Anacronismo dos modelos assistenciais na área da saúde: mudar e inovar, desafios para o gestor contemporâneo Ainda que longe de uma distribuição eqüitativa nos diferentes países e contextos socioeconômicos, a ampliação do tempo de vida e a melhora substancial dos parâmetros de saúde das populações são conquistas fundamentais da humanidade. Chegar à velhice, que era privilégio de poucos, hoje passa a ser a norma, mesmo nos países mais pobres. No Brasil, o número de idosos (60 anos de idade) passou de 3 milhões, em 1960, para 7 milhões, em 1975, e 17 milhões em 2006 – um aumento de 600% em menos de cinqüenta anos. Estima-se que teremos 32 milhões de idosos em 2020. Essa modificação rápida e radical no quadro demográfico trouxe uma série de questões cruciais para os gestores contemporâneos dos sistemas de saúde. A velocidade do processo criou uma defasagem entre as necessidades dessa nova realidade e o modelo clássico de atendimento. Em menos de 50 anos, o Brasil passou de um perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um quadro caracterizado por enfermidades complexas e onerosas, próprias das idades mais avançadas. Sabemos que o idoso consome mais serviços de saúde, as internações hospitalares são mais freqüentes e o tempo de ocupação do leito é maior quando comparado a outras faixas etárias. Em geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem acompanhamento constante, cuidado permanente, medicação contínua e exames periódicos. Essas circunstâncias fazem com que as pessoas permaneçam nos Planos de Saúde por tempo indefinido, saindo apenas por problema financeiro ou óbito. A nova conjuntura epidemiológica, portanto, acarreta crescimento das despesas com tratamentos médicos e hospitalares, ao mesmo tempo em que apresenta um desafio para o governo e a iniciativa privada, especialmente no que tange à implantação de novos modelos e métodos de planejamento, gerência e prestação de cuidados. Um dos principais obstáculos atuais é exatamente a escassez de recursos para uma demanda crescente por serviços de saúde. São temas discutidos também no âmbito da Organização Mundial da Saúde, dentro de uma agenda que inclui questões tais: (a) como manter a independência e a vida ativa com o envelhecimento? (b) como fortalecer políticas de prevenção e promoção da saúde, especialmente aquelas voltadas para os idosos? (c) como manter e melhorar a qualidade de vida com o envelhecimento? No caso específico da Saúde Suplementar, existem outros desafios, como a criação de padrões de gerenciamento adequado e permanente no atendimento de idosos e de pacientes crônicos. Além disso, a qualidade dos serviços e a manutenção de custos médicos suportáveis financeiramente também são aspectos extremamente importantes para idosos e prestadores de serviços. [...] Mudança de paradigma Dada a heterogeneidade da situação de saúde dos indivíduos idosos, é preciso, portanto, buscar um enfoque especial para os idosos frágeis e construir um modelo de atenção que incorpore a identificação, avaliação e tratamento desse segmento e possa ser aplicado nas mais variadas modalidades assistenciais. Assim, torna-se necessário formular novas concepções de assistência à saúde da população idosa que consigam englobar as diferentes condições de saúde do idoso, respeitando suas 1 características especiais e peculiares. O cuidado ambulatorial e eventualmente domiciliar, as instâncias intermediárias de apoio e a estrutura hospitalar já se mostraram fundamentais para se restabelecer a saúde. A compreensão de que se deve priorizar ações de saúde voltadas para o idoso saudável aliadas a programas qualificados para os já doentes é uma concepção de cuidado aceita por muitos gestores da saúde, mas pouco implementada. A mudança no paradigma de atenção à saúde da população idosa é imprescindível e a insistência na manutenção do atual modelo, longe de solucionar a questão, termina por agravá-la. Na área privada, a grande maioria das Operadoras e afins tem sido muito cautelosa – até mesmo limitada – na adoção de medidas mais amplas que realmente determinem melhorias nos atendimentos e diminuição nos custos médicos. Em função das eventuais dificuldades operacionais que um trabalho mais amplo poderia ocasionar, seria oportuno o estabelecimento de acordos com organizações especializadas. Novo modelo de atenção de saúde do idoso O novo perfil demográfico e epidemiológico exige uma adaptação dos sistemas de saúde e ampliação da oferta de atendimento ao idoso. A rede de atenção básica deve ser capaz de identificar idosos fragilizados, isto é, aqueles com risco maior de desenvolver incapacidade funcional. Deve, ainda, acompanhar de forma eficiente os de menor risco, paralelamente ao desenvolvimento de ações e atividades de educação e promoção continuada de saúde. Um modelo eficiente de atenção precisa, portanto, ser construído a partir de uma lógica própria, que compreenda atividades, independentes e inter-relacionadas, organizadas num fluxo hierarquizado de promoção de saúde, prevenção, acompanhamento e tratamento de doenças e referenciamento para centros de avaliação e reabilitação geriátricas. Tem, portanto, caráter ambulatorial, em níveis distintos que se diferenciam pela profundidade e abrangência das ações, organizadas em níveis crescentes de complexidade e capazes de selecionar subgrupos de indivíduos que, por suas características de risco, devem progredir diferenciadamente na estrutura de atenção. Outro ponto importante a ser considerado é a realidade assistencial do Brasil, com acentuada carência de médicos especialistas em idosos. Dessa forma, a assistência deverá ser exercida pelo médico clínico, reservando-se o atendimento do geriatra apenas para casos bem definidos e criteriosamente selecionados. Necessariamente, o clinico geral precisará de instrumentos, particularmente aqueles que permitam a identificação mais correta possível dos distúrbios, a fim de que ele seja capaz de saber como tratar e quando encaminhar o paciente para exames complementares e para o profissional com treinamento específico em envelhecimento humano. Paralelamente, o idoso deve ter à sua disposição uma equipe multidisciplinar de saúde. [...] Fonte VERAS, Renato. Anacronismo dos modelos assistenciais na área da saúde: mudar e inovar, desafios para o gestor contemporâneo. O Globo - On line, [S.l.], p. 25. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2006/09/22/285798584.asp>. Acesso em: 09 jan. 2007. 2