ANÁLISE DE ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA EM MANUAIS DO PROFESSOR DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Laís França Campos Rocha1 - PUCPR Rosane de Mello Santo Nicola2 - PUCPR Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Considerando a concepção interacionista de ensino de língua, esta pesquisa realiza uma breve análise das orientações metodológicas sobre a prática de análise linguística proposta em três manuais do professor de livros didáticos de Língua Portuguesa do 1º ano do Ensino Médio aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O objetivo é verificar se o trabalho com essa prática ocorre de forma integrada com as demais, conforme defende Geraldi (2001). É função do manual do professor dos livros didáticos de Língua Portuguesa o aprofundamento das bases teórico-metodológicas que alicerçam o livro do aluno, propiciando ao docente melhor autonomia no desenvolvimento das atividades nele propostas (MARCUSCHI, 2002). A análise linguística define-se, ao lado das demais práticas (leitura, oralidade e produção escrita), como unidade de ensino na qual se analisam os recursos expressivos da língua, isto é, aspectos gramaticais, discursivos, estilísticos, pragmáticos, fonológicos, entre outros (GERALDI, 2003a). O estudo comparativo dos manuais do professor envolveu o tratamento de informações selecionadas nos textos escritos exclusivamente pelos autores, não sendo consideradas citações diretas sem comentários, por se entender que a voz do autor precisa estar diretamente enunciada quando se trata de expor a proposta do trabalho com a prática de análise linguística do livro didático. Não é suficiente para o manual do professor a exposição teórico-metodológica apresentada sem a transposição didática reveladora das características da obra. Os resultados demonstram que a prática de análise linguística constitui o tópico menos desenvolvido nos três materiais analisados. Ocorrem confusões terminológicas e algumas inconsistências conceituais. Apenas um manual apresenta, de maneira mais completa, as orientações metodológicas ao professor, propondo integração entre as práticas; entretanto o discurso didático suplanta a exposição dos pressupostos teóricos. Por outro lado, 1 Pós-graduanda em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Educação pela PUCPR, Professora dos cursos de Letras da PUCPR , Membro do Centro de Ensino e Aprendizagem da PUCPR (CrEAre), Coordenadora do Eixo Temático de Língua Portuguesa da PUCPR. Coordenadora do curso de especialização em Desenvolvimento Editorial com Ênfase em Materiais Didáticos. Realiza estudos sobre gêneros textuais e revisão de textos nos domínios editorial e escola. E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 17653 um dos manuais apresenta a divisão literal das práticas de ensino de língua, podendo ser considerado de abordagem mais tradicional. Palavras-chave: Análise Linguística. Livro didático. Manual do professor. Introdução Segundo Borges (2012), historicamente, o ensino de português se confunde com o ensino da gramática do português, considerada tradicionalmente o assunto por excelência da disciplina de Língua Portuguesa (LP). No passado, essa realidade era compreensível, uma vez que somente uma classe privilegiada, que já dominava a norma padrão, tinha acesso à escola e o que restava a ser aprendida era a gramática, hoje, denominada tradicional porque se trata de: “[...] uma visão teórica sobre a linguagem surgida na antiguidade clássica e que constitui a base teórica da quase totalidade das gramáticas até praticamente o século XXI.” (BORGES, 2012, p. 3). A partir de 1970, houve mudança no discurso sobre o currículo da disciplina, isto é, iniciou-se um movimento contra a gramática e a favor de sua substituição por atividades ligadas ao texto e ao ensino de língua padrão. Embora esse movimento tenha despertado novas interpretações para o ensino de LP, segundo Borges (2012), ainda não houve uma mudança efetiva na sala de aula: a gramática tradicional continua sendo privilegiada no contexto de ensino da língua materna. Ainda para Borges (2012), um dos fatores da permanência da gramática tradicional na escola está no material de apoio com o qual conta o professor, como livros didáticos e dicionários, que são invariavelmente construídos sobre a perspectiva teórica da gramática tradicional. Assim: Professores que não são preparados para ensinar outra coisa que não a gramática, materiais didáticos e de consulta que privilegiam a teoria tradicional e, contraditoriamente, um discurso de que não se deve ensinar gramática na escola são fatores parcialmente responsáveis pelo caos a que o ensino de Língua Portuguesa atingiu (BORGES, 2012, p. 4). Nesse contexto, Bagno (2007) considera o livro didático (LD) um dos elementos que compõem, juntamente com a gramática tradicional e o os métodos tradicionais de ensino, o círculo vicioso do preconceito linguístico, que se forma desta maneira: “[...] a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores – fechando o círculo – recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua” (BAGNO, 2007, p. 72-73). 17654 Marcuschi (2002), especificamente sobre o escopo do presente artigo, o manual do professor dos LD de LP, afirma que sua função é aprofundar com o professor as bases teóricometodológicas que alicerçam o livro do aluno e propiciar ao docente segurança e autonomia no desenvolvimento das competências (habilidades e conteúdos) e atividades propostas pelo LD. Para isso, o Ministério da Educação (MEC) exige que sejam apresentados os pressupostos teórico-metodológicos com sugestões de leitura complementar para o professor. Conforme o Guia (2015), cada seção ou unidade de um LD corresponde, em geral, a uma aula; ou, com mais frequência, a uma sequência de aulas, articuladas em torno de um determinado tópico. A série completa dessas unidades e seções contém, em princípio, a programação de todo um ano ou série de um determinado segmento de ensino. Por essas características, um LD contém um planejamento de ensino próprio, implicado na sequência de unidades, ainda que essa sequência permita alguma escolha ou adaptação por parte do professor. Os LDs são considerados pelo Guia (2015) instrumentos relativamente recentes no Ensino Médio; por outro lado, têm-se mostrado mais permeáveis às novas orientações para o ensino de LP, procurando subsidiar as práticas docentes por elas preconizadas. Desse modo, a fim de analisar a abordagem da prática de análise linguística em manuais do professor de LD de LP, a presente pesquisa toma como base a concepção interacionista de ensino de língua e seleciona três LD aprovados no ano de 2015 pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a saber: Língua Portuguesa, de Roberta Hernandes e Vima Lia Martin, da Editora Positivo (doravante Material 1); Novas Palavras, de Emília Amaral, Mauro Ferreira do Patrocínio, Ricardo Silva Leite e Severino Antônio, da Editora FTD (doravante Material 2); Língua Portuguesa: linguagem e interação, de Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura e José Hamilton Maruxo Júnior, da Editora Ática (doravante Material 3). Desenvolvimento A fim de realizar um estudo comparativo dos manuais do professor dos LD do 1º ano do Ensino Médio, as obras mencionadas foram selecionadas com base em três critérios relevantes para o presente estudo: obtiveram aprovação no PNLD; são produzidas por editoras tradicionais na publicação de livros didáticos; apresentam autores com formação acadêmica compatível com a tarefa de produção de LD de LP. O primeiro critério justifica-se pelo fato de que o PNLD subsidia o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de LD aos alunos da rede pública de ensino. O segundo critério remete à longa trajetória das editoras nos editais de aprovação do 17655 PNLD, desde a criação desse órgão, bem como à experiência dos profissionais agregada ao comprometimento com o público quanto à qualidade de suas obras, o que contribui para que esses materiais apresentem conteúdos baseados em teorias atuais de ensino. O outro critério refere-se à formação acadêmica dos autores dos livros selecionados porque se julga importante considerar a bagagem teórica que cada autor traz, além da experiência em sala de aula. A respeito desse último critério, é pertinente afirmar que, após pesquisar3 os currículos dos autores, verificou-se que: i) no Material 1, a área de concentração de estudos das autoras é Literatura; ii) no Material 2, dos quatro autores, três são da área da Educação e um possui Mestrado na área de Teoria Literária; iii) no Material 3, dos três autores, dois são licenciados e um possui Mestrado em língua e literatura francesa e Doutorado na área da Análise do Discurso. Com base nessas informações, é possível constatar que a maioria dos autores em questão parecem não ter embasamento sólido para promover a transposição teórico-prática da análise linguística para os LD de Ensino Médio, exceto um dos autores do Material 3, José Hamilton Maruxo Júnior. Além disso, não se encontram registros de atualização acadêmica de dois autores, licenciados em meados de 1970. Diante desse quadro, cabe questionar se não há necessidade de o PNLD passar a considerar a compatibilidade entre a formação acadêmica dos autores de um mesmo LD e sua proposta metodológica. Trata-se de mais um critério qualitativo do complexo processo de avaliação4. Conforme alerta Moreira (2009, s/p): Com o PNLD e o Guia de Livro Didático, as editoras com vistas a se manter no mercado, passam a produzir os LDs para atender os critérios dessa avaliação. As editoras aumentam a complexidade na produção do LD com funcionários cada vez mais especializados, formando uma grande equipe, com editores, revisores, diagramadores, assessores, criadores de arte e divulgadores. O LD deixa de ser um produto individual ou autoral à medida que se complexifica como mercadoria. Por outro lado, não se nega que a experiência em sala de aula seja importante para a criação de um material didático de LP, no entanto consideram-se essenciais sólidos conhecimentos de linguística para os autores de LD dessa área. Especificamente sobre análise linguística, pode-se situá-la como uma das práticas discursivas propostas na perspectiva sociointeracionista, sendo as demais: leitura, oralidade e produção escrita. Geraldi (2001) defende-as de forma integrada: 3 A análise dos currículos dos profissionais baseou-se nas informações constantes nas folhas de rosto dos próprios livros didáticos, no Currículo Lattes e em outras fontes eletrônicas. 4 Marcos Bagno e Circe Maria Fernandes Bittencourt já apresentam essa preocupação em seus trabalhos de 2013 e 2010, respectivamente. 17656 Essas práticas, integradas, no processo de ensino-aprendizagem, têm dois objetivos interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 2001, p. 88). Diante de muitas discussões acerca do ensino de gramática na escola, concluiu-se que a questão não é “se ela deve ou não ser ensinada” e sim “para quê e como ensiná-la”. Partindo da necessidade de se inovarem as propostas de ensino de gramática, Geraldi (2003b) cunhou a expressão “análise linguística”, o que contribuiu para denominar uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua. Como mencionado neste trabalho, as propostas curriculares para o ensino de língua, em meados de 1990, instauraram modificações, como a organização em torno dos eixos didáticos: leitura, oralidade, produção escrita e análise linguística. Segundo Geraldi (2003a), a análise linguística seria, ao lado das demais práticas, a unidade de ensino em que se analisam os recursos expressivos da língua, isto é, aspectos gramaticais, discursivos, estilísticos, pragmáticos, fonológicos, entre outros. O trabalho com a análise e reflexão da língua passa a constituir, portanto, uma das práticas fundamentais para que os alunos sejam formados enquanto cidadãos conscientes da complexidade da dinâmica social, das múltiplas escalas de valores empregadas a todo o momento nas relações com outras pessoas por meio da linguagem. Assim também os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de LP explicitam que as atividades de análise linguística incitam reflexão sobre a linguagem, consideram o texto como unidade básica de ensino e podem ser classificadas quanto a seus fins, a saber: atividades epilinguísticas e atividades metalinguísticas. Franchi (1987) entende a atividade epilinguística como a prática consciente e estimulada da linguagem proveniente da reflexão que todo falante natural de uma língua realiza. Uma análise epilinguística ocorre, portanto, quando há operação sobre a própria linguagem, isto é, a comparação de expressões, atribuição de novas significações às formas linguísticas, seleção dos recursos linguísticos que melhor se ajustam às intenções comunicativas, entre outras ações do usuário da língua. Para Travaglia (2001), as atividades epilinguísticas podem ou não ser conscientes, o que significa que a atividade “[...] inconsciente se relaciona com a gramática de uso [...]” (TRAVAGLIA, 2001, p.34) e a “[...] consciente parece se aproximar mais da 17657 gramática reflexiva, todavia, de qualquer forma há uma reflexão sobre os elementos da língua e de seu uso relacionada ao processo de interação comunicativa” (TRAVAGLIA, 2001, p.34). Ainda segundo Franchi (1987), as atividades metalinguísticas podem ser caracterizadas como análises sistemáticas em que se objetiva tratar da própria língua, descrevendo-a em quadro nocional intuitivo ou teórico. Assim, é por meio da metalinguagem que se torna possível trabalhar com conceitos e nomenclaturas que descrevem os fenômenos linguísticos. Entretanto, esse é apenas o tipo de reflexão adotado na orientação do ensino tradicional de língua. Por outro lado, na perspectiva da análise linguística, Silva (2010, p. 955) explica que: As atividades escolares devem partir do uso efetivo da língua, entendido aqui como o exercício pleno, circunstanciado e com intenções significativas da própria linguagem, para a reflexão epilinguística e desta para a metalingüística, para, depois, tornar ao uso. Assim, dizemos que a AL configura-se como uma prática de ensino que tem o uso da linguagem como seu ponto de partida e de chegada. Conforme afirmam alguns linguistas (GERALDI, 2006; BAGNO, 2011), o trabalho com a análise linguística enquanto atividade metalinguística não diz respeito à “gramática contextualizada” – expressão que tem aparecido no discurso de vários autores de LD –, que se resume no tradicional ensino de nomenclaturas e classes gramaticais, por meio do uso do texto, ou seja, o texto apenas como pretexto para ensinar gramática tradicional do qual ocorre a extração de palavras e frases para se trabalharem questões sistemáticas da língua. Sobre as atividades metalinguísticas, Geraldi (2002, p. 63-64) destaca: Todas essas considerações mostram a necessidade de transformar a sala de aula em um tempo de reflexão sobre o já-conhecido para aprender o desconhecido e produzir o novo. É por isso que atividades de reflexão sobre a linguagem (atividades epilinguísticas) são mais fundamentais do que aplicação a fenômenos sequer compreendidos de uma metalinguagem de análise construída pela reflexão de outros. Aquele que aprendeu a refletir sobre a linguagem é capaz de compreender uma gramática – que nada mais é do que o resultado de uma (longa) reflexão sobre a língua; aquele que nunca refletiu sobre a linguagem pode decorar uma gramática, mas jamais compreenderá seu sentido. A ação de pensar e falar sobre a linguagem constitui, assim, uma atividade de natureza reflexiva, ou seja, quando há interação, há sempre uma atividade de reflexão e, portanto, uma atividade de análise linguística. Na prática pedagógica dessa perspectiva, parte-se da palavra e da contrapalavra do aluno e do professor, ou seja, os papéis de docente e discente são deslocados para a condição de interlocutores, pois se considera que o sujeito está no centro da linguagem e a significação só se constitui no discurso. 17658 Partindo dessa abordagem de análise linguística, primeiramente, será feita uma análise textual comparativa dos manuais presentes nos materiais 1, 2 e 3, a fim de observar como é exposto o encaminhamento metodológico das seguintes práticas e se estão integradas: leitura; oralidade; produção escrita; análise linguística. Na sequência, por meio de quadros, serão sintetizadas as principais características metodológicas de cada manual do professor presente nas obras selecionadas, de acordo com as práticas de ensino de língua propostas. Cabe ainda destacar que, para o estudo comparativo dos manuais do professor, a seleção de informações estabeleceu um critério: somente os textos escritos exclusivamente pelos autores poderiam ser considerados, ou seja, as citações diretas sem comentários não tiveram seleção de informações para os quadros a seguir, por se entender que a voz do autor precisa estar diretamente enunciada quando se trata de expor a proposta do trabalho com a prática de análise linguística do LD de LP. Não é suficiente para o manual do professor a exposição teórico-metodológica apresentada sem a transposição didática reveladora das características da obra. Tal critério origina-se nos diferentes estudos realizados sobre o LD, em que se conclui que à medida que o LD se torna uma mercadoria, o autor perde autonomia. Moreira (2009, s/p) afirma: [...] o LD como mercadoria, como objeto da indústria cultural, impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor. Essas práticas de editoração do LD impedem a identificação do escritor do texto. Uma coisa é certa, não podemos falar hoje em total autonomia ou liberdade do autor. Nesse sentido, retoma-se que “enquanto uma forma lingüística for apenas um sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor lingüístico” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.94). Ao não fazer comentário na citação direta, há uma subutilização do texto que dever oferecer suporte teórico. 17659 Quadro sinóptico do manual do professor do Material 1 selecionado para análise Prática de leitura Prática de escrita Prática de oralidade - É o elemento central em torno do qual são pensadas as atividades de trabalho com a língua materna. - Trabalhar com a leitura torna a reflexão sobre os usos e funções da linguagem algo contextualizado. Oferece grande variedade de tipos e gêneros textuais e apresenta uma diversidade temática, o que garante ao professor um trabalho amplo e dinâmico com a leitura. - Estão presentes textos literários e textos de esfera jornalística, textos não verbais, etc. O objetivo é que os alunos entrem em contato e desenvolvam habilidades de leitura de textos variados, tanto em termos de composição, quanto de linguagem. (p.11) - As atividades de leitura promovem uma abordagem ativa do texto: interação; compreensão nas esferas literária e linguística; interpretação; expansão dos sentidos atribuídos à leitura. - Os alunos irão responder às perguntas, comparar textos, fazer analogias, imaginar situações relacionadas à temática e posicionar-se a respeito. (p.12) -Essa prática recebe tratamento organizado e estruturado; fornece ferramentas para a concepção inicial da produção, o planejamento e a execução textual. - Escrita articulada à prática de leitura e às reflexões linguísticas. - O ato de produzir um texto deve ter uma finalidade, um propósito definido para que a atividade não se transforme em um procedimento exclusivamente escolar. - Ampliar o escopo da tarefa de escrita e conferir a ela a maior funcionalidade possível. (p.15) - Reescrita do texto: possibilidade de desenvolver o potencial de refletir metalinguisticamente. - Reescrita do texto: o aluno passa a ser o analista do próprio texto; aspectos como os de coesão e coerência podem ser revistos. - A questão do interlocutor (para quem se escreve) pode tornar-se mais evidente. Reescrita: aprimoramento do conjunto da produção textual, não uma atividade pura e simples de correção de aspectos pontuais (ortografia, pontuação etc.) (p.15) - A prática de oralidade não se restringe à conversa informal; compreende um leque de manifestações: são exposições públicas, debates, discursos, narrativas de tradição, canções, peças de teatro, declamações, etc. - O objetivo é fazer com que os alunos percebam que manifestar-se por meio da fala não significa exclusivamente conversar, mas, sim, incorporar uma série de aspectos que entram em jogo em cada tipo específico de interação oral. Prática do uso da língua - Trabalha com conhecimentos gramaticais e linguísticos de forma didática e organizada, tendo o texto como ponto de partida. Conduz a reflexão sobre contextos funcionais e significativos. (p.13) 17660 Quadro sinóptico do manual do professor do Material 2 selecionado para análise Prática de leitura Prática de escrita Prática de oralidade - Considera-se a prática de leitura na abordagem literária e no trabalho de redação e leitura, principalmente. (p. 16) - Na parte do manual do professor destinado à Literatura, recomenda-se ao professor alguns procedimentos essenciais na abordagem dos textos, para a aquisição cumulativa e progressiva de habilidades: antes, durante e após a leitura. -A seção Comentário tem por objetivo apresentar as conclusões decorrentes do processo de leitura. Parte-se de propostas de leitura e produção de caráter subjetivo, relacionadas ao desenvolvimento de experiências de autodescoberta, de autoexpressão, como diário pessoal, para se chegar a situações mais pragmáticas de uso da linguagem - Organização com base na exploração de diversos gêneros textuais; retomada das modalidades clássicas da escrita (descrever, narrar, dissertar). - Ao longo dos capítulos, propõem-se atividades de produção escrita que se dividem em discussões orais, nas seções Em tom de conversa e E mais... - As atividades de fala, leitura e escrita são sistematicamente complementares e mobilizam a ideia de ler como atribuir sentidos, articulando os exercícios de produção. - Na seção Critérios de avaliação e reelaboração as orientações de reescrita dos textos produzidos pelos alunos desenvolvemse progressivamente, fornecendo-lhes elementos para realizarem autoavaliação, avaliação horizontal (com os colegas) e avaliação vertical (coordenada pelo professor). - A oralidade não é tratada em uma seção específica; está atrelada ao processo de leitura como apoio/suporte às práticas de leitura e produção escrita. - As propostas de leitura e produção de textos orais e escritos, sistematicamente interdependentes, articulam-se a uma grande diversidade de contextos, estratégias e sugestões de processos de avaliação. Prática do uso da língua - Optou-se, tanto na exposição teórica como nos exercícios, ora por uma, ora por outra abordagem (ensino prescritivo ou descritivo) que pareceu mais adequada. -Seção Atividades: é composta de exercícios alinhados a uma abordagem mais tradicional do ensino de gramática (argumenta-se a representatividade desses tipos de exercícios em processos de seleção de cursos superiores). Seção Da teoria à prática: análise das características textuais (ou discursivas) de um texto (tira humorística, texto publicitário, notícia de jornal etc.). O objetivo é evidenciar como determinados elementos gramaticais estudados naquele capítulo foram utilizados como recursos linguísticos. (p. 14) - O subtítulo Agora é a sua vez introduz atividades fundamentadas, sempre que possível, em proposições de estudos linguísticos da atualidade, principalmente da gramática textual, da semântica, da pragmática, e da análise do discurso. 17661 Quadro sinóptico do manual do professor do Material 3 selecionado para análise Prática de leitura - Os capítulos assumem a forma de uma sequência didática que inicia com a leitura e interpretação de textos (objetivo: desenvolvimento de habilidades leitoras). - Buscou-se variar o máximo possível os gêneros, tipos, contextos de produção. As atividades de leitura, análise e produção de textos constituem o eixo em torno do qual se organizam os capítulos. - Há, via de regra, um texto principal e demais textos propostos de forma autônoma. (p. 384) - Priorizaram-se os temas transversais na seleção de textos, que compõem uma coletânea rica e variada, que abrange um espectro bastante amplo de modelos de comunicação. - Foram privilegiados textos publicados em portadores de grande divulgação (imprensa escrita), como também os de caráter literário. Proporciona ampla variedade de textos literários de qualidade: desde os “clássicos” até a literatura contemporânea. - Procurou-se oferecer a versão original dos textos (literários). - Utilização de textos integrais, sempre que possível. Sempre que possível, houve a preocupação de explicar para o professor alguns dos procedimentos que orientam o percurso de mediação da leitura. - Dispensou-se especial atenção às componentes pragmáticas da leitura: mobilização de competências linguísticas, enciclopédias, lógicas e retórico- Prática de escrita -Concebeu-se cada capítulo como um percurso de produção de texto, cujo resultado final é a divulgação dessa produção. - Processo de produção escrita: i) descoberta do gênero por meio de leitura; ii) introdução de temas de suposto interesse dos alunos; iii) trabalho de produção escrita com base em pequenos projetos; iv) leitura e reescrita; v) publicação. (p. 391) - O objetivo mais amplo é a formação de cidadãos escritores proficientes. - Avaliação: o que importa essencialmente é menos o produto e mais o processo. Prática de oralidade - Na seção Linguagem oral é proposto um trabalho com textos que pertencem aos gêneros da oralidade. - O trabalho com a oralidade está centrado no estudo dos atos de fala e das situações de comunicação. - A cada unidade, chama-se a atenção dos alunos para determinada situação de comunicação oral real e, pouco a pouco, são trabalhados os atos de fala presentes nessas situações. Paralelamente, procuram-se estudar as noções de registro, dos níveis de linguagem e da enunciação. - Depois da análise, apresentam-se as propostas de produção oral: encenação de diálogos, debate e exposições orais. - As atividades buscam levar os alunos à percepção das diferenças e das semelhanças entre as modalidades orais e escrita, sublinhando as especificidades de cada uma delas e, ao mesmo tempo, estimula-se a produção de textos orais formais. - No livro do aluno, além de orientações e roteiros de análise de textos orais, há também transcrição de extratos autênticos de gêneros orais. (p. 388) - A distribuição das atividades de produção oral pelos três volumes da coleção obedeceu a um critério progressivo: no 1º ano Prática do uso da língua - A distribuição dos conteúdos estudados levou em conta a tentativa de articular a análise e a reflexão linguística ao estudo dos gêneros textuais e da literatura. -Na seção Gramática textual, há a proposta de reflexão sobre a estrutura discursiva que sustenta os textos estudados, bem como trabalha algumas questões linguísticas e discursivas pertinentes ao gênero estudado. (p. 391) - Acredita-se que ao reler os textos e analisá-los sob a perspectiva linguísticodiscursiva, a partir de um roteiro de questões problematizadoras, os alunos percebam como se valer das estruturas lógicas, semânticas e sintáticas da língua [...] - Nos roteiros de questões problematizadoras sempre se mobilizam conhecimentos linguísticos. (p. 386) - Na seção Língua – análise e reflexão as questões são voltadas para o estudo gramatical com o objetivo de mobilizar os conhecimentos linguísticos que os alunos já detêm, de forma que consigam ampliá-los com outros conceitos. - A sequência dos conteúdos de gramática sistemática procura atender a um critéro semântico: orientação, em grande parte, pela produção de textos. - Buscou-se articular a gramática sistemática e a gramática textual. - Há preocupação em seguir a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) quando se faz 17662 pragmáticas envolvidas no ato de ler. - Os textos são comentados com informações consideradas imprescindíveis à compreensão do professor e devem ser tratadas como os demais elementos peri/paratextuais. - Sugere-se a adoção de uma abordagem que parta do uso de estratégias de pré-leitura (exploração do título, do contexto de produção do texto, da situação de comunicação veiculada pelo texto, sua finalidade, a identificação de características macroestruturais do gênero, entre outras), passar pelo levantamento de hipóteses sobre o conteúdo do texto, produção de inferências globais e locais durante a leitura e culminar na checagem e/ou nas retomadas, realizadas após as leituras. (p. 385) - Com o propósito de ajudar os alunos a desenvolver estratégias próprias de leitura, as atividades da seção Para entender o texto são compostas de questões que objetivam problematizar o texto lido, permitindo a descoberta e a consciência de como os elementos da língua escrita se articulam para produzir textos e permitir interpretações. (p.386) inicia-se pelos gêneros orais que se supõe já serem de conhecimento dos alunos: a tradição oral, a leitura em voz alta, entre outros. Introduzem-se pouco a pouco outros gêneros, como a exposição oral e o debate regrado. Problematizam-se exemplos de extratos da oralidade por meio de questões de análise e reflexão e propõe-se seu reemprego em situações de comunicação baseadas em modelos, em vivências ou situações de transposição. - Os gêneros orais são trabalhados no interior e ao longo de capítulos nos quais se tematiza um gênero escrito. Nos projetos propostos ao final de algumas unidades, podem incluir-se algumas produções orais. - As atividades orais de um capítulo podem requerer que as atividades orais dos capítulos precedentes tenham sido realizadas. (p. 389). necessário lançar mão de conceitos e classificações. - Foram incorporados alguns conceitos em geral não discutidos em gramáticas normativas e ausentes da NGB (os mais recorrentes dizem respeito à enunciação e à modalização). - Sempre que necessário, procurou-se trabalhar, do ponto de vista gramatical, aspectos como a coesão e a coerência textuais (ver p. 390). - A seção Prática de linguagem objetiva amarrar o estudo textual e gramatical proposto em cada unidade. Nessa seção há atividades de reflexão sobre o uso da língua. (p. 391). Discussão No primeiro quadro, do ponto de vista quantitativo, destaca-se o menor desenvolvimento das informações apresentadas na coluna que sintetiza a análise linguística, considerada como a prática menos embasada metodologicamente em comparação com as demais (leitura, escrita e oralidade). Cabe lembrar que o conteúdo sintetizado no quadro priorizou o texto dos autores, isto é, não foram reproduzidas as informações de citações diretas, utilizadas quatro vezes no Material 1, sem apresentar comentários das autoras, explicando-as 17663 ou progredindo para explicar como a prática de análise linguística é de fato trabalhada no livro do aluno. Além disso, ainda que se proponha uma integração entre a prática de leitura e de análise linguística, não há as orientações metodológicas sobre isso ao professor. Referindo-se à prática de leitura, é importante ressaltar a seguinte afirmação: “Esta coleção oferece grande variedade de tipos e gêneros textuais e apresenta uma diversidade temática, o que garante ao professor um trabalho amplo e dinâmico com a leitura.” [grifo nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 11). As expressões destacadas remetem mais à linguagem da propaganda que a linguagem pedagógica, comprometendo os pressupostos teóricometodológicos adotados. Nesse caso, na introdução desse manual do professor, informa-se que a perspectiva do material é sociointeracionista e discursiva, porém o trecho anterior a essa afirmação limita a concepção a duas características: a variedade de gêneros e a diversidade temática como garantia do trabalho do professor com a leitura. Entende-se que tais características não são suficientes para a amplitude e dinamicidade do trabalho focado na aprendizagem das competências leitoras. Em seguida, o manual apresenta apenas duas esferas: a literária e a jornalística. A primeira é tradicionalmente abordada nos LD; já a segunda e os textos não verbais – ainda que não se mencionem os gêneros – permitem melhor a abordagem sociointeracionista e discursiva. Não há aporte metodológico suficiente para o desenvolvimento das habilidades de leitura dos alunos, visto que não se mencionam palavras-chave para a compreensão dessa prática, tais como: situações de aprendizagem, estratégias de leitura, compreensão global do texto, intencionalidade, suporte, situação sociocomunicativa ou planejamento de leitura. Quanto à prática de escrita, é pertinente observar que embora esteja mais bem desenvolvida que a prática de leitura, também não apresenta claramente os procedimentos metodológicos adotados para o livro. Há menção à reescrita e à coesão e coerência, porém não há qualquer exposição sobre produção de gêneros textuais e contextos de produção – o que dizer, a quem dizer, por que dizer etc. Duas últimas inadequações relacionadas ao Material 1 merecem ser elencadas por meio das citações: i) “[...] as atividades relacionadas à leitura proporcionam aos alunos oportunidades de explorar a compreensão (nas esferas literária e linguística), a interpretação e a expansão dos sentidos atribuídos à leitura.” [grifo nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 12); ii) “Esta coleção trabalha com os conhecimentos gramaticais e linguísticos de forma didática e organizada [...]”[grifo nosso] (ALVES; MARTIN, 2013, p. 13). 17664 A primeira inadequação refere-se à confusão terminológica na expressão destacada, uma vez que “[...] a noção de esfera permeia a caracterização do enunciado e dos seus tipos estáveis, os gêneros, no que diz respeito ao seu tema, à sua relação com os elos precedentes (enunciados anteriores) e com os elos subsequentes (a atitude responsiva dos co-enunciadores).” (GRILLO, 2006, p. 146). Entende-se, ainda, que as esferas se referem também ao grupo social em que o falante se insere, representando discursivamente sua ideologia, por exemplo. A esfera literária engloba, portanto, a comunidade de escritores e leitores da cultura ficcional. Tal conceito de esfera não se aplica ao termo “Linguística”, pois se trata de uma ciência cujo estatuto científico deve-se “[...] à observância de certos requisitos que caracterizam as ciências de um modo geral. [...] a linguística tem um objeto de estudo próprio: a capacidade da linguagem, que é observada a partir dos enunciados falados e escritos. [...]” (MARTELOTTA et al., 2015, p. 20). A segunda inadequação refere-se à redundância presente na expressão conhecimentos gramaticais e linguísticos, uma vez que o conhecimento linguístico engloba o conhecimento gramatical, isto é, a capacidade de refletir sobre a língua em uso pressupõe a articulação de suas regras internas. Nesse caso, para não haver redundância, a expressão mais adequada seria: “conhecimentos linguísticos e discursivos”. Por fim, por meio das informações sintetizadas no primeiro quadro, é possível constatar que as autoras não propuseram a integração da prática de análise linguística com as demais (leitura, escrita e oralidade). Especificamente sobre a metodologia do trabalho com a prática de oralidade, por exemplo, há total desconexão com as atividades de produção escrita e com a abordagem de variações linguísticas. Referente ao Material 2, julga-se pertinente reproduzir as palavras que os autores expõem na apresentação do manual do professor: A utilização eficiente deste livro pressupõe a compreensão de que ele é um instrumento auxiliar nas aulas de Língua Portuguesa. Procuramos preservar a autonomia do professor, possibilitando um uso flexível do livro [...] A organização em três grandes setores – Literatura, Gramática e Redação e leitura – visa a essa flexibilidade, pois desobriga o uso linear do livro didático, permitindo a construção de programas adequados às condições específicas de cada unidade escolar, de cada turno e mesmo de cada turma. (AMARAL et al., p. 4, 2013). A desarticulação entre os estudos da linguagem é explícita nesse material, isto é, optouse por fragmentar em três grandes áreas – Literatura, Gramática e Redação e leitura – os estudos da língua, favorecendo a sistematização dos cursos voltados única e exclusivamente à aprovação em vestibulares, nos quais há um professor para cada uma das chamadas “frentes de 17665 ensino” de língua. Diante dessa divisão, as práticas de linguagem são consideradas independentes ou desarticuladas, constituindo disciplinas autônomas. Analisando as informações sintetizadas no quadro 2, é possível depreender, ainda, a prioridade no tratamento dado ao conteúdo quando se propõe a integração das práticas, que, de modo geral, seguem a ordem tradicional de ensino: leitura > discussão oral > produção escrita. A conexão entre os setores do livro é prometida por meio de uma seção intitulada E mais...; o professor, por sua vez, é orientado a fazer tal articulação, sem ter, contudo, suporte metodológico suficiente para tal tarefa. Quanto aos pressupostos teórico-metodológicos adotados, é explícita a escolha da abordagem da gramática tradicional em alternância com uma abordagem baseada no ensino descritivo da língua. Há, assim, um discurso que justifica essa opção: A exposição teórica, considerando a exiguidade do tempo de que o professor dispõe para trabalhar cada tópico e as incontornáveis limitações de espaço próprias de um livro didático, atém-se, em cada capítulo, ao que julgamos essencial num curso básico de Língua Portuguesa para o Ensino Médio. [...] A seção Atividades é composta de exercícios que visam à fixação dos conceitos e da terminologia apresentados na exposição teórica. [...] são de resolução mais rápida e, em boa medida, alinhados a uma abordagem mais tradicional do ensino de gramática. Essa abordagem, por sua significativa representatividade em processos de seleção dos cursos superiores, incluindo os de universidades públicas, não pode deixar de ser contemplada em uma obra didática que tenha, entre seus objetivos, contribuir para a continuidade da vida escolar do estudante. [grifos dos autores] (AMARAL, Emília et al., p. 14, 2013). Nesse contexto, as atividades que objetivam a análise linguística são apresentadas unicamente na seção Agora é sua vez, totalmente dissociadas da abordagem tradicional de gramática, consolidando a dicotomia inadequada “conhecimentos gramaticais e conhecimentos linguísticos”. Não há, portanto, intenção de integração da análise linguística com as demais práticas. Por meio da análise do último quadro, é possível perceber que, quantitativamente, o Material 3 é o que mais oferece embasamento metodológico. A maior parte do manual do professor, no entanto, oferece um longo discurso didático, sem se ater aos pressupostos teóricos adotados para o ensino de língua. Assim, são apresentadas metodologias para o ensino por projetos, bem como sugestões de temas para possíveis atividades que promovam a interdisciplinaridade. Na prática de oralidade, é pertinente destacar a associação incorreta de gênero oral com leitura em voz alta. Essa visão do oral, profundamente dependente da escrita, significa mera oralização da escrita, prejudicando a noção da dimensão comunicativa da linguagem oral que, 17666 para cumprir sua finalidade última, ser instrumento de interação social, precisa levar em conta a situação comunicativa de interlocução e as necessárias adaptações aos contextos sociais. Sobre a seção em que se objetiva concretizar o trabalho com a oralidade, os autores explicam: “O movimento interno da seção consiste no seguinte: problematizam-se exemplos de extratos de oralidade por meio de questões de análise e reflexão e propõe-se seu reemprego em situações de comunicação baseadas em modelos, em vivências ou situações de transposição.” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.389). Por meio dessa descrição, é possível depreender uma tentativa de integração entre a prática de análise linguística e a oralidade; no entanto, o resultado parece ser o exercício do reemprego de fragmentos de oralidade em outras situações de comunicação preestabelecidas, focadas na dicotomia certo/errado. Referindo-se à prática de leitura, é possível reconhecer, mais uma vez, o discurso mais voltado à propaganda do material do que às propostas metodológicas, uma vez que se verifica o destaque a um aspecto da tradição do ensino de literatura nos LD de Ensino Médio: a ampla variedade de textos literários de qualidade, desde os “clássicos” até a literatura contemporânea. Com o intuito de articular o ensino de gramática às demais práticas, os autores separam em seções diferentes o trabalho de reflexão sobre a língua: na seção Gramática textual, há um enfoque na reflexão sobre a estrutura discursiva que sustenta os textos estudados e “[...] está fortemente articulada com outras: ‘Linguagem oral’, ‘Literatura: teoria e história’ e ‘Produção escrita’ [...]” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.386); a seção Língua – análise e reflexão trata exclusivamente dos estudos gramaticais, porém, busca-se “[...] articular a gramática sistemática e a gramática textual a fim de evidenciar aos alunos a função do estudo gramatical: contribuir para a aprendizagem da língua.” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.390), ou seja, ainda que haja a explícita opção em seguir a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), os autores se comprometem em incorporar “[...] alguns conceitos em geral não discutidos em gramáticas normativas e ausentes da nomenclatura gramatical oficial.” (FARACO; MOURA; MARUXO JÚNIOR, 2013, p.390). O último material analisado apresenta, portanto, intenções claras de integração da prática de análise linguística com as demais, porém, ainda se constata a fragmentação, por meio de seções, do trabalho com as práticas. Além disso, mais uma vez, é possível observar a desarticulação entre o ensino de gramática e a análise linguística. 17667 Considerações Finais Em conclusão, pode-se afirmar que a prática de análise linguística constitui o tópico menos desenvolvido nos três materiais analisados. As confusões terminológicas e as inconsistências conceituais detectadas apontam para a necessidade da reavaliação do processo de aprovação dos materiais do PNLD quanto a esse quesito. Dos manuais do professor analisados, considera-se o Material 3 o mais completo quanto às orientações metodológicas ao professor. Ainda que seja constatado um discurso didático, ao invés da exposição dos pressupostos teóricos para livros de LP, os autores demonstraram maior preocupação na articulação das práticas, pois, apesar de apresentá-las separadamente, menciona, sempre que possível, a intenção de integrá-las. Na apresentação do manual do professor do Material 3, há uma crítica aos LD que apresentam como proposta a divisão literal das práticas de ensino de língua, como disciplinas autônomas, considerando-os extremamente tradicionais. Na análise do presente estudo, constatou-se tal perfil no Material 2. Por fim, a análise do Material 3 revelou o tratamento da análise linguística de modo não integrado, além de excessivas citações diretas sem comentários pelas autoras, o que demonstra o desconhecimento e/ou o despreparo para oferecer ao professor orientações metodológicas suficientes para desenvolver o trabalho proposto no LD. Este estudo aponta para a falta de orientação aos professores no momento da escolha e do uso efetivo de LD de LP, o que certamente contribuiria para a formação contínua desses profissionais, permitindo-lhes praticar o que propõem os documentos da esfera oficial, ou seja, uma metodologia baseada numa perspectiva enunciativo-discursiva de ensino de Língua Portuguesa, principalmente para o ensino de gramática. REFERÊNCIAS ALVES, Roberta H.; MARTIN, Vima L. Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2013. AMARAL, Emília et al. Novas palavras: 1º. Ano. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2013. BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011. ______. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49 ed. São Paulo: Loyola, 2007. 17668 ______. Sete erros aos quatro ventos – a variação linguística no ensino de português. São Paulo: Parábola, 2013. BAKHTIN, M. M.; VOLOCHÍNOV, V. N. 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