Artigo de Revisão O TRIPÉ DA ASSISTÊNCIA DO ENFERMEIRO DE PSF AO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL: EQUIPE, FAMÍLIA E COMUNIDADE “PSF” NURSING ASSISTANCE TRIPOD FOR MENTAL DISTURB: TEAM, FAMILY AND COMMUNITY. Robeto Guedes Junior Faculdade do Futuro Resumo A intervenção conjunta da equipe em saúde mental e o Programa Saúde da Família (PSF) têm como estratégia atingir a meta de substituição do confinamento nos hospitais psiquiátricos pelo cuidado comunitário das pessoas que tem transtornos mentais. O objetivo deste estudo foi revisar as ações do enfermeiro aos pacientes com transtorno mental no PSF. Trata-se de uma pesquisa descritiva com referencial bibliográfico. O presente trabalho visa mostrar as ações do enfermeiro no PSF com relação fatores que afetam o paciente com transtorno mental, tais como a capacitação e supervisão da equipe que acompanha, orientação e desenvolvimento de atividades juntamente com a família e comunidade, além da assistência direta ao paciente na promoção, proteção, e recuperação da saúde física e mental. Baseado no Ministério da Saúde (MS), o enfermeiro ajuda o paciente e a família a enfrentarem seus problemas e superarem as dificuldades, oferecendo assim, melhor qualidade de vida a eles. Este estudo visa à melhoria da assistência prestada ao portador de saúde mental e os envolvidos no tratamento no Programa Saúde da Família. Palavras-chave: Programa Saúde da Família, Atribuições do Enfermeiro, Paciente com Transtorno Mental, Família e Equipe Saúde da Família. Abstract The integrated team intervention in mental health and the “PSF” program has in its strategy to aim to substitute the confinement in psychiatric hospital for communitarian care for the person with mental disturb. The objective of this study was to review nursing action to patients with mental illness in “PSFs”. It is about a descriptive research with bibliographical referential. The present work aim to show nursing actions in PSF related with factors that affects the patient with mental illness, as capacitating and supervisioning the team which follow orientation and development of activities together with the family and community, besides direct O Tripé da Assistência de PSF: Equipe, Família e Comunidade 181 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. Sueni Gomes Guimarães assistance in the promotion, protection and recovery of physical and mental health. Based on Heath Ministry, nurses help the patient and the family to face problems and overcome difficulties, offering a better life quality for them. This study focuses the improvement of the assistance offered to the patient with mental illness and involved in treatment in the Family Health Program. Key-words: Family Health Program, Nurse attributions, Mental illness patients, Family and family health team. Introdução Nas últimas décadas, no Brasil, um conjunto de iniciativas políticas, científicas, sociais, administrativas e jurídicas têm lutado para transformar a compreensão cultural e a relação da sociedade com as pessoas que apresentam transtornos mentais. Este processo resultou na provisão de incentivos para o uso de recursos extra-hospitalares, prezando pela manutenção do portador de transtorno mental em seu meio familiar e comunitário. Essas iniciativas, aliadas à divulgação pelos meios de comunicação, da precária assistência psiquiátrica hospitalar, com violação dos direitos civis dos pacientes, têm criado, junto à opinião pública, o consenso quanto à necessidade de mudança22. Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. O interesse pelo estudo originou da leitura sobre o movimento político que discutia o modelo no qual estava inserida a saúde mental, “Reforma Psiquiátrica”, onde é apresentado no plano jurídico o Projeto de Lei da Câmara no 8 de 1991, no 3.657 de 1989, na casa de origem de autoria do Deputado Paulo Delgado, como substitutivo ao Decreto no 24.559, de 03 de julho de 1934, que Dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a internação compulsória3. Essa lei vem “respaldar a desinstitucionalização, como uma estratégia alternativa ao modelo de saúde mental vigente”29. Somente em 06 de abril de 2001 foi aprovado pelo presidente da República como a Lei No 10.216. Essa lei segue a diretriz da Organização Mundial de Saúde26: garantir tratamento aos pacientes sem necessidade de internação. 182 Guedes Junior, R e Guimarães, SG A desinstitucionalização procura preservar a subjetividade do cliente, sua história de vida, suas relações interpessoais, estabelecendo formas de tratamento em serviços abertos, criativos e maleáveis que atendam individualmente às suas necessidades e que o sustente no seu meio social24, assim o PSF passa a ser responsável pela assistência assegurando melhoria na qualidade de vida do portador de transtorno mental. Em dezembro de 2001 foi realizado a III Conferência de Saúde Mental, em Brasília, tendo como título, proposto pela Organização Mundial de Saúde, “Cuidar sim, excluir não”. Baseada na Lei aprovada procurou direcionar suas discussões, em três temas: reorientação do modelo assistencial; recursos humanos e financiamento; controle social, acessibilidade, direitos e cidadania6, 23. Para Amarante1, a estratégia de organização de serviços de saúde mental no Brasil vai ao encontro desta nova proposta, que enseja condições que conduzam à construção de uma prática de atenção à saúde mental mais justa, democrática e solidária. A intervenção conjunta da equipe em saúde mental e o PSF têm como estratégia atingir a meta de substituição do confinamento nos hospitais psiquiátricos pelo cuidado comunitário das pessoas que sofrem com transtornos mentais32. Segundo Oliveira e Alessi (2003), ao refletirem sobre as dificuldades e possibilidades do trabalho de enfermagem em saúde mental, nas propostas da Reforma intervenção e algumas modificações nas práticas terapêuticas. De acordo com o Ministério da Saúde23 “saúde da família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial”, uma unidade de saúde da família se destina a realizar atenção contínua nas especialidades básicas, com uma equipe multiprofissional habilitada para desenvolver as atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde, características do nível primário da atenção. Costa12, acredita que as unidades básicas sejam capazes de resolver 85% dos problemas de saúde em suas comunidades, prestando atendimento de qualidade, evitando internações desnecessárias e melhorando a qualidade de vida da população. A visão sistêmica e integral do indivíduo em seu contexto familiar e social é O Tripé da Assistência de PSF: Equipe, Família e Comunidade 183 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. Psiquiátrica, constataram a necessidade de redesenhar e ampliar o objeto de proporcionada através do trabalho “com as reais necessidades locais, por meio de uma prática apropriada, humanizada e tecnicamente competente, sincronizando o saber popular com o saber técnico científico, em um verdadeiro encontro de gente cuidando de gente”31. Os profissionais envolvidos no cumprimento destas ações devem ser conforme Lancetti18 “pessoas corajosas com vontade de experimentar, pois vão atuar diretamente com a loucura, com a violência, sem proteção, sem muros, apenas com o corpo e a inteligência. Apenas uma orelha que escuta, uma pessoa com a capacidade de compreensão”. Diante do exposto, esta pesquisa irá tratar da assistência prestada ao portador de transtorno mental pelo enfermeiro, visando contribuir como elemento de estudo e reflexão com o objetivo de revisar as ações de enfermagem aos pacientes com transtorno mental no Programa da Saúde da Família, dentro do contexto social das políticas públicas, sendo objetivo específico revisar as ações do enfermeiro de PSF ao portador de transtorno mental. Metodologia Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. Trata-se de uma pesquisa descritiva com referencial bibliográfico onde as maiores fontes de informação foram livros, artigos, leis e publicações do Ministério da Saúde. Segundo Cervo e Bervian11 a pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos buscam conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existente sobre um determinado assunto, tema ou problema. De acordo com Marconi e Lakatos21 a pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito sobre determinado assunto. A pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona, fatos ou fenômenos variáveis sem manipulá-los. Busca conhecer as diversas situações e 184 Guedes Junior, R e Guimarães, SG relações que ocorrem na vida social, política, econômica, e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas. Desenvolvimento A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), impõe mudanças no modelo assistencial de saúde mental, redimensionando a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Com o passar dos anos o PSF passa a ser responsável pela assistência assegurando melhoria na qualidade de vida do portador de transtorno mental4, 7, 8, 9. Um recurso que se coloca como possibilidade estratégica de ampliação da Rede Básica de Atenção Psicossocial é a articulação da saúde mental com o Programa de Saúde da Família, dando capacidade resolutiva também ao PSF. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e/ou Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), devem funcionar como estruturas de referência para as equipes de Saúde da Família5 e para o atendimento da rede básica, na qual a equipe de saúde mental destes centros de referência devem oferecer suporte para atender, supervisionar e acompanhar as equipes do Programa de Saúde da Família2. Segundo Souza32 as equipes do PSF devem assumir o acompanhamento daqueles portadores de sofrimento mental em que o grau de complexidade do problema menores, por exemplo: neuróticos que não apresentem sintomas graves, psicóticos estabilizados, e outros. A assistência do enfermeiro em saúde mental pode ser elaborada a partir da implementação do processo de enfermagem. Neste contexto, o cuidado de enfermagem envolve manejos e técnicas que levam em conta a intenção de proporcionar sentimentos de segurança ao paciente com a finalidade de que este desenvolva um relacionamento satisfatório com o enfermeiro, tornando-o uma pessoa significativa para o paciente e que tenha a finalidade de ajudá-lo na alteração dos aspectos patológicos de sua personalidade33. O Tripé da Assistência de PSF: Equipe, Família e Comunidade 185 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. apresentado pelo paciente e dos recursos necessários para seu cuidado sejam Uma relação enfermeiro-paciente dá confiabilidade ao paciente. Ela possibilita que o enfermeiro planeje, implemente e avalie o cuidado junto com ele, não apenas para ele. Para estabelecer uma relação efetiva o enfermeiro tem de ganhar a confiança do paciente. Um paciente que se sinta seguro e respeitado tem maior probabilidade de fornecer informações corretas para avaliação e aderir ao tratamento. Para promover confiança, o enfermeiro deve demonstrar sempre sensibilidade e uma consideração positiva pelo paciente2, 13, 14. De acordo com Lippincott19 além de executar tarefa tradicional de administrar as drogas prescritas e monitorar seus efeitos, um enfermeiro pode atuar como terapeuta primário em alguns tipos de terapia ou pode dirigir terapias comportamentais. Usando uma abordagem interpessoal, os enfermeiros promovem, mantêm, restauram e reabilitam a saúde mental e o funcionamento de indivíduos, famílias e comunidades. Suas habilidades se baseiam nas ciências psicossociais e biofísicas, assim como em teorias de personalidade e comportamento humano, estabelecendo assim uma relação terapêutica. O enfermeiro deve empregar o processo de enfermagem no cuidado preventivo primário capacitando e supervisionando as equipes de saúde da família no cuidado ao portador de transtorno mental dentro dos princípios da reforma psiquiátrica e do PSF, Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. proporcionando um cuidado direto aos envolvidos no tratamento. Junto à família e ao paciente o enfermeiro realiza a orientação sobre cuidado pessoal e independência, tratando no conceito de integralidade auxiliar na resolução de problemas, de modo a facilitar as atividades cotidianas. A comunicação enfermeiro-paciente deve ser de maneira terapêutica, estabelecendo relações interpessoais efetivas, visando ajudar sempre os envolvidos a examinar comportamentos problemáticos e a testar alternativas para ter maior facilidade com o transtorno mental, ensinando medidas de saúde e repassando informações a respeito do transtorno específico e de tratamentos recomendados, e mantendo um ambiente seguro para que os envolvidos adquiram confiança no tratamento16, 20, 27. O processo de enfermagem no cuidado secundário focaliza a redução ou eliminação dos efeitos do transtorno mental que incluem a visita domiciliar, triagem, exame físico e mental completo dando ênfase também aos outros problemas de saúde 186 Guedes Junior, R e Guimarães, SG dos pacientes. Conhecer a história pregressa do paciente explorando sentimentos, as causas e os métodos de suicídios para poder prevenir o ato suicida de forma adequada restabelecendo junto ao paciente um senso de valor próprio, dando confiança para enfrentar o cotidiano, ajudando os envolvidos sobre como proceder nas intervenções de crises, ficando atenta a essas necessidades em situações conflitantes28, 30. O cuidado preventivo terciário implica em reduzir ao máximo os efeitos residuais do transtorno a longo prazo, que incluem os programas de reabilitação, como os Centros de Convivência, treinamento vocacional junto à equipe multidiciplinar, ações de saúde mental junto à comunidade expondo o valor do paciente, integrando a saúde mental nas diversas atividades de grupos oferecidas pelo PSF (caminhadas, ginástica terapêutica, salas de espera, oficinas comunitárias, hortas comunitárias, cooperativas), procurando articulações com as diversas formas de organizações populares (associações de bairro, grupos de auto-ajuda), buscando construir novos espaços de reabilitação psicossocial. Quando o grau de complexidade extrapola as possibilidades dos profissionais não especializados, o caso deve ser encaminhado para a unidade básica mais próxima que disponha de profissionais de Saúde Mental32. Para que essas ações sejam eficientes e eficazes acredita-se que existam duas formas de encaminhamento intrinsecamente ligadas à vontade política e técnica de resolutividade. A primeira, por iniciativa dos serviços substitutivos na área da saúde com esses serviços, seja através de encaminhamentos, solicitação de supervisão, qualificação permanente e outros. O enfermeiro de PSF deve estar preparado para o atendimento básico de saúde ao portador de transtorno mental, reduzindo os danos aos envolvidos e uma possível hospitalização do paciente. Para isso, dentro das possibilidades de articulação e desenvolvimento de ações conjuntas, deve ser criada uma equipe volante de saúde mental por parte dos serviços substitutivos, para o desenvolvimento das ações junto à equipe saúde da família enfatizando essa capacitação como investimento para equipe e ampliar o potencial do enfermeiro em saúde mental. Dentro das possibilidades do enfermeiro destacam-se, a capacitação e supervisão do enfermeiro para as equipes, O Tripé da Assistência de PSF: Equipe, Família e Comunidade 187 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. mental e a outra realizada pela equipe do PSF através da busca constante e articulada desenvolvendo temáticas relacionadas aos direitos de cidadania e direitos humanos (Estatuto da criança e do adolescente, direito dos portadores de transtornos mentais, dos idosos, das mulheres, etc.); princípios da reforma psiquiátrica e do PSF; família, grupos e rede social; intervenção na crise; problemas relacionados ao álcool e outras drogas; sexualidade/DST/AIDS, uso de psicofármacos entre outros. Para isto reforça-se a idéia de que a capacitação, enquanto educação continuada, se desenvolva reciprocamente entre as equipe do PSF com orientações sobre intervenções familiares comunitárias conjuntas aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) como um instrumento de capacitação, ensinando a utilização da escuta como instrumento terapêutico na compreensão da dinâmica familiar e das relações sociais. O enfermeiro deve estar de olhar atento e sensível aos pontos de vulnerabilidade da quebra dos vínculos familiares e sociais, estreitamento dos vínculos da equipe com os familiares dos portadores de transtornos mentais severos, pois, “Os agentes comunitários de saúde são os grandes descobridores dos recursos escondidos da comunidade”15. O enfermeiro também deve ser capacitado a conduzir a comunidade e a família de forma que estas incluam o paciente de transtorno mental em diversas formas de organizações populares, construindo novos espaços de reabilitação psicossocial, fazendo com que ele se sinta valorizado pela comunidade, pois, “O desafio consiste em Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. buscar e conquistar a cidadania dos pacientes com ações conjuntas das equipes de saúde, dos familiares e da comunidade”10. Uma vez capacitada e incorporada às ações do enfermeiro na atenção a saúde mental, a equipe do PSF, então instrumentalizada torna-se mais apta à identificação de situações e prestação dos cuidados de atenção básica à família do paciente afetado pelo transtorno. Torna-se, também, mais evidente, o reconhecimento da limitação de sua ação, o que por sua vez poderá levar a necessidade de fortalecimento na busca do reforço de acordo com o serviço de referência existente em sua região. Pode ainda ocorrer à sensibilização da equipe no sentido de buscar uma maior resolutividade das questões emergentes, através da contratação de profissionais que irão compor a equipe de saúde mental junto ao PSF. Esta equipe dará início a uma proposta de atenção à saúde mental que poderá ser o embrião da construção da rede de atendimento básico de saúde mental. 188 Guedes Junior, R e Guimarães, SG A existência dos serviços da rede de saúde mental e do PSF nos leva a considerar que o prioritário é o desenvolvimento de ações conjuntas, articuladas de acordo com o grau de complexidade que a situação exige, no atendimento às reais necessidades de saúde da família. Infelizmente, até os dias de hoje, muitas das vezes a família é culpabilizada pelos profissionais ou deixada à margem do tratamento de seu familiar, não tendo o esclarecimento acerca da doença mental ou mesmo do tratamento medicamentoso e psicoterápico necessário. Koga17 afirma que a família e o paciente que convive com o transtorno mental recebe alguns tipos de sobrecargas como, sobrecarga financeira: a pessoa adoecida deixou de trabalhar e receber salário; um dos familiares para de trabalhar para cuidar da pessoa doente; aumento dos gastos em decorrência da compra de medicação, de consultas médicas, de internações ou das atitudes do doente, sobrecarga nas rotinas familiares: a família precisa assumir as atividades domésticas do doente; e um ou mais membros da família ausentam-se do trabalho ou da escola para levá-lo ao médico, sobrecarga em forma de doença física ou emocional, acarretado pelo desgaste físico e emocional em razão dos sintomas da doença do familiar, como, por exemplo, ficar noites sem dormir, ansiedade, emagrecimento, alteração nas atividades de lazer e nas relações sociais, aumento dos gastos familiares com o tratamento psiquiátrico, impossibilidade de ficar só em casa, isolamento e desvalorização da pessoa adoecida. adoecimento psíquico do paciente. Quando a família chega ao serviço de saúde mental, em geral, chega estressada, cansada, desesperançosa, sem entender muito bem o que realmente está acontecendo com o seu familiar. As ações de saúde mental são ligadas ao cuidado oferecido em todos os serviços de saúde, independente da área de atuação, pois lidamos com emoções quando trabalhamos com pessoas. A família e os usuários devem deixar de ser apenas objetos de intervenção técnica para assumirem de fato, o papel de agentes transformadores da realidade, opinando e participando ativamente das discussões sobre as políticas de saúde. Acredita-se que o tratamento do indivíduo isolado de sua O Tripé da Assistência de PSF: Equipe, Família e Comunidade 189 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. Portanto, não há como negar o impacto gerado na família em razão do família é inútil para ele, pois os principais passos para a promoção da saúde e seu tratamento devem ser planejados dentro do contexto familiar. Nas equipes, para realizar uma prática de cuidado humanizado, os enfermeiros realizam um conjunto articulado de ações individuais e coletivas no qual as singularidades são contempladas num projeto terapêutico individualizado. Este projeto é realizado na admissão do usuário em um serviço alternativo, que juntamente com PSF avalia entre si, com o usuário e com sua família, o tipo de cuidado e tratamento que será realizado, as atividades, terapias e abordagens familiares e comunitárias. Os princípios da promoção da saúde, através do fortalecimento da atenção básica, tendo o PSF como seu eixo estruturante, permitem a construção da saúde através de uma troca solidária, crítica, capaz de fortalecer a participação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais, a criação de ambientes saudáveis e a reorganização de serviços de saúde, entre outros. Ações de Saúde Mental na Comunidade é uma modalidade de ação em saúde mental na qual o próprio ambiente comunitário é usado como intervenção terapêutica e Programa de Saúde da Família, que tem como premissa básica à assistência à pessoa como um todo, dentro do contexto familiar, sendo também responsável pela promoção da saúde mental e pelo reconhecimento de problemas na área mental e da dinâmica Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 181-194. familiar, dando-lhes o devido atendimento e encaminhamento quando necessário. Nesse contexto, os profissionais de saúde deverão estar se inserindo, num movimento de ir ao encontro do que a comunidade e os serviços de saúde oferecem, integrando a saúde mental com a saúde geral do indivíduo, como por exemplo, o projeto do Ministério da Saúde implantado anexo ao PSF chamado Centro de Convivência. O trabalho proposto nesta concepção, não admite a noção de “cura”, mas de reinserção social, de reabilitação e, portanto, os instrumentos para esse fim, não podem continuar sendo sempre os meios químicos e físicos, mas outros que proporcionem uma escuta terapêutica e a valorização do sujeito, um cidadão que sofre mentalmente. Qualquer que seja a alternativa de implementação das ações de saúde mental do enfermeiro no PSF, julga-se, imprescindível reforçar o papel evidente de uma ação conjunta, respeitando os princípios básicos de reorientação do modelo assistencial, em que a estratégia de desinstitucionalização, atenção biopsicossocial interdisciplinar, a 190 Guedes Junior, R e Guimarães, SG ampla participação e o controle social dos usuários, permitam atender os preceitos maiores do SUS, PSF e Reforma psiquiátrica. Considerações Finais Após a análise bibliográfica, percebemos que há a necessidade de pensarmos sobre as ações de enfermagem psiquiátrica na atualidade e sobre o desafio de cuidar. Ainda existem lacunas em alguns aspectos pela amplitude de ações que podem ser desenvolvidas quando tratamos do assunto de forma terapêuticas eficazes e eficientes no caso de transtornos mentais, mas havendo a união de equipe-família-comunidade sempre se darão com sucesso às tentativas de resgate do paciente aos padrões próximos de uma vivência digna em seu próprio convívio familiar e social. O estudo contribui para a reflexão das transformações dos suportes e instrumentos necessários para ações de enfermagem em saúde mental que considerem a subjetividade das experiências dos pacientes com transtorno mental e seus familiares, incentivando ainda no desenvolvimento de pesquisas e ensino que fortaleçam essas práticas assistenciais, especialmente no PSF, visando à melhoria da assistência prestada ao portador de transtorno psíquico, tendo presente que, no processo de trabalho, a aprendizagem não deve terminar nunca e que as ações qualificam-se a partir da pesquisa, da capacitação do profissional em PSF no reconhecimento de níveis de relacionamento desenvolvidos numa equipe de trabalho passando pelo viés da família e comunidade dando sustentabilidade ao tripé da assistência do enfermeiro de PSF ao portador de transtorno mental. Referências Bibliográficas 1. Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995. 2. 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