Continuidade da flexibilização do sigilo fiscal

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Glauco José Eggers
DS Paraiba
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83-32164616, fixo trabalho.
Tese classificada no item II do art. 6º do Regulamento do Conaf 2014, subitem, Justiça Fiscal para a
cidadania.
Continuidade da flexibilização do sigilo fiscal
“Os temas que as regras do claustro impunham à meditação dos
monges tinham como função desviá-los do mundo e das suas
pompas. Nossas reflexões partem de uma preocupação
semelhante.”
“Temos que arrancar a política das malhas do mundo profano”
Walter Benjamin, “Sobre o Conceito de História”
Sumário
Introdução
Desenvolvimento
Conclusão
Bibliografia
Introdução
O sigilo fiscal decorre do direito constitucional à privacidade e intimidade, porém, como não
há direito absoluto, parte desses dados estão disponíveis com base na Lei da Acesso à Informação.
Esta tese discorre brevemente sobre aspectos do sigilo fiscal, normas, situação atual no Brasil e em
alguns países, e propõe a ideia de continuidade da flexibilização da proteção existente, com a
publicidade dos dados fiscais dos candidatos a cargos eletivos nas três esferas.
Pelo cronograma do evento, quando lerem pela primeira vez esta tese o dia da eleição ainda
não terá ocorrido. Quando da discussão desta tese, após a instalação do Conaf 2014 — a sua
aprovação é hipótese muito provável em face das regras, já conheceremos a pessoa eleita.
O agrupamento político liderado pelo Partido dos Trabalhadores cuja candidata é líder nas
pesquisas, a presidenta Dilma Rousseff, defende a Reforma Política com muita ênfase desde
meados de 2013. Entendida como condição necessária para uma reorganização da sociedade
política e da relação entre essa e a sociedade civil, defendida por ao menos uma candidata e por
seus correligionários, trata-se de uma proposta suprapartidária. Compartilho do mesmo pensamento.
Esta tese é um esboço para a inserção de nossa entidade nesse movimento, através de um tema
relacionado com nossas atribuições apresentando uma ideia a ser discutida. Como já foi dito, a
Reforma Política é uma proposta suprapartidária e seja qual for a pessoa eleita trata-se, a meu ver,
de condição essencial para outras alterações necessárias.
---- x ---O título da tese é “Continuidade da flexibilização do sigilo fiscal”. Continuidade, pois a
publicação de parte desses dados é uma realidade no Brasil. Com base na Lei 12.527/2011,
conhecida como Lei de Acesso à Informação, os vencimentos de grande parte dos servidores
públicos estão disponíveis no Portal da Transparência Pública, ou seja, os dados dos informes de
rendimentos para o Imposto de Renda da Pessoa Física.
De acordo com os argumentos apresentados pela Advocacia-Geral da União – AGU-e
acatados no Supremo Tribunal Federal – STF – em ação judicial “a divulgação da remuneração do
servidor não viola sua privacidade, intimidade e, tampouco, a sua segurança. A Advocacia defende que a publicidade
das verbas remuneratórias na rede mundial de computadores garante a transparência dos gastos públicos e contribui
para a moralidade administrativa”1.
A lei de Acesso à Informação é uma Lei Ordinária, o sigilo fiscal está previsto em Lei
Complementar e decorre de um direito constitucional. Essa é apenas uma observação, não farei
análise sobre a existência ou não de um conflito de normas, tese essa, do conflito de normas, que no
momento encontra-se rejeitada no STF. Alternativamente a fazer a discussão me posiciono
politicamente, pela completa transparência desses dados.
O sigilo fiscal está expressamente dimensionado no art. 198 do Código Tributário Nacional
– CTN – essa proteção tem exceções previstas no próprio artigo 198 e no artigo 199 do CTN, essa é
a posição corrente na doutrina, reproduzida no Manual do Sigilo Fiscal2.
Seguindo a opinião doutrinária, embora não seja disciplinado pela Constituição, o sigilo
fiscal é um direito amparado constitucionalmente, decorre da inviolabilidade da intimidade e da
vida privada das pessoas (art. 5º, X).
As informações fornecidas pelo contribuinte são tratadas como de foro íntimo, seja a
descrição de seu patrimônio e de suas atividades econômicas como outras informações, menos
restritas, não protegidas por sigilo fiscal, mas pelo sigilo funcional, os dados de seu cadastro. Esses
últimos dados muito pouco restritos, diga-se, conhecidos de todas as pessoas jurídicas com as quais
nos relacionamos como consumidores. A observância de segredo sobre tais dados é um dever legal
para aqueles que tem acesso a esses dados em razão de suas atividades profissionais.
Ainda o artigo 145, §1º da CF determina que a Administração Tributária atue para conferir
efetividade aos objetivos previstos na norma, “identificar (…) o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte”, mas que o faça respeitando os direitos individuais.
As demais normas existentes sobre o sigilo fiscal decorrem dos dispositivos constitucionais
e do CTN.
A posição clássica da doutrina foi sacudida, pela Lei de Acesso à Informação que trouxe
outras exceções ao sigilo fiscal e por reiteradas decisões do STF nas contestações de sindicatos e da
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB – sobre a divulgação dos salários dos
servidores públicos, decisões que tomam como paradigma a de lavra do ministro Ayres Britto, em
1
2
http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2012/noticia10212.asp, acesso em 17/08/2014.
Op.cit.
suspensão de segurança, SS 3902, na qual, sopesando princípios e dispositivos constitucionais,
inclinou-se pelo interesse público, restringindo o sigilo de informações, que no caso concreto eram
inequivocamente de dados fiscais, àquelas situações que possam atingir a segurança da sociedade e
do estado, consoante o texto da Lei de Acesso à Informação.
14. De saída, percebe-se claramente que se está diante de um conflito aparente
de normas constitucionais cuja solução passa pela exata compreensão dos
valores consagrados nos princípios aplicados ao caso, tantas vezes referidos ao
longo desta decisão. Se, por um lado, temos o princípio da moralidade e o
princípio da publicidade (sendo ambos dedutíveis do princípio republicano –
res publica); de outra banda, temos o risco de violação à intimidade, à vida
privada, ao sigilo de dados e ao direito à segurança, princípios que
desautorizariam a divulgação tal como pretendida pela Administração
municipal.
(...)
16. Por ora, vocalizo a ideia de que o princípio da publicidade administrativa
(caput do art. 37) significa o dever estatal de divulgação dos atos públicos.
Dever eminentemente republicano, porque a gestão da “coisa pública”
(República é isso) é de vir a lume com o máximo de transparência. Tirante,
claro, as exceções também constitucionalmente abertas, que são “aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (inciso
XXXIII do art. 5º). Logo, respeitadas que sejam as exceções
constitucionalmente estampadas, “todos têm direito a receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou
geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade (...)
(...)
17. De outra vertente, a situação dos servidores públicos cai sob a regência da
1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta,
cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é
constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto,
a divulgação oficial. Sem que sua intimidade, vida privada e segurança pessoal
e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo
dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão
em jogo nem a segurança do Estado nem a segurança do conjunto da sociedade.
18. Em suma, esta encarecida prevalência do princípio da publicidade
administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de
concretizar a república enquanto forma de governo. (...). 3
No que se refere a proposta deste texto, divulgação dos dados fiscais dos candidatos a cargos
eletivos, surge a questão de que a CF garante a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, pode-se vir a salientar que na seção “Das Limitações do Poder de Tributar”, no
art. 150, II, é vedado aos entes públicos “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente”, mas toda a seção trata sobre a imposição tributária, o que não
se refere diretamente à questão do sigilo.
Não fazer distinção de qualquer natureza não significa que interpretações conformes à
Constituição impeçam discriminações entre as pessoas em face de sua situação, discriminações
positivas ou negativas. E se assim não fosse o direito ao sigilo fiscal, protegido por princípio
constitucional, não poderia comportar exceções disciplinadas em norma infraconstitucional.
A existência de discriminações entre as pessoas em face da sua realidade concreta, ou da
realidade da sociedade, são fatos conhecidos. Em nota de rodapé seguem indicações de algumas
decisões judiciais consideradas como paradigmas pelo Supremo Tribunal Federal na sua publicação
3
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%283902+e+agravo+e+regimental
%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/qac8z8 o. Acesso em 17/08/2014.
“A Constituição e o Supremo” 4 , cujas ideias, conceitos, são utilizados neste texto para sua
finalidade, logo, em outro contexto daquele nos quais foram exprimidas, a indicação permite ao
leitor julgar sobre a pertinência da sua aplicação a esta tese.
O princípio constitucional do tratamento isonômico entre as pessoas não é ofendido quando
houver elemento que, conforme regras de razoabilidade, justifique a permissão para um tratamento
desigual. Pessoas que ao assumirem um cargo eletivo passam a ter a competência de estabelecer
normas que disciplinam a vida de todas as pessoas no Brasil, sobre uma infinidade de princípios e
dispositivos constitucionais destinados a garantir direitos e obrigações dos residentes, saúde,
educação, habitação, organização urbana, previdência, tributação, me faz pensar ser razoável que os
candidatos, atendendo aos princípios da transparência, da publicidade, da moralidade, da finalidade
pública da administração, tenham seus dados colocados à disposição dos eleitores.
A proposta que trazemos para inserção no movimento pela Reforma Política é a
disponibilização em um portal – talvez um Portal da Transparência Tributária – dos dados fiscais
dos candidatos a cargo eletivo nas esferas, federal, estadual e municipal. Como já disse, adoto
posição política pela completa transparência desses dados para qualquer servidor público, agente
político, para a totalidade das pessoas residentes no país. Surge a questão, por quê então os dados
dos candidatos? Porque é preciso começar por alguém. Começar não, continuar a flexibilização do
sigilo sobre esses dados. Porque há uma oportunidade de levar essa discussão com um viés mais
específico, os candidatos a cargos eletivos, para um movimento já iniciado por agrupamentos da
sociedade.
Outras indagações podem surgir, por exemplo quanto a segurança das pessoas. Será?
Facebook, mídias digitais compradas em muitas esquinas por esse país, nossos bens que além de
úteis podem ser também símbolos de nossa posição social e denunciadores de nossa condição
financeira para os amigos do alheio... Não, a segurança não seria abalada por essa divulgação. Se
impõe a possibilidade do eleitor conhecer que o candidato a vereador, que de fato tem aquela
fazenda, aquele carro bacana é, pelos dados de sua Declaração de Imposto de Renda da Pessoa
Física, um sujeito sem patrimônio e/ou renda declarada.
Para que não fiquem dúvidas, se trata da totalidade dos dados da situação fiscal do
contribuinte, aqueles agrupados no dossiê eletrônico, utilizados para uma análise da completa
situação fiscal do contribuinte. Uma importante ressalva, ter conhecimento sobre os dados não
implica em competência legal para estabelecer uma relação jurídica de cunho tributário entre as
pessoas e o ente público.
Adicionalmente, a divulgação desses dados poderá gerar indagações sobre a falta de atuação
das autoridades competentes em situações como a de nosso hipotético candidato a vereador. Tanto
as indagações desse matiz, como as necessárias respostas a elas pelos entes públicos, também com
acesso irrestrito, são coisas que classificaria como muito republicanas.
A disponibilização da totalidade dos dados fiscais de toda a população é uma realidade nos
países escandinavos5. No caso dos servidores públicos a disponibilização desses dados é percebida
4
Op. cit. vide:
- páginas 20 e 21 com referência ao art. 1º incisos II e III, cidadania e dignidade da pessoa humana.
- páginas 64, 66, 68, 69, 78, com referência ao caput do art. 5º que abre a Capítulo I da CF, Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos.
– página 111, com referência ao art. 5º, X.
5
Uma busca na internet permite acessar vários artigos sobre o tema, um bom começo pode ser o blog, “O Caderno de
Patricia”, http://caderno.allanpatrick.net/, de nosso colega Allan Patrick que colacionou alguns.
pelos servidores suecos “como legítima garantia do exercício do direito de liberdade de expressão
de o servidor prestar contas à sociedade sobre seus atos” 6, em tempo, na Suécia o conceito de
servidor público abrange os membros da família real.
O chefe dos promotores suecos, especializados em caso de corrupção, atribui à 03 fatores o
baixo índice de corrupção do país, a transparência das informações acessíveis a qualquer cidadão, o
que inclui os dados protegidos por sigilo fiscal no Brasil, a igualdade social e o alto grau de
instrução da população. A transparência dos dados fiscais dos cidadãos levou a Autoridade Fiscal
sueca a considerar que a evasão deixe de ser relevante para as contas públicas do país nos próximos
anos.7
Pode se argumentar que estamos muito distantes da realidade das sociedades escandinavas.
É verdade. Na Suécia, uma lei de 1842 estabeleceu o ensino compulsório8 naquele país, fatoa ao
qual se atribui o alto grau de escolaridade atual.
As coisas não começam sem a adoção de ações que possam vir a criar uma outra realidade.
E se as pessoas não houvessem se mobilizado pela Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular?
Conclusão
A adoção da ideia exposta nos permite adentrar na discussão sobre a Reforma Política, tanto
nos fazendo presentes nas mobilizações, apresentando uma proposta de interesse da sociedade,
como, no caso de que essa demanda social se efetive e passe a ser discutida pelo Poder Legislativo,
que participemos ativamente da discussão. Em ambos os momentos teremos a oportunidade de
defender uma ideia republicana, que tem relação direta com as nossas atribuições, demonstrando
assim a importância de nosso trabalho para a sociedade brasileira.
Bibliografia
Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).
A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. – 4. ed. – Brasília:
Secretaria de Documentação, 2011.
Modo de acesso: World Wide Web: <http:www.stf.jus.br/portal>.
ISBN: 978-85-61435-29-5.
Brasil. Secretaria da Receita Federal do Brasil
Manual do Sigilo Fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil / [coordenação: Aylton Dutra
Leal]. – 1ª Ed. – Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2011. 100 p.
FUCS, Ildo: “INFORMAÇÕES FISCAIS. Na Suécia, até a monarquia se submete à transparência”,
13 de setembro de 2013, In Consultor Jurídico, http://www.conjur.com.br/2013-set-13/ildo-fucssuecia-monarquia-submete-transparencia. Acesso em 17/08/2014.
RAMOS DE ALMEIDA, João: “Suécia acabará com economia paralela dentro de cinco anos”,
03/01/2012,
In
Público,
Economia,
Política
Fiscal,
página
14,
6
7
8
Op. cit. http://www.conjur.com.br/2013-set-13/ildo-fucs-suecia-monarquia-submete-transparencia.
Op. cit, http://www.swedenabroad.com/SelectImageX/241693/120103PublicoPoliticaFiscal.pdf.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/o-segredo-da-suecia-para-combater-corrupcao.html. Acesso em
17/08/2014.
http://www.swedenabroad.com/SelectImageX/241693/120103PublicoPoliticaFiscal.pdf. Acesso em
17/08/2014.
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