dados
do Google acadêmico, Bireme e Pubmed, utilizando como palavras chave nos
idiomas português e inglês: DECH, TMO, e BMT. Para demonstrar a importância da
Odontologia para pacientes com necessidades especiais e, a extrema necessidade
de um Cirurgião Dentista compondo a equipe hospitalar. Todos os procedimentos
realizados neste trabalho estão dentro dos princípios éticos contidos na Declaração
de Helsinki, sendo o projeto aprovado pelo Comitê de Ética da Associação Brasileira
de Odontologia do Rio Grande do Sul.
REVISTA DA LITERATURA
A incidência e severidade da DECH dependem do grau de
histocompatibilidade entre o doador e o hospedeiro, idade do doador e receptor,
fonte das células implantadas, além do tipo de preparo pré-transplante (HOLMERG;
KIKUCHI; GOOLEY, 2006). Esta condição ocorre em pelo menos 30% a 50% dos
receptores de transplantes halogênicos aparentados e, 60% a 70% dos receptores
de transplantes halogênicos não aparentados (SANTOS; MESSAGGI; MANTESSO
et al., 2009 e CORACIN; SANTOS; GALLOTTINI et al., 2013). Esta complicação
do TCTH pode persistir por meses e até anos, requerendo que o paciente tenha
acompanhamento multidisciplinar por um longo prazo pós-transplante (MICHALLET;
NICOLINI; FURST, 2005).
Duas formas clínicas principais de DECH estão estabelecidas, cada
qual com duas subcategorias: 1. DECH aguda clássica caracterizando-se por lesões
máculo-papulosas, náusea, vômitos, anorexia, diarreia, íleo paralítico ou hepatite
colestática. Ocorre antes dos 100 dias após o TCTH (WOO; LEE; SCHUBERT,
1997). 2. DECH aguda tardia, persistente ou recorrente caracterizada por alterações
da DECH aguda clássica, sem sinais diagnósticos ou distintos de DECH crônica
ocorre em torno dos 100 dias após o TCTH, sendo frequente depois de retirada da
imunossupressão (WOO; LEE; SCHUBERT, 1997). 3. DECH crônica clássica, sem
características da DECH aguda e, sem limite de tempo (WOO; LEE; SCHUBERT,
1997).
É estabelecido na presença de pelo menos um sinal clínico ou
manifestação distinta, confirmada por biópsia pertinente ou outros testes relevantes.
Além disso, outros possíveis diagnósticos para os sintomas clínicos devem ser
excluídos. A DECH crônica é tida como um fenômeno autoimune em que o
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funcionamento da tolerância para tecidos do hospedeiro é perdida ou apresenta
falhas, afetando mais frequentemente a pele e a mucosa oral (WOO; LEE;
SCHUBERT, 1997 e SANTOS; CORACIN; BARROS et al., 2014). Síndrome de
sobreposição nas quais as características da DECH aguda e crônica aparecem
concomitantemente, sem limite de tempo (WOO; LEE; SCHUBERT, 1997).
Na ausência de confirmação microscópica, ou de sinais ou sintomas
clínicos da DECH crônica, a persistência, recorrência, ou novo aparecimento de
alterações na pele, TGI ou fígado serão classificados como DECH aguda,
independentemente do tempo após o transplante (WOO; LEE; SCHUBERT, 1997 e
SANTOS; CORACIN; BARROS et al., 2014). A DECH crônica embora esteja
associada à menor taxa de recidiva, permanece como principal causa de
morbimortalidade tardia em receptores de TCTH. O frequente acometimento de
vários órgãos e o quadro clínico pleomórfico desta condição determinam um manejo
multidisciplinar, incluindo, além das especialidades médicas, acompanhamento
nutricional, fisioterápico, psicológico e odontológico (ARORA, 2008).
DISCUSSÃO
A cavidade oral é um sítio de alta predileção para o acometimento da
DECH, podendo ser a primeira expressão ou mesmo ainda, o único local detectável
(ARORA, 2008). As manifestações orais da DECH geralmente assemelham-se
àquelas vistas em uma variedade de outras doenças autoimunes do tecido conexivo,
incluindo o Líquen plano reticular e atrófico, a esclerose múltipla, o lúpus e, a
síndrome de Sjögren (ARORA, 2008). Caracterizam-se como lesões liquenóides
(Figs. 1 e 2), ulcerações (Figs. 3 e 5), eritema (Fig. 4) e, atrofia da mucosa,
disfunção das glândulas salivares, mucoceles superficiais, diminuição da abertura da
boca em razão de alterações de esclerodermia e, consequentemente, fibrose
perioral.
Fig. 1- Lesões de DECH nas bordas da língua.
Fonte: Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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Fig. 2 – Lesões DECH ventre da língua, tipo liquenóide, amarelada, com sintomatologia dolorosa.
Fonte: Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Fig. 3 – Lesão de DECH no pilar anterior, esbranquiçada e com sintomatologia dolorosa.
Fonte: Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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Fig. 4 – Lesão DECH no palato, tipo eritematosa, avermelhada, com sintomatologia dolorosa.
Fonte: Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Fig. 5 – Lesões DECH superfície língua e, mucosa labial tipo ulcerativa, dolorosa.
Fonte: Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
A sintomatologia destas lesões caracteriza-se por dor severa,
queimação, xerostomia, disfagia, conduzindo o paciente à carências nutricionais,
impactando negativamente em sua qualidade de vida (MASTROPRIETO;
OLIVEIRA; SIMÕES, 2010). O aspecto liquenóide é o mais descrito nos pacientes
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com manifestações orais da DECH (CARDOZO; LIEBER; MARQUES et al., 2012).
O diagnóstico diferencial pode ser feito com infecção viral, toxicidade por drogas e,
carcinoma espinocelular e, nestes casos, o exame microscópico é obrigatório. Uma
vez detectado na boca, a DECH deve ser investigada em outros órgãos (LIMA,
FERNANDES; FERREIRA, 1980 e BOUZAS, SILVA; TAVARES et al., 2010).
Quando a doença se limita à pele e/ou mucosa oral, somente o
tratamento local pode amenizar as manifestações. Exemplos incluem solução oral
de dexametasona e esteróides tópicos. Quando a doença afeta amplamente outros
órgãos, preconiza-se terapia imunossupressora sistêmica, incluindo uma
combinação de agentes como corticosteroides e ciclosporina (ARORA, 2008).
Em casos onde a DECH não responde ao tratamento citado
anteriormente têm sido usadas células-tronco mesenquimais (CTM). Elas são raras,
estando presentes na medula óssea com frequência de 0,001% a 0,01% de todas as
células nucleadas medulares. Caracterizam-se pela positividade por pelo menos 4
marcadores de superfície, entre eles, Stro-1+, CD73 (SH3/SH4), CD105 (SH2) e
CD90 (Thy-1) e, ne
(ARDORISIO; DE
LUCA; ROSSI et al., 2006). Estas células apresentam a propriedade de aderência
ao plástico, podendo ser cultivadas na presença de soro bovino fetal, com rápida
multiplicação de até aproximadamente 40 vezes. Obtém-se, portanto, cerca de um
bilhão de células mesenquimais a partir da cultura de uma única célula. Aliada a
esta propriedade, as CTM células expressam níve
, evita que as células-tronco mesenquimais sejam
eliminadas pelos linfócitos NK (natural killer). Por outro lado, a ausência de MHC
classe II e de moléculas co-estimuladoras (CD40, CD40L, CD80 e CD86) permitindo
impedindo a ativação de linfócitos T CD4+ e T-CD8+.
Este potencial
imunossupressor conduziu diversos pesquisadores a desenvolverem ensaios
clínicos utilizando CTM para o tratamento da DECH e, em muitos casos o sucesso
tem sido relatado, porém necessita-se de mais pesquisas nesta área (ARDORISIO;
DE LUCA; ROSSI et al., 2006 e CARDOZO; LIEBER; MARQUES et al., 2012).
O diagnóstico definitivo da DECH é obtido através de anamnese e
exame físico, sendo confirmado pela biópsia da pele, mucosa oral ou trato digestivo.
A biópsia da mucosa oral evidencia hiperceratose ou atrofia do epitélio, degeneração
hidrópica da camada basal, fenda subepitelial, ceratinócitos necróticos com núcleos
picnóticos isolados na camada espinhosa, edema intracelular epitelial, além de
corpos apoptóticos. No tecido conjuntivo, pode-se observar infiltrado linfocítico sub
epitelial difuso e fibrose da lâmina própria. Microscopicamente, a DECH deve ser
distinguida do líquen plano, lúpus eritematoso e síndrome de Sjögren (ELAD;
ZEEVI; RESNICK, 2010 e RESENDE; DE FATIMA; ARÃO et al., 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cuidados gerais relativos ao paciente submetido ao TMO incluem
avaliações odontológicas rotineiras, devendo estar inseridas em um contexto
multiprofissional. A cavidade oral representa um sítio propício para infecções, com
grande potencial de desenvolvimento de bacteremia. É consenso entre os órgãos
internacionais de tratamento do câncer o fato de que focos infecciosos na cavidade
oral são fontes potenciais de infecções sistêmicas, destacando-se a doença
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periodontal avançada e a lesão periapical de natureza endodôntica. Desta forma, é
de fundamental importância a realização de exame minucioso deste local e,
adequado manejo de possíveis lesões, se possível, previamente à realização do
transplante. Após TMO, o paciente torna-se susceptível a várias complicações e, de
25 a 70% envolvem a cavidade bucal. Além disso, muitos estudos têm mostrado a
cavidade oral dos receptores de TMO como ambiente favorável para o
desenvolvimento de infecções oportunistas e, manifestações estomatológicas de
maior gravidade, tais como lesões malignas.
Observa-se, portanto, que a cavidade bucal representa um órgão de
grande importância no controle de complicações após realização de TMO, devendo
receber especial atenção durante os períodos de preparação e acompanhamento
dos pacientes transplantados.
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_____________________________________
* De acordo com as normas da ABNT e da Revista da ATO.
o0o
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