INCIDÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA CANDIDEMIA EM PACIENTES VITIMAS DE QUEIMADURA E INTERNADOS EM CENTRO DE TRATAMENTO DE QUEIMADOS Ana Vitória Cassis dos Santos Gasparine (UEL – IC VOLUNTÁRIO), Lucienne Tibery Queiroz Cardoso, Claudia Maria Dantas de Maio Carrilho (Orientadora), e-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina/ Departamento de Clínica Médica Área: Ciências da Saúde / Sub-área: Medicina Palavras-chave: candidemia, queimados, epidemiologia, fatores de risco Resumo A prevalência de candidemia em pacientes hospitalizados aumentou expressivamente nos últimos anos, seu diagnóstico é difícil e a mortalidade alta. O paciente queimado é altamente suscetível à infecção, já que seu sistema imunológico está deprimido, há comprometimento da principal barreira anatômica do organismo e ainda alta probabilidade de isquemia intestinal, o que facilita translocação de microrganismos. Foi realizado um estudo longitudinal retrospectivo no período de maio de 2011 a dezembro de 2013. Foram incluídos pacientes queimados internados em unidade de terapia intensiva de centro de tratamento de queimados no período de estudo. De um total de 178 pacientes, seis pacientes (3,4%) apresentaram uma ou mais hemoculturas com crescimento de Candida, tendo sido 2 casos de Candida albicans e 4 casos de outros tipos. A área de superfície queimada e o escore SOFA foram fatores de risco para candidemia. A candidemia resultou em maior taxa de mortalidade (83,3% vs 36,1%; p=0,02). Esse estudo revelou baixa incidência de candidemia em pacientes queimados, porém associada a índice elevado de mortalidade. Introdução e objetivo Infecções causadas por fungos tiveram aumento de 207% num período de 22 anos, dessas infecções 80% são causadas por espécies de fungo do gênero cândida. (FRANÇA et al., 2008). A infecção da corrente sanguínea por esta levedura é denominada candidemia. (Giolo e Svidzinski 2010) No Brasil o gênero mais comum é o Candida albicans, responsável por mais da metade das infecções. (Motta, et al. 2010). Dentre os fatores de risco gerais para desenvolvimento de candidemia pode-se citar: cateter venoso central, dispositivo urinário, nutrição parenteral total, ventilação mecânica, agentes antibacterianos de amplo espectro, procedimentos invasivos como grandes cirurgias, hospitalização prolongada, uso de esteroides, uso do sedativo propofol, sexo e idade. (Pedrosa e Rodrigues 2011) (Giolo e Svidzinski 2010) 1 Diagnóstico e tratamento precoce da infecção podem ocorrer pela identificação epidemiológica do paciente. (MONTAGNA et al., 2014)(CHENG et al., 2005) O estudo mostra-se relevante devido a maior propensão do paciente queimado a desencadear processo infeccioso. (YEĞEN 2004) Esse estudo tem como objetivo determinar a incidência e os fatores de risco para candidemia em pacientes vítimas de queimaduras. Procedimentos metodológicos Este estudo configura-se como longitudinal retrospectivo. Foi realizado com todos os pacientes internados em leitos de terapia intensiva de unidade de queimados entre 2011 e 2013. Os dados foram coletados diariamente desde a internação até a alta hospitalar. O projeto principal vinculado a esse subprojeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa local sob o parecer CEP nº 001/2011. Foram incluídos no estudo pacientes queimados internados na UTQ/HU/UEL no período de maio de 2011 a dezembro de 2013. Como critério de exclusão considerou-se pacientes menores de 18 anos e dados insuficientes no prontuário. A extensão das queimaduras foi calculada pela Tabela de Lund Browder. Foram coletados dados como idade, gênero, tipo e extensão da queimadura, agente causal, escore de gravidade de doença (APACHE II), comorbidades, escore de disfunção orgânica (SOFA), escore de intervenções terapêuticas (TISS 28) e dados de diagnóstico de foco e data de infecção nos pacientes queimados. As variáveis contínuas foram descritas pela média, desvio padrão. O teste t de Student ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney foram utilizados quando indicados para comparação das variáveis contínuas. Os dados categóricos foram apresentados como frequência e analisados com o teste de qui-quadrado. Resultados e discussão Foram inseridos no estudo um total de 178 pacientes, com média de idade de 41,8 ± 15,3 anos e predomínio do gênero masculino 72,2% dos casos. Seis pacientes (3,4%) apresentaram uma ou mais hemoculturas com crescimento de Candida, tendo sido 2 casos de Candida albicans e 4 casos de outros tipos. A média do escore SOFA desfecho foi maior entre os pacientes com candidemia (13,7 ± 7,1), comparada à média nos demais pacientes (5,9 ± 7,1; p = 0,009), sendo assim o SOFA elevado é considerado fator de risco para a infecção por cândida. (MONTAGNA et al., 2014) A população com infecção fungica teve maior necessidade de suporte ventilatório e apresentou tendência de ter maior porcentagem de superfície corporal total queimada e maior escore ABSI, o que pode ser identificado como fatores de risco, apesar de não constar 2 na literatura (Tabela 1). Devido ao pequeno número de pacientes com candidemia no estudo não foi possível analisar outros fatores de risco conhecidos. Tabela 1 – Análise bivariada de fatores de risco para candidemia e desfecho em pacientes queimados Variável Com Candidemia Sem Candidemia Valor de P (n=6) (n=172) Idade (anos)* 35,0±13,8 42,0±15,3 0,27† Gênero masculino 100,0% 71,5% 0,19§ Ventilação mecânica 100,0% 50,6% 0,03§ SCQ‡ 34,5 (31,0 – 43,0) 23 (15,5 – 34) 0,06¶ ABSI‡ 9 (7 – 12) 7 (6,5 – 9,5) 0,07¶ APACHE II* 21,0±7,0 16,3±8,5 0,18† SOFA admissão* 8,1±6,6 4,9±4,2 0,07† SOFA desfecho* 13,7±7,1 5,9±7,1 0,009† Mortalidade hospitalar 83,3% 36,1% 0,02§ SCQ = superfície corporal queimada; ABSI = Abbreviated Burn Severity Index; APACHE II = Acute Physiology and Chronic Health Evaluation; TISS 28 = Therapeutic Intervention Scoring System. * = média±desvio padrão; †=teste t Student; ‡= mediana (intervalo interquartílico); §= teste exato de Fisher; ¶=teste de Mann Whitney. O tempo de permanência na UTI foi maior nos pacientes com candidemia (37,3 ± 13,0 dias) comparados aos outros pacientes (19,3 ± 19,6 dias, p = 0,02). O maior tempo de permanência na UTI pode ser explicado tanto pelo fato de o maior tempo de hospitalização ser fator de risco para a infecção quanto pelo fato do diagnóstico tardio dessa infecção levar ao pior prognóstico do paciente e consequentemente prolongar o tempo de internação. (Ha, et al. 2011) Em um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo a espécie mais frequente identificada foi C. albicans (52,2%) seguida pela C. parapsilosis (22,1%), C tropicalis (14,7%), C. glabrata (6,6%) e C. krusei (1,6%). No presente estudo a C. albicans também foi a espécie mais comum encontrada. Curioso atentar para o fato de que a infecção por C. glabrata é referida como de maior prevalência em pessoas idosas (acima de 65 anos) e o presente estudo não fugiu a regra uma vez que o individuo afetado por tal espécie tinha 96 anos.(MOTTA, et al. 2010) Pesquisas revelam que pode haver associação do gênero masculino com maior probabilidade de infecção por Candida e esta também é mais frequente em indivíduos acima de 51 anos. No período estudado todos os pacientes com candidemia eram homens sendo 66,6% com idade acima de 51 anos. Dos 6 pacientes estudados 5 evoluíram a óbito, demonstrando a alta taxa de mortalidade dessa infecção. (COLOMBO, 2013) Estudos ainda precisam ser realizados para definir as causas específicas da infecção por cândida e do pior prognóstico, entretanto medidas de controle dessa infecção já podem ser estabelecidas a partir dos dados apresentados. 3 Conclusão Esse estudo revelou baixa incidência de candidemia em pacientes queimados, porém associada a índice elevado de mortalidade. Como fatores de risco para candidemia foram identificados a área de superfície queimada, necessidade de ventilação mecânica e o escore SOFA. O tempo de permanência na UTI e a mortalidade foi maior entre os pacientes queimados com candidemia. Agradecimentos A realização deste trabalho, feito ao longo de dois anos, não teria sido possível sem a orientação da Dr.ª Cintia Grion nem a supervisão e treinamento de Ivanil Kauss assim como o apoio do grupo de alunos presente nas coletas. Referências CHENG, MF et al. “Risk factors for fatal candidemia.” BMC infect dis, 2005: 522. COLOMBO, AL; GUIMARÃES, T. “Epidemiologia das infecções hematogênicas por Candida spp.” Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2003: 599-607. FRANÇA, J et al. “Candidemia em um hospital terciário brasileiro: incidência,freqüência das diferentes espécies, fatores de risco e suscetibilidade aos antifúngicos.” Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2008: 23-28. GIOLO, MP; SVIDCINSKI,TIE “Fisiopatogenia, epidemiologia e diagnóstico laboratorial.” J Bras Patol Med Lab , 2010: 225-234. HA, J et al. “Candidemia and invasive candidiasis: A review of the literature for the burns surgeon.” burns, 2011: 181-195. JEFFREY, A; GELFAND, MD. “Infections in Burn Patients:A Paradigm for Cutaneous Infection in the Patient at Risk.” The American Journal of Medicine, 1984: 158-165. MONTAGNA, M T et al. “Candidemia in intensive care unit: a nationwide prospective observational survey (GISIA-3 study) and review of the European literature from 2000 through 2013.” European Review for Medical and Pharmacological Sciences, 2014: 661-674. MOTTA, AL et al.“Candidemia epidemiology and susceptibility profile.” Braz J Infect Dis, 2010: 441-448. PEDROSA, AFB; RODRIGUES, AG. “Candidemia in Burn Patients: Figures and Facts.” The Journal of TRAUMA, 2011: 498-506. STILL, JM ;Belcher, K; LAW,JE. “Management of candida septicaemia in a regional burn unit.” Burns, 1995: 594-596. YEĞEN, Ç. et al “Systemic Responses to Burn Injury.” Turk J Med Sci, 2004: 215-226. 4