Karam-Contratos Público-Privados-Rev

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CONTRATOS PÚBLICO-PRIVADOS:
uma intersecção entre direito público e direito privado no Estado Constitucional
Marco Antonio Karam Silveira1
RESUMO
Esse trabalho aborda a proximidade das relações contratuais de direito público e de direito
privado e a insuficiência da dogmática tradicional na distinção entre os ramos do direito
público e privado nas relações contratuais no Estado Constitucional. A demonstração da
insuficiência dos critérios adotados pela dogmática tradicional é fundada no exame dos
princípios e regras do direito contratual público e do privado. Para uma proposta de superação
aponta-se a adoção de critério distintivo fundado no postulado da unidade da reciprocidade de
interesses.
Palavras-chave: Contratos Administrativos. Contrato Público. Contrato Privado. Contratos
Público-Privados. Distinção. Princípios e Regras. Inadequação. Dogmática Tradicional.
Estado Constitucional. Postulado da Unidade da Reciprocidade de Interesses.
ABSTRACT
This article discusses the proximity of the contractual relations of public law and private law
and the inadequacy of the traditional dogmatic distinction between the branches of public and
private law in contractual relations of the Constitutional State. The demonstration of the
inadequacy of the criteria adopted by the traditional dogmatic examination is based on the
principles and rules of contract law to the public and private. For a proposal to overcome
pointed out the adoption of different criteria based on the postulate of the unity of reciprocity
interests.
Keywords: Administrative Contracts. Public Contract. Private Contract. Public-Private
Contracts. Distinction. Principles and Rules. Inadequacy. Traditional Dogmatic.
Constitutional State. Postulate of the Unity of Reciprocity Interests.
1 INTRODUÇÃO
A práxis da relação entre direito público e direito privado revela a intensa
interpenetração desses ramos do direito e evidencia que a separação entre estes atende apenas
a fins didáticos. Desde a concepção de pessoa, bens e relação jurídica, ofertadas pela teoria
geral do direito, passando pelos direitos reais, direitos obrigacionais e direito de empresa matérias de direito privado - a relação de índole pública orienta-se em suas bases conceituais
gerais pelos conceitos ofertados pelo direito privado2. Vale dizer, os institutos de direito
público têm base teórica nos institutos de direito privado, especialmente os que depois vieram
1
2
Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutorando em Direito
pela UFRGS. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV.
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 145; e
GALO, Mario. I rapporti contrattuali nel diritto amministrativo. Padova: CEDAM, 1936, p. 01, 02 e 4, item 2.
a integrar a teoria geral do direito. O constitucionalismo do século XVIII e XIX deu nova
feição ao direito público, embora já apartado historicamente como ramo distinto do direito
privado desde o direito romano.
O constitucionalismo contemporâneo tem como marca a constitucionalização de todos
os ramos do direito, o que tem como um de seus efeitos a relativização da distinção entre
direito público e direito privado3. O Estado Constitucional não é a mera etapa de
transformação de um modelo de Estado, mas representa uma transformação na própria
concepção de direito4.
No que aqui nos interessa, a relação jurídica obrigacional contratual público-privada
necessita de exame de delimitação a evidenciar em que medida há contato ou afastamento
entre o direito público e o direito privado nas relações contratuais, e quais os critérios que
efetivamente o distinguem ou o assemelham.
Os contratos instrumentalizam as operações econômicas no mercado de trocas5. A
participação estatal ou de sujeitos privados nos pólos da relação jurídica obrigacional não
retira o caráter instrumental do contrato para viabilizar a aquisição de bens ou serviços entre
particulares, desses com o Poder Público ou entre órgãos ou instituições da Administração
Pública entre si.
3
4
5
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre
particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 49. Também acerca da incidência dos direitos fundamentais no
direito privado, CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado Coimbra: Almedina,
2009. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet. RAISER, Ludwig. Il compito del diritto privato: saggi di diritto
privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Milano: Giuffrè, 1990, p. 171-191.
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 8. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008, p. 34. Para um estudo
acerca da teoria do Estado do Direito nas etapas formal, material e substancial, a garantir segurança jurídica e
liberdades fundamentais, ver CHEVALLIER, Jacques. L'état de droit. Paris: Montchrestien, 1992.
Na lição de Enzo ROPPO, “o contrato é a veste jurídica das operações econômicas” (ROPPO, Enzo. O
Contrato, p. 8). No mesmo sentido, de que o contrato é uma forma jurídica do fato econômico da circulação de
bens e serviços na comunidade, Carlos Alberto GHERSI, Contratos civiles y comerciales: parte general y
especial, p. 217, e LORENZETTI, Ricardo Luis. Analisis crítica de la autonomia privada contractual, RDC
14-15 e Fundamentos do Direito Privado, São Paulo: RT, 1998. Para um estudo da relação entre direito e
economia, LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006, p.
265-298. _____. O Direito na História. Lições Introdutórias. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002 e _____.
Raciocínio Jurídico e Economia. Revista de Direito Público da Economia, ano 2, n. 8, p. 137-170, out./dez.
2004. Ver, ainda, RAISER, Ludwig. Il compito del diritto privat: saggi di diritto privato e di diritto
dell’economia di tre decenni. Milano: Giuffrè, 1990, p. 34-47; WEBER, Max. Economia e Sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva. 2000. V. I. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa.
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999; POLANYI, Karl. A
Grande Transformação: as origens da nossa época. 6. ed. RJ: Campus, 2000. A relação entre Direito e
Economia especialmente no direito publico econômico é examinada com maestria por ORTIZ. Gaspar Ariño.
Principios de Derecho Público Económico. 3. ed. Granada: Comares Editorial, 2004.
A qualificação6 jurídica da relação obrigacional define a incidência do regime jurídico
apropriado – de direito privado ou de direito público. Em muitos casos, a verificação de qual
regime regulará a relação contratual não é difícil. Em outros, contudo, observa-se uma zona
de convergência ou intersecção em que a aplicação integral de um ou outro regime contratual
não é direta.
A doutrina clássica até agora sustenta que a relação jurídica contratual é formada e
submetida ou ao regime de direito privado ou ao de direito público. Em regra, a doutrina
clássica qualifica a relação jurídica com base no interesse preponderante7. Nesse sentido, a
ausência de interesse público imediato faz incidir o regime jurídico contratual de direito
privado, seja civil, empresarial, consumidor ou trabalhista8.
O mundo contemporâneo tem apresentado variadas situações em que a verificação da
ausência ou da participação do poder público em um dos pólos da relação jurídica e sua
atuação mediante invocação de interesse público não é suficiente para qualificar a relação
contratual como de regime público ou privado.
Os contratos privados – civil, empresarial, consumidor e trabalhista – possuem normas
próprias em lei codificada ou estatutária. Os contratos administrativos, que aqui serão
denominados de contratos públicos, são regidos pela lei de licitações (Lei n° 8.666/93,
notadamente artigos 54 a 80). Outra gama de relações contratuais envolvendo partes públicas
e partes privadas também possui sua particular normatização, tais como contratos de
concessões e permissões de serviços públicos (Lei n° 8.897/95) e os contratos de parcerias
público-privadas (Lei n° 11.079/2004)9, os quais ficam submetidos, em regra, ao regime
jurídico de direito público.
Para o que nos interessa nesse estudo, uma zona não delimitada de submissão ao
regime jurídico privado ou público – zona de intersecção ou de convergência – surge quando
a contratação conclui-se entre uma parte privada e uma parte pública. Numa forma
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Para MAURER, o problema de diferença entre direito público e privado não é de qualificação, mas de
associação (MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. Barueri: Manole, 2006, p. 53.
Mario GALLO expõe que o critério distintivo entre direito público e direito privado continua sem solução
convincente pela doutrina. Acentua a insuficiência do critério subjetivo – participação estatal num dos pólos da
relação jurídica - e da patrimonialidade para distinguir entre a relação de direito publico da relação de direito
privado. Por fim, sustenta, erroneamente em nosso entender, que a combinação do critério objetivo fundado no
interesse – interesse público - com o critério subjetivo – participação estatal - possibilita a distinção (GALLO,
Mario. I rapporti contrattuali nel diritto amministrativo.adova: CEDAM, 1936, notas de rodapé nas p. 07-08 e
p. 11-13).
Em que pese os contratos de consumo e de trabalho sejam regidos pelo direito privado, as normas de direito do
consumidor e de direito do trabalho são de ordem pública.
Para um estudo da relação público-privado no direito espanhol, RUIZ, Matilde Carlón. El nuevo contrato de
colaboración entre el sector público y el sector privado. Revista de Direito Público da Economia-RDPE. Belo
Horizonte, ano 7, n. 28, p. 65-100.
exemplificativa: (i) sujeitos: privado-privado; relação jurídico-contratual privada: locação,
empreitada, seguro; consumidor; empresarial; trabalhista; (ii) sujeitos: público-público;
relação jurídico-contratual pública: convênios, protocolo de intenções; (iii) sujeitos: privadopúblico; relação jurídico-contratual: contratos administrativos (contratos públicos), que
podem ficar submetidos, como veremos, ao regime privado; contratos da Administração
(contratos privados), que podem ficar submetidos, como veremos, ao regime público (locação,
seguro, compra e venda de produtos, bens e serviços de estatais – empresas públicas e
sociedades de economia mista – instituições públicas especializadas atuantes no ambiente
econômico, ou de qualquer poder ou órgão público).
De logo, é possível afirmar que a mera participação do poder público em um dos pólos
da relação jurídica contratual e/ou a invocação do interesse público prevalente não a submete
ao regime jurídico de direito público. Basta observar os contratos de locação em que o poder
público é locatário de determinado bem móvel ou imóvel pertencente ao particular; os
contratos de compra e venda de produtos e serviços ofertados pelas denominadas estatais
(empresas públicas e sociedade de economia mista); a compra e venda de ações em bolsa de
valores de participação societária do poder público de sociedade de economia mista da qual
seja sócio. Nessas relações contratuais, para além da participação do poder público não tornar
público o contrato, esse fica equiparado ao particular, em patamar de igualdade, afastando a
incidência do denominado princípio da supremacia do interesse público, derrogatório do
direito privado, segundo a doutrina tradicional.
Certo que a própria lei procedimental de licitações autoriza a incidência integral ou
parcial do regime de direito público aos contratos de índole privada, exemplificados em
número aberto nos incisos I e II do §3° do artigo 62 – contratos de seguro, de financiamento,
de locação e a todos aqueles outros em que o conteúdo seja regido, predominantemente, por
normas de direito privado10. Isso significa dizer submetê-los à possibilidade de modificação
unilateral para melhor atendimento ao interesse público; de rescisão unilateral; de fiscalização
de sua execução; aplicação de sanções; e ocupação provisória, conforme artigo 58 da lei de
licitações11.
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O dispositivo diz: “Art. 62. [...] § 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas
gerais, no que couber: I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja
locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; II - aos
contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público”.
O dispositivo diz: “Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à
Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação
às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente,
nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III - fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções
motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar
Mesmo nessas hipóteses autorizadas pela lei é necessário o exame do cabimento da
incidência do regime público aos contratos privados, como bem ressalva a própria lei. A
incidência pode ser integral ou parcial. Somente o exame do caso concreto sob o signo de uma
chave interpretativa poderá identificar o regime aplicável, ou a melhor norma a solucionar o
caso concreto, o que se resume do estudo do pêndulo de incidência normativa nesses tipos
contratuais, a ser aqui abordado. Ao que parece, o cabimento da incidência das normas12 de
direito público aos contratos privados ou das normas de direito privado aos contratos públicos
tem como eixo estruturante aquela que potencializa a efetivação dos direitos fundamentais13
na leitura do Estado Constitucional.
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provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da
necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese
de rescisão do contrato administrativo.
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser
alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas
para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Normas são os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. O dispositivo
normativo é interpretado, resultando a norma. Vale dizer, da interpretação do dispositivo se extrai a norma.
Da distinção entre dispositivo e norma o direito é reconstruído pela atividade interpretativa. O
intérprete/aplicador não descreve o conteúdo de um significado previamente dado, mas realiza ato de decisão
que constitui a significação e os sentidos do texto. Os traços de significação mínimos já existentes, chamados
de condição intersubjetiva a priori, são condições estruturais preexistentes no processo de cognição, que
fazem com que o sujeito interpréte algo anterior que se lhe apresenta para se interpretado. O
intérprete/aplicador parte desse mínimo e reconstrói o sentido do texto (ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 22-26).
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 2. ed. Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 2008; CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004 e Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 1999; GREGÓRIO PECES, Martinez Barba; FERNANDEZ, Eusébio Garcia; ROIG, Rafael de
Asís. História de Los Derechos Fundamentales, Tomo II, v. 2; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos
direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
Para esse estudo, o ponto de partida é o exame dos princípios14 vetores dos regimes
contratuais privados e públicos, a partir do qual extraímos os contornos e limites das zonas de
incidência de cada qual e a leitura que esses princípios possuem na contemporaneidade. O
exame das regras de direito contratual público da lei de licitações, especialmente as
denominadas cláusulas exorbitantes, também nos demonstrará as zonas de convergência com
o direito contratual privado. Em suma, o estudo com base nas normas – princípios e regras auxiliará na identificação das zonas de intersecção ou convergência, em que a incidência de
um ou outro regime não é tão precisa, ou insuficiente para regular o caso concreto.
Assim, a aproximação do tema com base nas normas de cada regime jurídico busca a
proposta de formulação inicial, não de uma teoria geral contratual das pessoas públicas, mas
de uma chave interpretativa dessas relações contratuais envolvendo parte privada e parte
pública, com definição e delimitação de quais normas aplicáveis (se aplicáveis), em busca de
segurança nessas relações contratuais, previsibilidade e confiança no pactuado, delimitação
das consequências e coerência ao conjunto15 do quadro normativo aplicável.
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O significado do vocábulo princípio será tomado, inicialmente, em sentido comumente adotado pela doutrina
clássica. As críticas em relação a essa denominação serão feitas em relação aos “princípios” pontualmente
abordados no transcorrer e ao final do trabalho, tomando por base a obra de ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. À
propósito, a finalidade da distinção entre princípios e regras, proposta de dissociação por nós adotada, tem
duas funções: (i) visa antecipar características das espécies normativas de modo a facilitar o processo de
interpretação e aplicação do Direito e; (ii) aliviar o ônus argumentativo do aplicador do Direito (Idem,
Ibidem, p. 56-57). “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com
pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência,
sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os
princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua
promoção” (Idem, Ibidem, p. 70). Um fim é ideia que exprime uma orientação prática. Os fins representam
uma função diretiva. A instituição do fim é ponto de partida para a procura de meios. Os princípios, embora
relacionados a valores, não se confundem com eles. Os princípios se situam no plano deontológico. Os
valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleológico (Idem, Ibidem, p. 70-72). O postulado
normativo aplicativo são normas estruturantes da aplicação de princípios e regras. Aqui insere-se a
proporcionalidade e a razoabilidade. As espécies de postulados são assim postas: (i) inespecíficos:
ponderação; concordância prática e proibição de excesso; (ii) específicos: igualdade – aplicável em situações
nas quais haja o relacionamento entre dois ou mais sujeitos em função de um critério discriminador que serve
a alguma finalidade; razoabilidade – aplicável em situações em que se manifeste um conflito entre o geral e o
individual, entre a norma e a realidade por ela regulada, e entre um critério e uma medida; proporcionalidade
– aplicável nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim (Idem, Ibidem, p.
93-125).
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002. Para um estudo da insubsistência do denominado “sistema jurídico”
atual e sua substituição pela noção de conjunto, ver FRADERA, Véra. Le système juridique est mort: vive
l’ensemble!. In: DOMINIQUE BUREAU, Daniel Cohen; JARROSON, Charles; LEQUETTE, Yves. (Orgs.).
Études à la mémoire du Professeur Bruno Oppetit. Paris, 2009, v. 1, p. 193-202.
2
AS
NORMAS
DOS
REGIMES
JURÍDICOS
CONTRATUAIS
TRADICIONAIS
O foco de estudo na relação jurídica obrigacional operacionalizada pelo contrato
explica-se porque esse instrumentaliza a circulação de riquezas pelo qual se realizam as trocas
no mercado (ambiente econômico). A partir desse instrumento podemos examinar como
ocorre sua qualificação - privada ou pública -, a ponto de podermos submetê-lo a um ou outro
tipo de normatização. Ou, se então, a submissão à normatização meramente pública ou
privada é atualmente insuficiente, necessitando de um novo modo de pensar as novas relações
contratuais que envolvem o Poder Público16.
Como acima referido, há zonas próprias de incidência das normas de direito público e
de direito privado. São as zonas de intersecção ou de convergência de ambos os regimes que
necessitam de critérios para a atuação de um ou outro regime17.
Para uma aproximação com o mapeamento da extensão e conteúdo dos contratos
público-privados é necessário o exame prévio do regime jurídico contratual de direito privado
clássico e do de direito público clássico18, sob o enfoque das normas que os regem.
2.1. Princípios e Regras do Regime Jurídico Contratual de Direito Privado
16
17
Para MAURER, “tarefas administrativas podem ser resolvidas na forma de direito privado” de forma
militada. MAURER excluiu do âmbito privado a “administração da ordem e a administração tributária”, as
quais dependem de meios de coerção próprios do poder soberano do Estado regidos pelo direito público.
Abre a possibilidade para a administração, ainda, de que a administração de prestação, quando lhe faltar
prescrição jurídico-públicas, utilize “formas jurídicas jurídico-públicas ou jurídico-privadas” (MAURER,
Hartmut. Direito Administrativo Geral. Barueri/SP: Manole, 2006, p. 45-46); Segundo GARCÍA DE
ENTERRÍA, “o problema não é, pois, o de determinar os limites positivos de aplicação do Direito
Administrativo, mas, ao inverso, seus limites negativos: quando e porque se aplicam à Administração os
Direitos gerais, cessando assim a aplicação de seu ordenamento estatutário e específico”. E complementa no
sentido de que nas áreas de fricção, que restringe ao direito da organização – utilização de modelos
societários de direito privado – e de direito patrimonial , sustenta que as “formas de Direito Privado se
objetivaram e se constituíram em técnicas independentes que podem ser utilizadas de uma maneira
puramente instrumental pelos entes públicos” (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: RT, 1990, pp. 58/62 e 349/352).
MAURER afirma que “a distinção entre o direito público, em especial, do direito administrativo, e o direito
privado não está determinada aprioristicamente, mas está na base de nossa ordem jurídica vigente”, arrolando
alguns institutos em que a atuação do direito público é exclusiva, tais como na aplicação da lei de
procedimento administrativo, na determinação do ato administrativo e do contrato administrativo, na
responsabilidade administrativa, na indenização por desapropriação, na fixação de taxas e contribuições, na
execução administrativa, na competência legislativa. ((MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral.
Barueri/SP: Manole, 2006, p. 49-54). Em nosso entender, todos os institutos arrolados por MAURER têm a
incidência normativa de normas de direito público, à exceção do contrato administrativo, que como veremos,
não oferece facilmente a atuação de um ou outro regime jurídico. O próprio MAURER, ao expor as diversas
teorias acerca da delimitação entre direito público e direito privado, conclui que nenhuma dessas teorias tem
prevalência (op. Cit., p. 50-54).
A doutrina clássica ensina que os princípios informadores dos contratos são o
princípio da autonomia da vontade, da relatividade e da obrigatoriedade dos pactos- pacta
sunt servanda - e do consensualismo.
A autonomia da vontade19, principal vetor da disciplina contratual privada, numa usual
definição introdutória, considera o poder reconhecido ou concedido pelo ordenamento a um
indivíduo ou grupamento de determinar as consequências jurídicas do comportamento
livremente adotado. É a liberdade de fixar as regras das próprias ações mediante pacto
consensual.
O império da autonomia da vontade tem sua base história e normativa no Estado de Direito
Liberal20, pós-revoluções francesa e americana, fundado no liberalismo econômico21. No
Estado Liberal separa-se o ambiente público do privado. O eixo do ideário liberal é o poder de
iniciativa individual, com redução da atuação e do papel estatal. No aspecto normativo, o
Estado Liberal busca garantir a liberdade do cidadão contra o poder estatal. O Estado protege
os cidadãos mediante o monopólio do poder de polícia e do poder político. À proteção
individual opõem-se a não intervenção do Estado no ambiente econômico e social, campos de
atuação privada. As liberdades individuais encontram limites apenas na vedação expressa da
lei. A liberdade dos modernos difere-se da liberdade dos antigos, na medida em que aquela é a
liberdade de atuação social e econômica e esta representa a liberdade de participação nas
decisões políticas22. Seja como for, a igualdade, portanto, é a igualdade formal dos indivíduos
perante a lei.
18
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21
22
GARCÍA DE ENTERRÍA, 1990, p. 598-612.
Sobre a origem da autonomia da vontade, a mutação de seu conteúdo no século XX, a relação com os direitos
fundamentais e com a economia, ver: RAISER, Ludwig. Il compito del diritto privato: saggi di diritto
privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Milano: Giuffrè, 1990, p. 51-69. A autonomia privada,
princípio formal, como de resto as demais normas de direito privado, “devem ser interpretadas com base nos
princípios de direitos fundamentais” (SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito: os
direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 27).
FORSTHOFF, Ernst. Stato di diritto in trasformazione. Milano: Giufrè, 1973, p. 40-41. No ponto,
elucidativa a lição de Paulo Luiz Neto LÔBO ao dizer que “a visão do contrato como expressão da soberania
da vontade se apresentou verdadeiramente como a tradução em termos dogmáticos da ideologia do laisserfaire do Estado Liberal. Daí sua inadequação à nova realidade” (O contrato: exigências e concepções atuais,
p. 12).
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 335338 e GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. 3. ed. Madrid: Revista de Ocidente,
1953, p. 141-204.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editorial, 1997. Tomo I, p. 53. A
distinção entre liberdade dos modernos e liberdade para os antigos é de Benjamin Constant (CONSTANT,
Benjamin. De l’esprit de conquête et de l’usurpation. Paris, 1814. p. 101 e seg.).
A autonomia privada é um dogma23, decorrente a centralização da vontade do sujeito,
expressão da liberdade individual. 24
Na Antiguidade Clássica Romana predominava no direito a fase do pensamento
prudencial (iurisprudencia). Na passagem da cultura romana para a cultura medieval houve a
distinção entre a esfera política da religião, pelo advento do Cristianismo. Contudo, a Igreja
Católica institucionaliza-se politicamente. A ciência (europeia) do direito propriamente dita
nasce em Bolonha no século XI. Há a introdução da dogmaticidade. Os textos de Justiniano
(Corpus Juris Civilis) são aceitos como base do Direito, e passam a sofrer análise (glosa)
gramatical e filológica pelos glosadores. Era uma atividade exegética. Nessa fase o direito
servia aos interesses da Monarquia (poder real). Com o Renascimento, na Idade Moderna, o
direito vai perder seu caráter sagrado. Ocorre a dessacralização do direito. Essa nova Era, é a
Era Racional. Com o positivismo do século XIX o direito identifica-se com a norma posta,
positivada25.
A liberdade individual ou a centralidade da pessoa no ordenamento constitucional da
contemporaneidade não se identifica com o caráter econômico ou patrimonial do sujeito.
A lição de Perlingieri, abarcando os sujeitos privados e os sujeitos públicos, diz26
O quadro atual, portanto, deve ser repensado com atenção. Encontra-se
superada, para os fins da individuação da real consistência do fenômeno da
autonomia, a distinção entre natureza privada ou pública do sujeito que
realiza o ato de regulamentação do interesse; de maneira que também o
comportamento de um ente público que decida agir (non iure imperium,
mas) iuri privatorum configura a realização da autonomia. Emerge, portanto,
a angústia da tradicional distinção da autonomia privada, vista como poder
reconhecido ou atribuído pelo ordenamento jurídico ao “privado”: o poder
cabe, na realidade, a todos os sujeitos jurídicos, sejam estes privados ou
públicos.
E para León Duguit, ao afirmar que o direito público e o direito privado seguem uma
evolução paralela e similar, diz que “en derecho privado la autonomía de la voluntad humana
23
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26
“São dogmáticas as disciplinas jurídicas, a partir do momento que consideram certas premissas, em si e por si
arbitrárias, isto é, resultantes de uma decisão. A dogmática trata de questões finitas. Por isso, podemos dizer
que elas são regidas pelo que chamaremos de princípio da proibição da negação. Ou seja, princípio da nãonegação dos pontos de partida de séries argumentativas, ou ainda, princípio da inegabilidade dos pontos de
partida” (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 47-48).
Sustentando a autonomia privada como um dogma e o anacronismo das teorias que a explica,
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp.
339/343.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2010, p. 62-65.
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 336.
desaparece; la voluntad del individuo no puede por sí sola crear um efecto de derecho”27. E
segue, sustentando que a autonomia da vontade28
podía adaptarse a una sociedad esencialmente individualista, como la
sociedad romana y hasta como las sociedades europeas y americanas de
comienzos del siglo XIX. Pero está en oposición absoluta con las tendencias
socialistas y asocianistas de nuestra época. Los jurisconsultos, todavía
numerosos, que han permanecido fieles a la concepción individualista y
metafísica, en la que ven un dogma intangible, realizan esfuerzos
desesperados, prodigios de sutileza para comprender, cueste lo que cueste,
en esos viejos cuadros demasiado estrechos, todos los hechos tan complejos
del mundo moderno.
Na linha dos princípios clássicos, o pacta sunt servanda é o princípio que traduz a
obrigatoriedade no cumprimento do pacto nos termos em que pactuado, na conhecida
expressão que o contrato faz lei entre as partes. Manifestada a vontade livre, aquele que se
manifestou obriga-se perante o outro contratante, sem possibilidade de alteração unilateral.
Esse princípio contratual clássico, como os demais, permanece na atual teoria geral do
contrato.
Contudo, a força obrigatória dos pactos, fundada na autonomia privada, relativiza-se
na exata medida em que se constata atualmente que a propalada liberdade de contratar não é
substancial, mas apenas formal, fruto da despersonalização da sociedade de massas e das
novas formas de contração em massa, v.g., contratos de adesão e contratos-tipo. Por isso, o só
fato de contratar não vincula de forma absoluta o contratante, dado o amplo espectro de
formação da relação contratual29.
Os contratos permanecem obrigatórios. A autonomia privada ainda vige. O pacto não é
relativo a ponto de gerar insegurança desmedida nas partes contratantes. Entretanto, a força
obrigatória e vinculante da relação contratual deve considerar o mútuo interesse das partes,
equilibrando substancialmente a avença em caso de desvantagem para uma das delas. E aqui,
como se verá mais adiante, a atribuição de um desequilíbrio substancial a priori em razão da
presença de parte pública na relação jurídica obrigacional instrumentalizada pelo contrato, ou
27
28
29
DUGUIT, León. Las Transformaciones del Derecho (público y privado). Buenos Aires: Editorial Heliastra
S.R.L., p. 167.
DUGUIT, León. Las Transformaciones del Derecho (público y privado). Buenos Aires: Heliastra S.R.L., p.
195-196.
As transformações do contrato na sociedade de massas e o sentido econômico que adquire é explicada por
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Contrato: exigências e concepções atuais, p. 17 e seguintes. Para uma aproximação
das transformações no Direito das Obrigações importante a obra de GOMES, Orlando. Transformações
gerais do Direito das Obrigações, p. 8 e seguintes, e no Direito Privado em geral, DUGUIT, Léon. Las
transformaciones del derecho, p. 171 e seguintes.
da presença do denominado interesse público, está em desacordo com o Estado
Constitucional.
Por fim, o consensualismo é o princípio que vincula as partes contratantes no
momento da conclusão do contrato, mediante consenso ou acordo de vontades convergente a
determinado objetivo. E o princípio da relatividade dos pactos delimita os efeitos do pactuado
apenas às partes contratantes, não tendo eficácia em relação a terceiros.
No direito contemporâneo esses princípios clássicos sofrem uma nova leitura sob o
prisma do dirigismo contratual, da solidariedade e dos princípios da boa-fé, da proteção da
confiança, das expectativas legítimas das partes, do equilíbrio econômico e do fim social do
contrato. Ou seja, os princípios clássicos não são abandonados, mas revisitados sob o prisma
dos ‘novos’ princípios contratuais30.
A ideia de totalidade da relação jurídica obrigacional desenvolvida entre nós por
Clóvis do Couto e Silva31 aponta que a “a inovação, que permitiu tratar a relação jurídica
como uma totalidade, realmente orgânica, veio do conceito do vínculo como uma ordem de
cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a
compõem”.
A cooperação não está adstrita às relações entre particulares ou entre entes privados. O
Estado Constitucional exige o dever de colaboração do próprio Estado em suas relações
obrigacionais-contratuais frente aos parceiros contratuais privados ou públicos.
Da ideia de totalidade do vínculo obrigacional como processo voltado à satisfação dos
interesses do credor32, extrai-se a dinamicidade do vínculo obrigacional, no qual se insere a
relação contratual.
30
31
32
Acerca da aplicação de aspectos históricos na interpretação do direito, ALPA, Guido. L’avenir du contrat:
aperçu d’une recherche bibliographique. Revue Internationale de Droit Comparé, v. 37, n. 01, p. 7-26;
ALPA, Guido. Le contrat individuel et sa définition. Revue Internationale de Droit Comparé, v. 40, n. 02, p.
327-350. E, para um estudo acerca da adaptação das regulamentações internas dos contratos nos países da
União Européia, ALPA, Guido. Les nouvelles frontières du droit contrats. Revue Internationale de Droit
Comparé, v. 50, n. 04, p. 1015-1030.
Para uma visão ampla acerca da relação obrigacional como processo e a importância dos deveres anexos ou
secundários, ver COSTA, Mario Júlio de Almeida. Direito das Obrigações, p. 49 e seguintes e Aspectos
modernos do Direito das Obrigações. ______. Estudos de Direito Civil Brasileiro. ______. Português: I
Jornada Luso-brasileira de Direito Civil. São Paulo: RT, 1980, p. 74-101; COUTO E SILVA, Clóvis do. A
Obrigação como Processo, 1976, p. 8 e FRADERA, Véra Maria Jacob de. O Direito Privado brasileiro na
visão de Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: Livraria do Advogado, 1997. Organização de textos de Clóvis
do Couto e Silva.
Escreve Clóvis do COUTO E SILVA que a “expressão “obrigação como processo” tenciona-se sublinhar o
ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que
entre si se ligam por interdependência” (COUTO E SILVA, 1976, p. 10).
O dinamismo da relação contratual demonstra que os interesses de satisfação do credor
estão em contínuo processo de adimplemento. A inserção dos contratos privados ou públicos
na ordem econômica, como instrumentos de operação das trocas econômicas e de atuação no
mercado, impõem uma nova perspectiva de exame de seu conteúdo (objeto e finalidade33),
colocando em evidência, de um lado, a superação de alguns princípios e regras de direito
público e de direito privado, e, de outro, a convergência entre estes sob as lentes do Estado
Constitucional.
O equilíbrio34 do contrato é o modo como se pode alcançar a finalidade de circulação
de riquezas de forma justa. Na propalada sentença de Enzo Roppo - “o contrato é a veste
jurídica das operações econômicas”35 - situa-se uma das vertentes de interpretação dos
contratos no atual estágio dos valores constitucionais. Nesse sentido, a manutenção da
circulação de riquezas passa pela conservação do equilíbrio contratual de forma justa e
equitativa. O desequilíbrio quebra a variante normal dos negócios econômicos e redunda,
cedo ou tarde, na própria instabilidade das relações negociais. Portanto, manter o equilíbrio do
contrato é manter a própria ratio da circulação de riquezas.
O direito privado apresenta várias técnicas para fazer retornar o equilíbrio ao contrato.
A revisão contratual pode ser considerada um cubo em cujas faces encontram-se os institutos
da excessiva onerosidade, da lesão, da teoria da imprevisão, da teoria da base objetiva do
negócio e do abuso de direito. As técnicas de recuperação do equilíbrio contratual no direito
privado encontram paralelo no direito público, especialmente na nota normativa que assegura
a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato36.
Esse cubo que apresenta em cada uma de suas faces as várias técnicas de recuperação
do equilíbrio contratual privado tem fundamento no princípio chave da cláusula rebus sic
stantibus. Notadamente nos contratos de execução diferida está presente a cláusula rebus sic
stantibus, que se traduz pela ideia de que a relação contratual, embora dinâmica e prolongada
no tempo, deve guardar um mesmo estado de fato, um mesmo estado de coisas, tanto no
âmbito interno da relação contratual, como externamente.
33
34
35
36
Para NEGREIROS a caracterização do bem contratado “deve, sim, ser considerada um fator determinante da
disciplina contratual, influindo sobre a forma como hão de ser conciliados os novos princípios do contrato, de
índole intervencionista, e os princípios clássicos, finalizados à proteção da liberdade contratual”
(NEGREIROS, 2002, p. 380).
Para mais acerca do equilíbrio nos contratos, em geral, e nos contratos de consumo, em especial, ver, de
minha autoria, Contratos Cativos de Longa Duração: tempo e equilíbrio nas relações contratuais, na obra A
Nova Crise do Contrato, em conjunto com Cláudia Lima Marques (KARAM-SILVEIRA, Marco Antonio;
MARQUES, Cláudia Lima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 482-503).
Idem, Ibidem, p. 8.
BRASIL. Lei nº 8.666 de 1993, art. 65, inciso II, alínea “d”.
Não significa a conservação estática dos elementos contratuais, pois a vida demonstra
que o dinamismo da existência impede pensar em condições imutáveis. O que se exige é que a
mutação normal da relação interna e externa do vínculo contratual mantenha uma paridade
equitativa entre as partes privadas ou privadas e públicas, em prol do equilíbrio dinâmico do
contrato.
Ou seja, a obrigatoriedade contratual somente se justifica em trocas formadas e
desenvolvidas de forma justa e equilibrada. Enfim, enquanto mantido o mesmo estado de
coisas, interno e externo, mantém-se os termos do contrato, o que vale para os contratos
privados, para os contratos públicos e para os contratos público-privados. Equilíbrio entre as
prestações significa que essas devem expressar um equilíbrio real e justificável entre as
vantagens obtidas por um e por outro dos contratantes, sem que se desconsidere o sinalagma
contratual em seu perfil funcional37.
Outro ponto de contato entre os efeitos das normas privadas e das normas públicas é a
leitura dos princípios clássicos da teoria geral dos contratos. O pacta sunt servanda, a
autonomia da vontade, a obrigatoriedade e a relatividade dos pactos são informados pelos
princípios da função social do contrato e pelo princípio da boa-fé objetiva, fundado no
princípio da confiança e da lealdade, especialmente em não frustrar as expectativas legítimas
das partes contratantes.
O momento histórico de desenvolvimento do direito, pontuado aqui na linha do Estado
Constitucional e da superação de um modelo de interpretação baseada no silogismo
avalorativo38, obriga a construção de uma nova forma de pensá-lo e aplicá-lo39. Se o direito é
resultado da cultura40, evidencia-se uma realidade concreta destoante dos institutos e técnicas
jurídicas formuladas em outro momento histórico e para atender a problemas distantes do
mundo atual. O processo histórico-econômico-social vivenciado pela humanidade,
principalmente após a segunda metade do século XX, com o final da II Guerra Mundial, e o
florescimento do constitucionalismo, desataram a insuficiência dos princípios contratuais
37
38
39
40
NEGREIROS, 2002, p. 156; “não se trata, por óbvio, de um equilíbrio meramente matemático ou estático,
como o de corpos em repouso, devendo ser visto na dinamicidade da relação, de seu conteúdo, seus fins e
interesses legítimos” (MARTINS-COSTA, 1999, p. 134).
A lógica da subsunção, formal, baseada no silogismo é insuficiente a atender ao “fenômeno jurídico ao
menos em toda a sua complexidade e extensão” (FREITAS, Juarez. A substancial inconstitucinalidade da lei
injusta. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989, p. 29). A solução é a busca de aplicação do direito em visão tópica
(VIEHWEG, Theodor. Tópica y jurisprudencia. Madri: Taurus, 1964. Traducción de Luis Díes-Picazo Ponce
de Léon.).
Para uma aproximação com os modelos histórico-constitucionais, ver GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho
constitucional comparado. 3. ed. Madrid: Revista de Ocidente, 1953, especialmente p. 55-98.
Enzo ROPPO (1988, p. 24) diz que “o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura
segundo o contexto econômico-social em que está inserido”.
clássicos, na linguagem em que formulados, de responder às novas necessidades de
participação e cooperação entre privado e público, em geral, e da circulação de riquezas
ínsitas a ideia de contrato41, em especial.
Nesse passo, os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato42 passam a
ser positivados e carregam consigo a obrigatoriedade de respeito aos deveres colaterais às
relações contratuais e parecem ser uma das pontes de contato entre os contratos privados e os
contratos públicos a oferecer uma nova via de interpretação e aplicação. Não se pode afirmar
que as cláusulas gerais43 do princípio da boa-fé objetiva, da equidade, de equilíbrio contratual,
de correção, de lealdade, de respeito aos usos e costumes e da função social do contrato, em
que pese formulados e positivados no direito privado, não tenham aplicação e relevância no
direito público.
O dirigismo contratual passa a interessar a toda a sociedade. Assim, o princípio da
autonomia da vontade veio presente na primeira parte do artigo 421 do Código Civil,
outorgando às partes a liberdade de contratar, mas restringindo a liberdade nos limites da
função social do contrato, conforme a parte final do mesmo artigo 421.
O princípio da boa-fé44 veio positivado nos artigos 113, 187 e 422 do CC, devendo
estar presente durante toda relação contratual. A boa-fé traz à teoria geral dos contratos o
rompimento com o individualismo egoístico e a liberdade absoluta de contratar, trazendo ao
ambiente contratual a consideração pelos interesses do outro contratante, partícipe na
operação econômica instrumentalizada pelo contrato.
41
42
43
44
Carlos Alberto GHERSI entende que “el contrato debe ser una forma teleológica de acceder a los bienes y
servicios en la realidad económico social desarrollado en un contexto histórico y no un mero objeto de
estudio o dicho en términos sociológicamente más crueles un objeto de la dogmática y por consiguiente una
herejía de la realidad”. E completa, ainda acerca da interferência dos novos fenômenos sócio-econômicojurídicos em desenvolvimento que “seguramente implicará desnudar las ideologias o peor aún, descubrir que
no han muerto como nos intentam hacer crer, sostener o desterrar sus matices, en fin, mostrar realidades
subyacentes de estos nuevos “procesos posdemocráticos”, que producen o pretenden producir cambios
cualitativos em la sociedad, de dimensiones aún impensables y someter a la comunidad acadêmica
universitaria al cotejo de la “validez de los conceptos” (1995, p. 46-47).
Acerca da relação entre liberdade e função social, ver: RENNER, Karl. The Institutions of Private Law: and
their social functions. London: Routledge & Kegan Paul,1976 e RAISER, Ludwig. Il compito del diritto
privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. Milano: Giuffrè, 1990.
“As cláusula gerais têm a função de permitir a abertura e a mobilidade dos sistemas jurídico” (MARTINS
COSTA, Judith, 1999, p. 341). A cláusula geral é uma técnica legislativa que contém suporte fático em
abstrato dotado de mobilidade e vagueza de sentido derivados de uma “intencional imprecisão” de
significado, com um grau mínimo de tipicidade na descrição da conduta. A “vagueza semântica”
impossibilita definir abstrata e teoricamente quais são todos os fatos que se subsumem a determinada
disposição legal, o que somente será possível no caso concreto (Ibidem, p. 298).
Boa-fé significa “uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual,
respeitando-o, respeitando suas expectativas razoáveis, seus legítimos interesses, suas expectativas razoáveis,
seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva,
cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos
interesses das partes” (MARQUES, 2002, p. 181-182).
A boa-fé objetiva, como norma de interpretação, presente no artigo 113 do Código
Civil, visa a restringir a autonomia da vontade, impondo certos deveres nem sempre presentes
nas declarações volitivas, limitando o exercício de direitos na formação e na execução dos
contratos, reforçando o poder das declarações negociais no seu sentido habitual.
Tem o escopo, ainda, de servir de limite interno ao direito subjetivo, conforme artigo
187 do Código Civil, vedando o abuso de direito, que é aquela “conduta que, embora lícita,
mostra-se desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende naquela circunstância
fática alcançar e promover”45.
Por fim, conforme prescreve o artigo 422 do Código Civil, é “fonte criadora de
deveres anexos à prestação principal”46.
O princípio da função social, positivado no artigo 421 do Código Civil, parte da
premissa de que o contrato não interessa apenas às partes contratantes. O meio social acaba
por influir e ser influenciado pela troca contratual entre os partícipes da relação contratual. A
solidariedade tem fundamento constitucional, prevista no inciso I, do artigo 3º da Constituição
da República. O fundamento da socialidade da relação contratual reduz a aplicação do
princípio da relatividade dos pactos47.
A ideia de individualidade egoística do contrato é incompatível com o Estado Social48.
A interação da vida econômica entre os indivíduos e os reflexos das trocas individuais
relacionam-se intimamente com o ambiente coletivo. Ou seja, o interesse social acaba por
influir decisivamente na disciplina contratual, tanto nos contratos privados como nos
contratos públicos, aproximando autonomia da vontade fundada no interesse privado com o
interesse social baseado no interesse público da Administração.
Assim, a relação interna e externa do vínculo obrigacional contratual fica resguardada,
respectivamente, pelo princípio da boa-fé, com o dever de colaboração e confiança, e pelo
45
46
47
48
TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. V. I, p. 341.
Idem, Ibidem, p. 228.
“As relações contratuais, entendidas como os móveis que dinamizam o sistema econômico capitalista, em
que pese nascerem das vontades declaradas pelas partes, certamente delas de despreendem para agir no
mercado e na vida econômica encadeando as mais diversas facetas da vida econômica. Em uma sociedade
economicamente massificada, o entrelaçamento dos contratos mantidos entre os vários elos da cadeia de
circulação de riqueza faz com que cada contrato individual exerça uma influência e tenha importância em
todos os demais contratos que possam estar relacionados” (FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A função
social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a solidariedade social, p. 173).
GARCIA-PELAYO, Manuel. Las Transformaciones del Estado Contemporáneo. 4. ed. Madrid: Alianza,
1996; FORSTHOFF, Ernst. Stato di diritto in trasformazione. Milano: Giufrè, 1973; LÔBO, Paulo Luiz
Netto. Princípios sociais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. Sâo
Paulo: Saraiva, 1986, p. 191.
princípio da função social, que impõe um comportamento solidário entre os contratantes49,
sejam privados ou públicos.
Conclui-se que a autonomia da vontade é dogma e que a atuação contratual emerge de
um móvel pertencente ao privado e ao público, e que a obrigatoriedade e relatividade dos
pactos não é particularidade do direito privado, mas obriga e vincula a parte pública
contratante. E, como se verá, há nítida coincidência entre o conteúdo ou finalidade atual da
autonomia privada com o conteúdo e finalidade do interesse público, numa aproximação entre
as normas de direito privado e direito público contratual.
2.2 Princípios e Regras do Regime Jurídico Contratual de Direito Público
No direito público há uma premissa no exame das relações contratuais. O fundamento
da atuação estatal é o interesse público50, que se extrai da relação de administração, que é
aquela “que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente”51. A finalidade cogente
mencionada é o interesse público, conceituado por Celso Antonio Bandeira de Mello como “o
interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando
considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”52.
A vontade pessoal, segundo a doutrina clássica, é irrelevante em razão do interesse
público. Os contratos administrativos são contratos de adesão e satisfazem diretamente o
interesse público53, o que é operacionalizado por certas prerrogativas concretas a assegurar a
supremacia do interesse público54, denominadas cláusulas exorbitantes.
49
50
51
52
53
SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a
solidariedade social. IN: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto
Alegre, Livraria do Advogado, 2003.
Para uma forte e contundente crítica acerca do “princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular”, ver: ÁVILA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular”. In: SARLET, Ingo. (Org.) O direito público em tempos de crise: estudos em Homenagem a Ruy
Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 99-127.
CIRNE LIMA, Rui. Princípios de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.
52. FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 15, oferece
uma leitura contemporânea da relação jurídico-administrativa.
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
51.
A doutrina clássica sustenta, acerca do contrato administrativo: “[...] o que se considera essencial para a
caracterização do contrato administrativo é a utilidade pública que resulta diretamente do contrato. Nesses
Nesse sentido, curiosa a definição legal de contrato administrativo posta no § único,
do artigo 2º, da Lei nº 8.666/9355, que já desmente a inexistência de vontade da parte pública
contratante ao fazer referência expressa à “um acordo de vontades para a formação de vínculo
e a estipulação de obrigações recíprocas”.
A doutrina clássica ainda faz outra distinção. Os contratos de direito privado
celebrados pela administração satisfazem o interesse público de modo indireto (ex.: locação,
pois a destinação do imóvel visa o interesse público). Nesses contratos, qualificados como
contratos privados, o Estado age e será tratado como particular. Vale dizer, o regime jurídico
a que ficará subordinado será de direito privado.
Seja como for, o denominado princípio da supremacia do interesse público não pode
ser entendido como norma-princípio ou postulado apto a explicar sua relação de prevalência a
priori sobre o interesse privado. Em verdade, representa – tal como a autonomia da vontade
para o direito privado - um dogma sob o qual se assentam as soluções no âmbito do direito
administrativo, sem que se questione de sua validade, seu conteúdo e a alegada existência de
conflito com o interesse privado56.
54
55
56
casos é patente a desigualdade entre as partes: o particular visa à consecução de seu interesse individual; a
Administração objetiva o atendimento do interesse geral. [...] Ao contrário, quando a Administração celebra
contrato cujo objeto apenas indiretamente ou acessoriamente diz respeito ao interesse geral (na medida em
que tem repercussão orçamentária, quer do lado da despesa, quer do lado da receita), ela se submete ou pode
submeter-se ao direito privado; por exemplo, para comprar materiais necessários a uma obra ou serviço
público, para colocar no seguro os veículos oficiais...” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 247); “Uma questão complexa é a disputa sobre a
amplitude da categoria dos contratos administrativos. Há quem sustente que todos os contratos
administrativos apresentam idênticos caracteres. Adota-se entendimento distinto, diferenciando-se três
categorias de contratos, segundo o regime jurídico aplicável. Existem, primeiramente, os contratos
subordinados preponderantemente ao Direito Privado, em que a participação de ente administrativo não
acarreta alteração substancial do regime jurídico. São os contratos referidos no art. 62, §3º, inc. I, da Lei nº
8.666/93” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9. ed.
São Paulo: Dialética, 2002, p. 41); “Põe em relevo que, respeitada a igualdade objetiva entre os contratantes,
nos termos pactuados, há espaço para uma desigualdade subjetiva a justificar que a lei (antes de fazê-lo o
contrato) outorgue aquelas prerrogativas ao ente ou entidade que realiza a função pública, não para que a
pessoa administrativa prevaleça sobre o particular, mas que o interesse público não se veja derrogado ou
acuado pelo privado” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da
Administração Pública. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 626).
Acerca do equilíbrio entre privilégios e garantias da Administração, ver GARCÍA DE ENTERRÍA, 1990, p.
53-55.
“Art. 2º [...] As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e
locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de
licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades
da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a
estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”.
Em excelente ensaio, Humberto Ávila nega ao “princípio da supremacia do interesse público” a qualificação
de postulado e de norma-princípio. Sustenta que falta fundamento de validade ao “princípio”, porquanto não
é imanente à Constituição e a um exame sistemático do Direito, e que seu conteúdo é indeterminável e
inconciliável com os interesses privados (ÁVILA, Humberto, 1999, p. 110-111).
Inicialmente, contudo, é necessário examinar as denominadas cláusulas exorbitantes a
ponto de concluir em qual ponto são realmente distintas dos princípios contratuais trazidos
pelo direito privado.
Segundo a doutrina tradicional, as cláusulas exorbitantes são assim denominadas
porque exorbitam a teoria geral dos contratos e o conteúdo volitivo – vontade das partes.
Mesmo que não estejam previstas no instrumento contratual devem ser aplicadas, em razão da
incidência ex lege do artigo 58 da Lei de Licitações.
A primeira das denominadas cláusulas exorbitantes é a possibilidade de alteração
unilateral por razões de interesse público (LL, art. 58, inciso I)57. A cláusula de alteração
unilateral é autolimitada pela regra dos parágrafos primeiro e segundo, que impõem a garantia
de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro (LL, art. 58, §§1º e 2º)58. Notar que a
alteração bilateral também é possível, mas não terá, consoante a doutrina clássica, o conteúdo
de cláusula exorbitante.
Há duas cláusulas que são o núcleo essencial do contrato. A primeira delas é a cláusula
de objeto, oneração ou serviço (LL, art. 55, incisos I e II, e art. 65, inciso I, alíneas “a” e
“b”)59 que deve ser prestado pelo contratado (particular). Somente estas cláusulas podem ser
alteradas – qualitativa ou quantitativamente. Os limites dessas alterações estão na LL, art. 65,
§1º60, que estabelecem 25% do valor do contrato para aumentar ou diminuir o objeto do
contrato em caso de compras, obras e serviços, tornando obrigatório o cumprimento ou
entrega, nos casos de aumento do objeto; e 50% para mais ou para menos em caso de reforma.
57
58
59
60
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de
interesse público, respeitados os direitos do contratado”.
“Art. 58 [...] § 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão
ser alteradas sem prévia concordância do contratado” e “§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas
econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual”.
“Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: I - o objeto e seus elementos
característicos; II - o regime de execução ou a forma de fornecimento” e “Art. 65. Os contratos regidos por
esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente pela
Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação
técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de
acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei”.
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes
casos: § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou
supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial
atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50%
(cinquenta por cento) para os seus acréscimos”.
Aumentando ou diminuindo o objeto do contrato deve respeitar-se a equação
(equilíbrio) econômico-financeira (LL, art. 58, § 2º e art. 65, § 6º)61, aumentando ou
diminuindo a contraprestação pecuniária.
Todas as disposições normativas acerca da cláusula de alteração unilateral do contrato
apontam a preocupação com a manutenção do equilíbrio do contrato, assegurando a sua
obrigatoriedade, o que significa a afirmação do pacta sunt servanda nos contratos públicos.
Vale dizer, a flexibilidade de alteração unilateral do contrato pela administração não
modifica substancialmente o vínculo jurídico-contratual entre a parte privada e a parte pública
contratante, porque (i) as possibilidades de alterações dessa ordem ocorrerem estão previstas
legalmente, integrando a relação jurídico-contratual com “cláusulas” de obrigações, ônus e
deveres fixadas ex lege em concomitância com a formação do vínculo contratual, e (ii) porque
estão vinculadas à manutenção do equilíbrio do contrato, nos moldes do que exigido pelo
direito privado.
Nesse sentido, é coerente a normatização do inciso II do art. 6562, que prevê a
alteração contratual por acordo entre a parte privada e a parte pública nas hipóteses em que
específica – modificação bilateral do contrato.
A cláusula econômico-financeira ou de remuneração, prevista no inciso III do artigo
55 da lei de licitações, estabelece o quanto o contratado (particular) irá receber da
administração ou pelo usuário, em casos de concessão ou permissão. Estas não podem ser
alteradas. Somente serão alteradas com a concordância do contratado.
Outra cláusula exorbitante é a possibilidade de rescisão unilateral do contrato,
denominada de rescisão administrativa (LL, art. 58, inciso II, art. 79, inciso I e art. 78)63. Ou
61
62
63
“Art. 58. [...]: [...]§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato
deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual” e “art. 65. [...]: [...] § 6o Em havendo
alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer,
por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial”.
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes
casos: [...] II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b)
quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de
fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c)
quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes,
mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma
financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou
serviço; d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e
a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos
imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução
do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual”.
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, a prerrogativa de: [...] II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do
art. 79 desta Lei”; “art. 79. A rescisão do contrato poderá ser: I - determinada por ato unilateral e escrito da
seja, possibilidade de extinguir a relação contratual antes do prazo final. Pode haver rescisão
bilateral, mas não será cláusula exorbitante.
A rescisão unilateral somente é viabilizada em caso de descumprimento contratual,
fundado nos motivos do artigo 78, e que podem ser assim divididos: (i) com culpa do
particular, nos casos dos incisos I a XI e XVIII do artigo 78 da lei de licitações; (ii) sem culpa
do particular, por força maior ou caso fortuito, conforme inciso XVII do artigo 78; (iii) com
culpa da parte pública, das hipóteses dos incisos XIII a XVI; e (iiii) por interesse público, nos
termos do inciso XII do artigo 78.
A diferença entre a rescisão com culpa e sem culpa do particular é em relação à
indenização, incidindo na culposa e inaplicável na sem culpa, nos moldes em que formulada
pelo direito privado.
No que nos interessa, a leitura dos incisos I a XI e XVIII do artigo 78 traz hipóteses de
rescisão aplicáveis de modo análogo aos contratos privados, sem qualquer distinção. O
fundamento dos incisos é o não cumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas
contratuais, próprias da teoria geral dos contratos.
Nas hipóteses dos incisos XIII a XVI, em que há culpa da administração, também
representam fundamento para a rescisão das relações contratuais privadas, com as únicas
exceções que estabelecem prazo de dilação para a rescisão nas hipóteses dos incisos XIV e
XV.
As hipóteses relacionam-se com a exceptio non adimpleti contractus. Às relações
contratuais públicas aplicam-se a exceção do contrato não cumprido, prevista no artigo 476 do
Código Civil. Nos contratos públicos a aplicação da exceptio é mitigada em razão dos prazos
a que a parte privada terá que se submeter até oportunizar-se a possibilidade de rescisão. Se a
Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior” e; “art. 78. Constituem
motivo para rescisão do contrato: I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou
prazos; II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; III - a
lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra,
do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço
ou fornecimento; V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia
comunicação à Administração; VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do
contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação,
não admitidas no edital e no contrato; VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade
designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; VIII - o
cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei; IX - a
decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; X - a dissolução da sociedade ou o falecimento
do contratado; XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que
prejudique a execução do contrato; XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo
conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está
subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato” e “XVII - a
ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do
contrato”.
parte privada descumpre o contrato, a parte pública pode invocar a exceptio e impor a rescisão
desde logo; se o inadimplemento é da parte pública, a alegação da exceptio pela parte privada
somente poderá ocorrer após noventa dias do não pagamento da prestação contratual pela
parte pública ou após cento e vinte dias após a suspensão da execução contratual pela parte
pública.
Por fim, a possibilidade de rescisão por interesse público é a que traz certa
particularidade. Essa possibilidade é excepcionalíssima na atual conformação do Estado
Constitucional. O processo administrativo em que veiculadas as justificativas da autoridade
pública das razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento que podem
levar à rescisão deve estar impregnado de forte contraditório. Ademais, o interesse público,
nesses casos em particular, deve ser sopesado mediante o interesse privado afetado ou em
jogo.
Outra cláusula exorbitante é a de fiscalização (LL, art. 58, inciso III)64 e de aplicação
de penalidades administrativas (LL, art. 58, inciso IV, e arts. 81 a 88)65.
A cláusula de fiscalização não exorbita a teoria geral dos contratos. Ao particular é
assegurado o direito de informação e fiscalização acerca do objeto contratado – deveres
anexos à obrigação principal – sem limitações que inviabilizem o pleno conhecimento da
execução contratual e que permitam, se for o caso, a busca de tutela preventiva pelo
descumprimento ou cumprimento defeituoso.
Em relação à penalidade administrativa, os contratos privados também admitem
(exigem) a estipulação de penalidades pelo descumprimento total ou parcial ou defeituoso.
Quanto ao ponto, portanto, não há exorbitância na cláusula. A diferença está em que nas
hipóteses que a multa ou penalidade é imposta pela parte pública a sua exigência é diversa da
fixada nos contratos privados. A parte pública goza da presunção de legitimidade de seus atos
o que autoriza a autoexecutoriedade da pena. Vale dizer, a exorbitância não está na cláusula
em si, mas em sua exigência, caso aplicada. A parte privada tem aberta a via da tutela
jurisdicional executiva para sua exigência; a parte pública não necessita socorrer-se da tutela
jurisdicional, em tese.
A ocupação provisória (LL, art. 58, inciso V)66, segundo a doutrina tradicional,
também exorbita do regime jurídico contratual de direito privado e tem por finalidade
64
65
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, a prerrogativa de: [...] III - fiscalizar-lhes a execução”.
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, a prerrogativa de: [...] IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do
ajuste”.
respeitar o primado do serviço público. É diferente do instituto da encampação, que serve para
a concessão. A finalidade da ocupação provisória é cautelar, restrita a objeto contratual que
represente “serviço essencial”. Visa a permitir que a parte pública apure as faltas contratuais
eventualmente praticadas pelo particular e na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
Por fim, a exigência de garantia é considerada pela doutrina tradicional outra cláusula
exorbitante (LL, art. 56)67. A exigência de garantia para conclusão de contrato não é
particularidade do direito público. O direito privado é pródigo em ofertar garantias ao
cumprimento do contrato. As garantias reais (hipoteca, penhor e anticrese) ou fidejussórias
(aval e fiança), ou a contratação de seguro que permita fazer frente a eventual indenização em
caso de inadimplemento contratual, integram as relações contratuais privadas, o que afasta
qualquer exorbitância do direito público em exigi-las.
Conclui-se, assim, que as regras específicas de direito público contratual não
exorbitam, concretamente, salvo raras exceções de modo mitigado, das regras específicas de
direito privado contratual, fundadas estas na teoria geral do direito contratual. Ao contrário, se
pode afirmar a forte coincidência entre as regras de direito público acima vistas com as de
direito privado, a evidenciar a inexistência de distinção material entre os dois regimes.
3 AS NORMAS CONTRATUAIS PÚBLICO-PRIVADAS
Como afirmado, o escopo do estudo não é a verificação da possibilidade de formação
de uma teoria geral contratual entre partes privadas e partes públicas, a ponto de definir quais
critérios prima facie servem à incidência de um regime jurídico contratual de direito privado
ou de direito público68. A finalidade é a formulação de uma chave interpretativa dos casos
envolvendo relações contratuais entre privados e públicos fundada na orientação dos direitos
66
67
68
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, a prerrogativa de: [...] V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens
móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar
apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato
administrativo”.
“Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento
convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
§ 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:
I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural,
mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do
Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;
II - seguro-garantia;
III - fiança bancária”.
GARCÍA DE ENTERRÍA, 1990, p. 613-622.
fundamentais69, como que num dever de adaptação das normas contratuais privadas e públicas
à concretização normativa do Estado Constitucional.
Como acima demonstrado, o cotejo entre os princípios dos regimes jurídicos
contratuais de direito privado e de direito público demonstra vários pontos de unidade e
convergência, como que apontando a uma tênue diferenciação entre os dois regimes jurídicos
na atual conformação do Estado Constitucional.
A diversidade de tratamento na aplicação concreta de cada um dos regimes, nos raros
pontos em que efetivamente divergem, decorre de categorias existentes a priori no raciocínio
jurídico, surgido na forma de apreensão de cada um desses ramos do direito.
O problema emerge quando confrontado com situações da contemporaneidade,
requerendo um tratamento particular às novas situações jurídicas, nascidas no âmbito do
direito administrativo. Essas relações contratuais, que guardam algo de regime privado e algo
de regime público, pendendo entre um e outro, necessitam da formulação de critério (s) de
reconstrução interpretativa, no que se pode denominar de regime normativo contratual
público-privado, que não se esgota na ideia de regime híbrido, mas que solicita um tratamento
autônomo, fundado em bases teórico-contratuais norteadas pela disciplina constitucional
atual, apropriada a responder aos problemas surgidos com as situações jurídicas do mundo da
atualidade.
Estabelecer a incidência de um regime jurídico com base na prevalência do interesse privado ou público – não responde mais a atual estrutura do Estado Constitucional. A
Constituição da República brasileira contempla ambos os interesses – privado e público, “que
não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins.
Elementos privados incluídos nos próprios fins do Estado”.70
Para demonstrar a insubsistência, ainda, de critérios subjetivos (participação da parte
pública em um dos pólos da relação jurídica contratual) e objetivos (interesse público
69
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. Tradução de Gilmar
Ferreira Mendes.; ____. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. 20ª ed.
Alemã. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. Tradução de Luís Afonso Heck da; _____.
Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madrid: Civitas, 1995. Tradução de Ignácio Gutiérrez
Gutiérrez.; SARLET, Ingo Wolfgang. A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. e ____. Constituição, direitos fundamentais e direito
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
70
ÁVILA, Humberto, 1999, p. 111. E complementa mais a frente: “Da constatação de que os órgãos
administrativos possuem em alguns casos uma posição privilegiada relativamente aos particulares não
resulta, de modo algum, na corroboração da supremacia do interesse público sobre o particular. Essa posição
indica, tão-só, que os órgãos administrativos exercem uma função pública, para cujo ótimo desempenho são
necessários determinados instrumentos técnicos, devidamente transformados em regras jurídicas. [...] Isso
tudo não tem nada a ver com uma regra gera de prevalência” (Idem, ibidem, p. 117-118).
preponderante) para definir a incidência de regime jurídico de direito público, utilizaremos a
experiência histórica de transformação de regime econômico socialista ao capitalista71
ocorrida na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a atual Federação Russa72. O
apoio nessa base histórica tem razão, primeiro, na medida em que o contrato – privado ou
público – é instrumento de circulação de riquezas e meio jurídico-formal pelo qual ocorrem as
trocas no mercado. Depois, porque o regime político-econômico de base socialista renega o
direito, a democracia e a liberdade, pilares do Estado Constitucional. Cotejar, assim, a
transição de um regime jurídico-econômico em que as trocas econômicas eram planificas e
dirigidas, reduzindo ou apagando a utilização do contrato como instrumento dessas trocas,
para outro regime fundado numa economia liberal de mercado auxilia-nos a demonstrar a
formação, o conteúdo e o desenvolvimento dos contratos denominados de público-privados e
a insubsistência de critério subjetivo ou objetivo para definir o regime jurídico aplicável.
Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, base de um regime econômico
socialista, somente a lei criava direitos e obrigações. Entes públicos não eram dotados de
autonomia. Os operadores econômicos eram prolongamentos do Estado, inseridos em uma
economia planificada e dirigida73.
Com a abertura democrática, a Constituição da Federação Russa pulverizou o Estado
em diversos entes coletivos públicos dotados de atribuições próprias, com adoção da
autonomia da vontade criadora de direitos e obrigações. O Estado de Direito possibilitou o
desenvolvimento de uma economia de mercado, fundada em base liberais74. O Estado passa a
atuar no ambiente econômico, paralelamente ao setor privado, despertando a necessidade de
devido enquadramento das relações contratuais das quais faça parte. Os contratos firmados
por pessoas públicas possuem a marca da ambivalência de sua natureza jurídica: são públicos,
privados, comerciais ou não-comerciais?
71
72
73
74
O modelo jurídico de Estado tem influência direta no modelo econômico. Para uma aproximação com os
modelos jurídico-constitucionais, ver GARCIA-PELAYO, Manuel, 1953, especialmente p. 249-607, em que
faz uma descrição dos modelos constitucionais do Reino Unido, dos Estados Unidos, da França, da Suíça e
da União Soviética. A respeito de um histórico na forma de investimentos públicos em setores privados no
direito francês, LAGACHE, Michel. Les investissements privés et le concours financier de l’état. Paris:
Berger-Levrault, 1959; e no direito brasileiro, WALD, Arnoldo. O direito brasileiro e os desafios da
economia globalizada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003; GALVÊAS, Ernane. Crônicas Econômicas:
análise retrospectiva 2006-2009. Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo, 2010; SILVA, Heloísa Conceição Machado da. Da substituição de importações à substituição de
exportações: a política de comércio exterior brasileira de 1945 a 1979. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004.
BERGÈS, Nelsie. Les contrats entre les personnes publiques russes et les entreprises privées. Revue
Internationale de Droit Comparé, 2003, V. 55, n. 04.
BERGÈS, Nelsie, 2003, p. 906-907.
Idem, Ibidem, p. 906-907.
Note-se que o princípio atual é de que toda relação sobre objeto patrimonial relevante
de direito civil submete as partes ao princípio da igualdade75. Ora, quando a pessoa pública
contrata com a pessoa privada, tem por objetivo cumprir uma missão pública, pela qual se
outorgam poderes especiais ao Poder Público.
Assim, a exata identificação do regime geral desses contratos passa primeiramente
pela identificação das partes, do objeto e do conteúdo do vínculo jurídico estabelecido.
3.1 Elementos da Relação Jurídica Obrigacional Contratual: partes, objeto e
vínculo76
Na experiência Russa, as entidades públicas, dotadas de personalidade jurídica, são
classificadas em coletividades públicas e estabelecimentos públicos77. As coletividades
públicas são a própria federação, seus integrantes e as coletividades locais. Essas agem na
esfera contratual através de seus órgãos executivos.
Os estabelecimentos públicos não detêm prerrogativas do Poder Público e são
divididos em instituições e empresas. As instituições são organizações dotadas de funções
administrativas ou sociais, semelhantes aos estabelecimentos públicos administrativos
franceses. As empresas têm caráter econômico e se aproximam dos estabelecimentos
industriais e comerciais78.
As entidades públicas podem contratar com pessoas privadas nos limites de suas
atribuições legais ou estatutárias. A propriedade dos bens públicos, contudo, é restrita às
coletividades públicas, o que as torna responsáveis subsidiárias aos contratos realizados pelos
estabelecimentos públicos79.
Assim, o direito civil russo, como o nosso, assegura a liberdade de contratar e a
igualdade entre os contratantes. Contudo, a natureza das partes – pública ou privada – conduz
a uma aplicação de diferentes regimes contratuais que influirão na (i) possibilidade de
contratar, (ii) no modo de conclusão do contrato e (iii) no conteúdo do contrato80.
No que toca à possibilidade de contratar, as partes privadas têm capacidade geral para
contratar, exigindo em algumas atividades a autorização ou licença pública para seu
75
76
77
78
79
O princípio da igualdade domina o direito privado e o direito público, conforme Ludwig RAISER, Ludwig,
1990, p. 21.
BETTI, Emilio. Teoria generale delle Obbligazioni. Milano, Giuffré, 1953. , tomo I e II; LARENZ, Karl.
Derecho de Obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, T. 1.
BERGÈS, Nelsie, 2003, p. 909-910.
BERGÈS, Nelsie, 2003, p. 909-910.
Idem, Ibidem, p. 911.
desenvolvimento (exploração de recursos naturais, telecomunicações, transporte). Ao
contrário, as partes públicas (coletividades e estabelecimentos) têm sua liberdade de contratar
limitada, porque não podem intervir amplamente na esfera civil ou comercial, além de
possuírem competências delimitadas.
O modo de conclusão do contrato entre as partes privadas é o consentimento, enquanto
que em relação às partes públicas exigem-se formalidades prévias, o que em nosso sistema
chama-se de procedimento licitatório.
Em relação ao conteúdo dos contratos, as partes públicas podem dispor de seu
patrimônio imobiliário, tal como a exploração de matéria-prima, e dos bens públicos. As
coletividades podem dispor desses bens, enquanto os estabelecimentos podem apenas cedêlos, mediante cessão de uso temporária a terceiros. Podem, ainda, pactuar acerca da
exploração de equipamentos públicos, por delegação ou concessão de serviço público81.
Em princípio, dependente da vontade das partes em sua formulação, o conteúdo do contrato
sofre a interferência de numerosas regulamentações que limitam ou vedam certas
estipulações82.
Em relação ao objeto contratual, deparamo-nos com elementos de diversidade e de
unidade.
Em regra, o caráter patrimonial do objeto contratual – integrante do domínio
econômico – torna aplicável o direito comum. O princípio da igualdade é aplicável em
extensão, vedando a utilização de poder pelo Poder Público, v.g., alteração ou rescisão
unilateral do contrato. O princípio da responsabilidade, que ativa o dever de reparação ao
prejuízo causado, aplica-se à parte pública sem qualquer derrogação da lei civil83.
Diante do caráter público do objeto contratual aplicam-se as regras derrogatórias. Em
que pese o objeto pertencer ao regime de direito privado, a atuação da atividade representada
por esse objeto não interfere na esfera civil ou econômica com a mesma finalidade lucrativa
das partes privadas. Há, nesses objetos, uma missão pública, ou finalidade pública. Assim,
somente aplicável a lei privada (civil, comercial ou consumerista) quando inexistir lei em
contrário ou quando as particularidades da parte pública não forem de relevo. As
regulamentações próprias são disposições administrativas derrogatórias que servem para
80
81
82
83
Idem, Ibidem, p. 913-915.
Idem, Ibidem, p. 913-915.
Idem, Ibidem, p. 915.
BERGÈS, Nelsie, 2003, p. 916-917.
conceder prerrogativas às pessoas públicas, rompendo a igualdade e a responsabilidade.
Derroga-se, assim, a igualdade e a responsabilidade84.
Como elemento de unidade, tem-se o objeto contratual respondendo sempre pelo
interesse geral, a assegurar o interesse público. O objeto de interesse público relevante
provoca à questão: o que é interesse público? Esse interesse público identifica-se com o
interesse do Estado – patrimonial ou de seguridade. É o interesse social da população em seu
conjunto.
O vínculo obrigacional - constituído de débito e responsabilidade – também não
aponta qualquer diversidade estrutural em relação ao vínculo formado apenas entre partes
privadas. A parte pública em nosso ordenamento, ao contrário da experiência histórica acima
descrita, não derroga as normas de responsabilidade pelo inadimplemento contratual.
Como se constata dessa breve digressão histórica da passagem de um regime jurídicoeconômico socialista para liberal, os elementos estruturantes da relação jurídica obrigacional
não auxiliam na formulação de uma base teórica explicativa dos contratos envolvendo partes
privadas e partes públicas.
A mera participação da parte pública num dos pólos da relação jurídica contratual não
a identifica como de caráter público. Basta ver o que a própria doutrina tradicional diz a
respeito dos contratos de direito privado pactuados pela administração pública, qualificandoos de contratos privados, mesmo com participação do poder público na relação contratual. O
objeto – patrimonial ou não – também não fornece elementos seguros a delimitação. O
vínculo também não apresenta diferença estrutural, porquanto a parte pública em uma
contratação com uma parte privada obriga-se pelo débito e responsabiliza-se pelo
adimplemento do mesmo modo que a vínculo formado entre partes privadas.
Logo, a diferença não está nem substancialmente nas normas correspondentes aos
regimes jurídicos privado ou público nem na estrutura e nos elementos da relação jurídica
obrigacional contratual. A chave de solução, portanto, parece estar num novo modo de pensar
o direito, sediado em interpretação argumentativa e discursiva fundada em base
constitucional.
3.2 Contratos Público-Privados
84
Idem, Ibidem, p. 916-917.
Como visto, na atualidade do direito administrativo-constitucional não se pode afirmar
que a mera presença da parte pública em um contrato ou que a prevalência a priori de um
determinado interesse público ou privado possa definir o regime jurídico aplicável. O ponto
da questão é definir o critério com o qual a relação jurídica contratual será normatizada.
Dois exemplos auxiliarão na aproximação do exame do tema. Os contratos de seguro
dos bens públicos firmados pela administração e a incidência ou não do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90) aos contratos públicos de aquisição de bens ou serviços
(permitindo ou não, por exemplo, a ampliação de prazo de garantia contratual ou legal).
O contrato de seguro é contrato de adesão, disciplinado pelo direito privado – Código
Civil, arts. 757 a 802. O conteúdo das cláusulas contratuais, contudo, são previamente
estipuladas com base em forte controle estatal. Leia-se os termos dos artigos 1º, 2º e 3º do
Decreto-Lei nº 73/66, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, e se terá
ideia da interferência estatal e da abrangência desse tipo contratual:
Art 1º Todas as operações de seguros privados realizados no País ficarão
subordinadas às disposições do presente Decreto-lei.
Art 2º O controle do Estado se exercerá pelos órgãos instituídos neste
Decreto-lei, no interesse dos segurados e beneficiários dos contratos de
seguro.
Art 3º Consideram-se operações de seguros privados os seguros de coisas,
pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos e garantias.
O artigo 3º do Decreto nº 60.459/67, que regulamenta o Decreto-Lei nº 73/66,
evidencia ainda mais o dirigismo estatal do contrato de seguro: “Art 3º Além das condições
previstas na legislação em vigor, as propostas e apólices deverão obedecer às instruções
baixadas pela SUSEP.”
Assim, tanto as disposições contratuais, quanto as coberturas de riscos e montante da
indenização, são padronizadas e seguem as determinações da lei. A rigor, não há inovações
entre pessoas contratadas – seguradoras – a ponto de diferenciá-las no aspecto do conteúdo
das cláusulas, cobertura e indenização. A diferenciação está na fixação do prêmio, em que as
seguradoras cotam valores diversos em razão das oscilações do mercado, carteira de clientes,
potencial econômico, pulverização de riscos. Vale dizer, o serviço a ser objeto de contrato
pelo poder público – seguro – segue padrões de mercado, em que a diferenciação está
fortemente centrada no prêmio. É um contrato privado com dirigismo estatal forte, regulado
ao mesmo tempo por normas de direito privado e por normas de direito público, ambas
derrogatórias de um ou outro regime em particular.
Concretamente, no contrato de seguro o poder público despe-se de suas prerrogativas,
afastando a incidência das cláusulas exorbitantes na disciplina contratual. Nesse contrato a
administração equipara-se ao particular. A doutrina tradicional sustenta que esses contratos
não são contratos administrativos, mas contratos da administração.
Ora, a disciplina legal desses contratos é de ordem privada, com forte regulação e
dirigismo por normas de direito de público. Ao mesmo tempo são regidos por norma de
caráter público - Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) - e por normas de caráter privado e
público – disposições do Código Civil e demais disposições legais e regulamentares,
notadamente da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
A norma da lei de licitações que permite essa convergência de regimes jurídicos está
no inciso I do §3º do artigo 62 da Lei nº 8.666/93, que expressamente diz:
“§3º Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas
gerais, no que couber:
I – aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder
Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido,
predominantemente, por normas de direito privado.”
Desse modo, aplicável ao contrato a disposição do artigo 13 do Decreto-Lei nº 73/66,
que afasta a denominada cláusula exorbitante da rescisão unilateral. Eis o teor: “Art 13. As
apólices não poderão conter cláusula que permita rescisão unilateral dos contratos de seguro
ou por qualquer modo subtraia sua eficácia e validade além das situações previstas em Lei.
Assim, conquanto a regência da matéria seja eminentemente de ordem privada, dado o
caráter do contrato, a lei de licitações possibilita a incidência das normas (prerrogativas) de
direito público, no que couber. O que é cabível em termos de cláusulas contratuais na
contratação de seguro? Nada. A prerrogativa, aqui, é apenas quanto ao procedimento prévio
de contratação: o procedimento de licitação. Quanto ao mais, o contrato é, ao mesmo tempo,
privado e público, e embora regido por normas predominantemente públicas, fica afastada a
possibilidade de incidência das cláusulas exorbitantes, característica central dos contratos
públicos, segundo a doutrina tradicional.
O outro exemplo, fugindo dos contratos arrolados no inciso I do §3º do artigo 62 da
Lei nº 8.666/93, está na aplicabilidade da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor
– aos contratos públicos85. O problema surge quando se examinam os princípios informadores
da relação jurídica de direito público frente aos da relação jurídica de consumo.
Para a doutrina tradicional, as relações de direito público, como visto, são regidas pela
supremacia do interesse público. O princípio vetor da relação de consumo é a vulnerabilidade.
Nessa esteira, não há dúvida que, prima facie, a incidência das normas consumeristas aos
contratos administrativos é incompatível. Afinal, supremacia e vulnerabilidade são
inconciliáveis. Os princípios que regem as relações da Administração colocam-na em patamar
contratual diferenciado frente ao particular, v.g., cláusulas exorbitantes dos contratos
administrativos e presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. Ainda
conforme a doutrina tradicional, o princípio da supremacia do interesse público, norteador da
conduta dos atos da Administração, autoriza o Poder Público a adotar exigências que
extrapolam o esperado equilíbrio nas relações contratuais.
A posição privilegiada da Administração Pública é conferida pela ordem jurídica “a
fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos instrumentando os órgãos que
os representam para um bom, fácil, expedito e resguardado desempenho de sua missão”86.
Em suma, ao Poder Público outorga-se autoridade e comando frente aos particulares,
conferindo a possibilidade “em favor da Administração, de constituir os privados em
obrigações por meio de ato unilateral daquela”87.
A legislação consumerista baseia-se na vulnerabilidade do sujeito tutelado: o
consumidor. O consumidor é, por definição, vulnerável88. O contrato de consumo apresenta-se
prima facie desequilibrado, dada a vulnerabilidade de uma das partes: o consumidor. A
posição jurídica de vulnerabilidade é que desencadeia e autoriza (explica) a incidência de
regime normativo de tutela jurídica particular.
A posição de supremacia em que se encontra o Poder Público, em razão do regime
jurídico administrativo, é oposta à posição de vulnerabilidade do regime jurídico
85
86
87
88
Acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às licitações, JUSTEN FILHO sustenta
(2004, p. 551): “Alguém poderia defender a aplicação subsidiária do regime da Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), no tocante à responsabilidade por vício do produto ou do serviço. Isso é inviável,
porquanto a Administração é quem define a prestação a ser executada pelo particular, assim como as
condições contratuais que disciplinarão a relação jurídica. Ainda que se pudesse caracterizar a
Administração com “o consumidor”, não haveria espaço para incidência das regras do CDC, estando toda
a matéria subordinada às regras da Lei de Licitações, do ato convocatório e do contrato. Quando muito,
poderia cogitar-se da situação quando a Administração Pública adquirisse produto no mercado, em
situação equivalente à de um consumidor”.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, 2006, p. 59.
BANDEIRA DE Mello, Celso Antonio, 2006, p. 59.
KARAM-SILVEIRA, Marco Antonio. Contratos Cativos de Longa Duração: tempo e equilíbrio nas relações
contratuais. In: MARQUES, Cláudia Lima. (Org.). A Nova Crise do Contrato. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 488.
consumerista89. Supremacia e vulnerabilidade são conceitos que não podem pertencer a um
mesmo sujeito sem o surgimento de grave incoerência.
Em tema de licitações e contratos administrativos a Administração não pode despojarse da posição privilegiada em que se encontra e adotar regramento distinto do regime jurídico
administrativo, dada a indisponibilidade do interesse público. Assim, não pode adotar
regramento de índole consumerista, privado, posto que de ordem pública, pois tal conduta
afastaria a incidência do regime jurídico administrativo, porque incompatíveis90.
Nesse sentido, doutrina e jurisprudência não discordam quanto à incompatibilidade de
incidência do CDC aos contratos administrativos. A leitura atenta revela, contudo, que a
incompatibilidade é formulada com base nos princípios informadores dos respectivos regimes,
sempre prima facie. Assim, quando a administração assumisse a posição de vulnerabilidade
perante o fornecedor haveria a possibilidade (necessidade) de aplicação da legislação
consumerista.
O poder público pode ser vulnerável? Dependendo do caso concreto, sim.
A doutrina consumerista identifica a vulnerabilidade em três vertentes: a
vulnerabilidade técnica (científica), a jurídica e a fática (econômica)91.
A vulnerabilidade técnica diz respeito à limitação de conhecimento acerca do bem ou
serviço que o comprador pretende adquirir92. Não se admite que a Administração Pública
desconheça o objeto que pretende adquirir, porquanto é exatamente a necessidade,
justificativa e descrição do objeto da aquisição que norteiam a licitação. Se a Administração
89
90
91
92
Conquanto o CDC regre relações de índole eminentemente privada, as normas de direito do consumidor são
de ordem pública, conforme se observa do artigo 1º da Lei nº 8.078/90.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça acatou a tese de não incidência das regras do CDC aos
contratos administrativos. Eis a ementa da decisão: “ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRATO ADMINISTRATIVO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE
PUBLICIDADE - INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO – INCOMPETÊNCIA DO PROCON NULIDADE DA MULTA APLICADA. 1. Em se tratando de contrato administrativo, em que a
Administração é quem detém posição de supremacia justificada pelo interesse público, não incidem as
normas contidas no CDC, especialmente quando se trata da aplicação de penalidades. 2. Somente se admite a
incidência do CDC nos contratos administrativos em situações excepcionais, em que a Administração assume
posição de vulnerabilidade técnica, científica, fática ou econômica perante o fornecedor, o que não ocorre na
espécie, por se tratar de simples contrato de prestação de serviço de publicidade. 3. Incompetência do
PROCON para atuar em relação que não seja de consumo. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança
provido. (RMS Nº 31.073 - TO (2009/0210689-5) – 2ª T - Relatora : Ministra Eliana Calmon – DJ
08.09.2010)”.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 270.
Ibidem, p. 270. Cabe expor que alguma doutrina coloca a vulnerabilidade técnica nas hipóteses em que a
Administração Pública de um pequeno Município ou de uma autarquia busca contratar serviços ou adquirir
produtos de alta tecnologia. Tal hipótese, na linha dos princípios que regem as licitações e contratações do
Poder Público, inviabilizaria a própria realização de licitação, pelo simples fato de que Administração, pelo
alegado desconhecimento técnico, sequer teria condições mínimas de elaborar projeto básico e/ou edital com
não tem conhecimento acerca do que pretende contratar, não pode elaborar projeto básico,
termo de referência, edital e minuta de contrato. Em suma, não pode contratar e sequer
deflagrar procedimento licitatório.
A vulnerabilidade jurídica ou científica93 é a “falta de conhecimentos jurídicos
específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia”94. Nesse aspecto, à
Administração também não é dado eximir-se de prever os reflexos contábeis (Lei de
Responsabilidade Fiscal - LC nº 101/2000) e a dotação orçamentária da aquisição que
pretende realizar (Lei de Licitações – Lei nº 8.666/93, artigo 7º, §2º, inciso III), muito menos
prescindir do exame jurídico da legalidade da futura contratação (Lei de Licitações – Lei nº
8.666/93, artigo 38, inciso VI).
Em suma, a Administração Pública não pode assumir a posição jurídica de
vulnerabilidade técnica ou jurídica (científica), porquanto incompatíveis com o regime
jurídico administrativo.
Não obstante, em um único aspecto a presença da vulnerabilidade é possível de ser
pensada: a vulnerabilidade fática ou econômica. Em alguns casos, muito embora preenchidos
os necessários conhecimentos técnico e jurídico de uma pretendida licitação, remanescem
questões fáticas ou econômicas que levam à denominada vulnerabilidade da Administração
nesse aspecto.95
Diante do objeto a ser licitado – bens ou serviços – e do porte dos futuros parceiros
contratuais produtores ou fornecedores desses bens ou serviços, e depois de deduzidos os
aspectos técnicos e jurídicos do que e como se pretende contratar, podem manter-se ou
surgirem situações fáticas em que a Administração assuma posição de vulnerabilidade
(fática). Nessas hipóteses, que podem ou não representarem exceções, seria possível pensar a
incidência da legislação consumerista.
Casos tais somente podem ser resolvidos pelo pensamento tópico96, em concreto,
nunca em abstrato, a priori. O que se quer demonstrar é que a fundamentação prima facie
93
94
95
96
as especificações dos serviços ou itens que pretendesse adquirir. Vale dizer, não saberia exatamente o que e
como adquirir, o que impossibilitaria a realização de licitação e inviabilizaria a contratação.
Cláudia Lima Marques equipara a vulnerabilidade jurídica à científica (2002, p. 271).
Ibidem, p. 271/272.
MARQUES ensina que esse aspecto tem o ponto de concentração no parceiro contratual, “o fornecedor que
por sua posição de monopólio, fático ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da
essencialidade do serviço, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam...” (Ibidem, 2002, p. 273).
Para mais acerca do pensamento tópico, ver: VIEHWEG, Theodor. Tópica y jurisprudencia. Traducción de
Luis Díes-Picazo Ponce de Léon. Madri: Taurus, 1964. O pensamento tópico é “[...] um pensamento que
opera por ajustes concretos para resolver problemas singulares, partindo de diretrizes ou de guias que não são
princípios lógicos dos quais se extraem raciocínios dedutivos como resolução, mas sim simples loci
communes de valor relativo e circunscrito, revelados pela experiência”( p. 15).
com base nos princípios de um e outro regime – supremacia e vulnerabilidade – leva a
equívocos que, segundo a doutrina e jurisprudência, veda a aplicação da normatização
consumerista aos contratos públicos. A incidência pode ou não ocorrer, dependendo do caso
concreto, o que demonstra a insuficiência da argumentação fundada em simples afirmativa da
incompatibilidade entre um e outro princípio.
Não há o que falar, pela impropriedade técnica que gera, de aplicação subsidiária do
CDC aos contratos administrativos. A aplicação subsidiária do CDC aos contratos
administrativos implica na qualificação de um dos sujeitos dos pólos da obrigação contratual
administrativa como consumidor, o que alteraria a própria essência da estrutura da relação
obrigacional contratual de direito administrativo. O que se aplica são as normas de um ou
outro regime, porquanto integrantes de um sistema jurídico, uno e coerente.
Ainda que aceita a existência do interesse a preponderar nas relações, a gradação dos
afirmados interesse privado e do interesse público coloca-se no quadro dos valores
constitucionais, rejeitando-se a noção meramente econômica do interesse, afirmando-se a
noção normativa como exigência de um valor a realizar ou proteger. Assim, a colisão
ideológica desloca-se para a teoria da interpretação, “respeitando a hierarquia das fontes e dos
valores normativos”97.
Assim,
o
interesse
público
não
vem
pré-determinado
subjetivamente
ou
arbitrariamente, de modo dogmático e sem contextualização histórica. Deve ser “o resultado
de valorações normativas individuais no âmbito do inteiro ordenamento, segundo cânon
hermenêutico da sistematicidade, não descritiva e formal, mas sim conteudística e funcional,
dos institutos e princípios fundamentais”98.
Note-se que em um dos especiais ramos do direito público - o direito público
econômico – congregam-se normas de direito público e normas de direito privado,
denominado por Hartmut Maurer de direito privado administrativo99. Mas longe de se esperar
97
98
99
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 429430. Sobre interpretação, ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011.; ____. Direito, Razão, Discurso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; ____. Teoria
de la argumentación jurídica: la teoria del discurso racional como teoria de la fundamentacion jurídica.
Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997; e HOLLERBACH, Alexandre [et al.]. Direito natural,
direito positivo, direito discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 430.
Hartmut MAURER bem descreve as formas de atuação do Estado, segundo as normas de direito privado,
destacando a ‘atuação de lucro da Administração’ em que o “Estado participa – ainda que minguante com
vistas às tendências de privatizações atuais – como empresário na vida econômica e, precisamente, ou por
atividade empresarial própria ou por sociedades comerciais, em especial, sociedades por ações que estão,
total ou parcialmente, nas mãos do Estado (“o Estado como acionista”)” (MAURER, 2006, p. 42 e 44).
MAURER adverte, ainda, que o direito privado administrativo é o “direito privado coberto e vinculado
jurídico-publicamente que está à disposição da administração no cumprimento de tarefas administrativas” e
a derrogação ou enfraquecimento das normas de direito público pelas normas de direito
privado ou dos princípios da ciência econômica, observa-se que estes devem amoldar-se ao
direito administrativo100 e que, no mais das vezes, há incidência (ou coincidência) dos valores
e princípios das normas de direito público com as de direito privado na atual conjuntura
normativa, espelhada, v.g., pela funcionalização social dos dois principais institutos do direito
civil – contrato (CC/421) e propriedade (CF/5º, XXIII, 170, III, e CC/1.228, §1º) - e pela
vinculação da atividade empresarial à função social, seja pelo caráter contratual do exercício
coletivo da empresa (sociedade empresarial), na qual incide a mesma regra do CC/421, seja
pelo conteúdo conceitual de empresa, dada pela Teoria da Empresa de base italiana101.
Como lembra Odete Medauar, “a atuação no âmbito econômico deixou de ser algo
externo e estranho e passou a integrar o rol de funções do Estado, mesmo mantendo-se o
princípio da iniciativa privada”102.
A base jurídica da Administração Pública é dada pela Constituição103, desdobrando-se
nos ramos do direito constitucional e do direito administrativo. A conformação do Estado, ou
seja, o modo de ser e de atuar do Estado, que repousa seu fundamento jurídico na
Constituição, influi no conceito, institutos e temas do direito publico e privado. No dizer de
Maurer, “cada época constitucional tem seu tipo administrativo”104. Assim, o político, o social
e o econômico repercutem (e sofrem repercussão) do direito administrativo105.
Ainda, o Estado Contemporâneo, ou o Estado Constitucional da atualidade, para além
da centralidade dos direitos e garantias individuais e coletivos - direitos fundamentais
clássicos -, volta seus mecanismos de controle e atuação para a proteção dos direitos sociais
100
101
102
103
104
105
que estão vinculados aos direitos fundamentais (Ibidem, p. 47). Como lembra DI PIETRO, “ampliou-se o
conteúdo do Direito Administrativo, a ponto de já se começar a falar em novo ramo que a partir daí vai-se
formando – o direito econômico – baseado em normas parcialmente públicas e parcialmente privadas”. E,
mais a frente, tratando das tendências atuais do Direito Administrativo, adverte que “não se pode deixar de
mencionar a influência de princípios da ciência econômica e da ciência da administração no direito
administrativo, com duas consequências: de um lado, a formação do chamado direito administrativo
econômico...” (2009, p. 3 e 27).
DI PIETRO, 2009, p. 28.
Para mais acerca da relação entre direito público e privado, MAURER, 2006, pp. 49/66. Lembra DI
PIETRO: “E a Constituição não quer apenas a proteção do interesse econômico. A Constituição quer uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Pluralista é uma sociedade em que todos os interesses, dos
variados setores da sociedade, são protegidos” (2009, p. 28).
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1998,
p. 27.
“[...] todas as instituições de Direito Administrativo estão marcadas pela norma básica do poder e da
liberdade que se contém na Constituição” (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1990, p. 48).
MAURER, 2006, p. 13.
MEDAUAR, Odete, 1998, p. 23.
de forma acirrada – aspecto social do direito constitucional-administrativo106. O modelo
constitucional que nega força normativa à Constituição, outorgando-lhe apenas a função
lógica da unidade do ordenamento jurídico, não responde ao atual estágio do Estado
Constitucional, vinculante às autoridades públicas e aos cidadãos, e desses em contraposição
aos privilégios estatais107.
A identificação de normas privadas ou públicas a reger as relações contratuais entre
partes privadas e partes públicas, ofertando ao público prerrogativas que estabeleçam
desigualdade frente ao parceiro contratual não encontra fundamento na atual conformação do
Estado Constitucional108.
Parece, assim, como proposta de debate, que os denominados princípios contratuais de
regime público e os princípios contratuais de regime privado devem ser aplicados mediante o
exame do caso concreto como postulado da unidade da reciprocidade de interesses, “o
qual implica uma principal ponderação entre interesses reciprocamente relacionados
(interligados) fundamentada na sistematização das normas constitucionais”109.
4 CONCLUSÃO
A comparação do conteúdo das regras de direito contratual público – denominadas de
cláusulas exorbitantes – com as regras de direito contratual privado demonstram substancial
similitude entre elas, salvo raras exceções, a afastar qualquer diferenciação de regime jurídico
com base nas regras.
O exame dos princípios clássicos vetores das relações jurídicas contratuais de direito
privado e das relações jurídicas contratuais de direito público, para além de oferecerem
inadequada interpretação no atual Estado Constitucional, conformam-se em uma unidade não
106
107
108
109
Odete Medauar expõe que “a preocupação com o social traz reflexos de peso na atividade da Administração
e nos institutos do direito administrativo (Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2ª ed. 1998, p. 26). Ainda, como adverte José Reinaldo de Lima Lopes, “direitos humanos são um
instrumento forjado para defender a pessoa humana não de um indivíduo qualquer (para isso existem os
direitos regulares protegidos na órbita da lei ordinária), mas do exercício abusivo do poder, das instituições
do poder político (nos séculos XVIII e XIX) e do poder econômico (a partir do século XX e especialmente
nesta segunda metade do século XX)”. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos Sociais: teoria e prática.
São Paulo: Método, 2006, p. 45.
GARCÍA DE ENTERRÍA, 1990, p. 108.
Acerca da superação da distinção entre direito público e direito privado, BARROSO, Luís Roberto. Curso de
direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção no novo modelo. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 58-59.
ÁVILA, Humberto, 1999, p. 127, que assim conclui, após sustentar que a supremacia do interesse público
sobre o particular não é norma-princípio, não é postulado, e não pode ser contraposto ao interesse privado.
substancialmente distinta quando lidas sob as lentes dos direitos fundamentais. Vale dizer
aqui o mesmo que em relação às regras, os princípios possuem forte semelhança, pelo que
perdem também sua função de definir qual o regime aplicável.
A estrutura da relação jurídica obrigacional contratual – partes, objeto e vínculo –
também não nos fornece material consistente apto à definição de normas aplicáveis.
A formulação de uma teoria geral apta a definir, prima facie, a incidência de um
regime jurídico privado ou público às hipóteses de contratações entre partes privadas e partes
públicas é inapropriada no atual momento de transformação de como se interpreta e aplica o
direito.
Por evidente não se está a negar a existência da esfera pública e da esfera privada. Elas
existem e cada qual tem seu campo de atuação. A desconstrução se dá na intersecção ou zonas
de convergência entre direito privado e direito público em relação específica aqui ao direito
obrigacional contratual.
Para a solução dos casos concretos envolvendo partes privadas e partes públicas nas
relações jurídico-contratuais não se viabiliza a utilização de regras ou princípios dos
respectivos ramos, porque semelhantes. A solução desses casos, portanto, ocorre mediante o
postulado da unidade da reciprocidade de interesses, o que atende às bases do Estado
Constitucional e dos direitos fundamentais.
O interesse privado não significa a plena autodeterminação individual, mas é
finalizada ao conjunto social110. O interesse público deve ser pensado como interesse da
sociedade e não do administrador. O sujeito público não é hierarquicamente superior ao
sujeito privado111. A relação jurídica contratual privada ou pública assim o será se suas
normas e valores preponderarem no exame do caso concreto, e não prima facie. Um vínculo
jurídico que tem seu interesse na potencialização dos direitos fundamentais e no Estado
Constitucional é construído e não imposto.
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110
111
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