CAMÕES OU PEÕES? EU PREFIRO TODOS OS BORDÕES! Roman Lopes * O ensino da Língua Portuguesa é frequentemente debatido, em vários círculos sociais. A escola, as associações de professores, as equipes gestoras de programas pedagógicos de universidades e instituições responsáveis pela elaboração de ações no âmbito educacional sempre refletem qual a melhor maneira de ensinar a Língua Portuguesa às pessoas que precisam aprender. Essas reflexões e debates perpassam os mais diversos campos ideológicos, representando interesses quase sempre de ordem corporativa, distanciando o ensino da Língua Portuguesa da realidade das pessoas, tornando-a um objeto a ser reverenciado e idolatrado, algo como a ...última flor do Lácio, inculta e bela... de Olavo Bilac... Lindo, não?... Palavras difíceis, expressões ricas, períodos bem estruturados e conteúdo significativo... Todos os elementos de uma escrita bela e eficiente... Tanto o parágrafo inicial, propositadamente construído para ser respeitado, quanto o inoportuno auto-elogio das linhas seguintes mostram a infelicidade do ensino da Língua Portuguesa nas escolas. A pesquisa no campo da Linguística tem avançado continuamente, apontando um caminho muito rico e importante para o uso da língua em situações de comunicação, oferecendo aos agentes responsáveis pelo ensino da Língua uma gama muito diversificada de possibilidades e de instrumentos. No entanto, toda essa evolução não chegou ainda, efetivamente, a quem deveria. Por mais que o ensino da Língua Portuguesa tenha sofrido modificações nos últimos anos, os princípios fundamentais desse ensino ainda se baseiam na visão estruturalista, que vê a língua como um conjunto abstrato e virtual, já pronto e que deve ser aprendido para ser dominado, bem como na visão gerativista, que vê a língua como um sistema de processo mental e inato, que também já está pronto e deve ser dominado. O que temos, então, é um ensino ainda voltado para uma visão fechada da língua, como se ela fosse um sistema já concretizado, cabendo ao aluno apenas a apreensão dos elementos que constituem esse sistema, sinônimo de aprendizado eficiente e, consequentemente, de sucesso. A visão interacionista da língua, desenvolvida pelas teorias mais modernas e progressistas da Linguística, que vê a língua como um instrumento de ação social, por isso sujeita a variações e modificações constantes, todas elas com o mesmo valor comunicacional, ainda está distante das salas de aula. O aluno ainda sofre sanções dos professores por não saber escrever ou ler corretamente. O ensino da Língua ainda se baseia em frases prontas e exercícios de repetição sistemática de regras. Obviamente podem existir exceções! No entanto, a regra geral do ensino da Língua Portuguesa ainda é essa. E por que isso acontece? Segundo Fernandes (2004) “os estudos referentes aos modos de se conceber a linguagem têm implicações que se refletem na metodologia do ensino de língua”. Com isso, é possível dizer que o ensino da Língua Portuguesa ainda está ancorado em regras ultrapassadas porque os próprios professores têm uma visão ultrapassada da Língua. Muitos professores ainda pensam que ensinar bem é fazer o aluno decorar todas as regras da norma culta, pois só assim ele irá entender a Língua verdadeira. Os próprios professores, muitas vezes, esforçam-se para eles mesmos aprenderem regras que ainda não dominam. E a Língua segue sendo algo distante e vazio de um significado mais profundo, tanto para o aluno quanto para o professor. Isso porque o professor, muitas vezes, não tem uma postura própria em relação à importância do uso da Língua, transformando-se num mero reprodutor das ideias da instituição onde leciona, ideias essas que muitas vezes passam longe de um ensino de verdadeira qualidade. É bom lembrar que o ensino da Língua Portuguesa, na maioria das escolas, ainda está dividido entre gramática, análise de texto e redação. Muitas vezes essas disciplinas trabalham assuntos completamente diferentes, criando uma confusão na cabeça dos alunos, pois ele não sabe exatamente qual a Língua a ser aprendida. Já está mais do que na hora de o ensino da Língua Portuguesa avançar na direção das modernas teorias linguísticas. Primeiramente, porque essas teorias representam um pensamento extremamente inovador e profundo do que é a língua e sua importância na construção de uma comunicação mais efetiva na vida. Além disso, essas teorias precisam ser efetivadas em uma prática cotidiana, para que não se tornem teorias vazias e ideias de gabinete. Para isso, os professores devem, antes de tudo, assumir uma postura diante da sua tarefa. Qual a sua concepção de Língua? Qual a sua concepção de mundo? As respostas a essas questões não podem ser meramente filosóficas. Devem representar uma atitude pedagógica na direção da efetiva transformação do ensino, deixando de lado as verdades da norma culta e valorizando a interação das diversas formas de linguagem, colocando o aluno no seu real papel de agente de comunicação da vida. O professor deve se preparar bastante, com constantes leituras, contatos com as mais diversas linguagens e, acima de tudo, um exercício permanente de comunicação própria. Um professor de Língua Portuguesa que não escreve não pode ser levado a sério! O ensino da Língua Portuguesa deve proteger as pessoas dos discursos belos e vazios, dos auto-elogios inoportunos e da prisão de uma norma padrão, libertando todos em um sistema interativo e auto-construtor, onde todos são agentes e receptores permanentes de situações comunicativas. Pois, como diria o próprio Bilac, a Língua Portuguesa é ... esplendor e sepultura... * Pós-graduando em Estudos da Linguagem pela Universidade da Grande Dourados (UNIGRAN). Pósgraduando em Arte em Educação e Saúde pela Universidade Cândido Mendes. Professor de Arte Contemporânea e Metodologia da Arte na Universidade Guarulhos (UNG).