Serviço e Disciplina de Clínica Médica Sessão Clínica- 22/06/2015 Auditório Honor de Lemos Sobral- Hospital Escola Álvaro Alvim Orientador: Prof. Dra. Márcia Azevedo Caldas Relator: Dr. Eduardo Abi-Kair Debatedora: Dra. Nathália Mota Identificação: M.A.P.P., 46 anos, sexo masculino, branco, divorciado, engenheiro, natural e residente em Campos dos Goytacazes/RJ. Queixa Principal: “falta de ar” HDA: Paciente relata que dia 17/07/14 apresentou subitamente, em repouso, tontura rotatória, com desconforto occipital. Procurou pronto socorro, onde foi identificada pressão arterial de 160x100mmHg, sendo medicado com ansiolítico e liberado para sua residência. No dia seguinte manteve a tontura acrescida de náuseas. Dia 19/07/14 acordou com dispnéia e ortopnéia. Procurou o mesmo pronto socorro, onde realizou exames de Rx tórax e seios da face, sendo medicado com xarope e alta. Dia 20/07, devido ortopnéia constante (não conseguia deitar) procurou UPA, onde foi detectado sopro cardíaco, sendo encaminhado para internação hospitalar. Ficou internado por 7 dias, em tratamento de pneumonia com moxifloxacino. Após alta, como mantinha dispneia aos pequenos esforços e ortopnéia, procurou pneumologista que solicitou tomografia de tórax. Dia 04/08/15 durante a tentativa de realização da tomografia foi detectada hipóxia à oximetria de pulso, além da incapacidade do paciente de permanecer em decúbito dorsal para fazer o exame, sendo então encaminhado para nova internação hospitalar. Relatava dispneia associada à tosse, mais intensas no decúbito dorsal e escarro hemoptoico. Negava dor torácica, febre, edema, perda de peso. H.P.P.: HAS há 6 anos, descolamento de retina bilateral (2001 e 2005). Em uso regular de: atenolol 25mg/dia. História Social: Nega tabagismo e etilismo. Sedentário. História Familiar: Pai falecido aos 63 anos por depressão (suicídio), mãe hipertensa. Pai, 7 tios paternos, 1 irmã e 1 filha com alterações oculares (descolamento de retina e catarata). Exame físico da admissão: Hidratado, normocorado, eupneico em ar ambiente (sentado), anictérico, acianótico, afebril. Peso: 105Kg Alt: 1,86m IMC: 30,4 Kg/m2 SINAIS VITAIS: PA: 130x90mmHg ; FC : 110 bpm, FR: 18ipm ACV: RCR 3T (B3) BNF sopro sistodiastólico aórtico +3/6 AR: MV presente com estertores crepitantes bibasais. Abd: normotenso, peristalse presente, indolor à palpação, sem visceromegalias. MMII: sem edema, pulsos presentes e simétricos, panturrilhas livres. Exame neurológico: Consciente, lúcido, orientado no tempo e espaço, com Glasgow = 15 (AO = 4, RV = 5, RM = 6). Exames da admissão: - Hematócrito: 41% // Hemoglobina: 13,2 g/dL // Leucócitos: 8900 células/mm3(2 B, 66 S, 1 Eos, 0 Bas, 27 Linf, 4 Mon) // Plaquetas: 199.000 // Glicemia: 94 mg/dL // U: 28 mg/dL // Cr: 1,08 mg/dL // Na+: 145 mEq/L // K+: 3,6mEq/L // Mg++: 1,9 // TAP: 12” 100% // PTT: 35” // CKMB 22U/l (N<24) // CPK 120 U/l // troponina I: 0,01ug/l (N<0,11) // PCR 8mg/l (N<8) // Dímero D: 941ng/ml • ECG: - Radiografia de Tórax: - EcoDopplercardiograma transtorácico (1ª internação): Dilatação aneurismática da aorta, regurgitação aórtica moderada. Medidas/observações: Aorta= 60mm; Átrio E= 40 mm; VE= normal, sem medidas; valva pulmonar= normal; valva aórtica= fechamento excêntrico, apenas duas válvulas visibilizadas; câmaras direitas normais; pericárdio normal. Hipóteses diagnósticas / conduta Discussão clínica Vertigem Dispneia e ortopneia de início recentes Escarro hemoptóico Insuficiência ventricular v esquerda aguda Sopro aórtico Exames complementares CKMB 22 U/L N<24 U/L CPK 120 U/L N< 190 U/L 0,01 mg/L 941 ng/ml < 0,1 mg/L Troponina I D-dímero < 147 ng/dL Radiografia de tórax: congestão pulmonar, alargamento do mediastino? ECG: Ritmo sinusal, BDAS, distúrbio de condução pelo ramo esquerdo. Eco: Dilatação aneurismática da aorta, regurgitação aórtica moderada, válvula aórtica bicúspide. Exames complementares Int J Gen Med. 2012; 5: 87–92. Published online 2012 Jan 25. doi: 10.2147/IJGM.S25027 Possíveis etiologias Insuficiência cardíaca aguda Insuficiência aórtica Isquemia Endocardite infecciosa Distúrbios do ritmo Trauma Doença pericárdica Prolapso das cúspides Disfunção valvular Dissecção de aorta Possíveis etiologias Task Force Report. Eur Heart J, Vol. 22, issue 18, September 2001 Possíveis etiologias Possíveis etiologias Síndrome de Marfan Trata-se de uma desordem autossômica do tecido conectivo, envolvendo os sistemas cardiovascular, ósseo e ocular, pele e pulmão. Na maioria das vezes ocorre por mutação da FBN1. Yuan S-M, Jing H. Marfan’s syndrome: an overview. Sao Paulo Med J. 2010;128(6):360-6 Possíveis etiologias Yuan S, Jing H. The bicuspid aortic valve and related disorders. Sao Paulo Med J. 2010; 128(5):296-301 Possíveis etiologias Válvula Aórtica Bicúspide A válvula aórtica bicúspide é a anomalia congênita mais comum, podendo ocorrer de forma isolada ou associada a outras malformações cardíacas congênitas. Pode ter uma função normal durante a vida, como também pode desenvolver calcificação progressiva, estenose, insuficiência, aneurisma aórtico e dissecção, além de endocardite infecciosa. Evangelista, A. Bicuspid Aortic Valve and Aortic Root Disease. Curr Cardiol Rep DOI 10.1007/s11886-011-0175-4 Condução do caso 1 – Internação hospitalar em unidade de terapia intensiva; 2 – AngioTC de tórax e TC de crânio com contraste; 3 – Iniciar beta bloqueador venoso; 4 – Avaliação conjunta com cirurgia cardíaca; 5 – Análise genética; 6 – Avaliação familiar. VAB Aneurisma de aorta Descolamento de retina Síndrome de Marfan complicada com dissecção de aorta Conduta do caso Exames laboratoriais Gasometria arterial: • • • • • pH: 7,41; PCO2: 38 mmHg; PO2: 60 mmHg; SatO2: 87 %; HCO3: 24 mEq/L. Hipótese diagnóstica do médico assistente • TEP; • Iniciado anticoagulante oral - (rivaroxabana). EcoDopplercardiograma Lâmina de dissecção desde a raiz da aorta, sendo identificada até o arco aórtico EcoDopplercardiograma A lâmina de dissecção se interpõe entre as válvulas da valva aórtica, que não coapta com regurgitação grave EcoDopplercardiograma Medidas: Aorta ascendente (aneurisma); = 57mm DDVE=68mm; FEVE 50% (disfunção sistólica leve do VE devido hipocinesia difusa) Derrame pericárdico discreto LAUDO: Dissecção de aorta ascendente desde a raiz com dilatação aneurismática da mesma (raiz da aorta) / Regurgitação aórtica grave / Derrame pericárdico discreto AngioCT Tórax AngioCT Tórax AngioCT Tórax AngioCT Tórax Diagnóstico Dissecção Aguda de Aorta tipo A Stanford Síndrome de Marfan – Informado pelo paciente após interrogação anamnéstica Conduta: Cirurgia de urgência Cirurgia Cardíaca (8/08/2014) Achado cirúrgico: Aneurisma e dissecção da aorta ascendente desde o plano valvar (com comprometimento do óstio coronariano direito) até o tronco arterial braquiocefálico Cirurgia Cardíaca (8/08/2014) Cirurgia: Ressecção da aorta ascendente, com implante de tubo de dacron valvado nº 25, implante das artérias coronárias no tubo de dacron – Cirurgia de Bentall de Bono Evolução Oligoanúria com insuficiência renal (U 116, Cr 4,5): diálise Posteriormente apresentou melhora sustentada escórias nitrogenadas e bom volume urinário das Alta hospitalar dia 18/08/2014 ( U 43, Cr 0,92) Atualmente aorta normal (junho/2015): assintomático, tubo valvado em Síndrome de Marfan + Correlação com o caso Síndrome de Marfan • Doença autossômica dominante do tecido conjuntivo; • Músculo-esquelético, ocular, cardiovascular; • Dilatação progressiva da raiz da aorta ascendente – incompetência e dissecção aórticas. Síndrome de Marfan • Mutações no gene da fibrilina-1 (FBN1) – fenótipos variados; • Cromossomomo 15; • Critérios de Ghent – Critérios maiores em 2 sistemas e um terceiro deve estar acometido. Síndrome de Marfan • 75% dos indivíduos possuem um dos pais afetados; • Muitas manifestações idade-dependentes x diagnóstico pediátrico. Síndrome de Marfan Manifestações oculares: • Hipoplasia do musculo ciliar; • Subluxação / luxação do cristalino; • Comprimento axial do globo ocular pode estar aumentado – DESCOLAMENTO DE RETINA. Síndrome de Marfan Manifestações cardiovasculares; • + frequentes – Prolapso valva mitral / dilatação da aorta ascendente • Maior risco de complicações em gestantes Síndrome de Marfan Face longa e estreita Dolicocefalia Palato alto e arqueado “Gótico” Síndrome de Marfan Relação envergadura dos braços/altura > 1,05 Envergadura = 1,96 Altura= 1,86m Relação= 1,054 Dolicostenomelia Aracnodactilia Sinal de Steinberg= negativo Sinal de WalkerMurdoch = positivo Síndrome de Marfan Pés normais (não planos) Síndrome de Marfan Dissecção Aórtica Aguda Dissecção Aórtica Aguda Classificação; DeBakey I – Início na aorta ascendente com acometimento até a descendente; II – Limitada à aorta ascendente; III – Restrita a aorta descendente. Dissecção Aórtica Aguda Classificação; Stanford A: Dissecção envolve a aorta Ascendente; B: Dissecção limitada à aorta descendente. Dissecção Aórtica Aguda Dissecção Aórtica Aguda Quadro clínico: • Dor retroesternal súbita; • Diferença de PA entre membros superiores; • Surgimento de sopro de insuficiência aórtica aguda; • Surgimento de sopro carotídeo ou déficit; neurológico focal. Dissecção Aórtica Aguda Diagnóstico: • Ecocardiograma transesofágico e TC/RNM; Tratamento: • Controle da Dor + controle pressórico e cronotrópico; • Intervenção ascendente; cirúrgica indicada SEMPRE em acometimento Dissecção Aórtica Aguda Tratamento: • Clínico – aorta descendente (exceto em complicações); • Beta-bloquadores . Dissecção Aórtica Aguda Prognóstico: • Sobrevida cirúrgica proximal e distal – 74% e 69% respectivamente (delta 30 dias); • controle rigoroso da PAs; • Acompanhamento regular – complicações tardias mais comuns nos primeiros 2 anos pós-op. Referência Bibliográfica HARRISON TR. Harrison: Medicina Interna - 17ª edição. São Paulo: Ed. McGraw-Hill, 2008. Yuan S-M, Jing H. Marfan’s syndrome: an overview. Sao Paulo Med J. 2010;128(6):360-6. Yuan S, Jing H. The bicuspid aortic valve and related disorders. Sao Paulo Med J. 2010; 128(5):296301. Evangelista, A. Bicuspid Aortic Valve and Aortic Root Disease. Curr Cardiol Rep DOI 10.1007/s11886011-0175-4.