SANÇÕES DISCIPLINARES – MP 507/2010 Jorge Cézar Mor

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Divisão Jurídica
VIOLAÇÃO DO SIGILO FISCAL – SANÇÕES DISCIPLINARES – MP 507/2010
Jorge Cézar Moreira Lanna
Advogado
Ironicamente, o Governo que sempre desdenhou o direito do contribuinte ao sigilo fiscal lança agora Medida Provisória regulamentando sanções disciplinares para os servidores
públicos que violarem o sigilo fiscal do contribuinte.
Oportuno recordar uma discussão sobre a matéria, presenciada em um seminário de
Direito Tributário, com a presença de ilustres tributaristas, advogados e servidores públicos,
no qual uma suposta autoridade fiscal pediu a palavra para dizer que não conseguia entender
a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo fiscal, pois, segundo ele, a princípio todo o contribuinte sonegaria e, além do mais, autoridade por autoridade o fiscal também
o era. Por óbvias razões, foi veementemente contestado pelos presentes, em especial pelo
ilustre jurista Hugo de Brito Machado, ex-Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região (PE), afirmando que a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional e os princípios constitucionais existem, sim, para proteger o contribuinte, hipossuficiente na relação jurídico-tributária, porque o Estado, com sua voracidade arrecadatória, não precisaria de proteção. E conclui, aduzindo que o contribuinte também tinha o direito de pensar que, a princípio,
o fiscal poderia fazer mau uso de seus dados fiscais sigilosos.
A autoridade fiscal ganhou mais poderes, em janeiro de 2001, quando foi sancionada
a Lei Complementar nº 105, que, a pretexto de dispor sobre o sigilo das operações financeiras,
delegou poderes ao Executivo, para estabelecer critérios e condições para que as instituições
financeiras informem, à administração tributária da União, a movimentação financeira de correntistas e usuários de serviços bancários.
Essa Lei Complementar nº 105/2001, em especial seus arts. 5º e 6º, se tornou objeto de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – a ADIn nº 2.386, proposta pela CNC, ainda em
trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Em dezembro de 2007, as ameaças da Lei Complementar de violação do sigilo fiscal
foram concretizadas por intermédio da edição da Instrução Normativa da Receita Federal do
Brasil nº 802, que regulamentou a matéria, ampliando os poderes da autoridade fiscal, o que
foi imediatamente levado ao conhecimento do Relator da ADIn no STF, reiterando o pedido
de brevidade no seu julgamento.
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Ironicamente, hoje, pressionado pela mídia e temendo a repetição dos efeitos negativos
recentes ante o noticiário sobre a quebra de sigilo fiscal por servidores públicos, o Poder
Executivo editou a Medida Provisória nº 507, de 5 de outubro de 2010, que institui hipóteses
específicas de sanções disciplinares nos casos de violação de sigilo fiscal por funcionários
públicos.
Mais uma norma de eficácia duvidosa, desnecessária, de texto confuso e controvertido,
para complicar a vida dos estudiosos e operadores do direito. O vigésimo segundo aniversário
da Constituição Federal, em 5 de outubro de 2010, merecia melhor homenagem.
De fato, o Código Tributário Nacional (CTN) já prevê, em seu art. 198, a vedação de
divulgação de dados fiscais dos contribuintes pelos servidores públicos, ressalvando, ainda, a
legislação penal:
“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por
parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre
a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp
nº 104, de 10.1.2001)”
Por sua vez, o crime de quebra de sigilo e a cominação de suas penas já estão previstos
no art. 325 do Código Penal:
“Violação de sigilo funcional
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer
em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime
mais grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou
qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações
ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
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§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)”
O texto da MP que trata das sanções disciplinares específicas, nas hipóteses de
violação do sigilo fiscal por servidores públicos, certamente promoverá controvérsias de
interpretação, por conflitar com direitos estatutários, trabalhistas e previdenciários dos
servidores publicos, conforme se observa nos seus arts. 1º a 4º.
“Art. 1º O servidor público que permitir ou facilitar, mediante atribuição, fornecimento, empréstimo de senha ou qualquer outra forma, acesso de pessoas não autorizadas a
informações protegidas por sigilo fiscal, de que trata o art. 198 da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966, será punido com pena de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria.
Art. 2º O servidor público que se utilizar indevidamente do acesso restrito às informações protegidas por sigilo fiscal será punido com pena de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria.
Art. 3º O servidor público que acessar sem motivo justificado as informações protegidas por sigilo fiscal será punido com pena de suspensão de até cento e oitenta dias,
desde que não configurada a utilização indevida de que trata o art. 2º desta Medida
Provisória.
§ 1º O acesso a informações protegidas por sigilo fiscal será disciplinado pelo órgão
responsável pela guarda da informação sigilosa.
§ 2º O acesso sem motivo justificado de que trata o caput deste artigo acarretará a penalidade de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou
aposentadoria:
I - se houver impressão, cópia ou qualquer forma de extração dos dados protegidos;
II - em caso de reincidência.
Art. 4º A demissão, a destituição de cargo em comissão e a cassação de disponibilidade ou de aposentadoria previstas nos arts. 1º a 3º incompatibilizam o exOutubro de 2010
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-servidor para novo cargo, emprego ou função pública em órgão ou entidade da administração pública federal, pelo prazo de cinco anos.”
De maior gravidade, o fato da MP trazer em seu bojo um dispositivo que irá complicar
a vida dos contribuintes e, principalmente, do seu Advogado, em seu art. 5º, que exige, daqui
por diante, procuração por instrumento público para praticar quaisquer atos junto à Receita
Federal do Brasil, a saber:
“Art. 5º Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir
poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração
pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o
substabelecimento por instrumento particular.”
Entendemos que esse dispositivo é manifestamente ilegal e viola as prerrogativas do
Advogado, consagradas pela Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia, em especial em
seu art. 7º:
“Art. 7º São direitos do advogado:
[...]
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem
procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos”;
Destaque-se que esse mesmo diploma legal, em seu art. 5º, confere aos Advogados,
nos casos de urgência, atuar provisoriamente sem procuração, apresentando-a depois no prazo
legal de 15 dias:
“Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.”
Por essa razão, mostra-se ilegal a Medida Provisória nº 507/2010, em especial quando
viola as prerrogativas dos advogados em seu art. 5º. Aliás, a Receita Federal do Brasil não
perdeu tempo e regulamentou recentemente a MP nº 507/2010, por intermédio da Portaria
RFB nº 1.860, de 11 de outubro de 2.010, na qual, em seu art. 7º, mantém a exigência de insTrabalhos Técnicos
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trumento público para que o contribuinte possa conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos junto à RFB, além de fazer outras exigências ilegais.
Não obstante, na pior das hipóteses, a MP manifestou o reconhecimento do Executivo
da existência de um direito constitucional do contribuinte ao sigilo fiscal.
Ao estabelecer regras para a sua observação, a MP certamente fará com que o servidor
público tenha mais cautela ao acessar, manipular e/ou disponibilizar os dados fiscais sigilosos
ou tentar fazer uso político desses dados.
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