Adriana Silva – Envelhecimento populacional - Nisfaps

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE SUAS
IMPLICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS SOCIAIS E PARA AS FAMÍLIAS
ADRIANA SILVA
FLORIANÓPOLIS-SC
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
ADRIANA SILVA
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE SUAS
IMPLICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS SOCIAIS E PARA AS FAMÍLIAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento
de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina
como requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço
Social.
Orientadora: Profa. Dra. Keli Regina Dal Prá
FLORIANÓPOLIS-SC
2013
ADRIANA SILVA
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, de acordo com as normas do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
PROFª DRA. KELI REGINA DAL PRÁ
Departamento de Serviço Social – UFSC
Presidente
________________________________________
PROFª DRA. CARMEN ROSARIO ORTIZ GUTIERREZ GELINSKI
Departamento de Economia- UFSC
1ª Examinadora
________________________________________
PROFª DRA. LILIANE MOSER
Departamento de Serviço Social – UFSC
2ª Examinadora
FLORIANÓPOLIS-SC
2013
SILVA, Adriana. Envelhecimento populacional: uma discussão sobre suas implicações
para as políticas sociais e para as famílias. Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço
Social – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso aborda o tema do envelhecimento populacional fenômeno que já é fato em vários países - e as implicações deste processo nas políticas sociais
na área da Previdência Social, Assistência Social e Saúde. A motivação pela escolha do tema
teve como referência a experiência de estágio na unidade de internação Clínica Médica III e
posteriormente na Clínica Médica II do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) Professor Ernani Polydoro São Thiago. O estudo tem como
objetivo geral discutir de que forma o aumento da expectativa de vida da população e o
consequente prolongamento da vida dos idosos reflete nas políticas sociais que compõem a
seguridade social e na família. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura sobre as
principais categorias do estudo a fim de obter a fundamentação teórica acerca do tema
proposto. Em relação a estruturação do trabalho, a primeira seção apresenta os aspectos
demográficos do envelhecimento populacional. Elucida-se, com base nos dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o fenômeno do aumento populacional de idosos
no Brasil. Na segunda seção aponta-se algumas consequências do envelhecimento
populacional nas políticas sociais que compõem o tripé da seguridade social (saúde,
previdência social e assistência social), bem como busca-se evidenciar como o
envelhecimento afeta as famílias que, por vezes, são responsabilizadas pelo cuidado de seus
membros envelhecidos.
Palavras-chave: Envelhecimento populacional; Famílias; Seguridade Social.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Composição da população residente total, por sexo e grupos de idade - Brasil 1991/2010..................................................................................................................................12
Figura 2 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil décadas de 1990 e
2000...........................................................................................................................................14
Figuras 3 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil para a década de
2010 e projeção para a década de 2030.....................................................................................15
Figura 4 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil - projeção para a
década de 2050..........................................................................................................................15
Figura 5 - Proporção de mulheres com nenhum filho nascido vivo, segundo.........................18
os grupos etários e os grupos de anos de estudo - Brasil - 2011...............................................18
Figura 6 - Evolução da participação das principais responsáveis na população feminina em
idade ativa, para o total das seis regiões metropolitanas, de agosto de 2002 a agosto de 2006 (em %).......................................................................................................................................19
Figura 7 - Evolução do índice envelhecimento da população - Brasil – 1980/2050...............21
Figura 8 - Taxa de crescimento da população total em Florianópolis 1992 a 2008.................22
Figura 9 - Taxa de crescimento da população total em Santa Catarina 1992 a 2008...............22
Figura 10 - Distribuição percentual das pessoas de 60 anos ou mais de idade, segundo as
características selecionadas - Brasil - 2011...............................................................................24
Figura 11 - Projeções para a população idosa no Brasil, por idade e sexo..............................27
Figura 12 – Participação da renda do idoso na renda familiar por tipo de rendimento – Brasil
Urbano, 2002.............................................................................................................................39
Figura 13 – Participação da renda do idoso na renda familiar por tipo de rendimento – Brasil
Rural, 2002................................................................................................................................40
Figura 14 – Fontes de renda de idosas no ano de 1991...........................................................41
Figura 15 – Fontes de renda de idosas no ano de 1993...........................................................41
Figura 16 – Distribuição proporcional das instituições de longa permanência segundo o início
de funcionamento – 2007 -2008................................................................................................59
Figura 17 – Distribuição proporcional das instituições de longa permanência segundo a
natureza – 2007 - 2008..............................................................................................................60
Figura 18 – Distribuição proporcional da população total de idosos do estado e de idosos
residentes nas instituições de longa permanência por sexo e idade – 2007 – 2008..................61
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Participação dos grupos etários na população residente total (%) - Brasil e Grandes
Regiões - 1991/2010.................................................................................................................17
Tabela 2 - Comparação entre a população idosa nos últimos dois censos demográficos........19
Tabela 3 - Taxa média geométrica de crescimento anual da população total, segundo os
grupos de idade - Brasil - 1980/2050........................................................................................20
Tabela 4 - Comparação do envelhecimento da população idosa do país e Estado em relação a
grande Florianópolis entre 2000 e 2010....................................................................................23
Tabela 5 - Algumas características das mulheres idosas brasileiras ........................................29
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8
2. O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DO BRASIL..............11
2.1 - Aspectos demográficos e a questão do envelhecimento populacional...................11
2.2 - Algumas características da população idosa...........................................................23
3. ENVELHECIMENTO, POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA........................................31
3.1 - Envelhecimento: a ausência do estado e sobrecarga das famílias.........................31
3.2 - Envelhecimento e previdência social........................................................................35
3.3 - Envelhecimento e saúde.............................................................................................44
3.3.1 - Envelhecimento e cuidado: questões de família...................................................48
3.4 - Envelhecimento e assistência social..........................................................................52
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................62
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................66
8
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho teve como pretensão evidenciar o processo de envelhecimento
populacional, que está em ascensão no Brasil, e as consequências deste fato nas políticas
sociais que compõem a seguridade social no país.
Com base na revisão bibliográfica realizada buscou-se comprovar que a população
brasileira envelhece progressivamente acompanhando a tendência que se verifica em vários
países. Em virtude do envelhecimento populacional, os sistemas de proteção social precisam
se adequar à nova realidade prestando apoio as famílias - que se modificam com a
convivência intergeracional de seus membros - por meio das políticas sociais.
Com o intuito de atingir o objetivo geral deste trabalho que é discutir de que forma o
aumento da expectativa de vida da população e o consequente prolongamento da vida dos
idosos reflete nas políticas sociais que compõem a seguridade social e na família utilizou-se
dos resultados dos últimos censos demográficos e Pesquisas Nacionais por Amostra de
Domicílios (PNAD) realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em
especial, os documentos que o Instituto produziu após o censo de 2010. Também recorreu-se a
publicações de autores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) que discutem
o tema do envelhecimento no Brasil.
O interesse pelo tema surgiu pela experiência de estágio não-obrigatório na Clínica
Médica III e o posterior estágio curricular obrigatório na Clínica Médica II do Hospital
Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC). Durante os semestres
de estágio evidenciou-se que vários usuários idosos internados encontravam-se “sem família”
e entre eles, em especial, um caso de uma idosa que mobilizou toda a equipe. A situação
requereu diversas intervenções do Serviço Social. A idosa em questão encontrava-se
desprovida de recursos financeiros e não possuía contato com nenhum familiar. O desenrolar
de seu “caso social” após sua alta clínica se deu em meio às várias interlocuções entre o
Serviço Social do HU e a Secretaria Municipal de Assistência Social de Florianópolis. Como
não houve intervenção deste órgão na situação, o caso da referida usuária foi encaminhado ao
Ministério Público. Por fim, antes que este intervisse, conseguiu-se uma vaga para a idosa em
uma instituição de longa permanência, de natureza cristã filantrópica, sem convênio com a
Prefeitura de Florianópolis.
Com esta experiência, evidenciou-se que há transformações nas organizações
familiares e o Estado está se omitindo à esta realidade, o que afeta a prática profissional do
9
Assistente Social que, inserido em qualquer campo de atuação, trabalha com famílias. Sabe-se
que a família nuclear não é mais predominante na sociedade brasileira. A composição das
famílias vem se modificando e no futuro indivíduos que não possuem filhos ou parentes
próximos serão idosos desprovidos da proteção fornecida por seus membros, ou seja, não
contarão com o suporte de pessoas unidas por laços consanguíneos ou afetivos.
Assim, buscou-se trazer para o debate a questão do aumento da população idosa e
verificar como as políticas sociais estão estruturadas para dar conta das necessidades desse
grupo populacional que está em crescimento constante.
A primeira seção do trabalho aborda os aspectos demográficos do envelhecimento
populacional que é o resultado da manutenção por um período de tempo razoavelmente longo
de taxas de crescimento da população idosa superiores às da população mais jovem. O
crescimento populacional do Brasil nos anos de elevadas taxas de fecundidade gera uma
população mais envelhecida atualmente. Cita-se ainda as mudanças ocorridas na pirâmide
etária brasileira nos últimos anos e as projeções produzidas pelo IBGE para a população
brasileira para as próximas décadas. Os dados demográficos revelam que o aumento do
número de idosos brasileiros deve-se à modificações ocorridas na sociedade ao longo dos
anos, tais como: a queda da fecundidade, a inserção da mulher no mercado de trabalho e os
avanços da medicina. Também ressalta-se o fato de a população idosa possuir algumas
características em comum como, por exemplo, a predominância de pessoas do sexo feminino
entre este grupo populacional.
A segunda seção abarca elementos que discutem as consequências do envelhecimento
populacional no sistema de proteção social do Brasil, em especial nas políticas sociais que
compõem o tripé da seguridade social: saúde, previdência social e assistência social. Em
relação à previdência social discutiu-se as transformações que esta já sofreu ao longo de sua
história, suas reformas e a suposta ameaça de “quebra” do sistema previdenciário, sistema que
sofreria com mais um agravante: o envelhecimento populacional.
A saúde e a assistência social são políticas que incorporam os grupos familiares em
seus textos e manuais. Na política de saúde percebe-se que há um repasse para as famílias no
campo do cuidado e no financiamento de bem-estar para os membros envelhecidos do grupo
familiar. Esta questão se agrava com o processo de envelhecimento da população, pois as
famílias contam com mais pessoas idosas que precisarão de mais cuidados de saúde, muitas
vezes especializados, ainda mais se este idoso possuir uma doença crônica. Já a assistência
10
social especifica quais são suas ações com o grupo familiar, pois parte do princípio de que a
família tem de ser incorporada à política para ser fortalecida e poder proteger seus membros,
porém verificou-se que essa política ainda não concretizou seus preceitos em relação à
atenção aos idosos.
Por fim, nas considerações finais, retomam-se alguns aspectos debatidos e
problematizados ao longo do trabalho e organizam-se as principais indicações acerca do tema
proposto.
11
SEÇÃO I
2. O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DO BRASIL
Nesta primeira seção apresentar-se-á os aspectos demográficos do envelhecimento
populacional. Elucida-se, com base em dados da ciência demográfica, o fenômeno do
aumento populacional de idosos no Brasil, a queda da taxa de fecundidade da população
feminina em idade fértil e as diferenças de gênero no processo de envelhecimento. Este fato
que já é percebido há muito em outras sociedades, atualmente ocorre em ritmo acelerado no
país. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o principal órgão que estuda a
demografia no Brasil, devido a isto será utilizado ao longo desta seção dados levantados pelo
Instituto que comprovam e projetam o envelhecimento da população brasileira.
2.1 - Aspectos demográficos e a questão do envelhecimento populacional
O envelhecimento da população tornou-se realidade nas últimas décadas em grande
parte do mundo. Nos países subdesenvolvidos o aumento da população idosa também está em
crescimento constante. No Brasil, o último censo demográfico realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010 ratifica a concretude deste
fenômeno. Observa-se que o avanço tecnológico, o investimento em saúde pública e a
utilização de antibióticos importados no período pós-guerra na década de 1940 corroboraram
para que, com a queda da mortalidade no país, a expectativa de vida aumentasse (IBGE 2011).
Para estudar a questão do crescimento da população idosa, considerar-se-á idoso
aquele indivíduo que, segundo o Estatuto do Idoso e a Política Nacional do Idoso definem
como pessoa de 60 anos ou mais de idade. Essa definição resulta numa heterogeneidade do
segmento considerado idoso, já que aí estão incluídas pessoas de 60 a 100 anos ou mais de
idade (CAMARANO, 2011, s/p). Considerando que as diferenças no ritmo de vida, as
condições econômicas, regionais e sociais alteram as condições de vida da população que
chega aos 60 conclui-se que esta é heterogênea.
A totalidade da população idosa vem crescendo de forma expressiva no Brasil.
Segundo Camarano (2011) enquanto há um crescimento do contingente populacional acima
de 60 anos há também a diminuição da população considerada jovem.
[…] em 1940, a população idosa representava 4,1% da população total
12
brasileira e, em 2010, 10,8%. [...] Por outro lado, diminuiu a proporção da
população jovem. A população menor de 20 anos passou a apresentar uma
diminuição no seu contingente. Essa tendência acentuar-se-á nas próximas
décadas e atingirá outros grupos etários (CAMARANO, 2011, s/p).
Embora a população idosa não seja homogênea, principalmente pelas diferenças de
gênero, qualidade de vida, suporte familiar e outras implicações. A ciência demográfica está
observando que os avanços da medicina e a melhora na qualidade de vida dos idosos, tendo
como consequência a diminuição da mortalidade, são fatores que, estão ocasionando o
envelhecimento da população brasileira acima de 60 anos (IBGE, 2009).
Os dados da Figura 1 apresentam a composição total da população por sexo e grupos
de idade, na figura percebe-se, a partir dos três últimos censos (1991, 2000 e 2010) o
alargamento do topo da pirâmide etária da população e a redução de sua base num período de
vinte anos. O acentuado estreitamento da base, ao mesmo tempo em que o ápice se torna cada
vez mais largo, é decorrente do contínuo declínio dos níveis de fecundidade observados no
Brasil e, em menor parte, da queda da mortalidade no período (IBGE, 2011).
Figura 1 - Composição da população residente total, por sexo e grupos de idade - Brasil 1991/2010
Fonte: IBGE (2011. p. 54)
A população de crianças e adolescentes em 2010 é bastante reduzida se comparada ao
ano de 1991 e a faixa etária de pessoas acima de quarenta anos vêm se alargando no período
13
recenseado o que nos leva a presumir que ocorrerá ainda um maior alargamento da faixa
etária de pessoas idosas nos próximos anos. Segundo o IBGE (2011) a evolução da estrutura
etária nos sugere também que, confirmadas as tendências esperadas de mortalidade e
fecundidade, a população do Brasil tende a dar continuidade a esse processo de
envelhecimento.
Camarano e Kanso (2009) afirmam que, sob o ponto de vista demográfico, o
envelhecimento populacional é o resultado da manutenção por um período de tempo
razoavelmente longo de taxas de crescimento da população idosa superiores às da população
mais jovem. O crescimento populacional do Brasil nos anos de elevadas taxas de fecundidade
gera uma população mais envelhecida atualmente.
Os baixos índices de fecundidade somados com a queda da mortalidade levam o Brasil
a igualar as faixas etárias de sua população . Indicadores sociodemográficos do IBGE (2009)
evidenciam que a população idosa aumenta com o passar dos anos, podendo até se igualar a
população de crianças e adolescentes no ano de 2030.
Em 2030, de acordo com as projeções, o número de idosos já superará o de
crianças e adolescentes (menores de 15 anos de idade), em cerca de 4
milhões, diferença essa que aumenta para 35,8 milhões, em 2050
(64,1milhões contra 28,3 milhões, respectivamente). Nesse ano, os idosos
representarão 28,8% contra 13,1% de crianças e adolescentes no total da
população (IBGE, 2009, s/p).
Na publicação do IBGE intitulada “Indicadores sociodemográficos e de saúde no
Brasil 2009” percebeu-se que a diminuição da mortalidade ao nascer e as quedas das taxas de
fecundidade propicia que a quantidade populacional em cada faixa etária se torne, aos poucos,
cada vez mais igualitária. Há muito esta mudança demográfica mundial é assunto de estudos e
discussões. Simões (apud CAMARANO, 2002) refere, ao analisar um documento do Banco
Mundial datado do ano de 1994, que indicava que o aumento da expectativa de vida ao nascer
e o declínio da fecundidade nos países em desenvolvimento estão provocando a “crise da
velhice”. Esta é traduzida por uma pressão nos sistemas de previdência social a ponto de pôr
em risco não somente a segurança econômica dos idosos, mas também o próprio crescimento
econômico. Mas será que a queda das taxas de mortalidade no Brasil e no mundo deve ser
tomada como algo ruim ou vista como uma conquista? A “crise” pode ser provocada pela falta
de preparo do Estado para lidar com as novas formas demográficas dos países que,
percebendo a superação da mortalidade infantil e o aumento de sobrevida da população idosa,
sofrem atualmente de um novo “mal” que é o envelhecimento de sua população.
14
Projeções realizadas pelo IBGE (2008) revelam que o contingente populacional de
idosos no Brasil irá crescer muito nos próximos anos. Nas Figuras 2, 3 e 4, vê-se as pirâmides
etárias da composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil (períodos censitários
e projeções para os anos de 2030 e 2050).
Figura 2 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil décadas de 1990 e
2000
Fonte: IBGE (2008, p. 60).
15
Figuras 3 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil para a década de
2010 e projeção para a década de 2030
Fonte: IBGE (2008, p.61).
Figura 4 - Composição absoluta da população, por idade e sexo no Brasil - projeção para a
década de 2050
Fonte: IBGE (2008, p.61).
16
Foram selecionadas as pirâmides etárias dos anos censitários e os anos projetados mais
relevantes para esta pesquisa. Os dados foram retirados da projeção realizada pela Diretoria
de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, para o período entre
1980-2050. A projeção foi atualizada pelo IBGE no ano de 2008. Analisando as figuras, notase que há um alargamento constante das pirâmides nas faixas etárias de adultos e idosos. No
ano de 2050, último ano projetado pelo instituto, a população de 60 anos e mais estará muito
maior que a população de crianças e jovens. Nota-se ainda que houve um período em que a
população brasileira era composta majoritariamente por crianças e jovens, entretanto a queda
das taxas de fecundidade, somado a queda da mortalidade no país, baixou o índice de crianças
e aumentou o topo da pirâmide. A queda da taxa de fecundidade total é um dos motivos para o
envelhecimento da população, estudos realizados pelo IBGE apontam outros fatores que
corroboraram para a evolução da estrutura etária brasileira:
[…] os ganhos sobre a mortalidade e, como consequência, os aumentos da
expectativa de vida, associam-se à relativa melhoria no acesso da população
aos serviços de saúde, às campanhas nacionais de vacinação, aos avanços
tecnológicos da medicina, ao aumento do número de atendimentos prénatais, bem como o acompanhamento clínico do recém-nascido e o incentivo
ao aleitamento materno, ao aumento do nível de escolaridade da população,
aos investimentos na infraestrutura de saneamento básico e à percepção dos
indivíduos com relação às enfermidades. O aumento da esperança de vida ao
nascer em combinação com a queda do nível geral da fecundidade resulta no
aumento absoluto e relativo da população idosa (IBGE, 2008, s/p).
Na Tabela 1 verifica-se o aumento expressivo da porcentagem da população que atinge
mais de 65 anos num intervalo de tempo de vinte anos. Ao mesmo tempo em que os idosos
tem maior participação na pirâmide etária no país, a população de crianças e adolescentes vem
diminuindo bruscamente, chegando até a diminuir mais de dez pontos percentuais nestes
últimos vinte anos.
17
Tabela 1 - Participação dos grupos etários na população residente total (%) - Brasil e Grandes
Regiões - 1991/2010
Brasil e
Grandes
Regiões
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Participação dos grupos etários na população residente
total (%) - Brasil e Grandes Regiões
1991
2000
2010
0-14 15-64 65+ 0-14 15-64 65+ 0-14 15-64 65+
34,7 60,4
4,8
29,6 64,5
5,9
24,1 68,5
7,4
42,5 54,5
3,0
37,2 59,1
3,6
31,2 64,2
4,6
39,4 55,5
5,1
33,0 61,2
5,8
26,6 66,3
7,2
31,2 63,6
5,1
26,7 66,9
6,4
21,7 70,2
8,1
31,9 63,1
5,0
27,5 66,3
6,2
21,8 70,1
8,1
35,3 61,5
3,3
29,9 65,8
4,3
24,5 69,7
5,8
Fonte: IBGE (2010).
Segundo Camarano (2002), o crescimento da população idosa é consequência de dois
processos: a alta fecundidade no passado, observada nos anos 1950 e 1960, comparada à
fecundidade de hoje, e a redução da mortalidade da população idosa. A taxa de fecundidade
total (TFT) passou de 5,8 filhos por mulher na segunda metade dos anos 1960 para 1,8 na
segunda metade da década passada.
Os dados demográficos revelam números sobre a população brasileira e suas
modificações ao longo dos anos. Segundo Nascimento (2006) estas mudanças ocorridas no
perfil demográfico do país deve-se, além dos avanços da tecnologia e medicina, a
transformações econômicas, sociais e culturais profundas iniciadas em meados do século XX.
Os dois censos realizadas no Brasil nos anos de 1991 e 2000 revelam a baixa taxa de
fecundidade e o declínio da mortalidade.
A fecundidade no Brasil foi diminuindo ao longo dos anos, basicamente
como consequência das transformações ocorridas na sociedade brasileira, de
modo geral, e na própria família, de maneira mais particular. Com isso, a
fecundidade, em 1991, já se posicionava em 2,89 filhos por mulher e, em
2000, em 2,39 filhos por mulher (IBGE, 2008, s/p).
Com a saída da mulher para o mercado de trabalho e a busca desta por mais educação,
conceber filhos é algo que fica cada vez mais em segundo plano. Nota-se que, quanto mais
anos de estudos a mulher possui, menor é a sua taxa de fecundidade. Na Figura número 5
observasse-se a dimensão desta diferença entre as mulheres com até sete anos de estudo em
relação as que possuem mais de oito anos de estudo.
18
Figura 5 - Proporção de mulheres com nenhum filho nascido vivo, segundo
os grupos etários e os grupos de anos de estudo - Brasil - 2011
Fonte: IBGE (2012).
Visualiza-se que nas faixas etárias em que as mulheres estão mais propensas a
fecundação (24 anos a 39 anos) a diferença entre as que não tiveram filhos nascidos vivos é
maior em relação as que possuem menor tempo de estudos.
A composição familiar altera-se na medida em que as mulheres passam a ser as
principais responsáveis pelo provimento familiar. Frente a isto, o IBGE realizou um estudo
sobre condições de trabalho e as características das mulheres que são as principais
responsáveis nos domicílios
[…] justifica-se o estudo em função da própria expansão do percentual de
domicílios cujos principais responsáveis são mulheres, que se consolida
como um dos fatores que contribuem para explicar as transformações no
perfil da força de trabalho desse sexo e na estrutura familiar nos últimos anos
(IBGE, 2006, p. 4).
A partir da transformação na dinâmica familiar e a necessidade de a mulher sair para o
mercado de trabalho e estar assumindo o papel de pessoa de referência no lar, a maternidade
acaba ficando para depois. Na Figura 6 vê-se o aumento da participação das principais
responsáveis na população feminina em idade ativa. A pesquisa foi realizada nas regiões
metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
19
Figura 6 - Evolução da participação das principais responsáveis na população feminina em
idade ativa, para o total das seis regiões metropolitanas, de agosto de 2002 a agosto de 2006 (em %)
Fonte: IBGE (2006).
Analisando a Figura 6, percebe-se um crescimento evidente na participação da
população feminina responsável pelo provimento familiar a partir de agosto de 2003, fato que
vem aumentando ao longo dos anos. Todo o crescimento percebido nos últimos anos em
relação a participação feminina como as principais provedoras dentro dos grupos familiares, e
com a diminuição dos índices de fecundidade acarreta no país o alargamento do topo da
pirâmide etária.
A sinopse do censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010 revela que há uma
diminuição da participação de pessoas menores de 15 anos na pirâmide etária, e um aumento
da participação dos maiores de 65 anos de idade nesta pirâmide. O total da população idosa no
país passou de 9.908.815 milhões no ano de 2000 para 14.081.256 milhões no ano de 2010.
(IBGE 2011)
Na Tabela 2, visualiza-se que de 2000 para 2010 há um aumento bastante elevado de
pessoas idosas em cada faixa etária, excetuando-se os idosos que atingem mais de cem anos
de idade.
Tabela 2 - Comparação entre a população idosa nos últimos dois censos demográficos
População
População de 65 a 69 População de 70 a 79 População de 80 a 89 População de 90 a acima de 100
TOTAL
anos de idade
anos de idade
anos de idade
99 anos de idade anos de idade
2000
2010
2000
2010
2000
2010
2000
2010
2000
2010
2000 2010
9.908.815 14.081.256 3.574.380 4.840.724 4.510.626 6.305.008 1.564.217 2.486.415 235.209 424.876 24.383 24.233
Fonte: IBGE (2010).
Entretanto, o declínio da população acima de cem anos de 2000 para 2010 é de apenas
20
150 pessoas, já os idosos que estão na primeira faixa etária selecionada de 65 a 69 anos de
idade o aumento foi de 1.266.344 milhão. Mais pessoas entraram na faixa etária de 65 anos e
a população considerada mais idosa quase que dobrou no período intercensitário.
A Tabela 3 a seguir, contém a taxa média geométrica de crescimento anual da
população total segundo os grupos de idade selecionados pelo IBGE para projetar a população
nos anos de 1980 a 2050.
Tabela 3 - Taxa média geométrica de crescimento anual da população total, segundo os grupos
de idade - Brasil - 1980/2050
Fonte: IBGE (2008).
Na Tabela 3, percebe-se que todas as faixas etárias de pessoas de 0 a 24 anos sofrem
quedas no crescimento a partir de 2010. A população considerada pelo IBGE como
economicamente ativa (15 a 64 anos) apresenta queda brusca na sua taxa nos anos que foram
projetados pelo instituto 2020/2030 chegando a ter taxa negativada entre 2030/2050. Já a
população considerada muito idosa, que são idosos acima de 80 anos, mais que dobrará seu
contingente populacional em 2050.
Na Figura 7 vê-se o processo de envelhecimento da população brasileira. Nesta figura,
o IBGE analisou que para cada grupo de 100 crianças de 0 a 14 anos, havia 24,7 idosos de 65
anos ou mais de idade. Entre 2035 e 2040, população idosa já terá ultrapassado a população
infantojuvenil numa proporção 18% superior à de crianças e, em 2050, a relação poderá ser de
100 para 172,7. (IBGE, 2008, s/p).
21
Figura 7 - Evolução do índice envelhecimento da população - Brasil – 1980/2050
Fonte: IBGE (2008).
Conforme já mencionado pode-se perceber que a população de idosos ultrapassará a
de crianças em alguns anos no Brasil, este fato
está associado a queda das taxas de
mortalidade infantil, problema já superado no país e pelo aumento da esperança de vida das
pessoas que, após melhorias na saúde, trabalho e renda vivem melhor.
Diante deste fato, faz-se necessário que os municípios tenham informações relevantes
para o planejamento estratégico local, levando-se em conta o envelhecimento da sua
população. Na região de Florianópolis o aumento da população já é algo bem conhecido pelos
residentes da capital do Estado de Santa Catarina, resta saber se o fenômeno mundial e
nacional do prolongamento da vida da população mais envelhecida também ocorre na região.
O Estado de Santa Catarina foi citado na sinopse do censo 2010 como sendo uma das
unidades da federação que mais cresceu, influenciado pelo aumento da população de
Florianópolis e seu entorno. (IBGE, 2011, s/p) Na região da grande Florianópolis o aumento
da população residente é um fato comprovado pelas pesquisas e censos demográficos
realizados pelo IBGE, o que acaba trazendo para a capital e cidades vizinhas muitos
transtornos causados pela falta de estrutura das cidades e pelo crescimento acima da média.
Na Figura 8 em comparação com a Figura 9 visualiza-se o boom populacional que a cidade de
Florianópolis sofreu em relação ao Estado de Santa Catarina.
22
Figura 8 - Taxa de crescimento da população total em Florianópolis 1992 a 2008
Fonte: IBGE (2008).
O Estado de Santa Catarina teve um crescimento mais linear em termos de população
total, no mesmo período entre 1992 a 2008 (Figura 6). De um pouco mais de 250.000 mil
habitantes no ano de 1996, Florianópolis passou a ter mais de 350.000 habitantes somente
quatro anos depois.
Figura 9 - Taxa de crescimento da população total em Santa Catarina 1992 a 2008
Fonte: IBGE (2008).
O contingente populacional de idosos também vem aumentando na região da grande
Florianópolis. Para visualizar o aumento dessa população idosa na região, a Tabela 4 compara
a população idosa recenseada pelo IBGE nos dois últimos censos realizados nos anos de 2000
e 2010.
Tabela 4 - Comparação do envelhecimento da população idosa do país e Estado em relação a
23
grande Florianópolis entre 2000 e 2010
Região Demográfica
Brasil
Santa Catarina
Florianópolis
São José
Biguaçu
Palhoça
% População Idosa
Censo 2000
Total
10,15
Sexo Masculino
9,21
Sexo Feminino
11,05
Total
10,35
Sexo Masculino
9,43
Sexo Feminino
8,50
Total
10,89
Sexo Masculino
9,54
Sexo Feminino
12,11
Total
8,95
Sexo Masculino
7,80
Sexo Feminino
10,03
Total
7,36
Sexo Masculino
6,72
Sexo Feminino
7,98
Total
6,93
Sexo Masculino
6,24
Sexo Feminino
7,61
Censo 2010
10,79
9,80
11,67
10,51
9,52
11,26
11,50
10,11
13,74
9,46
8,16
11,41
8,69
7,96
9,67
7,77
7,10
8,50
Fonte: IBGE (Sisap Idoso, 2013).
Comparando-se a partir dos dois censos demográficos, o aumento da população idosa
no Brasil com o aumento da população idosa em Florianópolis e cidades vizinhas,
percebemos que a região envelheceu mais que o país, sendo que, este aumento é maior entre
idosos do sexo feminino. Visualizamos que não é só a população em si que está aumentando
na região, mas também a população mais envelhecida.
2.2 - Algumas características da população idosa
A população idosa é composta por diversos segmentos. Apresentam diferenças
principalmente na questão de gênero, na questão étnica, socioeconômica entre outras.
Entretanto, a totalidade da faixa etária mais envelhecida possui algumas características
marcantes. Na Figura 10 a seguir, vê-se a dimensão destas características da população idosa,
selecionadas pelo IBGE.
24
Figura 10 - Distribuição percentual das pessoas de 60 anos ou mais de idade, segundo as
características selecionadas - Brasil - 2011
Fonte: IBGE (2012, p. 41).
Dos dados selecionados pelo IBGE para analisar as características marcantes da
população idosa, destacamos: a forte presença em áreas urbanas (84,1%); maioria branca
55,0%; grande maioria (76,8%) recebe algum benefício da previdência social. Em relação á
moradia, 63, 7% reside com a “pessoa de referência” (antigo “chefe de família”), ou seja, a
grande maioria da população idosa reside com filhos ou outros parentes que são provedores os
da residência. Devido a este fato é de fundamental importância identificar o tipo de arranjo
domiciliar no qual os idosos estão inseridos. A PNAD 2011 constatou que
Cerca de 3,4 milhões de idosos de 60 anos ou mais de idade (14,4%) viviam
em domicílios unipessoais, ou seja, sem cônjuge, filhos, outros parentes ou
agregados. O arranjo formado por um casal, com presença de ao menos um
idoso, correspondia a 24,5%. Outro arranjo comum (30,7%) refere-se àquele
em que o idoso vivia com os filhos, sendo todos eles com 25 anos ou mais de
idade, com ou sem presença de outro parente ou agregado. Sendo assim,
85,6% dos idosos viviam em arranjos em que havia presença de outra pessoa
com quem estabelecesse alguma relação de parentesco, seja cônjuge, filho,
outro parente ou agregado (IBGE, 2012, p.42).
A configuração dos arranjos familiares no Brasil vem se transformando e as mudanças
25
ocorridas atingem a população idosa. A família encolheu, se modificou. Não há mais uma
predominância do padrão de família, que era composta por um casal e filhos (família nuclear).
Segundo dados da PNAD, no período de 2001 para 2011 houve modificações na distribuição
dos arranjos com parentesco, com redução do peso relativo daqueles constituídos por casal
com filhos (de 53,3% para 46,3%) e, consequente, aumento dos casais sem filhos (de 13,8%
para 18,5%). As mulheres sem cônjuge e com filhos, os chamados monoparentais femininos,
sofreram uma redução na sua taxa, segundo o IBGE (2012, p. 91) isto se deve “as quedas das
taxas de fecundidade e também pode ser atribuída ao desenvolvimento das relações de gênero,
no contexto das transformações econômicas e sociais por que passa a sociedade brasileira
contemporânea”.
Projeções realizadas pelo IBGE constatam que, com o passar dos anos as mulheres
terão menos filhos, somando-se este fato com as transformações que se perpetuam ao longo
dos tempos e que se traduziram em “mudanças na estrutura familiar que são: famílias com
menor número de filhos, inserção cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho e mais
tempo dedicado à preparação profissional, conclui-se que as tendências demográficas no país
tende a ser mantido” (NASCIMENTO, 2006, p. 11).
O Brasil do futuro próximo terá menos adultos e um contingente populacional de
idosos elevado. Com a redução no número de filhos, futuramente os idosos terão somente um
filho que será responsável por promover ou delegar os cuidados necessários a dois idosos, o
que gerará uma sobrecarga a este adulto, ou ainda aos sistemas de proteção social.
Goldani (2004) considera que eventos ocorridos ao logo da vida podem contribuir para
que os grupos familiares apresentem dificuldades para prover a proteção aos seus membros
mais envelhecidos que, por vezes, venham a necessitar de cuidados. Vínculos construídos ao
longo da vida com o grupo familiar, relações econômicas e vícios em drogas são alguns
fatores que contribuem para o idoso obter ou não bem-estar promovido por sua família na
última fase da vida, Goldani (2004, p.229) afirma ainda que
Recursos limitados e a ausência de filhos são, talvez, as razões mais
importantes para explicar por que as pessoas idosas com algum tipo de
deficiência podem ser negligenciadas, esquecidas, ou mesmo abandonadas.
Nas sociedades onde os direitos de posse existem, a ausência da propriedade
também pode conduzir à negligência.
Quando o Estado se exime do papel de prover o bem-estar da população mais
envelhecida é a família que será chamada a assumir este compromisso. Pois como nos recorda
26
Goldani (2004, p. 233) “a solidariedade entre os membros da família é considerada como
dada em um modelo de família idealizado, em que as relações de gênero são consideradas
irrelevantes”. O que ocorre ainda é que com a precarização do trabalho, os desmontes das
políticas sociais e as crises estruturais do sistema de acumulação e exploração vigente, os
núcleos familiares perdem seu caráter protetor (MIOTO, 2008). O provedor do grupo familiar
passa a ser não mais somente uma pessoa, a figura do “chefe de família” (atual “pessoa de
referência”). Deste modo, “a ocorrência de domicílios multigeracionais se deve, em grande
parte, às dificuldades econômicas. Pais idosos e filhos adultos têm de se ajudar no processo de
sobrevivência” (GOLDANI, 2004, p. 234). Por outro lado, há uma preferência por parte dos
idosos de morarem sem a convivência com outras pessoas, por isso o número elevado de
idosos que residem sozinhos (14,4%) sem cônjuges, filhos ou outro tipo de agregados.
O envelhecimento da população traz novas implicações para a seguridade social
brasileira. Ao mesmo tempo, a família é chamada a prover o bem-estar da geração
envelhecida, o que sobrecarga a mulher, pois é esta quem geralmente assume o papel de
cuidadora das pontas da pirâmides etárias, ou seja, das crianças e idosos.
As questões que emergem com o envelhecimento populacional estão
relacionadas ao mercado de trabalho, à previdência social, bem como ao
sistema de saúde e de assistência social dos idosos. Com relação à
assistência social, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social
– BPC-LOAS é destinado ao idoso de 65 anos ou mais de idade e à pessoa
com deficiência cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário
mínimo vigente. Outro tópico importante refere-se ao cuidado de idosos,
uma vez que muitos deles adquirem algum tipo de incapacidade funcional,
demandando cuidado e atenção permanentes. Nesse sentido, o tema é
transversal com a questão de gênero, uma vez que, no Brasil, o trabalho não
remunerado do cuidado (seja de filhos, idosos ou pessoas com deficiência)
normalmente está associado à mulher (IBGE, 2012, s/p).
A questão da mulher no envelhecimento perpassa tanto pelo fato desta ser a principal
cuidadora como também por esta possuir maior expectativa de vida em relação aos idosos do
sexo masculino. A maioria da população idosa de 60 anos ou mais de idade é composta por
mulheres (55,7%), devido aos efeitos da mortalidade diferencial por sexo (IBGE, 2012, p.41).
Nas figura 11 a seguir, visualiza-se que projeções realizadas pelo IBGE preveem que
as pessoas idosas do sexo feminino são as que tem maior esperança de vida desde o ano de
1980. As projeções realizadas pelo IBGE para a população idosa do sexo feminino, em
relação a população idosa do sexo masculino, revela que no ano de 2050 em todas as faixas
27
etárias consideradas pelo Instituto o contingente feminino de idosas é muito superior a de
idosos. A população de idosas com 65 anos ou mais de idade, sendo esta a faixa etária
considerada “improdutiva”, será de 2050 de 27. 827. 204 milhões, já a população do sexo
masculino na mesma faixa etária terá 21. 071. 443 milhões de pessoas.
Figura 11 - Projeções para a população idosa no Brasil, por idade e sexo
Fonte: IBGE (2008, p. 62).
Este fato só vem aumentando em pontos percentuais nos últimos anos, como pode ser
verificado na Figura 11 e, segundo as projeções realizadas, atingirá uma diferença de mais de
cinco milhões de pessoas do sexo feminino em relação ao sexo masculino com 60 anos ou
mais de idade no ano de 2050.
Vivendo mais, as mulheres, mesmo sendo idosas tendem a realizar os cuidados que os
núcleos familiares proporcionam a seus membros mais envelhecidos, é a mulher que na
maioria dos lares assume o papel de cuidadora. Goldani (2004, p. 237) refere que “ homens e
as mulheres brasileiros têm direitos iguais perante a lei, mas, no que diz respeito ao cuidado
dos dependentes, nossas normas culturais ainda refletem uma expectativa maior sobre as
mulheres do que sobre os homens”. Ainda, sabendo-se que são as mulheres também as que
têm a maior esperança de vida, faz-se de fundamental importância verificar a questão de
28
gênero e compreender o lugar desta mulher na sociedade, onde ela está inserida e se as
mulheres continuarão podendo prover a proteção social aos membros familiares, seja ele
idoso, criança ou dependente sem a intervenção estatal.
Autores que discutem o envelhecimento destacam alguns motivos que causam a
predominância de pessoas do sexo feminino entre a população idosa. A maior esperança de
vida para estas, segundo Salgado se deve a “tradição que a mulher tende a se casar com
homens mais velhos do que ela, fato que associado a uma mortalidade masculina maior do
que a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em relação ao seu
cônjuge”. Camarano (2003, p. 38) ratifica a opinião de Salgado (2002, p. 8) quando afirma
que “a predominância da população feminina entre os idosos é resultado da maior mortalidade
masculina”. Estes fatos também se explicam ainda pelo maior cuidado das mulheres com a
sua própria saúde (IBGE, 2008). Porém, são as idosas que podem vir a ficar em piores
condições de vida na velhice, como exemplifica Camarano ( 2003, p. 37).
[…] mulheres idosas experimentam uma maior probabilidade de ficarem
viúvas e em situação socioeconômica desvantajosa. A maioria das idosas
brasileiras de hoje não tiveram um trabalho remunerado durante a sua vida
adulta. Além disso, embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas
passam por um período maior de debilitação biológica antes da morte do que
eles.
As idosas de hoje foram em sua maioria, num passado recente do Brasil, as mulheres
que cuidavam da casa, da prole e do provedor, o chamado “chefe de família”.
Na Tabela 5 conseguimos observar algumas características das idosas brasileira e as
transformações destas ao longo de 20 anos.
29
Tabela 5 - Algumas características das mulheres idosas brasileiras
Fonte: Camarano (2003, p. 42).1
A Tabela 5 apresenta uma inegável melhora na condição de vida da mulher idosa ao
longo das décadas selecionadas. Segundo Camarano (2003) isto se deve a ampliação da
cobertura previdenciária e a melhora nas condições de saúde da população idosa. A
implementação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) também é um fator que
contribui para a queda percentual das mulheres que não possuem nenhum rendimento. A
autora afirma que
Essas mudanças foram mais expressivas na década de 1990 e se devem
principalmente à implementação das medidas estabelecidas pela
Constituição de 1988 […]. As principais modificações foram verificadas na
concessão do benefício da aposentadoria por idade rural. As mulheres rurais
passaram a poder requerê-lo independentemente de sua posição na unidade
familiar. A partir de 1992, quando passou a viger o novo plano de benefícios,
as concessões para as mulheres têm representado aproximadamente 60% do
total das novas concessões (CAMARANO, 2003, p. 42).
Em virtude disto é que ocorre o aumento percentual de mulheres idosas que recebem
algum tipo de benefício social. E é no âmbito previdenciário que percebe-se as mais
expressivas diferenças de gênero. As mulheres geralmente são sinônimos de pensionistas e os
homens são tidos como trabalhadores que aposentam-se por tempo de contribuição com a
previdência social. Homens que já trabalharam e contribuíram ativamente e economicamente
1 As notas elaboradas por Camarano (2003) são referentes a:
1
Vivem em domicílios com renda mensal per capita inferior a 1/2 salário mínimo.
2
Vivem em domicílios com renda mensal per capita inferior a 1/4 salário mínimo.
30
para a sociedade. Segundo Camarano (2003) as mulheres, na última fase da vida, passam a ser
muitas vezes provedoras do grupo familiar. Seja como pensionistas, aposentadas ou ambos.
Há tempos atrás o envelhecimento trazia para as mulheres brasileiras pobreza e isolamento da
esfera social, mas para uma grande maioria de pessoas, pode significar uma nova fase no ciclo
de vida (GOLDANI, 2004).
Como pode-se perceber a mulher brasileira ainda assume o papel de cuidadora na
maioria das situações, mas passa também a ser “pessoa de referência” em arranjos familiares
nucleares e monoparentais. No último ciclo da vida este fato também é real o que abrange a
pessoa idosa do sexo masculino. Portanto, quando há o desmantelamento das políticas sociais
voltadas ao segmento idoso, como por exemplo a política previdenciária, não só este
segmento será afetado mas também todos os que compõem os arranjos familiares.
Todas as transformações na estrutura etária do país que se pode ver nos últimos anos e
que ainda está por vir, deve ser considerada pelos formuladores de políticas públicas, pois um
novo
perfil
demográfico
composto
por
uma
população
mais
envelhecida
e
predominantemente por pessoas do sexo feminino gerará novas necessidades, tanto para o
poder público quanto para o âmbito privado de relações sociais e no interior das famílias.
31
SEÇÃO II
3. ENVELHECIMENTO, POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA
Esta seção abarca elementos que discutem as consequências do envelhecimento
populacional no sistema de proteção social brasileiro, em especial nas políticas sociais que
compõem o tripé da seguridade social (saúde, previdência social e assistência social) que
foram incorporados pela Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”.
Busca-se compreender como o acelerado processo de envelhecimento no Brasil pode ser
utilizado como argumento para diminuir a cobertura dos benefícios conquistados e legitimar
reformas nos sistemas de proteção social. Apresenta-se também como as políticas sociais
responsabilizam as famílias pelo promoção do cuidado aos seus membros.
3.1 - Envelhecimento: a ausência do estado e sobrecarga das famílias
Conforme elucidado na seção anterior, é fato o aumento, no Brasil e no mundo, do
contingente populacional de pessoas idosas. Diante desta realidade, os sistemas de proteção
social enfrentam o desafio de garantir a devida cidadania para esta faixa etária que está em
constante crescimento. Nesse sentido, Mota coloca que
As políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência
social e a assistência social, são consideradas produto histórico das lutas do
trabalho, na medida em que respondem pelo atendimento de necessidades
inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e
reconhecidos pelo Estado e pelo patronato (MOTA, 2009, p.40).
No Brasil, a organização da sociedade após a ditadura militar proporcionou conquistas,
entre elas a incorporação da seguridade social no texto constitucional, o que garantiu os
direitos sociais a diferentes segmentos populacionais.
As reivindicações e pressões organizadas pelos trabalhadores na década de
1980, em período de redemocratização no país, provocam a incorporação,
pela Constituição Federal, de muitas demandas sociais de expansão dos
direitos sociais e políticos. Um dos maiores avanços dessa Constituição, em
termos de política social, foi a adoção do conceito de seguridade social,
englobando em um mesmo sistema as políticas de saúde, previdência e
assistência social (BOSCHETTI; SALVADOR, 2009, p.52).
32
Entretanto, com uma nova hegemonia burguesa, de cunho neoliberal no comando do
país em meados dos anos de 1990, observa-se o intuito de diminuir ou até mesmo findar com
a segurança social brasileira conquistada em 1988. Conforme constata Iamamoto (2007,
p.149)
[…] o projeto neoliberal subordina os direitos sociais à lógica orçamentária,
a política social à política econômica, em especial às dotações
orçamentárias. Ao invés do direito constitucional impor e orientar a
distribuição das verbas orçamentárias – vistas como um dado não passível de
questionamento – que se tornam parâmetros para a implementação dos
direitos sociais implicados na seguridade, justificando as prioridades
governamentais.
Deve-se levar em consideração que com a utilização do fundo público (que pode ser
utilizado para a seguridade social ou para o pagamento de dívidas) pelos interesses
neoliberais, o investimento em proteção social é criticado, é tido como mais um gasto que
poderia ser cortado (IAMAMOTO, 2007).
As restrições orçamentárias para as políticas sociais têm incidido na proteção social da
população idosa. Segundo Camarano, o processo de envelhecimento no Brasil “está ocorrendo
em meio a uma conjuntura recessiva e a uma crise fiscal que dificultam a expansão do sistema
de proteção social para todos os grupos etários e, em particular, para os idosos” (2004, p.253).
Guita Debert (1997) considera que o prolongamento da vida humana é um ganho de
toda a sociedade contemporânea, mas tem se constituído numa ameaça para a reprodução da
vida social, na medida em que os custos da aposentadoria indicam a inviabilidade de um
sistema que, em futuro próximo, não poderá arcar com seus gastos sociais.
Mioto (2012, p. 129) defende que a oferta de serviços públicos destinados à população
idosa tem de passar pelo Estado, conforme preceitua o texto constitucional. Na compreensão
da autora, a Constituição Federal de 1988 delega ao Estado competências para que este possa
prover dignidade aos cidadãos. “[...] os serviços atuam como ponto de convergência e
mediação de ações vinculadas à proteção social e exercem papel fundamental no
desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social, além do enfrentamento aos riscos
circunstanciais”. Contudo, para que haja garantia de direitos sociais, os serviços ofertados e a
população têm de estar em sinergia, “no bojo dessa equação – serviço ofertado e necessidades
– ou na solução dessa equação é que se materializa o processo de responsabilização da
família” (MIOTO, 2012, p.129).
Segundo Pereira (2004, p. 32) “a família vem sendo redescoberta como um importante
33
agente privado de proteção social. Em vista disso, quase todas as agendas governamentais
preveem, de uma forma ou de outra, medidas de apoio familiar”. Prova disto pode ser
percebido nas próprias políticas sociais e leis brasileiras que já trazem em seus textos a
responsabilização da família pelo provimento de bem-estar para os idosos. O texto
constitucional preceitua em seu artigo 230, por exemplo, que “o apoio aos idosos é de
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, os quais devem assegurar a sua
participação na comunidade, defender sua dignidade e bem-estar e garantir o seu direito à
vida”. Em seu primeiro inciso, o artigo estabelece que “os programas de cuidados dos idosos
serão executados preferencialmente em seus lares”.
Embora a Constituição de 1988 tenha feito um grande avanço no que diz
respeito ao papel do Estado na proteção do idoso, a família continuou sendo
a principal responsável pelo cuidado da população idosa, podendo ser
criminalizada caso não o faça. Isso foi inclusive objeto do título VII — Dos
Crimes contra Família.
- Capítulo III, artigo 244, do Código Penal.
Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho
menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente
inválido ou maior de 60 (sessenta) anos […](CAMARANO; PASINATO,
2004, p. 267).
Além da incorporação da família na proteção no âmbito legal, percebe-se que a própria
política social também relaciona a proteção destinada para idosos com o âmbito privado das
relações sociais. Conforme evidenciaram Campos e Mioto (apud Mioto 2012) há elementos
na política social brasileira que sustentam substantivamente o papel da família na proteção
social. Um dos exemplos utilizados pelas autoras é a Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que
dispões sobre a Política Nacional do Idoso, esta afirma a prioridade absoluta da família como
instituição capaz de produzir o bem-estar aos idosos. A família é chamada para o interior das
políticas sociais através de orientações que rebatem na organização dessas famílias e nas
possibilidades que esta tem na provisão de recursos, sendo estes financeiros ou emocionais
(MIOTO, 2012).
De acordo com Pereira (2004, p. 29)
[...] todos os Estados de bem-estar estiveram baseados em um modelo
familiar, no qual as formas de proteção eram asseguradas por duas vias: uma,
mediante a participação (principalmente masculina) do chefe da família no
mercado de trabalho e a sua inserção no sistema previdenciário; outra, pela
participação (em sua maioria feminina) dos membros da unidade familiar
nas tarefas de apoio aos dependentes e na reprodução de atividades
domésticas não remuneradas.
34
Em relação a população mais envelhecida suas demandas afetam, efetivamente, os
sistemas de proteção social que precisam se adequar para prover as necessidades desta
população, contudo afeta principalmente as organizações familiares que se veem incorporados
por um projeto neoliberal que desresponsabiliza o Estado, este que deveria ter caráter
protetivo, e ao mesmo tempo, sobrecarrega as famílias de responsabilidades com o cuidado de
seus membros. Nas palavras de Mioto (2012, p.133) “o trânsito entre serviços e famílias
acontece através de um campo ainda bastante nebuloso que é o campo do cuidado,
tradicionalmente o cuidado é considerado próprio da família”. As famílias, por vezes, sentemse culpadas por não poderem ofertar os cuidados para seus membros, martirizam-se e
naturalizam as exigências dos serviços. As propostas neoliberais para as políticas sociais
também agem ideologicamente, no interior das organizações familiares (MIOTO, 2012).
Neste sentido, Pereira tece considerações acerca do pluralismo de bem-estar, este
consiste em uma “fórmula” para providências de bens e serviços, que seriam assumidos por
diversos setores, como o Estado, mercado, as organizações não-governamentais e o grupo
familiar. “[…] o Estado comparece com o recurso do poder e, portanto, da autoridade coativa,
que só ele possui; o mercado, com o recurso do capital; e a sociedade da qual a família faz
parte, com o recurso da solidariedade” (PEREIRA, 2004, p. 32). Percebe-se, desta forma, um
movimento para agregar funções à certos setores para o provimento de necessidades que
deveriam passar pelo Estado, repassando uma carga muito pesada para o setor do voluntariado
e o espontâneo de proteção, a família.
Conforme elucidado na seção anterior, uma questão a ser ressaltada quando falamos de
famílias é seu caráter heterogêneo. Sabe-se que as famílias não são todas iguais e de caráter
protetivo. “Vale ressaltar o caráter contraditório da família, como um chamamento para o fato
de que o núcleo familiar não é uma ilha de virtudes e de consensos num mar conturbado de
permanentes tensões e dissensões” (PEREIRA, 2004, p. 36). A estrutura das famílias
brasileiras vem se modificando nos últimos tempos.
Essa variedade tem que ser considerada na análise da transformação dessa
instituição em uma festejada fonte privada de proteção social. Isto porque a
tradicional família nuclear - composta de um casal legalmente unido, com
dois ou três filhos, na qual o homem assumia os encargos de provisão e a
mulher, as tarefas do lar-, que ainda hoje serve de referência para os
formuladores de política social, está em extinção (PEREIRA, 2004, p. 38).
A centralidade das políticas sociais na família pode ser considerada como uma questão
35
de gênero, pois “é das mulheres que se espera a renúncia das conquistas no campo do trabalho
e da cidadania social, pois de presume que o foco central de suas preocupações continua
sendo a casa, enquanto o do homem ainda é o local de trabalho” (PEREIRA, 2004, p. 39).
Em relação à questão dos cuidados com os membros envelhecidos do grupo familiar não é
diferente. As mulheres são aquelas que, no interior das famílias, tornam-se as responsáveis
pelos cuidados prestados aos idosos, e este é um trabalho invisibilizado. Ou seja, além dos
serviços ofertados para a população idosa não abarcarem suas necessidades deixando este
dever para o âmbito privado das relações sociais, afetam ainda mulheres que não tem nenhum
direito trabalhista e social.
3.2 - Envelhecimento e previdência social
O envelhecimento da população analisado sob a ótica previdenciária perpassa pela
questão de gênero. Conforme constata Silva:
Com relação à política de previdência social, é importante reconhecer, antes
de tudo, que o envelhecimento populacional e a elevada informalidade nas
relações de trabalho são as mais relevantes características para compreender
as transformações acerca desta política e que interferem diretamente na vida
das mulheres e nas famílias brasileiras chefiadas por elas (SILVA, 2012,
p.48).
Historicamente a participação no mercado de trabalho foi predominantemente
masculina, à mulher cabia as funções domésticas do cuidado, tanto para membros recém
chegados (crianças) como para os membros mais envelhecidos do núcleo familiar.
Foi com a criação da primeira Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP's), em 1923
que surgiu a base do sistema previdenciário brasileiro. Com a unificação do referido sistema
nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP's) ainda não ocorre diferenciações entre
homens e mulheres em relação a critérios para concessões de benefícios, pois o mercado de
trabalho ainda era ocupado por pessoas do sexo masculino (CAMARANO; PASINATO,
2002).
É apenas a partir da década de 1960 que a participação feminina no mundo formal do
trabalho se intensifica, passando a demandar maior atenção do sistema previdenciário. Nessa
época também ocorre a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A partir
deste houve modificações, conforme constata Camarano:
36
No tocante à diferenciação por gênero, a unificação do sistema implicou as
seguintes medidas: a aposentadoria por idade passou a ser devida ao
segurado após os 60 anos de idade, para as mulheres, e 65, para os homens.
A aposentadoria compulsória foi estabelecida para o segurado que alcançasse
65 ou 70 anos de idade, mulheres e homens, respectivamente. Aposentadoria
por tempo de serviço, anteriormente restrita a algumas categorias
profissionais, foi estendida a todos os participantes do sistema sem qualquer
distinção de gênero. Esse benefício foi garantido aos segurados, de ambos os
sexos, que contassem com mais de 30 ou 35 anos de serviço
(CAMARANO; PASINATO, 2002, p.4).
Após esta primeira inclusão de trabalhadores formais do sexo feminino na legislação
em relação às questões previdenciárias, outras categorias, de maneira fragmentada, foram
incorporadas nas coberturas previdenciárias, como os trabalhadores rurais e empregados
domésticos. Somente com a Constituição Federal de 1988 e o conceito de seguridade social
“que fez com que a rede de proteção social saísse do contexto estritamente social trabalhista e
assistencialista e passasse a adquirir uma conotação de direito de cidadania” (CAMARANO;
PASINATO, 2002, p.5).
Apesar das conquistas da sociedade materializadas na Constituição, desde 1993, ano
previsto para revisões constitucionais, iniciou-se um processo para concretização de
“reformas previdenciárias”.
A chamada “reforma” da previdência só veio a se concretizar com a
aprovação da Emenda Constitucional número 20, de 15 de dezembro de
1998. No entanto, a questão só foi atacada pelo lado das despesas, tendo as
principais medidas aprovadas residido em: a) substituição do conceito de
tempo de serviço por tempo de contribuição, passando a ser objeto de
comprovação legal a efetiva contribuição para o sistema e não mais apenas o
tempo trabalhado; e b) eliminação das aposentadorias proporcionais. Essa
última medida proporcionou uma postergação ou represamento dos
benefícios por tempo de serviço por cinco anos (CAMARANO; PASINATO,
2002, p.7).
Desde a consolidação da primeira reforma na previdência social, que foi possível
devido a legitimidade do governo da época, a segurança social no âmbito previdenciário está
em constante ameaça. Mota (2009, p.41). ressalta que foi necessário redefinir a seguridade
social para “adequá-la às novas exigências do grande capital, razão maior da definição de um
conjunto de prescrições – nomeadas de ajustes e reformas – nos países periféricos, cujos
principais formuladores são os organismos internacionais”.
Nessa perspectiva, percebe-se que a questão previdenciária é alvo privilegiado de
ajustes sob a ótica neoliberal e o envelhecimento da população somado ao aumento da
37
expectativa de vida pode tornar-se aliado das investidas dos agentes neoliberais para justificar
mudanças e retirada de direitos conquistados pela população brasileira e mundial.
De acordo com Marri, Wajnman e Andrade (2011, p.37)
O contexto do envelhecimento populacional e elevada informalidade das
relações de trabalho suscita a preocupação atual com a insolvência dos
sistemas de pensão, no Brasil e em vários países do mundo, sugerindo a
necessidade urgente de reformá-los. As propostas de reformas (ou as
reformas já ocorridas), por meio da alteração de parâmetros (regras de
elegibilidade e concessão de benefícios), ou da estrutura dos sistemas como
um todo, têm como objetivos principais reduzir o desequilíbrio fiscal dos
sistemas, torná-los atuarialmente mais justos e, consequentemente, mais
atraentes para seus participantes e para as futuras coortes.
Sabe-se que homens e mulheres ocupam de maneira desigual o mercado de trabalho,
“apesar do aumento da participação das mulheres do mercado de trabalho brasileiro ao longo
das últimas décadas e da redução das diferenças salariais observados entre os sexos, ainda
são grandes as diferenças de gênero no mercado de trabalho e nas atividades domésticas”
(MARRI; WAJNMAN; ANDRADE, 2011, p.38). A desigualdade de inserção no mercado de
trabalho em jornadas menores e atividades menos valorizadas faz com que as mulheres
tenham coberturas previdenciárias inferiores, o que traz consequências nas aposentadorias.
As distinções entre idosas e idosos em relação à previdência social inicia-se com as
diferenças nas regras para concessões de benefícios. Quase que como uma compensação pela
inserção diferenciada no trabalho formal, maternidade e cuidados do lar, as mulheres têm um
tempo de contribuição menor e um bônus de cinco anos na aposentadoria por idade (MARRI;
WAJNMAN; ANDRADE, 2011).
Faz-se importante salientar que são as mulheres as maiores beneficiárias do Benefício
de Prestação Continuada da Assistência Social ao Idoso (BPC) e ainda por terem uma
sobrevida maior em relação aos homens, este diferencial também as torna as principais
recebedoras das pensões por morte (dos maridos). Analisando a questão de gênero embutida
na previdência social brasileira pode-se dizer que, caso ocorra reformas em relação aos pontos
levantados anteriormente, serão as mulheres idosas as mais prejudicadas nas suas rendas.
Conforme discutido por Guimarães (apud WAJNMAN 2011)
Embora haja no presente um aparato institucional na legislação da
previdência [Previdência Social no Brasil] que proteja as mulheres, as
condições que determinam o seu nível de aposentadoria ex-ante, ou seja, o
salário ao longo do ciclo de vida laborativo e a forma de inserção no
mercado de trabalho, ainda são extremamente desfavoráveis a elas. Assim,
algumas reformas implementadas na Previdência Social nas duas últimas
décadas, concorreram para atenuar as disparidades entre homens e mulheres,
38
mas ainda assim permanece um viés de gênero caracterizado, tanto pela
menor cobertura de mulheres pelo sistema, quanto por rendimentos
femininos sistematicamente inferiores aos masculinos (WAJNMAN , 2011,
s/p).
É fato que a cobertura previdenciária se ampliou nas últimas décadas, e incluiu
trabalhadores há muito ignorados, como por exemplo os trabalhadores rurais, entretanto as
ampliações estão ameaçadas devido a elevação do número de idosos no total da população
brasileira. Sabe-se que o equilíbrio do sistema previdenciário depende de uma sinergia entre
contribuição e contribuintes, por um lado, e beneficiários e período de recebimento dos
benefícios, por outro, portanto
[…] o crescimento acelerado do número de idosas e a entrada crescente de
mulheres no mercado de trabalho aumentam o número de beneficiárias
potenciais do sistema. Além disso, amplia-se o tempo de recebimento dos
benefícios (pensões e aposentadorias) com a redução da mortalidade da
população idosa, que é, também, diferenciada por sexo. (CAMARANO;
PASINATO, 2002, p. 7)
Foi fundamental o aumento da cobertura previdenciária que visava englobar as
mulheres idosas, pois ao ampliar a cobertura destas no sistema previdenciário, observou-se
uma correspondente melhoria de suas condições de vida e de suas famílias (CAMARANO;
PASINATO, 2002). Por isso, contrarreformas nas concessões de benefícios previdenciários
podem afetar, como já mencionado, não somente o idoso mas todo o grupo familiar que, por
vezes, depende dessa renda. Fato que pode ser verificado na Figura 12.
39
Figura 12 – Participação da renda do idoso na renda familiar por tipo de rendimento – Brasil
Urbano, 2002
Fonte: Wajnman (2011, s/p).
Ao analisar a Figura 12 percebe-se que são os homens que, quando idosos, ajudam na
renda da família por possuírem aposentadoria, por outro lado são as mulheres idosas, quando
contribuem para o rendimento do grupo familiar, fazem por receberem em sua maioria
pensões. Este quadro é reflexo do passado recente do Brasil que, conforme citado
anteriormente, tinha seu mercado formal de trabalho dominado por pessoas do sexo
masculino. Wajnman (2011, p. 5) analisa que “no grupo de 60-64 anos, onde se encontra a
maior proporção dos idosos ativos, o rendimento dos homens correspondia, em 2002, a nada
menos que 67% de sua renda familiar no meio urbano e 69% no rural”.
Na figura número de 13 verifica-se a participação da renda dos idosos quando se trata
de uma família que reside no meio rural.
40
Figura 13 – Participação da renda do idoso na renda familiar por tipo de rendimento – Brasil
Rural, 2002
Fonte: Wajnman (2011 s/p).
Depreende-se que a participação de mulheres idosas rurais na renda familiar pelo
rendimento provindo de aposentadoria é maior se comparada com as mulheres urbanas.
Wajnman (2011) coloca que em se tratando de mulheres rurais, sua participação na renda
familiar aumenta à medida que elas envelhecem, provavelmente pelo aumento da
probabilidade de perda do cônjuge.
É importante salientar que para o sistema previdenciário o fato de as mulheres terem
maior sobrevida que os homens e a possibilidade, que há atualmente, de acúmulo de pensões e
aposentadorias pode gerar a necessidade de revisão das concessões de benefícios. As Figura
14 e 15 apresentam a composição da renda das mulheres idosas em relação ao meio urbano e
rural. Sendo que a Figura 14 refere-se ao ano de 1991 e a Figura 15 ao ano de 1999.
41
Figura 14 – Fontes de renda de idosas no ano de 1991
Fonte: Camarano; Pasinato (2002, p. 14).
Figura 15 – Fontes de renda de idosas no ano de 1993
Fonte: Camarano; Pasinato (2002, p. 14).
Pode-se deduzir, analisando os dados das figuras, que ocorreu um acentuado aumento
42
de mulheres idosas que recebem pensões e aposentadoria. Camarano; Pasinato (2002) ressalta
que houve uma redução da participação da renda do trabalho. O maior aumento ocorreu na
proporção de mulheres que acumulam pensões e aposentadorias.
O acúmulo de pensões e aposentadorias que podem ser requeridos tanto por homens
quanto por mulheres, vem gerando questionamentos principalmente pelo fato de serem as
mulheres as mais beneficiadas com essa possibilidade. Neste sentido Marri, Wajnman e
Andrade (2011) sinalizam reformas na previdência que atingiriam homens e mulheres:
- Aumento do tempo de contribuição das mulheres para 35 anos, eliminando a
diferença entre os sexos;
- Adoção de idade mínima de 61 anos, para aposentadorias por tempo de
contribuição das mulheres;
- Adoção de idade mínima de 65 anos, para aposentadorias por tempo de
contribuição dos homens;
- Redução do valor das pensões para 80% do valor atual, dependendo do número
de filhos menores de 21 anos;
- Impossibilidade de se acumularem benefícios de aposentadoria e pensão, sendo
obrigatória a escolha entre o maior dos dois benefícios (para homens e mulheres);
- Elevação da idade mínima para requerer o BPC do idoso, de 65 para 70 anos, e
redução do valor do benefício para 75% do piso previdenciário.
Neste sentido Silva (2012) explana a respeito da colaboração da mídia brasileira para
concretização de mudanças no sistema previdenciário.
Em uma matéria do Jornal Hoje (TELES, 2012), Garibaldi Alves Filho,
Ministro da Previdência Social colocou que “existem sugestões de se criar,
algumas restrições para o bem da sociedade, para que algumas pessoas não
possam desfrutar dessas pensões pelo resto da vida”. Isto porque por mês,
quase cinco bilhões de reais do orçamento do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), são destinados às pensões. Isso representa 20% do total de
benefícios e a maior parte é paga às viúvas. As justificativas para as
mudanças neste contexto se baseiam na premissa de que este é um benefício
que pode se acumular a outro, não é exigido um tempo mínimo de carência e
independe da idade. (SILVA, 2012, p 51).
Entretanto como já apontado, a redução de direitos de aposentadorias e pensões
afetariam todo o grupo familiar, podendo trazer uma sobrecarga maior para as famílias dos
idosos. Segundo Camarano; Pasinato (2002) as famílias chefiadas por mulheres idosas estão
em melhores condições econômicas que as famílias chefiadas por pessoas não idosas. “As
relativas melhores condições de vida das famílias chefiadas por idosas se devem, sem dúvida,
43
à importância dos benefícios previdenciários, que operam como um seguro de renda vitalício.
Em muitos casos, constitui-se na única fonte de renda das famílias” (CAMARANO;
PASINATO, 2002, p. 21).
Depreende-se que, ao passar dos anos, ocorreu uma melhora nas condições de vida das
mulheres idosas que antes caracterizavam-se como dependentes.
Para isso, um papel muito importante tem sido desempenhado pela
Previdência Social, tanto urbana quanto rural, e pela Loas que asseguram
renda para um contingente importante da população idosa e, em especial,
para as mulheres idosas, representando um componente importante na renda
total das famílias, […] Além disso, esses benefícios têm sido fundamentais
na redução do grau de pobreza entre as famílias que têm idosos
(CAMARANO; PASINATO, 2002, p. 23).
Apesar de todas as vantagens para os idosos, suas famílias e para a sociedade em
geral, as investidas dos governos para diminuir a cobertura da proteção social fornecida pelos
benefícios previdenciários são rotineiras, fato que conforme sinalizado anteriormente é
legitimado até pela mídia.
Apesar da importância que o benefício da Previdência Social está
representando na renda das famílias, ou seja, a política previdenciária vem
apresentando resultados bastante positivos do ponto de vista de uma política
social, o seu financiamento não é uma questão equacionada. Uma das
grandes preocupações do Estado brasileiro na atualidade é com a chamada
“crise da Previdência,” originada pelo déficit do sistema de repartição
simples. Essa preocupação, traduzida quase sempre por parte do Estado em
medidas de redução do benefício, tem gerado um sentimento forte de
insegurança na população idosa (CAMARANO; PASINATO, 2002, p. 24).
Essa insegurança é fundamentada à medida em que a qualquer momento pode haver
mudanças e estas podem estar respaldadas justamente na questão do envelhecimento da
população brasileira. Ou seja, o aumento da expectativa de vida no país pode tornar-se algo
ruim pois os direitos conquistados correm o risco de serem reduzidos sob este argumento.
Como sinaliza Simionatto (apud Silva 2012)
As políticas sociais públicas, situadas como causa primeira do déficit
público, tornaram-se o alvo preferido dos governos na batalha do ajuste
estrutural. Nos países de capitalismo periférico, onde o Estado de Bem-Estar
Social não chegou a ser constituído na sua expressão clássica, como é o caso
dos países do Mercosul, as políticas sociais universais, como Previdência e
Assistência Social, Saúde e Educação Básica, sofreram perdas irreparáveis,
agravando-se de forma crescente as já precárias condições sociais da grande
maioria da população.
Em relação a política previdenciária, a principal perda sofrida foi a não concretização
de uma previdência universal que abarcasse todos os cidadãos independentemente de
44
contribuições. Uma política que não fosse pensada na lógica de seguro, mas de direito social.
3.3 - Envelhecimento e saúde
As primeiras intervenções do Estado na questão da saúde, no Brasil, se deram na
intenção de promover a higienização das cidades e grandes centros urbanos. O Estado só irá
atuar de fato na década de 1930, entretanto à assistência médica era pautada na filantropia e
na prática neoliberal (BRAVO, 2009).
A conjuntura de 30, com suas características econômicas e políticas,
possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem às
questões sociais de forma orgânica de sistemática. As questões sociais em
geral e as de saúde em particular, precisavam ser enfrentadas de forma mais
sofisticada. Necessitavam transformar-se em questão política, com a
intervenção estatal e a criação de novos aparelhos que contemplassem, de
algum modo, os assalariados urbanos que se caracterizavam como sujeitos
sociais importantes no cenário político nacional, em decorrência da nova
dinâmica da acumulação (BRAVO, 2006, p. 91).
Contudo, o modelo de saúde desenvolvido na época se baseava na medicina
previdenciária e nas ações de saúde pública voltadas para proporcionar mínimas condições
sanitárias, principalmente, para a população que residia em meios urbanos (BRAVO, 2006).
Somente com o Movimento de Reforma Sanitária iniciado em meados da década de
1970 e o envolvimento de novos sujeitos sociais na luta pela saúde como direito para todos
que a questão da saúde ganhou espaço na agenda nacional e se tornou uma das principais lutas
na época da redemocratização do país. Neste processo, destacou-se a 8º Conferência Nacional
de Saúde, realizada em 1986, que culminou em uma nova concepção de saúde ampliada como
dever do Estado e direito de toda a sociedade, o que ainda possibilitou o debate para a
incorporação na Constituição Federal de 1988 das proposições defendidas durante vários anos
pelos participantes do Movimento Sanitário. Atualmente, o sistema que atua na promoção,
prevenção e recuperação da saúde em todo o território nacional é regulamentado pela Lei n.
8.080 de 1990 e pela Lei n. 8.142 de 1990 que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde
(SUS). “Além de único, o sistema foi previsto como nacional, cobrindo todo o território e
toda população, e descentralizado, incorporando os três níveis de governo” (LOBATO, 2012,
p. 81). Porém, a saúde no Brasil, após 23 anos da promulgação das leis que consolidam o SUS
ainda não é universal, visto que grande parte dos brasileiros possuem planos de saúde para
obterem acesso à serviços de maior prontidão e garantia de acesso principalmente na atenção
em média complexidade (LOBATO, 2012).
45
Apesar dos inúmeros problemas que atingem o SUS, este hoje é um dos maiores
sistemas de saúde do mundo.
No que toca à produção de serviços, a grandiosidade do SUS é evidente.
Tomando o ano de 2007, foram realizados 2,7 bilhões de procedimentos
ambulatoriais com 610 milhões de consultas, 403 milhões de cirurgias, 212
milhões de atendimentos dentários, 150 milhões de vacinas, 23 milhões de
ações de vigilância sanitária, 12 mil transplantes de órgãos e tecidos, fora
programas avançados como o de controle e tratamento de Aids (LOBATO,
2012, p. 85).
Foi na década de 1990 que iniciou-se no Brasil um novo projeto, o de transformar a
saúde, tão duramente conquistada, em algo fornecido pelo mercado, neste projeto o Estado
garantiria o mínimo de atenção àqueles que não podem pagar, ficando para o setor privado o
atendimento dos que têm acesso ao mercado (BRAVO, 2006).
“A proposta de Política de Saúde construída na década de 80 tem sido desconstruída. A
Saúde fica vinculada ao mercado, enfatizando-se as parcerias com a sociedade civil,
responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise” (BRAVO, 2006, p 100). Com esta
afirmação da autora depreende-se que, quando se trata da questão da saúde, há uma
transferência para setores da sociedade em relação ao provimento da atenção, fato que
também é percebido em outras políticas públicas. Como concebe Iamamoto (2006, p. 163)
A atual desregulamentação das políticas públicas e dos direitos sociais
desloca a atenção à pobreza para a iniciativa privada ou individual,
impulsionada por motivações solidárias e benemerentes, submetidas ao
arbítrio do indivíduo isolado, e não à responsabilidade pública do Estado.
Além do repasse para a sociedade com o intuito de que esta assuma a promoção da
saúde, percebe-se que também há um repasse para as famílias no campo do cuidado, e em
algo que quase não é citado, que é o financiamento dessa atenção, como se a família não
tivesse despesas ao assumir o cuidado de seus membros. Esta questão se agrava com o
processo de envelhecimento da população, pois as famílias contam com mais pessoas idosas
que precisarão de mais cuidados de saúde, muitas vezes especializados, ainda mais se este
idoso possuir uma doença crônica.
A saúde do idoso brasileiro foi objeto de um estudo do IBGE. O documento produzido
abarca a questão da saúde e os indicadores de morbimortalidade desta população. O objetivo
foi mostrar a desigualdade no acesso a esta política pública no país, e as condições de saúde
do contingente populacional formado pelas pessoas que possuem idade mais avançada. É fato
que os tipos de doenças que afetam os idosos de hoje não são as mesmas que afetavam estes
46
em tempos passados, atualmente os idosos sofrem com doenças relacionadas ao sedentarismo
e ao trabalho exercido ao longo da vida produtiva.
Além das modificações populacionais, o País tem experimentado mudanças
no perfil epidemiológico da população, com alterações relevantes no quadro
de morbimortalidade. As doenças infectocontagiosas, que representavam
cerca de metade das mortes registradas no País em meados do Século XX,
hoje são responsáveis por menos de 10%, ocorrendo o oposto em relação às
doenças cardiovasculares. Em menos de 50 anos, o Brasil passou de um
perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um desenho
caracterizado por enfermidades complexas e mais onerosas, próprias das
faixas etárias mais avançadas (IBGE, 2009, p. 7).
Essas transformações ocorrem de forma desigual no país, conforme mencionado
anteriormente, as condições da população em relação a educação, renda e fecundidade são
fatores que vão corroborar para que não haja um número elevado de nascimentos nas regiões
brasileiras, bem como em relação às modificações de enfermidades que atingem a população
idosa, este fato dependerá do grau de desenvolvimento de cada região.
Uma das conclusões do IBGE foi que os idosos brasileiros, estão sofrendo cada vez
mais de doenças crônicas. Além das modificações populacionais, expostas na seção 1 deste
trabalho, o país vem passando por uma transição epidemiológica, com alterações relevantes
no quadro de morbimortalidade. A consequência do despreparo do Brasil para lidar com a
questão do envelhecimento pode ser percebido “nos grandes centros urbanos que não dispõem
de uma infraestrutura de serviços que dê conta das demandas decorrentes das transformações
demográficas vigentes” (IBGE, 2009. p. 84). Se a população que está envelhecendo residente
das cidades não tem acesso a condições para cuidar de sua saúde, muito menos terá a
população rural ou do interior do Brasil que é negligenciada. A capacidade funcional destes
idosos também pode ser utilizada para analisar a carga de doenças crônicas sofridas e também
seu acesso aos serviços de saúde.
Segundo o documento do IBGE
O que chama a atenção é a desigualdade. Os idosos moradores da Região
Nordeste do País encontram-se em séria desvantagem quanto à condição
funcional, quando comparados com os demais. Por outro lado, os idosos do
Rio Grande do Sul, Unidade da Federação que apresenta a segunda maior
expectativa de vida do País, apresentam prevalência de incapacidade
bastante diferenciada (IBGE, 2009, p. 87).
Outro viés para analisar a ocorrência de incapacidade funcional entre os idosos é a
renda.
As taxas de prevalência de incapacidade funcional dos idosos mais pobres
47
(até 1 salário-mínimo per capita) são maiores do que as dos idosos com
rendimento mais elevado (mais de 5 salários mínimos per capita), variando
de 20,4% a 39,3% e de 5,8% a 32,9%, respectivamente, nas mesorregiões.
Isso mostra que a renda está associada com a incapacidade funcional de
forma inversa – aumento da renda e diminuição da incapacidade funcional –
entretanto, mesmo entre os idosos com nível de rendimento mais elevado,
essa taxa de prevalência alcança 32% em algumas áreas, indicando que
ações preventivas de saúde, nestes grupos, podem contribuir para redução de
declínio funcional (IBGE, 2009, p. 88).
Com estes dados, conclui-se que uma população mais envelhecida e com menos poder
aquisitivo devido, muitas vezes, ao trabalho desenvolvido nos anos em atividade, tende a ter
piores condições de saúde na velhice e desenvolver mais doenças crônicas. Diante disto, o
repasse para as famílias dos cuidados de seus membros promovido pelas políticas sociais
sobrecarrega o grupo familiar não somente em relação a questão do tempo para promover a
atenção ao idoso mas também pelo financiamento deste cuidado oferecido. Estes idosos além
de possuírem, por vezes, doenças crônicas são, em sua maioria, desprovidos de rendas
próprias que suportem o pagamento de cuidadores e de todo o aparato necessário para manter
boas condições de vida em seus lares.
Neste sentido, Camarano (2006, p 9) adverte que
As mudanças nos arranjos familiares, a queda da fecundidade e a quebra dos
laços de solidariedade familiar resultantes dos processos de migração e de
urbanização – têm sido objeto de crescentes preocupações entre os
formuladores de políticas públicas, pois esses agentes acreditam que a
disponibilidade de suporte familiar para a população idosa pode diminuir à
medida que aumenta o número de pessoas que demandam esse suporte.
Ao mesmo tempo que sabe-se da reduzida disponibilidade que as famílias têm para
promover atenção às necessidades da população idosa, as políticas sociais enfatizam a
importância dos grupos familiares na participação da proteção social. Para Mioto (2012, p.
131) “Essa participação é requerida tanto através de práticas formais de integração como de
práticas informais, geralmente relacionadas à deficiência dos serviços. Dessa forma, o uso dos
serviços requer das famílias a organização de seu tempo e de seus recursos”. Além da
incorporação da família nos textos da lei, elas são cooptadas pelas políticas sociais por meio
de normativas e organizações que incidem diretamente na organização do serviço (Mioto
2012). Diante disto, chamam a atenção várias diretrizes, as principais são as do Pacto pela
Saúde (2006), a Política Nacional de Humanização e os programas de internação domiciliar.
Este último “é veiculado como grande alternativa para o bem-estar do paciente, mas não
escondem o seu objetivo que é o da diminuição de custos” (MIOTO, 2012, p. 133). A atenção
48
às condições de saúde é repassada ao ambiente familiar, o que faz com que sejam os próprios
membros os responsáveis pela manutenção dos cuidados com seus doentes (MIOTO, 2012).
A comprovação desta tendência pode ser observada, por exemplo, analisando o
lançamento recente do Programa Melhor em Casa em outubro de 2011 pelo Governo Federal.
O Programa é voltado para o atendimento de pessoas com necessidade de reabilitação motora,
idosos, pacientes crônicos sem agravamento ou em situação pós-cirúrgica que terão
assistência multiprofissional gratuita em seus lares, com cuidados mais próximos da família
(MS, 2012).
3.3.1 - Envelhecimento e cuidado: questões de família
O envelhecimento populacional é utilizado para justificar a implementação do
Programa Melhor em Casa. Conforme refere o Caderno de Atenção Domiciliar elaborado pelo
Ministério da Saúde (MS):
“[...] com o aumento da expectativa de vida ao nascer (80 anos até o ano
2025) e melhoria nas condições de vida (saneamento, educação, moradia,
saúde), além da queda nas taxas de natalidade (transição demográfica),
muitas mudanças nas necessidades de saúde têm se dado, ampliando,
consequentemente, os problemas sociais. […] À medida que a população
envelhece e há aumento da carga de doenças crônico-degenerativas, aumenta
também o número de pessoas que necessitam de cuidados continuados e
mais intensivos. […] Em alguns escritos da literatura que discutem a atenção
domiciliar (AD), o envelhecimento da população é descrito como um dos
principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento das práticas de cuidado
em saúde no domicílio (MS, 2012, p. 9).
A defesa de que a prática do cuidado no domicílio melhora a condição de vida dos
idosos que estão cada vez mais em ascensão na pirâmide etária do Brasil, perpassa também
pela questão financeira. A internação domiciliar diminuiria os custos que o SUS têm com este
contingente populacional. Conforme Nunes (2003) são os idosos os responsáveis pelo maior
número de reinternações na rede SUS. O referido autor realiza em seu artigo denominado “O
envelhecimento populacional e as despesas do sistema único de saúde” considerações
referentes as despesas do SUS com as internações no ano de 2003. O trabalho foca na questão
dos gastos que o sistema de saúde brasileiro dispensa para promover saúde aos cidadãos.
Segundo o autor:
A elevação das despesas com saúde dos idosos não é explicada pela elevação
dos custos dos procedimentos e, sim, pela frequência, ou seja, pelo consumo
49
mais elevado destes. Medidas de saúde pública que objetivem melhorar a
qualidade da atenção à saúde dos idosos, sem com isso necessariamente
aumentar os gastos, devem priorizar a redução do número de internações.
[...] Alternativas concretas para realização deste objetivo podem ser os
programas de saúde em casa e a internação domiciliar (NUNES, 2004, p.
433).
Nota-se, neste trecho, que a internação domiciliar é tida como uma solução para o
sucateamento dos hospitais no país. Todavia, encontra-se na abordagem de Veras (2009, p.
552) outra concepção para melhorar e reduzir custos na atenção à saúde do idoso
Um modelo de atenção à saúde do idoso que pretenda apresentar efetividade
e eficiência precisa aplicar todos os níveis da prevenção e possuir um fluxo
bem desenhado de ações de educação, de promoção à saúde, de prevenção
de doenças evitáveis, de postergação de moléstia e de reabilitação de
agravos. Deste modo, deve existir no modelo, para o momento posterior à
captação e identificação de risco dos clientes idosos, uma etapa na qual
estejam incluídas a possibilidade de tratamento de patologias não geriátricas
e o referenciamento para cuidado geriátrico, quando houver a necessidade de
tratamento especializado.
Com o Programa Melhor em Casa, ao invés de investir em promoção e prevenção de
riscos e agravos em saúde para que esses usuários retornem menos vezes ao hospital,
empurra-se para o domicílio a resolução da elevação dos gastos com idosos no SUS, prática
que não condiz com a realidade dos núcleos familiares que, por vezes, não têm condições de
prover esta atenção.
Sabendo-se que há uma grande parcela de pessoas que atingiram a faixa etária de 60
anos e mais porém não são pessoas que sofrem com patologias e para estes
[…] poder-se-ia propor uma política com foco na manutenção da capacidade
funcional, em programas de prevenção, no investimento de metodologias
para a detecção precoce de doenças, no monitoramento das doenças
crônicas, no sistema do médico personalizado, entre outras medidas, em
lugar do modelo de demanda espontânea que tem no hospital a peça central
do sistema (VERAS, 2009, p 553).
Justifica-se ainda que a consolidação do referido Programa mudaria o quadro de
atenção à saúde baseada no modelo médico hegemônico, que atua principalmente quando os
agravos já devem ser destinados à alta complexidade, ou seja ao hospital. A internação
domiciliar, na perspectiva do referido programa ainda proporcionaria uma maior autonomia
do usuário em relação ao seu cuidado com a saúde.
Um dos eixos centrais da Atenção Domiciliar é a “desospitalização”.
Proporciona celeridade no processo de alta hospitalar com cuidado
continuado no domicílio; minimiza intercorrências clínicas, a partir da
manutenção de cuidado sistemático das equipes de atenção domiciliar;
50
diminui os riscos de infecções hospitalares por longo tempo de permanência
de pacientes no ambiente hospitalar, em especial, os idosos; oferece suporte
emocional necessário para pacientes em estado grave ou terminal e
familiares; institui o papel do cuidador, que pode ser um parente, um
vizinho, ou qualquer pessoa com vínculo emocional com o paciente e que se
responsabilize pelo cuidado junto aos profissionais de saúde; e propõe
autonomia para o paciente no cuidado fora do hospital (MS, 2012, p. 11).
Percebe-se neste trecho, retirado do Manual Instrutivo elaborado pelo Ministério da
Saúde sobre a Atenção Domiciliar, a clara intenção do Programa em responsabilizar qualquer
pessoa próxima ao usuário pelo cuidado, até mesmo pessoas que mantenham vínculos
emocionais com o usuário do serviço. Entretanto sabe-se que, no Brasil, a maioria da
população não possui condições financeiras para contratar um cuidador para seus membros
envelhecidos e doentes. Este processo passaria, por vezes, por questões que gerariam mais
desigualdades sociais. Como, por exemplo, no caso de mulheres que tenham que abandonar
seus empregos para tornarem-se cuidadoras, ou famílias que terão que trabalhar mais, em dois
ou três empregos para manter a atenção ao familiar. Como aponta Silva (2012, p. 55) “[...] o
cuidador informal é alguém, quase sempre, da própria família e geralmente uma figura
feminina que fica responsável pela pessoa “doente”, acarretando sobre si diversas funções”.
Pode-se notar claramente nas diretrizes do Programa Melhor em Casa o repasse da
atenção em saúde para os cuidadores. Conforme explicitado no artigo 2, item III, da portaria
n. 963 de 27 de maio de 2013 considera-se cuidador: “pessoa com ou sem vínculo familiar,
capacitada para auxiliar o usuário em suas necessidades e atividades da vida cotidiana”
(BRASIL, 2013, s/p). Ainda nesta portaria o artigo 18 especifica as atribuições das equipes, e
faz citações sobre os cuidadores, tais como:
II - identificar e treinar os familiares e/ou cuidador dos usuários, envolvendo-os
na realização de cuidados, respeitando os seus limites e potencialidades;
III - abordar o cuidador como sujeito do processo e executor das ações;
IV – acolher demanda de dúvidas e queixas dos usuários e familiares e/ou
cuidador como parte do processo de Atenção Domiciliar;
V – elaborar reuniões para cuidadores e familiares;
VII – promover treinamento pré e pós-desospitalização para os familiares e/ou
cuidador dos usuários (BRASIL, 2012).
O Ministério da Saúde justifica o Programa Melhor em Casa como se este pudesse
proporcionar a “volta ao seio familiar” do indivíduo, que é retirado de um ambiente frio e
51
impessoal e é levado ao local mais apropriado para sua recuperação, o lar. “A família, no
cenário dos serviços de saúde, passa a ser invocada e evocada como sujeito fundamental no
processo de cuidado tanto no sentido de sua responsabilidade do cuidado, como de ser objeto
de cuidado” (MIOTO; DALPRÁ, 2012, p. 8).
Trazer a família para o cuidado de seus idosos significa que a atenção à saúde
perpassará por laços de solidariedade, sem maiores custos para o aparato Estatal, com a
justificativa de que este dispõe de recursos insuficientes para atender as necessidades de saúde
da população idosa. E quando a família estiver afastada do convívio com o idoso caberá “a
equipe de atenção básica resgatar a família deste”. Na ausência da família, a equipe deverá
localizar pessoas da comunidade para a realização do cuidado, formando uma “rede
participativa no processo de cuidar” (MS, 2012, p. 24). Esse “resgate” do familiar nada mais é
do que uma busca pela responsabilização de quem, por vezes, está afastado devido a questões
que perpassam por relações de maus-tratos, desentendimentos, omissões, abandono, enfim,
situações de uma vida inteira. Essa busca por familiares não engloba os diferentes arranjos
familiares existentes.
Neste sentido, estimula-se as “redes sociais” e a convivência intergeracional como
saída para uma melhor qualidade de vida de idosos. Este argumento, como já mencionado,
pode ser analisado em diversos artigos que tratam sobre o tema
[...] incentivar o desenvolvimento das redes sociais é uma maneira de
facilitar os cuidados com a saúde e de criar oportunidades para melhoria das
condições de vida dos idosos. É necessário, consequentemente, levar em
consideração este recurso, de baixo custo financeiro, e estimular sua
formação. As redes devem incluir, acima de tudo, a família e parentes mais
próximos, que constituem os potenciais “cuidadores” do idoso, na presença
inexorável da degeneração biológica, em paralelo ao aparato governamental,
certamente insuficiente (WONG; CARVALHO, 2006, p. 22).
A palavra idoso neste contexto refere-se a alguém debilitado e entregue a vontade de
outros, toma-se a questão biológica e de dependência como fator principal para elaboração de
políticas públicas para a faixa etária, não havendo uma separação de quem realmente
precisará de uma atenção em saúde maio, daqueles quem não se enquadram no padrão
determinado de idoso e buscam autonomia, porém longe de cuidadores e manuais que
invadem o grupo familiar e impõem regras no campo do cuidado. “As formas como a vida é
periodizada e a definição das práticas relacionadas a cada período apresentam também
variações, de acordo com os grupos sociais no interior de uma mesma sociedade” (DEBERT,
52
1994, p. 11). O Programa Melhor em Casa não abarca as diferenças regionais que existem no
Brasil que são muitas e não somente econômicas e de classes mas também culturais.
A própria divisão dos indivíduos por etapas na vida atribuindo o papel de cada ser a
depender de sua idade cronológica já é uma forma de gerar preconceitos e limitações de
acesso (DEBERT, 1994). Nesta lógica, cada um tem seu papel delimitado na sociedade, ao
invés de considerar-se que cada pessoa tem sua particularidade, homogeneizasse as situações
como se todos necessitassem do mesmo nível de atenção para, claro, diminuir gastos.
Entretanto, possuir ou não um bom estado de saúde perpassa por outras questões que não
somente à atenção as necessidades físicas por meio do cuidado.
Percebe-se que o idoso é passivo neste processo, pois não é mencionado em momento
algum nos manuais do Ministério da Saúde sobre a questão da internação domiciliar as
aspirações do próprio indivíduo, que assistirá, por vezes, toda a mobilização de seus
familiares para atendê-lo, de um modo que pode ser considerado até perverso, pois atinge
principalmente as mulheres dentro das famílias.
3.4 - Envelhecimento e assistência social
As ações de assistência social, historicamente, têm suas raízes fundada na caridade,
filantropia e solidariedade religiosa. No entanto, modificações ocorridas nas sociedades
requisitaram que o Estado se responsabilizasse em produzir serviços sociais para seus
cidadãos. O ganho maior em relação à política de assistência social se concretiza na
Constituição Federal de 1988 (RAMOS, 2009). Segundo o o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) a assistência social brasileira, passa a ser entendida como
uma política pública não contributiva, de dever do Estado e direto de todo cidadão que dela
necessitar (BRASIL, 2013).
Foi a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n° 8742/93 que regulamentou as
ações da política de assistência social no país. A LOAS determina que a assistência social seja
organizada em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e
pela sociedade civil. Essa lei lei traz eu seu texto a obrigatoriedade do Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS) de propor a Política Nacional de Assistência Social que foi
aprovada em 2004, na IV Conferência Nacional de Assistência Social que deliberou a
implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Cumprindo essa deliberação, o
MDS implantou o SUAS, que passou a articular meios, esforços e recursos para a execução
53
dos programas, serviços e benefícios socioassistenciais (BRASIL, 2013).
De acordo com Vaitsman, Andrade e Farias (2009, p. 738)
Uma nova etapa da assistência social é inaugurada com a deliberação de
construção do SUAS pela IV Conferência Nacional de Assistência Social em
2003 e a aprovação da PNAS em 2004, com a definição de dois níveis de
proteção, a básica e a especial. Embora o SUAS tenha sido gestado na
década de noventa preservando em sua arquitetura institucional o lugar já
consolidado das organizações filantrópicas, a PNAS estabelece a primazia da
responsabilidade em cada esfera de governo na condução da política, sendo
o papel do setor privado definido como complementar e submetido à
regulação e coordenação estatais. Pretende-se, desta forma, romper com o
viés filantrópico na oferta dos serviços, caracterizando-os como direitos
sócio- assistenciais.
Outra resolução que integra a regulamentação da assistência social no Brasil é a
tipificação nacional de serviços socioassistenciais. “O CNAS resolveu, em uma reunião
ordinária, considerando a deliberação da VI Conferência Nacional de Assistência Social de
tipificar e consolidar a classificação nacional dos serviços socioassistenciais" (BRASIL, 2009
s/p).
Diante das regulamentações em relação à política de assistência cabe ressaltar que o
SUAS tem como missão “organizar a oferta da assistência social em todo o Brasil,
promovendo bem-estar e proteção social a famílias, crianças, adolescentes e jovens, pessoas
com deficiência e idosos” (BRASIL, 2013, s/p). As ações são baseadas nas orientações da
Política Nacional de Assistência Social e classificados conforme a tipificação nacional de
serviços socioassistenciais.
Em relação às famílias e indivíduos a novidade introduzida pela PNAS é o conceito de
matricialidade sociofamiliar. Justifica-se que a família é um importante espaço de proteção
social, e com as modificações que vem sofrendo ultimamente faz-se necessário olhar para o
indivíduo dentro de seu grupo familiar (BRASIL, 2004). A PNAS explicita a necessidade que
há de centralizar a proteção social nas famílias ao mesmo tempo em que coloca que esta
instituição também precisa receber subsídios para que seja capaz de oferecer esta proteção
“[…] faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da política de assistência social,
como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de
cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida” (BRASIL,
2004, p. 41).
A PNAS afirma em seu texto que há diversas configurações familiares e que por isso
mesmo as famílias precisam ser fortalecidas para poderem fornecer atenção aos seus
54
membros. Com este argumento a Política reforça que seja qual for a situação da família, todas
podem oferecer proteção. “A família, independentemente dos formatos ou modelos que
assume, é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando,
continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de
modalidades comunitárias de vida” (PNAS, 2004, p. 41).
Neste sentido, as autoras Carloto e Castilho (2010, p.5) constatam que
[…] cabe primeiramente à família a qualidade do bem-estar de seus
membros, pela socialização de recursos pelo trabalho, pelo solidarismo ou
voluntarismo privado ou por transferências diretas de rendas via Estado. A
família é o sustentáculo deste sistema de proteção social à medida que
contribui para a redução dos gastos públicos na provisão do bem-estar e na
garantia dos direitos dos indivíduos.
Um exemplo disto, também utilizado por Carloto e Castilho (2010) é o Benefício de
Prestação Continuada (BPC). O BPC é um benefício da Política de Assistência Social, que
integra a Proteção Social Básica no âmbito do SUAS. É um benefício individual, não vitalício
e intransferível, que assegura a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com
65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas. Em ambos os casos, devem comprovar
não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família (BRASIL,
2013). Ou seja este benefício só será concedido se os indivíduos idosos ou deficientes não
possuírem meios para prover suas necessidades e que suas famílias também sejam incapazes
de tal provimento. A renda mensal familiar por pessoa deve ser inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo vigente. As condicionalidades para o acesso a este benefício denotam que,
também na política de assistência social, é o grupo familiar o primeiro responsável pela
proteção de seu membro.
Infere-se que a PNAS ao admitir os diferentes modos de constituição das famílias e
reforçar esta como primeira responsável pela proteção, dificilmente irá investir em
programas/serviços que atendam os indivíduos que necessitam, apesar de trazer em seu texto
como verificar-se-á a seguir, diversas modalidades de atenção a estes, conforme elucidado, é a
família a primeira instituição chamada para realizar os serviço assistenciais aos indivíduos.
Entre as modificações que ocorrem nas famílias, citadas pela política de assistência
social, inclui-se o aumento da expectativa de vida das pessoas. Diante disto, a PNAS prevê
55
que a rede assistencial ofereça ações voltadas para os idosos em seus três níveis de atenção
(proteção social básica, proteção social especial de média complexidade e proteção social
especial de alta complexidade).
Vejamos o que é competência de cada nível de complexidade, conforme a tipificação
nacional de serviços socioassistenciais
I - Serviços de Proteção Social Básica:
a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF;
b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e
idosas.
II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade:
a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI;
b) Serviço Especializado em Abordagem Social;
c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa Liberdade Assistida - LA, e de Prestação de Serviços à Comunidade PSC;
d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos(as) e
suas Famílias;
e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:
a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:
- abrigo institucional;
- Casa Lar;
- Casa de Passagem;
- Residência Inclusiva.
b) Serviço de Acolhimento em República;
c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
A proteção social básica possui serviços para as famílias em situação de
vulnerabilidade social, e o idoso é citado em dois dos três itens que compõem este nível de
atenção. O serviço de proteção integral a famílias, possui como principal objetivo fortalecer a
função protetiva da família, contribuindo na melhoria da sua qualidade de vida.
56
No serviço de convivência e fortalecimento de vínculos têm entre os
objetivos: A redução da ocorrência de situações de vulnerabilidade social no
território de abrangência dos Centros de Referência de Assistência Social
(CRAS); prevenção da ocorrência de riscos sociais, seu agravamento ou
reincidência no território de abrangência do CRAS; Aumento de acessos a
serviços socioassistenciais e setoriais; Melhoria da qualidade de vida das
famílias residentes no território de abrangência do CRAS (BRASIL, 2009, p.
10).
E em relação aos idosos terão preferência nestes serviços, os beneficiários de
programas de transferência de renda, como o BPC, idosos com vivências de isolamento por
ausência de acesso a serviços e oportunidades de convívio familiar e comunitário e cujas
necessidades, interesses e disponibilidade indiquem a inclusão no serviço (BRASIL, 2009).
Os objetivos específicos deste serviço para a população idosa consistem em:
Contribuir para um processo de envelhecimento ativo, saudável e autônomo;
Assegurar espaço de encontro para os idosos e encontros intergeracionais de
modo a promover a sua convivência familiar e comunitária; Detectar
necessidades e motivações e desenvolver potencialidades e capacidades para
novos projetos de vida; Propiciar vivências que valorizam as experiências e
que estimulem e potencializem a condição de escolher e decidir,
contribuindo para o desenvolvimento da autonomia e protagonismo social
dos usuários (BRASIL, 2009, p. 12).
Os resultados esperados com estas ações da assistência para idosos em situação de
vulnerabilidade, conforme a tipificação, seria a melhoria da condição de sociabilidade de
idosos e a redução e prevenção de situações de isolamento social e de institucionalização.
Outra categoria de atenção para os idosos neste nível de atendimento da assistência é o
serviço de proteção social básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas tem por
finalidade:
A prevenção de agravos que possam provocar o rompimento de vínculos
familiares e sociais dos usuários. Visa a garantia de direitos, o
desenvolvimento de mecanismos para a inclusão social, a equiparação de
oportunidades e a participação e o desenvolvimento da autonomia das
pessoas com deficiência e pessoas idosas, a partir de suas necessidades e
potencialidades individuais e sociais, prevenindo situações de risco, a
exclusão e o isolamento (BRASIL, 2009, p. 15).
Os objetivos deste serviço são:
Prevenir agravos que possam desencadear rompimento de vínculos
familiares e sociais; Prevenir confinamento de idosos e/ou pessoas com
deficiência; Identificar situações de dependência; Colaborar com redes
inclusivas no território; Prevenir o abrigamento institucional de pessoas com
deficiência e/ou pessoas idosas com vistas a promover a sua inclusão social,
entre outros (BRASIL, 2009).
57
Percebe-se que a proteção social básica visa prevenir a ocorrência de situações as
quais a assistência social teria de investir muitos recursos, como por exemplo, no caso de
institucionalizações. É previsto ainda neste sentido o PAEFI, no nível de atenção especial de
média complexidade, porém este atua quando há violação de direitos. O referido serviço é
previsto para idosos ou deficientes com algum grau de dependência, que tiveram suas
limitações agravadas por violações de direitos, tais como: “exploração da imagem,
isolamento, confinamento, atitudes discriminatórias e preconceituosas no seio da família, falta
de cuidados adequados por parte do cuidador, alto grau de estresse do cuidador,
desvalorização da potencialidade/capacidade da pessoa [...]” (BRASIL, 2009, p. 24).
O serviço de proteção e atendimento especializado a família e indivíduos tem como
finalidade:
Promover a autonomia, a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida
das pessoas participantes. Deve contar com equipe específica e habilitada
para a prestação de serviços especializados a pessoas em situação de
dependência que requeiram cuidados permanentes ou temporários. A ação da
equipe será sempre pautada no reconhecimento do potencial da família e do
cuidador, na aceitação e valorização da diversidade e na redução da
sobrecarga do cuidador, decorrente da prestação de cuidados diários
prolongados (BRASIL, 2009, p. 25).
A tipificação traz que o impacto social que esperado com este serviço é que esta possa
contribuir para:
- Acessos aos direitos socioassistenciais;
- Redução e prevenção de situações de isolamento social e de abrigamento institucional.
- Diminuição da sobrecarga dos cuidadores advinda da prestação continuada de cuidados a
pessoas com dependência;
- Fortalecimento da convivência familiar e comunitária;
- Melhoria da qualidade de vida familiar;
- Redução dos agravos decorrentes de situações violadoras de direitos;
- Proteção social e cuidados individuais e familiares voltados ao desenvolvimento de
autonomias (BRASIL, 2009, p. 27).
Nota-se que os serviços previstos seriam muito úteis para as famílias e indivíduos que
necessitam deste tipo de atenção, até para que as famílias não fiquem sobrecarregadas, pois
teriam respaldo desta política para cuidar de seus membros. Entretanto, verifica-se que não há
ainda a concretização destes serviços na política de assistência social. Neste sentido, as ações
da assistência social, em relação a população idosa vêm sendo requisitadas, basicamente, na
58
atenção especial de alta complexidade, quando há rompimento de vínculos e a necessidade do
idoso ser institucionalizado.
Diante do contexto abordado neste trabalho: as mudanças que vêm ocorrendo nas
famílias com a inserção cada vez maior da mulher (tradicional cuidadora) no mercado de
trabalho; a redução da fecundidade; o envelhecimento populacional e a consequente
convivência intergeracional entre pessoas ativas e idosos com alguma incapacidade, o número
de famílias que necessitam internar seus membros envelhecidos em Instituições de Longa
Permanência para Idosos (ILPI's) está em constante crescimento.
Nas palavras de Camarano (2010, p. 233)
Embora a legislação brasileira estabeleça que o cuidado dos membros
dependentes deva ser responsabilidade das famílias, este se torna cada vez
mais escasso, em função da redução da fecundidade, das mudanças na
nupcialidade e da crescente participação da mulher no mercado de trabalho.
Isto passa a requerer que o Estado e o mercado privado dividam com a
família as responsabilidades no cuidado com a população idosa. Diante desse
contexto, uma das alternativas de cuidados não-familiares existentes
corresponde às instituições de longa permanência para idosos, sejam
públicas ou privadas.
Assim, constata-se que as ILPI's se multiplicaram nos últimos anos por causa da
premência de atenção que a população idosa e seus familiares precisam, conforme pode
visualizar-se na primeira parte deste trabalho, as famílias estão reduzindo seus membros
enquanto a população idosa está cada vez mais em ascensão. Contudo, sabe-se que a
participação do Estado na proteção social em relação ao atendimento das necessidades dos
idosos que necessitam de internação é limitado, pois este possui poucas vagas conveniadas
com ILPI's, números que não refletem a realidade da condição dos idosos hoje.
Com o intuito de exemplificar as poucas vagas disponíveis em ILPI's, pesquisou-se,
junto ao Conselho Municipal do Idoso de Florianópolis, a quantidade de vagas que a
prefeitura possui para os que necessitam deste serviço no município. Ressalta-se que não há
instituições públicas que ofereçam esta atenção, o que faz com que a prefeitura tenha que
comprar vagas em instituições filantrópicas ou privadas. A representante do referido Conselho
informou que a prefeitura possui convênio com duas ILPI's: a Sociedade Espírita de
Recuperação Trabalho e Educação (SERTE) e a Sociedade Espírita Obreiros Vida Eterna
(SEOVE). O número total de vagas nestas duas instituições é de 20.
No âmbito Estadual, segundo o IPEA - que realizou uma pesquisa censitária sobre as
ILPI's do Estado de Santa Catarina no ano de 2008 - existiam 96 instituições deste tipo em
59
todo o Estado. Foi constatado nesta pesquisa que as instituições estavam localizadas em 38
municípios, o que corresponde a uma cobertura municipal de apenas 13%. Ou seja, em
aproximadamente 87% dos municípios não se encontravam instituições de cobertura para
idosos. A maior parte se situa na capital, Florianópolis (IPEA, 2008).
As ILPI's de Santa Catarina, em sua maioria, foram criadas recentemente. O que está
em consonância com os estudos sobre o envelhecimento populacional, que evidenciam as
mudanças nas famílias e o aumento da expectativa de vida no Brasil. Ressalta-se que essas
foram as instituições encontradas no momento da pesquisa. É possível que outras tenham sido
abertas e fechadas ao longo dos anos (IPEA, 2008). Na Figura 15 verifica-se o aumento de
ILPI'S nos últimos anos no Estado de Santa Catarina.
Figura 16 – Distribuição proporcional das instituições de longa permanência segundo o início
de funcionamento – 2007 -2008
Fonte: IPEA (2008, p. 51).
Essas informações sugerem uma tendência crescente de criação de ILPI's no Estado. A
natureza das ILPI's do Estado pode ser verificado na Figura 17:
60
Figura 17 – Distribuição proporcional das instituições de longa permanência segundo a
natureza – 2007 - 2008
Fonte: IPEA (2008, p. 56).
As ILPI's de Santa Catarina são de natureza filantrópica (59%), instituições privadas
com fins lucrativos (39%), instituições de natureza mista (2%), e nenhuma ILPI em Santa
Catarina é pública. O que, conforme já mencionado, também ocorre em sua capital, pois
Florianópolis não conta com ILPI's públicas.
Em relação a população usuária das ILPI's, segundo o IPEA (2008) 2.922 residentes
foram encontrados nas instituições estudadas, a grande maioria é idosa, 2.521 pessoas,
contudo percebeu-se que em relação à população total estadual, os residentes constituem
apenas 0,5%. Ou seja, a cobertura dessa modalidade de atendimento é bastante baixa. Na
Figura 18, que compara a população total idosa do Estado e a população idosa residente em
ILPI's, visualiza-se esta diferença.
61
Figura 18 – Distribuição proporcional da população total de idosos do estado e de idosos
residentes nas instituições de longa permanência por sexo e idade – 2007 – 2008.
(%)
Fonte: IPEA (2008, p. 47).
Depreende-se que nestas instituições reaparece a questão de gênero na velhice, pois
são as mulheres em idade avançada as pessoas que ocupam a maioria das vagas, o que
corrobora com estudos atuais que mostram a maior sobrevida das mulheres em relação aos
homens.
A revisão da legislação e das políticas que regulamentam a assistência social no Brasil,
mostrou que esta política que é universal porém fornecida a todos que dela necessitarem,
reforça a participação das famílias e do mercado no provimento da atenção, no seu âmbito, em
relação às questões da população idosa.
Mesmo após as LOAS, a PNAS, e ao SUAS o poder público, respaldado pelas
próprias legislações, continua podendo comprar vagas serviços socioassistenciais em
instituições privadas ou filantrópicas ao invés de possuir seu próprio aparato para fornecer,
por exemplo, ILPI's públicas e Estatais para idosos. Após firmarem convênio com o governo,
essas organizações passam a ter de oferecer seus serviços conforme preceitua o SUAS.
Porém, não sendo públicas, somente conveniadas, a qualquer momento o contrato entre as
instituições e a prefeitura pode ser desfeito e os idosos seriam desvinculados da ILPI a qual
eram residentes.
62
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao discorrer sobre o envelhecimento populacional do Brasil e as transformações das
famílias nos últimos tempos, foi essencial recorrer-se aos dados do IBGE para, deste modo,
evidenciar que o envelhecimento é uma realidade. Porém, esta conquista que deveria ser
celebrada pelos brasileiros é utilizada, por vezes, para justificar reformas nos sistemas de
proteção social conquistados na Constituição Federal de 1988.
O fato de o país estar passando por uma transição demográfica, contando com uma
população mais envelhecida e com uma baixa proporção de jovens e crianças, é resultado de
vários fatores, entre eles estão: os avanços da medicina, a tecnologia, as mudanças nos hábitos
de vida e, somado a isto, está a baixa taxa de fecundidade total observada nos últimos anos.
Com a saída da mulher para o mercado de trabalho e sua priorização pela melhor qualificação,
a maternidade está sendo deixada cada vez mais “para depois”.
Embora a população idosa apresente características em comum, não se pode afirmar
que todos os seres a partir de uma certa idade terão as mesmas necessidades. Essa
periodização e homogeneização da população idosa é uma estratégia que serve para manter
ações padronizadas para esta faixa etária, sem levar em conta as diferenças regionais, culturais
e de condições físicas e mentais dos indivíduos.
É importante salientar que a maioria das pessoas que tem chegado a idades avançadas
são do sexo feminino. E que também é a mulher a pessoa que dentro das famílias
majoritariamente exercerá a função de cuidadora. Assim, entende-se que em relação à questão
das heterogeneidades dos idosos também deve-se levar em consideração a maior sobrevida
das mulheres em relação aos homens. O cuidado prestado aos idosos dentro das famílias é
visto como algo natural, e é reafirmado pelas políticas públicas (SILVA, 2012). Como o
trabalho da mulher é naturalizado e invisibilizado sua questão previdenciária é prejudicada,
pois estas mulheres não realizam contribuições previdenciárias o que as torna as maiores
beneficiárias do BPC. Ainda neste campo, são as idosas que acabam sendo a causa de
“preocupações” dos gestores da previdência social, pois são elas que, na maioria das vezes,
acumulam as pensões recebidas pelo falecimento do cônjuge com suas aposentadorias.
Conforme constata Silva (2012, p. 64)
Na Previdência Social a mulher é penalizada atualmente por motivo de sua
própria expectativa de vida. Por ter uma expectativa de vida maior do que os
homens, a mulher acaba sendo a principal recebedora das pensões por morte
de seus maridos. Com a justificativa de que a figura feminina trabalha menos
63
que o homem e que estas muitas pensões transmitidas às mulheres
auxiliariam no “rombo” da Previdência Social, a intenção é de que com uma
reforma no sistema os requisitos para receber as pensões mudem, de maneira
que as mulheres saiam prejudicadas.
A ameaça de quebra do sistema previdenciário quando discutida pela vertente do
aumento da expectativa de vida esconde outras questões as quais afetam toda a seguridade
social, como por exemplo, o próprio financiamento desta que é desviado para o pagamento de
dívidas externas (SALVADOR, 2006). O financiamento da seguridade social é alvo de ajustes
neoliberais desde a década de 1990 e o envelhecimento da população se mostrou um bom
argumento para legitimar reformas previdenciárias.
Neste sentido, para poder diminuir a intervenção Estatal nas políticas sociais convocase a sociedade e a família para atuarem na proteção de seus indivíduos. Com isto, surgem as
Organizações Não Governamentais e a responsabilização do grupo familiar no sentido de
promover o cuidado, desta forma, o Estado só atuaria se a família se mostrar incapaz.
Conforme exemplifica Mioto (2012) até em um hospital, lugar onde em princípio os cuidados
necessários ao paciente seriam prestados por profissionais capacitados e habilitados para tal, a
família é chamada a “ajudar”, contribuindo na questão da alimentação, da higiene e até na
própria medicação. E tudo isto é justificado pela Política de Humanização do Ministério da
Saúde. Bem como no Programa Melhor em Casa, do Governo Federal, no qual a pessoa que
precisa de cuidados de saúde, em sua maioria idosos e deficientes, terão estes cuidados em
casa, no conforto lar recebendo a atenção em saúde que precisam de seus familiares, vizinhos
ou qualquer pessoa que tenha vínculo com o paciente (MS, 2012). Novamente, nesta situação,
serão as mulheres as responsáveis pelos cuidados prestados.
Como citado neste trabalho, na PNAS o repasse para as famílias também é uma
realidade, pois essa política trabalha com o conceito de matricialidade sociofamiliar,
entendendo que a família é um espaço privilegiado para proteção social. A tipificação dos
serviços socioassistenciais prevê um atendimento às necessidades básicas dos idosos para
fortalecer a família e também prevê serviços de proteção especial para atuar quando há
violação de direitos, porém estes não saíram do papel. Diante disto, percebe-se que o Estado
se exime de sua responsabilidade o que resulta em serviços precários e aquém da realidade da
população. Como pode-se acompanhar na experiência de estágio no HU a população idosa
fica a mercê de um Estado que não atende suas necessidades e não materializa o que já está
colocado nas legislações em relação à atenção a este grupo populacional.
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Diversos fatores influenciam para que os indivíduos recebam ou não cuidados de seus
familiares quando estiverem em idade avançada. Quando o idoso não possui família e
necessita de cuidados devido à incapacidades será principalmente a questão financeira que
poderá determinar se este idoso terá condições de possuir um cuidador ou de pagar sua
internação em uma ILPI.
As questões abordadas no trabalho refletem na prática profissional do Assistente
Social, pois as mudanças nas famílias e a ausência do Estado vão exigir que o profissional
articule diversas instâncias das políticas sociais - inclusive com entidades não-Estatais - no
sentido de propiciar que o idoso tenha suas necessidades atendidas até o fim da vida. Para que
este tema não seja incorporado de forma acrítica pelos Assistentes Sociais, faz-se necessário
uma aproximação com a realidade de maneira empírica, para identificar com maior precisão
as formas e as ações adotadas que fomentam o processo de responsabilização das famílias,
desta forma, o profissional tenderá a não reproduzir esta lógica em sua prática.
Observando as relações sociais sem estigmatizar os usuários e suas famílias, o Serviço
Social tende a ser uma profissão que atuará para além de uma ação que foque somente na
articulação intersetorial promovendo acesso aos direitos. O Assistente Social inserido nas
políticas sociais precisa ter uma atuação voltada para a defesa e garantia dos direitos sociais o
que estaria de acordo com o projeto ético-político de sua profissão.
Uma alternativa para desconstruir práticas arraigadas na atuação dos Assistentes
Sociais, seria uma aproximação com os Conselhos de Direitos, pois sabe-se que estes são
instâncias que atuam na defesa dos direitos dos indivíduos e esta aproximação dos Assistentes
Sociais com os Conselhos iria para além da mecanização de suas práticas profissionais.
Conforme abordado no trabalho, não há ILPI's públicas nem no Estado de Santa Catarina nem
em sua Capital, Florianópolis. Para que possa ocorrer uma mudança nesta realidade, os
Conselhos de Direitos do Idoso e da Assistência Social são instâncias que precisam
pressionar, juntamente com movimentos sociais, o poder público para que as necessidades dos
idosos sejam atendidas por entidades Estatais, gratuitas e de qualidade.
Diante do envelhecimento populacional e das mudanças que vem ocorrendo nas
famílias, serviços públicos para os idosos serão cada vez mais requisitados ao poder público, e
para que os idosos tenham suas necessidades atendidas esse deverá se preparar. Assim, faz-se
primordial que este tema entre na pauta de discussões dos gestores, pois não serão somente
“mais creches” que farão com que as mulheres possam exercer atividade de trabalho formal -
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conforme pode ser visto nas campanhas eleitorais da maioria dos candidatos a algum cargo do
governo - mas também mais serviços para os membros envelhecidos da população, pois como
se vê são as mulheres que, na maioria das vezes, assumem o cuidado com os idosos no grupo
familiar.
O trabalho teve o objetivo de evidenciar as mudanças nos sistemas de proteção social
com a iminência do envelhecimento da população do Brasil. A partir disto, pode-se estudar
como o envelhecimento populacional está alterando as relações sociais. Bem como a questão
das mudanças dentro dos grupos familiares, a migração de seus indivíduos e como as novas
formas de acesso ao ensino superior, que vem ocorrendo nos últimos anos, podem estar
adiando a maternidade, fazendo com que uma parte da população feminina busque autonomia
e parta para uma vida sem dominação e estigmatização de seu papel, já previamente
designado nas sociedades.
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