P.º R. P. 125/2007 DSJ-CT- Permuta de bens presentes por bens futuros. Registo de aquisição das fracções autónomas de edifício em construção. Exigibilidade da correspondente licença de utilização. Possibilidade da sua substituição pela licença de construção. PARECER Relatório 1 – O presente recurso vem interposto contra o despacho de provisoriedade por dúvidas proferido sobre o pedido de registo de aquisição apresentado na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 27/20070209, respeitante às fracções autónomas “E” e “P” do prédio descrito sob o n.º 3424, da freguesia de Turquel. Este pedido de registo foi formulado com base em escritura de permuta outorgada entre as sociedades «Auto Acessórios de Turquel, Lda.» e a «JCE – Sociedade de Construção Civil, Lda.», sendo a primeira titular do prédio misto descrito sob o n.º 2914, da freguesia de Turquel, do qual, devidamente autorizada, destacou uma parcela de terreno que permutou com a segunda, que nela está já a construir um edifício do qual deu à primeira, como contraprestação, as referidas fracções “E” e “P”, como bens futuros. Simultaneamente, a segunda outorgante procedeu à constituição do regime da propriedade horizontal, que se encontra já inscrita (ap.26/20070209) como provisória por natureza, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 92.º do Código do Registo Predial (CRP). 2 – O despacho impugnado é do seguinte teor: «Dúvidas – Ainda não foi emitida a licença de utilização das fracções autónomas permutadas – cfr. os artigos 1.º, n.º 1, e 2.º n.ºs 1, 4, e 5, do DecretoLei n.º 281/99, de 26 de Julho. É também provisória por natureza, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 92.º do Código do Registo Predial». 1 3 – A referida qualificação não mereceu concordância da requerente pelo que a impugnou nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e dos quais destacamos, particularmente, os seguintes: 3.1 – A escritura em que se baseia o registo de aquisição das fracções autónomas ora peticionado formaliza também a constituição da propriedade horizontal sobre o edifício a construir na parcela de terreno objecto da permuta pelas referidas fracções autónomas, que, aliás, já se encontra inscrita como provisória por natureza nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 92.º do CRP. 3.2 – Ora, tendo em conta que o prédio ainda não está construído, não é possível aplicar à presente transmissão a exigência de apresentação da correspondente licença de utilização prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 281/99, nem o mecanismo previsto no artigo 2.º do mesmo diploma, pelo que tal exigência só pode ser cumprida a partir do momento em que os bens futuros se tornem presentes. 3.3 – Consequentemente, deve revogar-se a decisão e proceder-se à elaboração do registo em harmonia com o que foi titulado e peticionado. 4 – O Senhor Conservador proferiu despacho de sustentação da posição antes assumida, esgrimindo os argumentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e dos quais realçamos, em síntese, os seguintes: 4.1 – A permuta de bens presentes por bens futuros é um negócio jurídico sinalagmático e, quanto a estes segundos, com efeitos diferidos no tempo e dependentes da verificação de duas condições – a afectação ao regime da propriedade horizontal do edifício a construir e da emissão da licença de utilização das fracções autónomas. 4.2 – O artigo 1.º Decreto-Lei n.º 281/99, preceitua que não podem ser celebradas escrituras que envolvam a transmissão de prédios ou das suas fracções autónomas sem que se faça a prova da existência da licença de utilização, do que se fará menção na escritura. 2 O artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma prevê os casos em que a apresentação daquela licença pode ser substituída pela licença de construção. Da análise conjugada dos n.ºs 4 e 5 daquele preceito resulta que não é permitida a transmissão de fracções autónomas de edifícios não concluídos. 4.3 – Assim, não podendo ser logo feita a prova da licença de utilização perante o notário que lavrou a escritura tem a mesma de ser feita perante o conservador aquando do registo correspectivo, pois só desta maneira se salvaguardará o espírito que preside ao citado Decreto-Lei n.º 281/99, e se impedirá a transmissão de fracções autónomas de prédios por concluir. 5 – Descrita a dinâmica processual relevante importa agora conhecer do objecto do recurso, atento que o processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o recurso é tempestivo e não existem questões prévias ou prejudiciais que obstem à apreciação do mérito. Fundamentação 1 – A resolução da matéria controvertida nos autos conduz-nos à análise do disposto no Decreto-Lei n.º 281/991, de 26 de Julho, que, por seu turno, demanda o conhecimento das normas consagradas na Lei que imediatamente o precedeu. Este diploma, como é proclamado nos objectivos enunciados no seu preâmbulo e confirmados na previsão dos seus diversos normativos, foi publicado com o intuito de superar as divergências de entendimento suscitadas pela aplicação do artigo 44.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 74/86, de 23 de Abril, mantido em vigor por força do disposto no n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, diploma que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano. 1 Este diploma prende-se com matéria do direito administrativo especial, o Direito do Urbanismo, mais concretamente com o regime de jurídico da urbanização e edificação agora regulado pelo DecretoLei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, que visa evitar que, sem licenciamento municipal, se efectuem obras de construção civil e sejam utilizados edifícios ou as suas fracções autónomas sem que estejam devidamente licenciadas – cfr. o disposto nos artigos 2.º, 4.º, n.ºs 2 e 3, 57.º e 66.º, n.º 1. 3 O n.º 1 do artigo 44.º da Lei 46/85 prescrevia que: «Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos sem que se faça perante o notário prova (…) da existência da correspondente licença de construção ou de utilização, quando exigível, da qual se fará sempre menção na escritura». Esta disposição foi objecto de interpretações distintas tanto a nível doutrinal como jurisprudencial. Uns interpretavam-no no sentido de que a dicotomia «licença de construção ou de utilização» significava que a escritura que envolvesse a transmissão da propriedade de prédios urbanos podia ser celebrada desde que uma das licenças fosse exibida, respeitando a expressão «quando exigível» a prédios para cuja construção a lei não exigia licenciamento2. Outros interpretavam-no na acepção de que as licenças não são equivalentes devendo ser exibida a que, em concreto, caiba ao caso, isto é, a de construção se a transmissão respeitar a prédio urbano ainda em construção ou a de utilização se atinente a prédio já concluído, pretendendo-se com a expressão «quando exigível» ressalvar os casos em que para o prédio em causa, não obstante não seja de construção clandestina, não seja possível exibir nenhuma das licenças ou porque ao tempo da construção do prédio não era exigível ou porque foi dispensada pela autoridade competente3. A posição deste Conselho foi, desde sempre, no sentido de que era exigível a licença de construção se o prédio estivesse em construção e a de utilização se o prédio já se encontrasse concluído. Não se provando através da escritura respectiva a existência da licença o correspondente registo só como provisório por dúvidas poderia ser lavrado4. 2 Veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Abril de 1996, in C.J., tomo 2, pág. 125. 3 Cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Julho de 1995, in C.J., tomo 5, pág. 225, e no BRN n.º 7/96, pág. 7, bem como o acórdão do Supremo, de 24 de Fevereiro de 1999, publicado no BRN n.º 3/99, I, pág. 11. 4 Cfr. os pareceres deste Conselho constantes dos proc.º n.ºs 75/96R.P.4, in BRN n.º 9/94, pág. 5, 67/96R.P.4, in BRN n.º 4/97, pág. 43, R.P.104/99-DSJ-CT, in BRN n.º 2/2000, II, pág. 42, e R.P.189/2000 DSJ-CT, in BRN n.º 5/2001, II, pág. 17. 4 1.1 – Para superar os efeitos nocivos de tal diferendo interpretativo, o legislador optou pela solução que considerou ser a que melhor salvaguardava os limites razoáveis da segurança do comércio jurídico e os interesses de todos os envolvidos. Nessa sequência, o referido Decreto-Lei n.º 281/99, no seu artigo 1.º, prescreve: «1 – Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova (…) da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, nos prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal, a menção deve especificar se a licença de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fracção autónoma a transmitir». 1.2 – Contudo, tendo em consideração que alguns Municípios do País têm dificuldades em emitir as licenças de utilização num prazo que se possa considerar razoável e aliada à premência que as transacções imobiliárias demandam, o legislador admitiu a possibilidade de se apresentar a licença de construção em substituição da apresentação do alvará da licença de utilização desde que verificados determinados circunstancialismos5. Com efeito, tendo esta licença sido já requerida e não emitida, pode ser substituída pela de construção, independentemente do respectivo prazo de validade, desde que o transmitente faça prova de que está requerida a licença de utilização e declare que a construção se encontra concluída, que não está embargada, que não foi notificado de apreensão do alvará de licença de construção, que o pedido de licença de utilização não foi indeferido, que decorreram mais de 50 dias sobre a data do seu requerimento e que não foi notificado para o pagamento das taxas devidas, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 281/99. 5 A substituição da licença de utilização do prédio pela de construção, permitida nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99, não pode ser imposta ao adquirente, dada a consensualidade inerente ao contrato. – Conclusão extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Julho de 2007, acessível em www.dgsi.pt. 5 Por força do disposto no n.º 6 do citado artigo 2.º, o notário deve ainda, neste caso, consignar na escritura o número e a data de emissão da licença de construção e o respectivo prazo de validade, bem como a advertência aos outorgantes sobre o teor dos artigos 2.º, n.ºs 2 e 3, e 3.º, do citado diploma. Nas transmissões subsequentes de fracções autónomas, de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, o transmitente apenas tem de fazer a prova de que foi requerida a licença de utilização e declarar que o pedido não foi indeferido nem a licença emitida no prazo de 50 dias sobre a data do seu requerimento e que não foi notificado para o pagamento das taxas devidas, em conformidade com o prescrito no n.º 2 do citado artigo 2.º. 1.3 – Para a transmissão de prédios urbanos que o alienante declare como não concluídos, com licença de construção em vigor, ou na situação de edifícios inacabados prevista no artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (e anteriormente no artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro), é bastante a exibição do alvará de licença de construção, independentemente do seu prazo de validade – n.º 4 do citado artigo 2.º. O n.º 5 do mesmo artigo, porém, exclui expressamente do disposto no número anterior a transmissão de fracções autónomas de prédios urbanos constituídos em propriedade horizontal e de moradias unifamiliares. Por não se descortinarem razões que justifiquem a proibição da transmissão de moradias unifamiliares em construção, foi ouvido o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República a propósito da melhor interpretação a conceder ao n.º 5 do artigo 2.º deste diploma, que se pronunciou no seguinte sentido: «I – Exceptuadas do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho, as fracções autónomas e moradias unifamiliares referidas no n.º 5 do mesmo artigo estão sujeitas ao regime regra dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, do citado diploma. 6 II – É, consequentemente, ilegal, por violação do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 281/99, a transmissão dessas fracções autónomas e moradias ainda em construção»6. Todavia, por não ser esta a situação configurada nos autos abstemo-nos de desenvolver a matéria, realçando apenas que se nos afiguram pouco convincentes os argumentos aduzidos neste parecer a favor do tratamento igualitário dispensado à transmissão de fracções autónomas de edifício inconcluído e de moradias unifamiliares também por concluir. 2 – Decorre do anteriormente exposto que a apresentação da licença de utilização tem um carácter imperativo sendo a sua exigência ditada por razões de interesse eminentemente público, destinando-se não só a combater a transmissão de edificações clandestinas, construídas sem as licenças de construção ou de loteamento, mas também garantir a conformidade da obra com o projecto aprovado e suas eventuais alterações, as condições do seu licenciamento e o uso autorizado no alvará de licença de construção, protegendo-se assim, além destes interesses públicos, os interesses privados dos adquirentes dos prédios urbanos ou das suas fracções autónomas, dentro dos limites razoáveis da segurança do comércio jurídico imobiliário7. 2.1 – A violação da norma plasmada no artigo 1.º, apesar de imperativa, não acarreta, contudo, a nulidade do negócio jurídico. A escritura de transmissão da propriedade das fracções autónomas que não refira a exibição da licença de utilização, embora enferme de irregularidade, não afecta a validade do acto nela titulado, pelo que a omissão pode ser sanada posteriormente mediante a junção daquela licença ao pedido de registo correspondente, sob pena de o mesmo ser lavrado como provisório por dúvidas. 6 Cfr. Parecer n.º 9/2000, publicado no BRN n.º 4/2002, I, pág. 14. 7 Note-se que é igualmente exigível a apresentação de licença de utilização para se poder dar de arrendamento um prédio urbano ou uma fracção autónoma, relativamente a edifícios de construção posterior a 1951. – Veja-se, adrede, o disposto na alínea d) do artigo 2.º, e no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, que regula os elementos do contrato de arrendamento bem como os requisitos a que deve obedecer a sua celebração. 7 2.2 – Da análise da escritura subjacente ao registo verificamos que titula um contrato de permuta de uma parcela de terreno por duas fracções autónomas de prédio em construção levada a efeito naquela parcela, e que, por isso mesmo, não alude à existência da licença de utilização, nem à sua substituição pela exibição do alvará da licença de construção do imóvel que, como já salientámos, é permitida desde que o alvará da licença de utilização já tenha sido requerido e não emitido, e se observem as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99. Nestes termos, o interessado para obviar à elaboração do registo como provisório por dúvidas, devia ter instruído o pedido com a correspondente licença de utilização ou, em sua substituição, a de construção, provando que aquela licença está requerida e apresentando também instrumento público avulso com intervenção do transmitente e do adquirente, que contenha as prescrições referidas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b), 2 e 3, e 3.º, do citado Decreto-Lei n.º 281/998. Ora, não o tendo feito, o requerente pode ainda, no momento do pedido da remoção das dúvidas apostas ao registo em causa, apresentar uma das licenças referidas observadas que sejam as prescrições acabadas de enunciar. 3 – O exame de toda esta problemática não estaria completo sem tecermos alguns comentários alusivos à admissibilidade da celebração de contratos de permuta de bens presentes por bens futuros, tendo em conta que é precisamente este o caso configurado nos autos, visto que uma das sociedades outorgantes dá à outra uma parcela de terreno para construção recebendo em troca bens futuros, concretamente, duas fracções autónomas do edifício que já se encontra em construção na referida parcela de terreno. 3.1 – A permuta é um contrato que tem por objecto a transferência da propriedade de coisas ou direitos entre os contraentes, com exclusão de dinheiro, e desdobra-se em duas obrigações unidas, que têm a sua causa uma na outra 8 Veja-se, adrede, o parecer do CT proferido no proc.º n.º R.P.104/99-DSJ-CT, onde se esclarece que no referido instrumento público avulso (artigos 35.º, n.º 2, 36.º, n.º 3, e 103.º e segs., do Cód. do Notariado) deve também intervir o adquirente. 8 (sinalagma genético) e permanecem ligadas por uma relação de reciprocidade e interdependência durante a fase de execução do contrato (sinalagma funcional)9. Este contrato é, por um lado, obrigacional, porque faz surgir a obrigação de entrega para as duas partes [alínea b) do artigo 879.º do C.C.] e real quoad effectum, uma vez que a propriedade dos bens trocados se transmite por mero efeito do contrato [artigos 879.º, alínea a) e 408.º, n.º 1, do C.C.] 10. A admissibilidade dos contratos de permuta em que a prestação consiste num bem presente e a contraprestação num bem futuro não sofre hoje qualquer contestação, em face do acolhimento concedido pelo disposto nos artigos 880.º, n.º 1, e 939.º, do Código Civil. 3.2 – Do contrato celebrado resultou a transmissão imediata da parcela de terreno (bem presente, cuja propriedade se transfere por mero efeito imediato do contrato, como decorre do prescrito no n.º 1 do citado artigo 408.º do Código Civil), enquanto que a transmissão das duas fracções autónomas referidas (bens futuros) só ocorrerá quando existirem, vale por dizer, quando seja preenchida a conditio juris da sua criação (n.º 2 do artigo 408.º do citado Código). Na aludida escritura foi simultaneamente constituído o regime de propriedade horizontal pelo que as fracções autónomas do edifício ganharam já individualidade jurídica própria, passando a poder ser objecto de relações jurídicas reais – vd. artigos 1414.º e segs. do Código Civil e 59.º, n.º 2, do Código do Notariado, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código do Registo Predial, que já se encontra registada, nos termos previstos no artigo 92.º, n.º 1, alínea b), do CRP11. Procedendo-se à inscrição das fracções autónomas do edifício em construção a favor do cedente do terreno apenas como provisória por natureza, ao abrigo do 9 - Cfr. Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Vol. VIII, pág. 628, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, pág. 270, e Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, pág. 165. 10 Cfr. os pareceres do CT constantes do proc.º n.º R.P.173/99DSJ-CT, in BRN n.ºs 6/2000, II, pág. 37, e 4/2003, II, pág. 2 (reapreciação do primeiro parecer). 11 «A regra – que decorre do princípio da actualidade ou da mediação – de que os factos que determinem a constituição ou a transmissão de direitos reais sobre bens absolutamente futuros não são admitidos a registo enquanto não houver «coisa», sofre, pelo menos, uma excepção, que é a do registo de constituição da propriedade horizontal de edifício não concluído e dos factos que tenham por objecto fracções autónomas desse edifício (quanto a estes factos, desde que se encontre registada a propriedade horizontal) Estes registos são efectuados provisoriamente por natureza (art. 92.º, n.º 1, b) e c), do C.R.P.)» – excerto do citado parecer do CT proferido no proc.º n.º R.P.173/99 DSJ-CT, publicado no BRN n.º 4/2003. 9 disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 92.º do Código do Registo Predial, seria convertida oficiosamente na dependência do registo definitivo da constituição da propriedade horizontal, por força do prescrito no n.º 8 do citado artigo, pelo que se não se exigir o cumprimento prévio das normas ínsitas no Decreto-Lei n.º 281/99, ficaria inviabilizado o escopo da lei. 3.3 - Nestes termos, entendemos que a apresentação da licença de utilização ou, em sua substituição, a de construção, exigível pelo Decreto-Lei n.º 281/99 para as transmissões da propriedade de fracções autónomas de prédio urbano corresponde, neste caso, ao preenchimento formal de um requisito que deve acrescer à conditio juris da criação efectiva das fracções. 4 – Em face do exposto, somos de parecer que o presente recurso não merece provimento. E em consonância firmamos as seguintes Conclusões 1 – Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou das suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova da existência da correspondente licença de utilização, do que se fará menção expressa na escritura, por força do prescrito no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho. Tratando-se de prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal, aquela menção deve ainda especificar se a licença de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fracção autónoma objecto da transmissão – n.º 2 do citado artigo 1.º. 2 – A apresentação da licença de utilização tem um carácter imperativo, sendo eminentemente a sua público, exigência embora ditada vise por também razões de interesse proteger interesses 10 privados, pelo que não tendo sido exibida no momento da celebração da escritura de transmissão da propriedade das fracções autónomas, esta enferma de irregularidade que, por não afectar a validade do acto nela consignado, pode ser sanada posteriormente mediante a junção daquela licença ao pedido de registo correspondente. 3 - A apresentação do alvará de licença de utilização, no caso de já ter sido requerido e não emitido, pode ser substituída pela exibição do alvará da licença de construção do imóvel, independentemente do respectivo prazo de validade, desde que se verifiquem as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do citado diploma. 4 – Neste caso, o notário deve ainda consignar na escritura o número e a data de emissão da licença de construção e o respectivo prazo de validade, bem como a advertência aos outorgantes sobre o teor dos artigos 2.º, n.ºs 2 e 3, e 3.º, do Decreto-Lei n.º 281/99. 5 – A omissão na escritura pode, contudo, ser suprida mediante a junção ao pedido de registo de instrumento público avulso com intervenção do transmitente e do adquirente, que contenha as prescrições referidas nas duas anteriores conclusões. 6 - É admissível a celebração de contratos de permuta de bens presentes por bens futuros ainda que estes respeitem a fracções autónomas de edifício em construção ou a construir – artigos 211.º, 408.º, n.º 2, 880.º, n.º 1, e 939.º, ambos do Código Civil. 7 – O registo de aquisição das referidas fracções autónomas a favor do cedente do terreno, sem que tenha sido apresentada a licença de utilização ou, em sua substituição, a de construção, nos termos supra equacionados, só pode ser lavrado como provisório por dúvidas e natureza, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º e 92.º, n.º 1, alínea c), do Código do Registo Predial. 11 Lisboa, 17 de Dezembro de 2007 Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 17 de Dezembro de 2007. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, Maria Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, Maria Raquel Sobral Alexandre, Luís Manuel Nunes Martins, João Guimarães Gomes Bastos (com declaração de voto em anexo), Maria Madalena Rodrigues Teixeira, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 21.12.2007. 12 Pº R.P. 125/2007 DSJ-CT. Concordo, naturalmente, com a improcedência do recurso. Mas, salvo o devido respeito, o douto parecer enferma de contradições que importa denunciar. O parecer (a meu ver, algo temerariamente) afirma (ponto 3.1) que “a admissibilidade dos contratos de permuta em que a prestação consiste num bem presente e a contraprestação num bem futuro não sofre hoje qualquer contestação”. Pois bem. Se assim é, importa afirmar com total clareza que na permuta de um terreno por fracção autónoma do edifício a construir nesse terreno não é sequer configurável a exigência pelo notário, na escritura da permuta (com ou sem simultânea constituição da propriedade horizontal), da licença de utilização do edifício ou da fracção autónoma objecto da contraprestação. A questão da exigibilidade da licença de utilização não se coloca pura e simplesmente. Se é válido o contrato de permuta (e eu continuo a defender que é) e se o efeito real é diferido para o momento da existência da coisa, então a licença de utilização só será exigível depois deste momento. O ponto – sobre o qual continuo a defrontar-me com muitas dúvidas – está em saber que coisa é esta. Terá que ser o edifício? Ou bastará que seja a “fracção”? Portanto, a minha dúvida (a bem dizer, primária) é saber se o efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre a fracção autónoma se verifica no momento da conclusão desta ou apenas no momento da conclusão do edifício. Vejamos agora a perspectiva registral. A regra – como aliás afirmei no Pº R.P. 173/99, citado na nota 11 – é a de que os factos não devem ser admitidos a registo enquanto não houver coisa. Todos concedemos em admitir, à face da lei, a excepção do registo da propriedade horizontal de edifício a construir ou em construção. Relativamente às fracções concluídas de edifício em construção, saber se estamos no âmbito da regra ou no domínio da excepção depende da resposta à anterior questão: só o edifício é coisa, ou também nesta hipótese a fracção poderá ser coisa? Já quanto às fracções não concluídas de edifício (obviamente também não concluído), parece-me que deveremos incluir a hipótese no âmbito da regra e não da excepção. Não faz, a meu ver, sentido que o Registo, abdicando do seu carácter consolidativo, admita excepcionalmente o ingresso prematuro de facto relativo a fracção não concluída de edifício. Nos termos expostos, sou de opinião que o registo deveria ser recusado, por o facto não estar (ainda) sujeito a registo. O registo provisório (também) por dúvidas só se justificaria se estivéssemos em presença de fracções autónomas já concluídas, o que nada permite concluir. João Guimarães Gomes de Bastos 13