desatando alguns nós. - Web Revista Sociodialeto

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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 2 • Número 1 • julho 2012
Melly Fatima Goes Sena (PPGLET-UEMS)
[email protected]
FARACO,Carlos Alberto. Norma culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
Introdução
A obra Norma Culta Brasileira encaixa-se dentro da área de estudos
sociolingüísticos e através de um painel histórico, conceituação técnica e discussões
políticas busca discorrer sobre a questão problemática no que se refere a “norma culta”.
Tema muito debatido entre diversos sociolinguísticas que defendem a norma culta como
responsável pelo fracasso escolar na alfabetização de língua portuguesa como Marcos
Bagno. Os autores que são contra essa normatização afirmam que a norma culta não
passa de preconceituosa e discriminatória que de acordo com as observações do autor
conclui-se que o que domina o cenário nacional é um ideário conservador, excludente e
elitista sobre os conceitos de língua, certo e errado e as variações lingüísticas mostrando
como os fatores de fixação, codificação e correção são os responsáveis para e eficientes
para a imposição da dita Norma Culta. Faraco, durante os capítulos do livro irá mostrar
a história da normatização linguística e as suas definições para os diferentes tipos de
norma, entre eles a norma culta (e a norma curta conforme nomeação do autor), além de
apresentar um painel das razões que o levam a definir qual é a norma culta ou norma
padrão do português, e o seu trabalho junto ao ensino de português. A apresentação da
obra fica a cargo da Professora Ana Maria Zilles.
Resumo da Obra
O livro se divide em introdução e cinco capítulos sendo que ele faz em seus
primeiros uma discussão conceitual e histórica sobre a norma culta e refletindo sobre as
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concepções políticas nos últimos capítulos. Na introdução o autor faz a apresentação
dos marcos teóricos utilizados, a delimitação do tema, a sua abordagem metodológica e
suas justificativas teóricas e práticas para o tema Norma Culta. É exposto também o que
será retratado em cada capítulo abrindo espaço para uma discussão que envolva os
aspectos da política linguística do Brasil, como afirma o autor, o livro tem ma dimensão
técnica e uma dimensão política.
Há no capitulo introdutório três sentidos diferentes para norma culta,
primeiramente para resolver a maldição que caiu sobre a palavra gramática com a
disseminação dos estudos estruturalistas conforme afirma Faraco, começa a crítica
acadêmica ao saber gramatical, sendo que no Brasil o ensino de português e o ensino de
gramática eram sinônimos. Desenvolvendo assim um discurso pedagógico que passou a
condenar o ensino de gramática.
A expressão norma culta também é usada para designar o conjunto dos preceitos
da velha tradição excessivamente conservadora e pseudopurista facilitando a ordenação
do discurso dos que queriam combater a destruição da “boa linguagem” pela corrente
anterior, e por fim é usada também como equivalente da expressão escrita, dominar a
norma culta é dominar a expressão escrita, ou seja, escrever com correção, lógica e
riqueza vocabular, sendo que neste ultimo sentido é encontrado dois gestos
reducionistas sendo eles: tomar a parte pelo todo e limitar a prática social da escrita a
alguns gêneros.
No primeiro capítulo há uma visão geral dos conceitos técnicos sobre o que é
norma, que surge nos estudos linguísticos a partir da necessidade de captar teoricamente
a heterogeneidade linguística, entretanto o autor afirma que a língua é uma entidade
cultural e política e não linguística, visto que a linguística (em sua divisão de trabalhos)
segue sob o pressuposto teórico de ser necessário homogeneizar a língua, cabendo essa
heterogeneidade para estudos de outras disciplinas como a sociolingüística e a
dialetologia.
Norma é conceituada como determinado conjunto de fenômenos lingüísticos
(fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros,
habituais numa dada comunidade de fala. Identificando-se nesse sentido com
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normalidade, ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual recorrente (normal) numa
certa comunidade de fala. Não há norma sem organização. Utilizando-se do conceito de
Sapir (apud Faraco) de que todas e qualquer manifestação lingüística tem gramática, por
que tem organização, o próprio Faraco afirma que deixa fundamento empírico
enunciados de senso comum como o de Napoleão Mendes de Almeida ao afirmar que
“O Brasil é um país sem gramática”, em que esse afirma que o Brasil é país de idioma
sem gramática, visto que é impossível falar sem gramática.
Norma culta é definida como a norma linguística praticada em determinadas
situações, que envolvem certos graus maiores de monitoramento, por grupos sociais que
tem estado mais diretamente relacionado com a cultura escrita. Conjunto dos fenômenos
linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais
monitoradas de fala e escrita. Faraco ainda conceitua norma culta discorrendo sobre o
adjetivo culta e sua formação dentro da cultura letrada e de projetos como o NURC
(Norma Urbana Culta) que visam mapear os falares da norma urbana comum e sua
distinção dentro do conceito de culto para os pesquisadores do projeto. Faraco ainda
mostra neste capítulo o caso singular de um discurso proferido pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, em que diz que o Brasil quer dirigentes que fale bem a
língua portuguesa, lançando farpas ao presidente Lula, na tentativa de desqualificar a
fala de FHC os críticos apontaram um erro de gramática inexistente, com esse exemplo
Faraco começa a utilizar a expressão norma curta, que é a concepção de norma culta,
que segundo o autor, apequena a língua ao colocar sobre padrões rígidos não
observando as variedades de usos.
Ao discutir sobre a norma curta, Faraco coloca em xeque a pressão da mídia e
outros instrumentos como manuais de redação, cursinhos pré-vestibulares e questões de
concursos públicos em elevar um conjunto de preceitos dogmáticos que não encontram
respaldos em bons instrumentos normativos, mas que sustentam a cultura do erro, saída
do purismo gramatical não acompanhando os estudos mais atuais em que coloca a
própria norma gramatical mais flexível.
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Finalizando o capítulo o autor afirma que não há uma autoridade em língua que
possa definir o que é certo ou errado, nem a Academia Brasileira de Letras cabe a essa
função, já que a língua está em constante processo de mudança.
No capítulo dois é abordada a questão da norma idiomática não somente dentro
do fenômeno lingüístico, mas também dentro de interesses políticos como mostra o
autor ao fazer um painel histórico da lusitanização do português e os interesses
implicados no ensino de Língua Portuguesa. A idéia dessa lusitanização progressiva da
norma escrita se encaixa o projeto político da elite brasileira que após a independência
buscava construir uma nação branca, buscando distanciar da população mista e africana
que eram classificadas de vulgares, e europeizante. Usavam a língua para fazer uma
espécie de embranquecimento da população no período pós-independência. Durante este
período eles buscavam também se diferenciar de Portugal, queriam ser emancipados,
mas sem deixar de serem europeus. Em 1823, foi debatida a construção da primeira
universidade do País sendo escolhido o Rio de Janeiro com o intuito de conservar a
pureza da língua, pois segundo o texto constituinte era na Corte que se falava o melhor
português do Brasil. Já outro segmento oitocentista liderado por José de Alencar
defendia um abrasileiramento da língua escrita, mas esse abrasileiramento não
significava abandonar a leitura e o estudo dos clássicos, ou seja, não escancarar as
porteiras da língua.
Em 1871 o colégio Dom Pedro II, criado para ser a referencia do ensino médio
no país, cria a primeira cátedra de Língua Portuguesa, utilizando a mesma para o mesmo
fim criando programas de português com tópicos que deveriam ser tratados no ensino e
avaliados nos exames, cristalizando-se na tradição escolar como verdadeiras normas
programáticas para o ensino de português ainda hoje repetindo esses programas nos
documentos curriculares oficiais.
O final do capítulo há uma discussão em que não meios que se quebre a norma
curta como referencia ideológica, nem os mais recentes estudos linguísticos, a reedição
de grandes dicionários dando acolhida a termos utilizados da norma culta, nem o trato
mais flexível dos gramáticos o que ocasiona dúvidas em como administrar as diferenças
entre norma culta e norma padrão, entre a língua praticada e a língua imposta.
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O terceiro capítulo discorre sobre a gramática e o ensino de português, essa
classificada como o grande bicho-papão de todo aprendiz da língua portuguesa. A
gramática, do modo que é conhecida hoje foi criação da cultura greco-romana, no qual
seu nascimento está atrelado ao ensino de línguas que envolvia a habilidade de falar em
público e a de escrever, sendo o conhecimento gramatical associado a esse interesse.
Estudar a gramática deveria subsidiar o desenvolvimento dessas habilidades, tornandose uma matéria que não esgotava em si mesmo, não estudava a gramática pela gramática
e sim de refletir sobre a estrutura da língua, os padrões sociais de correção e os recursos
teóricos visando melhor manejar a fala e a escrita.
Com o esfacelamento do império romano e a chegada do período medieval,
diminui-se os espaços públicos para o uso da fala e escrita, sendo restringido aos
mosteiros, e devido a mutação da língua em contato com outras, o latim (a língua usada
pelos letrados) torna-se artificial, acabando seus falantes nativos, para estudá-lo passa-se
então ao aprendizado da gramática para depois partir para o seu uso prático. Nascem,
desta forma, dois vícios pedagógicos atuais: o normativismo, que não vê a norma culta
como mais uma variedade da língua tomando-a como um instrumento pétreo e condena
como erro o que não está escrito no manuais que o materializam, e gramatiquice,
estudo da gramática como um fim em si mesma.
Esse tipo de ensino chega ao Brasil através dos jesuítas, mas a partir da década
de 1980 inicia-se um movimento intenso de estudos e críticas e este tipo de ensino, mas
tanto o normativismo quanto a gramatiquice não são apenas concepções ligadas a
língua, mas são parte intrínseca de uma sociedade marcada pela divisão social. Não se é
contra o ensino de gramática, mas ela deve estar inserida em um contexto, entendo
como a língua como mutável e a norma culta como mais uma variedade linguística.
O capítulo quatro defende o estudo da variação linguística traçando
inicialmente os estudos iniciais sobre o tema no Brasil e sobre os estudos das diferentes
variedades linguísticas colocando a escola com o objetivo de oferecer aos alunos a
literatura sem se esquecer dos outros gêneros existentes e as variedades lingüísticas
pertinentes a cada um deles. O autor afirma que raramente os livros didáticos tratam da
variação social e os exames como o SAEB e o ENEM não conseguem trabalhar as
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variedades linguísticas efetivamente e nem classificam a norma culta como mais uma
variedade.
E por fim, o capítulo cinco traz alguns desafios e paradoxos ao ensino de
português no Brasil. Até a década de 1970, o ensino de português era essencialmente
gramatical, mas com a reforma do ensino em 1972, a disciplina passou-se a chamar
“comunicação e expressão oral”, fazendo com os livros didáticos deixem de incluir a
gramática cedendo lugar a conceitos advindos da teoria da comunicação, reduzindo o
espaço da literatura para os códigos visuais e outros textos oriundos do mass media.
Entretanto na prática escolar a gramática nunca perdeu o seu posto, e o ocorrido fez com
que não houvesse uma discussão no uso dos termos e até um empobrecimento da
mesma por não haver renovação. Culpa dos documentos oficiais que ora subtraem a
gramática do ensino, ora a colocam como posição de destaque. Apesar de haver
reformas do ensino que colocam o ensino de português de forma mais reflexiva, aliando
a produção escrita e a literatura, a precária formação dos docentes não permite que essas
inovações cheguem a sala de aula, e apesar de haver um numero, segundo Faraco,
razoável de estudiosos que se dedicam a pesquisa da leitura e ensino, esses saberes
parecem não terem chegado a sala de aula, culpa da falta de uma política efetiva no
ensino de português.
Conclusão e apreciação crítica.
O livro de Carlos Alberto Faraco, através de uma linguagem didática e
envolvente pretende discutir sobre a tão famigerada Norma Culta, ou Norma oculta,
defendida por Marcos Bagno (2003), partindo do conceito de norma e a sua necessidade
de organização, sendo que a partir dela o autor conceitua a norma-padrão, norma
gramatical e a própria norma culta.
Através de painéis históricos, Faraco, mostra que a norma culta, que deveria ser
entendida como apenas mais uma variedade linguística é imposta como a norma padrão,
a norma correta, o que o autor irá denominar como norma curta. Esse tipo de norma
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nada mais é do que um instrumento de dominação em uma sociedade marcada
historicamente por grandes conflitos e diferenças sociais como é a brasileira.
Marcos Bagno (2003:16,17) corrobora com essa idéia ao afirmar que não existe
preconceito lingüístico , mas sim preconceito social visto que a língua é um complexo e
sutil instrumento de coerção e controle social porque a língua é parte constitutiva da
identidade social e individual de cada ser humano, ou seja, somos a língua que falamos
e acusar alguém de não saber falar a própria língua equivale a acusá-la de não saber
utilizar corretamente a sua visão.
O ensino da norma curta nada mais é que o ensino gramatical e apesar das
reformas do ensino e tentativas de fazerem o ensino de português privilegiar a reflexão
sobre a língua, a má formação dos professores corrobora para a perpetuação do
normativismo e da gramatiquice no ensino. Faraco é feliz em posicionar os livros
didáticos de português como não portadores e explicadores das variedades linguísticas
ou somente por preferenciar o ensino da norma culta, ou curta.
Ao fazer a sua discussão, Faraco não defende uma língua Brasileira como
defende Bagno (2002), o seu discurso mantém-se reflexivo, apesar de abordar as
questões políticas do ensino, mas sem partir para a radicalidade de Bagno, visto que a
formação de Faraco é a Historiografia da Língua Portuguesa, mas nessa discussão entre
norma culta ou uma norma ideológica, ponto de vista que Faraco defende, não fazendo
uso deste termo, Luchesi (2008:87) traça uma definição que serve e parâmetro para ter
uma amplitude dessa discussão que provavelmente não conseguirá chegar ao seu ponto
conclusivo:
A norma culta seria, então, constituída pelos padrões de comportamento
lingüístico dos cidadãos brasileiros que têm formação escolar, atendimento
médico-hospitalar e acesso a todos os espaços da cidadania, e é tributária,
enquanto norma lingüística, dos modelos transmitidos ao longo dos séculos
nos meios da elite colonial e do Império e inspirados na língua da Metrópole
portuguesa. A norma popular, por sua vez, se define pelos padrões de
comportamento lingüístico da grande maioria da população alijada de seus
direitos elementares e mantida na exclusão e na bastardia social.
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Referências:
BAGNO, M. Português ou Brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial: 2002.
_________. A norma Oculta: Língua e Poder na sociedade Brasileira. São Paulo:
Parábola Editorial, 2003.
FARACO, C. A. Norma culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
LUCCHESI, D. (2002). Norma lingüística e realidade social. In: BAGNO, Marcos
(org.) Lingüística da norma. São Paulo : Loyola. pp. 63-92.
Recebido Para Publicação em 20 de março de 2012.
Aprovado Para Publicação em 17 de maio de 2012.
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