Atendimento ginecológico de mulheres submetidas a transplante de

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Atendimento ginecológico de mulheres submetidas a transplante de
células tronco hematopoéticas
INTRODUÇÃO
O transplante de células tronco hematopoéticas (TCTH) é indicado para
tratamento de doenças hematológicas malignas e benignas, além de outras
afecções não hematológicas, como doenças auto-imunes.
A doença do
enxerto contra o hospedeiro (DECH) ainda é uma das principais causas de
morbi-mortalidade
e
prejuizo
da
qualidade
de
vida
dos
pacientes
transplantados com células-tronco hematopoeticas alogenicas.
Os órgãos mais comumente afetados são a pele, olhos, boca, pulmões, fígado,
intestino e genitais. Especificamente, a DECH ginecológica é uma complicação
comum e subnotificada, acometendo em torno de 25% de todas as mulheres
submetidas a TCTH. Vulva e vagina podem ser acometidas, tendo como
principais sinais e sintomas: sensibilidade à palpação de aberturas das
glândulas vestibulares ou mucosa vulvar, erosão da mucosa, fissuras,
leucoqueratose, fusão labial ou clitoridiana, aderências, anel fibroso vaginal,
encurtamento vaginal, sinéquias, estenose vaginal completa, além de secura,
ardor, prurido, dor ao toque, disúria, dispareunia e consquente disfunção
sexual.
Além da DECH genital, aspectos ginecológicos de saúde comum a todas
as mulheres em idade reprodutiva podem ter considerações exclusivas em
mulheres pós-transplante. Estes incluem: avaliação e prevenção de alteracões
relacionadas com HPV (papiloma vírus humano), contracepção, fertilidade,
duvidas relativas a gestação, saúde sexual, e para, aquelas que desenvolvem
falência ovariana prematura, condições relacionadas a saúde menopausal,
incluindo terapia hormonal.
Dessa forma, é mandatória a orientação das mulheres na avaliação prétransplante,
alertando-as
para
possível
ocorrência
da
DECH,
suas
manifestações iniciais e prováveis sequelas, bem como avaliação ginecológica
periódica, pode previnir o comprometimento, muitas vezes irreversível, das
complicações ginecológicas.
Incidência e Fatores de risco da DECH ginecológica
A incidência de DECH ginecológica varia entre os estudos publicados,
com taxas de 2% a 49%.
Em 68% dos casos, o comprometimento é apenas vulvar, enquanto que
em 26%, tanto vulva quanto vagina são comprometidas, sendo que as lesões
vulvares geralmente precedem as vaginais. A defasagem entre o início de
acometimento vulvar e vaginal oferece oportunidade para que as medidas
profiláticas sejam implementadas para evitar a ocorrência de complicações
mais graves, como estenose vaginal, com consquente prejuízo da função
sexual.
O aparecimento de DECH genital pode ser a manifestação de DECH
inicial em até 27% dos casos. Muitas vezes, está associada a manifestações
da DECH em outros órgãos, especialmente pele e outros com superfícies
mucosas, como boca, olhos e trato gastrointestinal.
Infecção pelo papilomavírus humano (HPV)
O desenvolvimento de tumores sólidos é uma complicação em longo
prazo do TCTH.
As manifestações clínicas da infecção pelo HPV incluem verrugas
vaginais e vulvares, assim como neoplasia intra-epitelial anal e genital. [
A
reativação de vírus latentes, como hepatite B, citomegalovírus e herpes vírus,
muitas vezes ocorre em imunodeprimidos, após TCTH . Da mesma forma
parece ocorrer com o HPV. Portanto, verrugas anogenitais com aparecimento
recente e anormalidades citológicas provavelmente representam a reativação
da infecção pelo HPV existente, ao invés de aquisição de nova infecção. Além
disso, a manifestação clínica do HPV nessas pacientes pode ser mais comum
e mais rapidamente progressiva, como se observa em outras pacientes
imunodeprimidas .
Estudos recomendam que, nessas mulheres, seja feito exame
ginecológico, incluindo citologia cervical, uma vez por ano. No caso de lesões
genitais suspeitas, colposcopia e biópsia dirigida são recomendadas.
Dada a relevância da infecção por HPV na patogênese do câncer de colo do
útero, vacinação contra o HPV pode ser oferecida para mulheres jovens após
transplante. Vale considerar que a vacina contra o HPV tem sido eficaz em
reduzir a incidência de verrugas anogenitais e neoplasias intraepiteliais
cervicais e é atualmente recomendada para mulheres entre 9 e 26 anos, mas
não é rotineiramente utilizada em mulheres fora dessa faixa etárea.
Diretrizes para a vacinação contra infecções imunopreveníveis após
TCTH foram promulgadas, embora respostas de anticorpos podem ser parciais.
A maioria dos centros iniciam a imunizações nestas pacientes cerca de 6 a 12
meses após o transplante. Assim, a vacinação 1 ano após o transplante
poderia, teoricamente, evitar a reativação da doença por HPV, se uma resposta
de anticorpos for gerada.
Falência ovariana precoce, Infertilidade, Gravidez e Sexualidade
A maioria dos protocolos de condicionamento pré-transplante para o
TCTH incluem agentes alquilantes, irradiação ou ambos. Qualquer uma destas
opções pode prejudicar as células germinativas ovarianas e causar falência
ovariana precoce (FOP) e, consequentemente, infertilidade. Assim, a maioria
das mulheres pode se tornar infértil imediatamente após o transplante, devido a
danos na reserva ovariana. A recuperação da função do ovário e a fertilidade
dependem de vários fatores, dentre eles a idade no momento do primeiro
tratamento e o número de ciclos com agentes alquilantes e irradiação.
As taxas de recuperação da função ovariana são maiores em pacientes
submetidas a transplantes autólogos, quando comparadas ao alotransplante,
porque o autólogo não requer terapia imunossupressora subseqüente e as
beneficiárias não apresentam DECH.
A fertilidade é prejudicada claramente após o transplante e a taxa de
concepção é de 1%. As opções para conceber incluem concepção espontânea
e fertilização in vitro com óvulos doados ou da própria paciente (com
criopreservação de embriões antes ou após a quimioterapia). Observando
esses dados, mulheres que enfrentam o transplante devem ter aconselhamento
para preservação da fertilidade.
Por fim, a disfunção sexual afeta até 80% das mulheres submetidas a
alo-transplante, com queixas de desejo hipoativo e anorgasmia, decorrentes de
alterações emocionais, como depressão e diminuição da autoestima, mas
também relacionadas a sequelas de DECH sistêmica e de trato genital,
deficiência estrogênica e androgênica, diminuição da energia e da qualidade de
vida com restrições físicas. A reposição hormonal tópica e sistêmica, a
correção de sequelas e principalmente a abordagem multidisciplinar podem
atenuar estas queixas.
Diagnóstico e Estadiamento da DECH genital feminina
A avaliação global da gravidade da DECH geral é baseada no
número de órgãos ou locais envolvidos e no grau de envolvimento de cada
órgão afetado. As recomendações para diagnóstico, conforme as diretrizes do
NIH 2014 , incluem pontuação baseada na gravidade dos sinais, e não nos
sintomas, como foi proposto pelo NIH em
.
Por isso, é fundamental que um especialista (ginecologista ou
profissional experiente no assunto), examine a paciente e, assim, consiga
pontuar corretamente a DECH genital feminina. Se um ginecologista não
estiver disponível, a avaliação dos genitais externos pode ser realizado para,
ao menos, determinar se há "desconforto no exame".
A pontuação do score é de 0 a 3, onde score 0 são pacientes sem
sinais, score 1 compõe sinais leves com ou sem desconforto ao exame, score 2
inclui sinais moderados e sintomas com algum desconforto ao exame físico e
score
, sinais severos com ou sem sintomas.
De acordo com a pontuação clínica, o comprometimento genital por ser
classificado em nível leve, moderado ou grave :
1) Leve (qualquer um dos seguintes): eritema nas superfícies mucosas
vulvares, liquen plano vulvar ou liquen plano escleroso;
2) Moderado (qualquer um dos seguintes): alterações inflamatórias
erosivas da mucosa vulvar, fissuras nas dobras vulvares;
3) Grave (qualquer um dos seguintes): fusão de grandes e pequenos
lábios, aglutinação clitoridiana, aderências vaginais, anel fibroso vaginal
circunferencial, encurtamento vaginal, sinéquias, alterações escleróticas
densas e estenose vaginal completa.
Tratamento da DECH genital
A avaliação pré-transplante deve ser feita em todas as pacientes,
mesmo assintomáticas, com exame ginecológico, coleta de papanicolau,
bloqueio de fluxo menstrual, esclarecimento da paciente e/ou acompanhante
sobre possibilidade de comprometimento da função hormonal e reprodutora
após o condicionamento, esclarecimento e informações sobre a possibilidade
da ocorrência de DECH nas mulheres em que foi indicado transplante
alogênico, assim como orientação sobre os primeiros sinais de DECH genital.
O bloqueio menstrual para prevenção de sangramento na fase de
condicionamento após falência hormonal deve ser feito com contraceptivo oral
combinado em uso continuo a ser mantido até normalização de plaquetas.
Deve-se realizar a sincronização, se possivel, do condicionamento para a fase
pós menstrual .
Medidas preventivas
A orientação das mulheres na avaliação pré-transplante, alertando-as
para a possível ocorrência desta complicação, suas manifestações iniciais e
prováveis
sequelas,
bem
como
avaliação
ginecológica
periódica
e,
principalmente quando a DECH ocorrer em outros sítios, principalmente
mucosa oral, previne o comprometimento muitas vezes irreversível da função
sexual, além de outras complicações ginecológicas
Medidas de suporte, como o uso de emolientes e hidratantes tópicos,
banho de assento em água morna e aplicação de xilocaína viscosa, atenuam o
desconforto principalmente nas fases iniciais. È importante o estimulo ao
retorno das atividades sexuais, quando possivel, após normalização de
plaquetas, com uso de preservativos lubrificados, como medida de prevenção à
formação de sinéquias vaginais e manifestação precoce do aparecimento da
DECH vaginal.
Opções para preservação da fertilidade têm melhorado e devem tornarse parte da discussão antes do início do tratamento. Essas opções incluem a
estimulação hormonal pré-tratamento e coleta de ovócitos para fertilização ou
criopreservação e tratamento com agonista de GnRH (hormônio liberador de
gonadotrofina).
Fase Aguda
As lesões vulvares e de intróito vaginal apresentam-se frequentemente
na forma de erosões. Os corticóides tópicos são os mais indicados nesta fase.
Compressa ou banho em água morna antes da aplicação do corticóide facilitam
sua absorção.
O comprometimento da mucosa vaginal pode ser caracterizado pela
formação de úlceras e sinéquias frouxas, secreção vaginal fluida.
Sequelas tardias
As sequelas tardias, como aderências e oclusões dos diversos
segmentos do trato genital, podem ser tratadas cirurgicamente com uso
posterior de corticóides e terapia estrogênica tópica.
Tratamento da falência ovariana
A reposição hormonal sistêmica é prescrita para todas as mulheres
abaixo de 40 anos, desde que não tenham contra-indicação clínica e realização
de monitorização semestral.
Prevencao e deteccao precoce de segundo tumor
Uma
vez
que
o
uso
tópico
e
principalmente
sistêmico
de
imunossupressores aumenta o risco de manifestação das lesões HPVinduzidas, as mulheres transplantadas devem ser submetidas frequentemente
a exames de rastreamento do câncer do colo do útero e suas lesões
precursoras e lesões verrucosas .
Aboragem da disfunção sexual
Mulheres que sofrem com diminuição da libido, presumivelmente devido
a deficiência estrogênica e androgênica, além das questões emocionais
relacionadas a doença e ao tratamento em si, podem se beneficiar do uso de
terapia hormonal, desde que não apresentem contraindicações. O fator
psicológico da paciente e da qualidade de seu relacionamento com seu
parceiro têm grande efeito sobre a funçao sexual. Terapias comportamentais
que incentivam a comunicação e expressão de medos de sentir-se pouco
atraente ou rejeitada pelo parceiro, assim como abordar diretamente conflitos
de relacionamento, têm mais probabilidade de serem eficazes.
CONCLUSÃO
É importante que o ginecologista-obstetra e hematologista-oncologista
trabalhem juntos, para obtenção de melhores resultados para as pacientes.
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