Contractual principles between patient and doctor A relação médico-paciente na Medicina contemporânea têm apresentado grandes modificações, em especial nos últimos anos. Com o progresso da Ciência Médica no entendimento das diversas doenças e de seus diagnósticos, passou-se a considerar o sucesso nos tratamentos como algo evidente, a depender, unicamente, da disposição do paciente a ele se submeter. A figura dedicada e respeitada dos idos tempos do sacerdócio médico viu-se transformada na imagem de um ser quase mitológico, possuidor de um poder imensurável tanto para curar como para destruir. Pari passu, com o advento do marketing dos serviços e dos aparelhos médicos, prometendo diagnósticos, tratamentos milagrosos e recuperações instantâneas, a Medicina tornou-se muito próxima de ser considerada pelos leigos uma ciência exata, mensurável em seus resultados pela lógica formal. O marketing médico só veio a favorecer esta interpretação endeusada dos atos médicos, e, como deuses, os médicos criam a expectativa de infalibilidade. Ao médico deve existir a clara percepção de que esta estratégia mercadológica para a atração de pacientes reedita de forma extemporânea o modelo de médico feiticeiro dotado de autonomia divina para obter a cura de todas as doenças. É importante dentro da realidade atual que tanto paciente como médico compreendam as limitações impostas pela Ciência Médica, os limites e falibilidades. Ciência e Consciência Princípios da relação contratual entre o médico e a paciente Edison Luiz Almeida Tizzot Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná Professor Adjunto de Ginecologia e Obstetrícia – UFPR FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 529 Princípios da relação contratual entre o médico e a paciente Relação médico-paciente e o contrato de atendimento A atividade médica hoje requer diálogo aberto e franco entre os dois pólos do relacionamento: médico e paciente. Não se pode mais falar do paciente como pólo passivo a entregar-se inteiramente a tratamentos para ele desconhecidos, mesmo que isto possa lhe trazer a confortável e esperançosa sensação de ter no outro lado da relação alguém com dedicação exclusiva e capacidade ilimitada para abreviar o seu sofrimento. A Medicina atual requer transparência nas relações, com regras claras de modo aos dois pólos estarem perfeitamente cientes de seus direitos, deveres e reais expectativas. O Código de Ética Médica relaciona em seu corpo dois artigos de suma importância para nortear o envolvimento profissional do médico com seu paciente. Art. 46 - É vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida. Art. 59 - É vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. Estes preceitos éticos, disciplinadores e norteadores da relação médico-paciente encontram-se mesclados às normas estabelecidas pelo Código Civil, que lhe dedica espaço na Parte Especial do LIVRO I: DA RESPONSABILIDADE CIVIL – DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, nominalmente citados no seu artigo 951. Art. 951 – O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Como ressalta o jurista Miguel Kfouri, apesar da inclusão neste artigo impondo à condição extracontratual à relação médico paciente, a sua natureza contratual é bem definida. Detalhando este aspecto, o ilustre jurista complementa: “apesar do nosso Código Civil ter separado os dois tipos de responsabilidade (contratual e extracontratual), a moderna 530 FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 doutrina segue a tendência de considerar o conceito de culpa uno, não vendo senão diferenças secundárias entre a responsabilidade contratual e extracontratual”. A estreita relação contratual foi definitivamente solidificada a partir do Código de Defesa do Consumidor, proporcionando uma mudança sensível em comparação às regras inicialmente estabelecidas pelo Código Civil. Não havendo dúvidas quanto ao nascimento de uma verdadeira relação contratual entre médico e paciente, os seus elementos componentes devem existir, em especial o volitivo, caracterizado como essencial em um acordo de vontades, que tem como seu principal nascituro o consentimento do paciente. Os médicos passam a ser enquadrados no rol dos prestadores de serviços e, como tal, estabelece-se uma relação contratual, isto é, advinda de um contrato entre as partes mesmo que este contrato se estabeleça de forma tácita. É evidente que a tendência natural seria a de se tornar o ato médico um ato comum entre duas pessoas, com o mesmo efeito jurídico de um ato comercial. Neste momento induz-se que, ao invés da relação médico-paciente, estaremos estabelecendo uma relação contratual, regida como todas as demais pelos códigos, o Civil, o Comercial e o de Defesa do Consumidor. Dentro desta ótica surge a premência do consentimento informado para todos os atos médicos, quer sejam de diagnóstico ou tratamento. Nestas bases, este consentimento obtido tradicionalmente somente pela oralidade, deve se cercar das solenidades inerentes a um documento escrito e reconhecido, com aposição das assinaturas do médico, do paciente, e, ou, seu representante legal – ora denominados contratantes – além de testemunhas. O consentimento informado como elemento de efetivação contratual, deve conter: explicações gerais abordando métodos diagnósticos ou terapêuticos a serem utilizados; informações sobre as etapas dos métodos, abrangendo o antes, o durante e o após; as taxas de possíveis insucessos ou acidentes; e declaração de que as explicações foram efetivamente entendidas. E, por último, uma declaração que permita o paciente revogar a qualquer momento o seu prévio consentimento. Tudo isto em uma linguagem a mais clara e menos técnica possível, de modo que ao leitor leigo não suscitem dúvidas. A confecção de texto-padrão de consentimento informado é inoportuna. Deve-se individualizar cada paciente, elaborando-o em linguagem acessível e não omitindo como elementos essenciais: Princípios da relação contratual entre o médico e a paciente • procedimentos ou terapêuticas que serão utilizados, bem como • • • • seus objetivos e justificativas; desconfortos e riscos possíveis, e os benefícios esperados; métodos alternativos existentes; liberdade do paciente recusar ou retirar seu consentimento, sem qualquer penalização e/ou prejuízo à sua assistência; assinatura ou identificação dactiloscópica do paciente ou de seu representante legal. A relação contratual em ginecologia e obstetrícia Os aspectos referentes aos possíveis insucessos e ou acidentes nos tratamentos causam, em especial aos obstetras e ginecologistas uma grande inquietação. Talvez outras especialidades médicas, como a Oncologia ou a neurocirurgia, não apresentem as mesmas dificuldades para exporem os insucessos. Ao leigo muitos destes insucessos mostram-se evidentemente inevitáveis, pois em geral as doenças nestas especialidades se apresentam de uma forma mais agressiva e com evidente comprometimento do estado geral dos pacientes. Talvez a maioria dos procedimentos ginecológicos possa ser enquadrada em eletivos, ou mesmo com pouca repercussão no cotidiano das pacientes, mas é na Obstetrícia que esta desigualdade fica mais evidente. O que dizer dos partos ou cesarianas? Como se referir à paciente jovem e gestante de seu primeiro filho que, para atendê-la, necessitamos da sua assinatura em um documento que mostrará a presença da fragilidade do ser humano no seu grau mais extremo mesmo em eventos naturais como o nascimento. É de boa prática médica mencionar que existe, embora remotamente, um percentual de partos que podem evoluir para traumatismos fetais ou maternos, ou que o óbito intra – útero de causa desconhecida e não detectável no pré-natal possa ocorrer? Segundo os artigos 46 e 59 do Código de Ética Médica, anteriormente referidos, incorre-se em infração ética o médico que deixar de relacionar os possíveis eventos funestos passíveis decorrentes da assistência médica. Não há como negar a necessidade de que a outrora conversa franca e amigável sobre o estado de saúde da paciente, ou seus sonhos acalentados com o porvir do recém-nascido seja transformada em um documento inconteste alertando que situações dramáticas e imprevisíveis poderão se suceder. Algumas especialidades médicas têm elaborados modelos para consentimentos informados como os constantes no endereço eletrônico da Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia – www.febrasgo.org.br. A liberdade de atuação do médico fica restrita ao que relatou, procurando-se encontrar modelos específicos para cada ato médico específico dentro da especialidade. A relação médico-paciente fica, portanto, restrita ao que se referiu e foi autorizado obscurecendo os ideais hipocráticos. No 1º Congresso da Associação Médica Mundial ( Paris – 1957), de forma a coibir os delitos praticados pelos médicos alemães durante a II Guerra Mundial, decidiu-se acrescentar ao juramento de Hipócrates “Meu dever, superior a qualquer outro, escrito ou não escrito, será cuidar o melhor possível de quem me for confiado, ou que, se confiar a mim, respeitar sua liberdade moral, opor-me a toda sevícia que queiram nele praticar, e recusar meu concurso a toda autoridade, que, para esse fim, me pedir que atue”. Caberá, por último, ao bom senso do profissional médico separar o que é ilusório do que é concreto na sua atuação médica, evitando ao mesmo tempo atemorizar a paciente com filigranas dos riscos das patologias, mas não deixando desguarnecida a sua responsabilidade frente aos atos médicos que eventualmente possam ser relacionados aos infortúnios da paciente. Leituras suplementares 1. Costa SIF, Garrafa V, Oselka G. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. 2. Cunha SPC, Mattheus ACS. Consentimento Informado em Ginecologia e Obstetrícia e Mastologia. Rio de Janeiro: Editora Medsi; 2000. 3. Da Silva AL. Temas de Ética Médica. Belo Horizonte: Coop Ed Cultura Médica; 1982. 4. Kfouri Neto M. Responsabilidade Civil do Médico. 3ª ed. São Paulo: RT; 1996. p. 319. FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 531