ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS E DO HOSPITAL CONFIGURADA. QUANTUM REDUZIDO. 1. Responsabilidade dos médicos demandados. Culpa comprovada. Art. 186 do Código Civil. São pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, nos termos do art. 186 do CC, a conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano, sendo que a ausência de quaisquer destes elementos afasta o dever de indenizar. Caso em que o contexto fático-probatório coligido aos autos dá conta de que os réus foram negligentes, imprudentes e imperitos no atendimento e tratamento dispensado ao filho dos autores, levando-o à morte. Médicos condenados em processo ético-profissional que tramitou junto ao CREMERS, à pena de censura pública em publicação oficial, e, na esfera criminal, por homicídio culposo – art. 121, § 3º do CPB. Nexo causal entre a conduta dos médicos e a morte do menor configurado. Dever de indenizar reconhecido. Sentença de parcial procedência mantida. 2. Responsabilidade do hospital configurada. Inexistência de defeito na prestação do serviço não comprovada. Art. 14, § 3º do CDC. A responsabilidade dos hospitais, a partir da vigência da Lei 8.078/90, passou a ser objetiva, pois na qualidade de prestadores de serviços devem responder independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor, responsabilidade que é afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art. 14, § 3º do CDC. Hipótese em que o nosocômio demandado não se desincumbiu do ônus de demonstrar que o serviço hospitalar dispensado ao filho dos autores foi adequado. Dever de fiscalizar a atuação de seus prepostos, não observado pela instituição hospitalar. Responsabilidade objetiva. Condenação mantida. 3. “Quantum” indenizatório. Redução. Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto, conduz à redução do montante indenizatório fixado na sentença para R$ 70.000,00 (correspondentes a 200 saláriosmínimos atuais), a ser pago solidariamente pelos demandados aos autores; e que será corrigido monetariamente, pelo IGP-M, a partir da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano até a vigência do Novo Código Civil e de 12% ao ano após, a contar da citação (18.02.1999). APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70014636039 COMARCA DE SÃO LEOPOLDO ERICO BARTH APELANTE/APELADO ORLANDO QUADRA OLIVEIRA APELANTE/APELADO FUNDAÇÃO CENTENÁRIO APELANTE/APELADO HOSPITAL ADRIANO CARVALHO LUCIA MARIA SANTOS APELADO SANTANA DOS APELADO MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO INTERESSADO ANTONIO CARLOS CAMPANI INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA. Porto Alegre, 25 de maio de 2006. DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, Relator. 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL RELATÓRIO DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR) Adoto o relatório de fls. 543/550, aditando-o como segue: A sentença foi de parcial procedência da demanda, com a condenação dos réus Érico Barth, Orlando Quadra Oliveira e do Hospital Centenário, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais aos autores, arbitrados em 500 salários-mínimos, bem como das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação. Condenou os autores ao pagamento das custas processuais relativas ao demandado Antônio e à Clínica Materno Infantil de São Leopoldo; e de honorários advocatícios aos seus patronos, fixados em R$ 1.500,00 para cada, suspendendo a exigibilidade do pagamento em razão da AJG concedida. Inconformados, os demandados apelaram. O requerido Érico Barth, em suas razões, sustenta não ter agido com culpa quando do atendimento ao filho dos autores, inexistindo relação entre as ações por ele perpetradas e o infortúnio. Alega que o paciente foi acometido por uma infecção de desenvolvimento rápido fulminante, não havendo como responsabilizar o médico que realizou um único atendimento ao menor. O quadro apresentado não condizia com uma emergência médica, tendo sido apenas diminuída a dose de medicação, já prescrita pelo pediatra da criança. Hector não apresentava alterações que sugerissem pneumonia ou meningite, sendo que a baixa do menor no hospital não era recomendada, de vez que o ambiente hospitalar é muito pouco salubre. Submeter um bebê assintomático ao traumático exame de punção lombar não era recomendado, o que poderia aumentar os riscos de agravamento da moléstia ou a instalação de estado mórbido. Transcrevendo relatos de testemunhas, afirma que não lhe poderia ser exigida outra conduta e que aplicou seus conhecimentos com a melhor técnica, não constatando qualquer ato de negligência, imprudência ou imperícia passível de responsabilização. Refere que a sentença teve como 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL base apenas o argumento de que foram menosprezados os sintomas relatados pelos pais do paciente, devendo ser reformada, pois segundo o prontuário, o exame clínico foi minucioso, sendo os pais recomendados a manter o menor em observação e a buscarem outro atendimento, caso suas condições não melhorassem. Assevera que as informações acerca da meningite utilizada pela julgadora como base à condenação não indicam a fonte, inexistindo prova da veracidade das citações, devendo ser desconsideradas. Argumenta ter pleno conhecimento dos reais sintomas da meningite, tanto em adultos como em crianças, o que restou evidenciado na instrução do processo. Os índices de mortalidade por meningite são alarmantes, chegando a vitimar um terço dos pacientes com menos de um ano de vida, sendo evidente a dificuldade de diagnóstico. A causa da morte de Hector não foi meningite, mas infecção generalizada que pode ter se instalado no organismo do paciente nas últimas 10 horas de vida, não se podendo presumir que, no momento do atendimento, que se deu às 12:00 do dia anterior ao do falecimento, o paciente já apresentasse quadro infeccioso grave. Alternativamente, insurge-se quanto à condenação solidária, pugnando pela aplicação do art. 944 do CC, com a efetiva valoração de sua participação no caso, bem como pela exclusão da indenização por dano moral arbitrada ou pela sua redução. Por fim, pede o provimento do apelo (fls. 563/581). O demandado, Orlando Quadra de Oliveira, por sua vez, aduz que a decisão não se coaduna com a prova produzida nos autos do processo, inexistindo culpa no agir dos médicos que realizaram os atendimentos. Alega que o menor não apresentava temperatura que indicasse processo infeccioso grave, bem como que a avaliação realizada pelo pediatra de plantão no hospital, naquele momento, concluiu que o quadro de sonolência era decorrente do medicamento que havia sido prescrito nas consultas anteriores. Assevera que quando a criança retornou ao hospital, 13 horas depois, o quadro muito diferia daquele constatado no dia anterior. Os depoimentos das 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL testemunhas comprovam que as medias tomadas frente ao caso foram adequadas, não apenas no que diz com a suspensão do medicamento, mas também com relação à avaliação feita e às orientações passadas aos pais. Ressalta que se houvesse indício de doença diferente ou mais grave, subjacente, outros caminhos seriam seguidos, bem como que o paciente jamais apresentou sintomas que indicassem a doença meningite. Diz ter agido com todo o profissionalismo e cautelas necessárias para resguardar a vida e saúde do paciente. A manutenção da criança nas dependências do hospital para simples observação não é medida adequada, pois o ambiente hospitalar, por si só, pode ser fator de agravamento das condições ou desenvolvimento de novas patologias. Os conhecimentos médicos foram aplicados com a melhor técnica, não se constatando qualquer negligência, imprudência ou imperícia por parte do profissional, inexistindo dever de indenizar. Argumenta que a sentença tomou como base apenas o argumento de que foram menosprezados os sintomas relatados pelos pais do paciente, porém, a conduta médica foi adequada, já que não havia alteração que sugerisse meningite ou outra patologia grave. Alega que as informações acerca da meningite utilizada pela julgadora como fundamento à condenação não indicam a fonte, inexistindo prova da veracidade das citações, devendo ser desconsideradas, referindo ter pleno conhecimento dos reais sintomas da meningite, tanto em adultos como em crianças, o que restou evidenciado nos autos. Os bebês são incapazes de explicar o que sentem, sendo evidente a dificuldade de diagnóstico, seja pela atipicidade dos sintomas, seja por se tratar de menor com menos de um ano ou porque a doença se confunde com outras no geral. A causa da morte de Hector não foi meningite, mas infecção generalizada que pode ter se instalado no organismo do paciente nas últimas 10 horas de vida, não se podendo presumir que, no momento do atendimento, que se deu às 24 do dia anterior ao do falecimento, o paciente já apresentasse quadro infeccioso grave, que exigisse maior cuidado. Requer a exclusão da condenação por danos morais ou, 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL alternativamente, a redução do quantum indenizatório fixado, acostando precedentes a amparar sua tese. Ao final, postula o provimento da apelação (fls. 587/599). A Fundação Hospital Centenário, por seu turno, alega que não restou evidenciado nos autos nexo causal entre o atendimento prestado pelos seus prepostos e a evolução para o óbito. O atendimento médico foi prestado com cautela e correção, sendo adotados todos os tipos de procedimentos em medicina disponíveis. Aduz que não houve culpa da organização hospitalar, que utilizou todos os métodos em busca da recuperação do paciente. Outrossim, pede a redução do montante indenizatório, dizendo que este não pode servir de enriquecimento ou extrapolar os padrões hodiernos da jurisprudência. Requer o provimento do recurso (fls. 613/616). Sobrevieram as contra-razões (fls. 620/623, 628/641 e 642/654), subindo os autos a esta Corte. Aqui, o nobre Procurador de Justiça, Dr. José Barroco de Vasconcellos, opinou pelo parcial provimento das apelações, com a manutenção da indenização por danos morais em 500 salários-mínimos, e modificação da sentença apenas para reconhecer a correção do quantum fixado, pelo IGP-M, a contar da data da sessão, e a incidência de juros de mora, desde o evento danoso, além da redução da verba honorária para 15% sobre o valor da condenação (fls. 656/661). Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. VOTOS DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR) Trata-se de apelações interpostas pelos médicos e pela fundação hospitalar demandada, em face da sentença de parcial procedência prolatada pela julgadora singular, que condenou solidariamente os réus ao pagamento de 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL 500 salários-mínimos aos autores, a título de indenização por danos morais decorrentes da morte de seu filho Hector, vítima de negligência, imprudência e imperícia médica. Considerando o teor dos recursos interpostos, as inconformidades serão analisadas em conjunto. A responsabilidade dos médicos demandados deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade subjetiva, levando-se em conta o disposto no art. 186 do Código Civil, in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Da exegese do dispositivo legal supramencionado, pode-se concluir que são pressupostos da responsabilidade subjetiva: a conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano, sendo que, a ausência de qualquer destes elementos, afasta o dever de indenizar. A respeito do assunto, ensina Sergio Cavalieri Filho, (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 39/40): “Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. [...] Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil”. 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL Ao concreto, o contexto probatório coligido aos autos, não deixa dúvidas quanto à culpa dos médicos demandados para o resultado danoso – morte do filho dos autores. Depreende-se dos documentos de fls. 367/387, extraídos dos autos do processo ético-profissional que tramitou junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado, que os médicos demandados, devido à negligência, imprudência e imperícia constatada no atendimento dispensado ao menor Hector, foram condenados, por maioria de votos, nas sanções do art. 22, por violação aos arts. 29 e 57 do Código de Ética Médica, conforme ementa que segue: “Médicos denunciados por não valorizar os sintomas clínicos apresentados pelo paciente de 8 meses de idade. Negligentes por não solicitarem exames complementares. Imprudentes por não hospitalizarem o paciente. Imperitos por não solicitarem o acompanhamento por profissional especializado na pediatria e por deixarem de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente. Infração aos artigos 29 e 57 do Código de Ética Médica. Condenação. Aplicada a pena prevista na letra “c” do artigo 22 da Lei 3.203 de 30 de setembro de 1957 – “censura pública em publicação oficial”. (grifei) Oportuna, outrossim, a transcrição de excerto dos fundamentos que embasaram a condenação dos demandados pelo CREMERS, in verbis: “A apreciação dos fatos relatados e a análise dos documentos deste processo ético-profissional nos permitem uma série de conclusões. Inicialmente, apesar de inúmeras recomendações a respeito do preenchimento dos documentos médicos (prontuários), 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL encontram-se em algumas oportunidades incompletos quando confrontados com as manifestações na defesa dos denunciados, o que, ao invés de trazer subsídios para suas alegações, provoca dúvidas sobre a sua veracidade. Refiro-me especificamente ao ponto da defesa do Dr. Érico Barth que fala sobre exame neurológico normal e nada sobre isto está descrito no boletim de atendimento (12h15min). Este traz como motivo da consulta queixas de grande importância (suor gelado, branco, tremedeira, febre, vômitos, não urina desde ontem) e a descrição é de uma criança corada, bom estado geral, ativa e com otite externa que é medicada e tem orientação de procurar o seu pediatra. Estamos, aparentemente, diante de pacientes diferentes. Em segundo lugar, com relação ao Dr. Orlando Quadra de Oliveira, nos seus esclarecimentos informa exame neurológico normal (fl. 144): responsivo a estímulos verbais, pupilas isocóricas fotoreagentes e ausência de rigidez de nuca, o que é absolutamente oposto ao que consta como motivo do atendimento (21h7min); sonolência anormal, pouco responsivo a estímulos, refere uso de Dimetapp 15 gotas, 3 vezes ao dia sendo a última tomada às 11h30min e como conduta Paracetamol 100mg 18 gotas. Ao lado da informação Tax 37.2 está a sua assinatura, referendando o que está escrito, mesmo que com letra diferente. Parece que novamente lidamos com pacientes diferentes. A evolução desde este último atendimento até o dia seguinte, com o lamentável epílogo, nos mostra, mesmo que retrospectivamente, a gravidade do caso e a maneira absolutamente inadequada de sua condução. O resultado final poderia ser igual mesmo se medidas de investigação e tratamento tivessem sido instituídas. Mas não o foram. E este fato, a meu juízo, pesa e pesa muito, pois embora não fosse obtido o fim, ter-se-iam utilizado os meios para tanto disponíveis. Os depoimentos são fartos em dar conta da insistência dos pais na busca de solução para o seu angustiante problema. Poderia até haver exagero neste afã, mas a evolução mostrou que 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL isto não ocorreu. A imprudência, a imperícia e a negligência estiveram presentes nas duas oportunidades (12h15min e 09h07min) pois já havia elementos na história que justificassem uma atenção maior, não só aquela dos pais, interessadíssimos mas leigos, mas sim de pessoal técnico e atento para atuais pioras como acabou acontecendo.” (grifei) De outra parte, o resultado da denúncia interposta pelo Ministério Público não foi outro senão a condenação dos réus nas sanções do art. 121, § 3º do CPB – homicídio culposo – conforme se vê da sentença penal condenatória de fls. 390/401. Insta destacar, outrossim, que competia aos demandados Érico e Orlando a adoção dos procedimentos necessários à averiguação do real estado de saúde de Hector, especialmente diante do relato dos sintomas e insistência dos pais do menor, medidas que, se adotadas, evidentemente excluiriam suas responsabilidades, ainda que o resultado do tratamento fosse o mesmo – morte da criança. Todavia, ressalta da análise dos autos que os requeridos não se preocuparam em solicitar sequer um exame de sangue suficiente à constatação da infecção que, aos poucos, tomava conta do corpo do menino. Aliás, segundo declarado pela testemunha Kerbe Cardoso Crespo, também profissional da área de medicina, a medicação prescrita à Hector, pelos réus, melhoraria em parte os sintomas, mas “não mascarariam a infecção”, facilmente perceptível por meio de exame sangüíneo. Portando, comprovado o nexo de causalidade entre a conduta dos médicos requeridos, que foram negligentes, imperitos e imprudentes na consecução do seu mister, e a morte do filho dos autores, resta evidente o dever de indenizar. E não se diga que o argumento de que pacientes de menos de um ano de idade não sabem manifestar o que sentem, dificultando o 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL diagnóstico médico, tenha o condão de eximir os réus de suas responsabilidades. Isso porque, exatamente em face da dificuldade que crianças com menos de um ano de idade têm de manifestar os seus sintomas, devem ser levados em conta os relatos dos pais e realizados exames aptos a diagnosticar a enfermidade, medidas que, ao concreto, foram desconsiderados pelos demandados. Tal circunstância, aliás, foi bem examinada pela nobre julgadora singular que, no ato sentencial, destacou: “Tão insistentes foram os autores na busca de um tratamento mais intensivo à moléstia do filho, a ponto de merecer a seguinte menção pelo demandado Orlando: ‘foi comunicado pela portaria que os pais do menino pediam um atendimento de urgência e o depoente determinou que fossem encaminhados com o paciente para uma sala em que atende esses casos na emergência’, mas consignou que ‘o único sinal que determinava que fosse de urgência o atendimento era a ansiedade dos pais’”. (fl. 558). Pelos mesmos motivos, não vinga a tese de que os conhecimentos médicos, no caso, foram aplicados com a melhor técnica, até porque, se os requeridos tivessem empregado a “melhor técnica”, como sustentado, a morte do menor poderia ter sido evitada, considerando a insistência dos autores no pedido de internação de Hector e a descrição dos sintomas apresentados pela vítima: febre, diarréia, sonolência, apatia, choro, gemidos e vômito no caminho ao hospital. Igualmente, não vinga a alegação de que as informações colacionadas pela julgadora a quo, acerca da meningite, não podem ser consideradas, pois desprovidas das respectivas fontes e de provas acerca da 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL veracidade de seu conteúdo, já que, ao pé de cada citação, consta o endereço eletrônico do qual foram extraídas. Além do mais, não foi descartada, in casu, a meningite como provável causa da morte do menor. Destarte, tenho que a condenação dos médicos demandados era medida que se impunha no presente, não merecendo reparos a sentença hostilizada, neste aspecto. No que pertine à responsabilidade da Fundação Hospital de Clínicas de São Leopoldo, tenho que, igualmente, é de ser mantido o decisum. A responsabilidade dos hospitais, a partir da vigência da Lei 8.078/90, passou a ser objetiva, levando em conta que são fornecedores de serviços, devendo, assim, responder independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor. A respeito do tema, preleciona Sergio Cavalieri Filho, (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 382): “Os fornecedores de estabelecimentos serviços, e, como hospitalares tais, são respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes”. [...] É o que o Código chama de fato do serviço, entendendo-se como tal o acontecimento externo, ocorrido no mundo físico, que causa danos materiais ou morais ao consumidor, mas decorrente de um defeito do serviço. Essa responsabilidade, como se constada do próprio texto legal, tem por fundamento ou fato gerador o defeito do serviço, que, fornecido ao mercado, vem dar causa a um acidente de consumo. ‘O serviço é defeituoso, diz o § 1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente 12 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL dele se esperam e a época em que foi fornecido’. Trata-se, como se vê, de uma garantia de que o serviço será fornecido ao consumidor sem defeito, de sorte que, ocorrido o acidente de consumo, não se discute culpa; o fornecedor responde por ele simplesmente porque lançou no mercado um serviço com defeito”. No entanto, tal responsabilidade é afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art. 14, § 3º do CDC. Nessa vereda, trago à colação o seguinte precedente deste Órgão Fracionário: “RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. CDC. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEFEITUOSA. DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRELIMINARES NÃO CONFIGURADAS. Nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade civil do hospital é objetiva, não competindo perquerir da culpa de seus prepostos, somente podendo ser afastada, consoante preceito contido no § 3º, I e II, do citado artigo, ante a comprovação de inexistência de defeito no serviço; culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. [...] APELO PARCIALMENTE PROVIDO. PRELIMINARES AFASTADAS”. (Apelação Cível Nº 70009791773, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 21/07/2005). Ao concreto, o nosocômio demandado não se desincumbiu do ônus de demonstrar que o serviço hospitalar dispensado a Hector, filho dos autores, foi adequado, limitando-se, em suas razões de apelação, a defender a correção nos procedimentos adotados pelo seu corpo médico, não se insurgindo, especificamente, quanto à condenação que lhe foi imposta. Assim, considerando que a responsabilidade dos hospitais pelos danos causados ao consumidor é objetiva, bem como que competia à instituição hospitalar requerida fiscalizar a atuação de seus prepostos – que foram negligentes, imprudentes e imperitos no atendimento e tratamento 13 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL recomendado à vítima – contribuindo para o evento, não há dúvida quanto ao dever de indenizar. Não procede, portanto, a inconformidade manifestada pela fundação hospitalar requerida, em suas razões de apelação. Sobre o dano moral, propriamente dito, apenas consigno que demonstrado o ilícito dos réus, que violaram o patrimônio moral dos autores, os quais tiveram de suportar a perda de um filho, fato que poderia ter sido evitado se não fosse a negligencia, imprudência e imperícia de terceiros, caracterizado está o danum in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto. No ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho tem-se, igualmente, a compreensão da desnecessidade de prova, quando se trata de dano moral puro (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2ª tiragem, 2004, p. 100): “...por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais. Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum”. 14 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL Por todo o exposto, no que se refere ao mérito da quaestio, mantenho a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Concernente ao quantum indenizatório fixado, contudo, tenho que deva ser modificado o decisum. É cediço que, a reparabilidade do dano moral, alçada ao plano constitucional, no artigo 5º, incisos V e X da Carta Política, e expressamente consagrada na lei substantiva civil, em seus artigos 186 combinado com 927, exige que o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso concreto, arbitre, pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial. Neste mister, impõe-se que o magistrado atente às condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral do indivíduo deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento sem causa da vítima. A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil: “Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança” (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei). 15 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL Diverso não é o entendimento do Colendo STJ, consoante se verifica do seguinte precedente: “ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido”. (RESP 604801/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214) Ao concreto, demonstrada a abusividade do ato praticado pelos demandados, e levando em conta as condições econômicas e sociais dos ofendidos, o autor, porteiro, cujos rendimentos não restaram esclarecidos nos autos, e a autora, do lar; e dos agressores; a gravidade potencial da falta cometida - negligência, imprudência e imperícia médica - considerando principalmente o sofrimento suportado pelos autores com a perda do filho Héctor, com apenas oito meses de vida, o qual, dias antes dos fatos, apresentava-se saudável; o caráter coercitivo e pedagógico da indenização; os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; tratando-se de dano moral puro; e que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado; impõe-se a redução do montante indenizatório fixado na sentença para R$ 70.000,00 (equivalentes a 200 salários-mínimos atuais), que deverá ser pago solidariamente pelos réus aos autores, a título de reparação por danos morais; quantum que se revela suficiente e condizente com as peculiaridades do caso e que se coaduna com os parâmetros comumente adotados por este Órgão Fracionário, em situações análogas. O montante da condenação deverá ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, a contar da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano, até a vigência do Novo Código Civil, e de 12% ao ano após, desde a citação (18.02.1999). Insta anotar, outrossim, que não prospera o pleito de exclusão da solidariedade determinada na sentença, tendo em vista o disposto no art. 942, caput do CC, in verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. (grifei) Logo, não se há de falar em reforma da sentença, no ponto. Por derradeiro, apenas consigno que o entendimento ora esposado não implica ofensa a qualquer dispositivo, seja de ordem constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles mencionados pelos apelantes, nas peças recursais. Por todo o exposto, o VOTO é no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES, tão-somente, para efeito de reduzir o quantum indenizatório a ser pago solidariamente pelos réus aos autores, a título de reparação por danos morais, fixando-o em R$ 70.000,00 (correspondentes a 200 salários-mínimos atuais), corrigidos monetariamente, pelo IGP-M, a contar da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano, até a vigência do Novo Código Civil, e de 12% ao ano após, desde a citação (18.02.1999). DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo. DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA - De acordo. 17 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRLF Nº 70014636039 2006/CÍVEL DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70014636039, Comarca de São Leopoldo: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES. UNÂNIME ." Julgador(a) de 1º Grau: ISABEL FORTES BLAUTH 18