acordao-2006 – Erro M dico – Meningite

Propaganda
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS
MORAIS. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS E DO
HOSPITAL CONFIGURADA. QUANTUM REDUZIDO.
1. Responsabilidade dos médicos demandados. Culpa
comprovada. Art. 186 do Código Civil. São pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, nos termos do art. 186 do CC,
a conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano, sendo
que a ausência de quaisquer destes elementos afasta o dever
de indenizar. Caso em que o contexto fático-probatório coligido
aos autos dá conta de que os réus foram negligentes,
imprudentes e imperitos no atendimento e tratamento
dispensado ao filho dos autores, levando-o à morte. Médicos
condenados em processo ético-profissional que tramitou junto
ao CREMERS, à pena de censura pública em publicação
oficial, e, na esfera criminal, por homicídio culposo – art. 121, §
3º do CPB. Nexo causal entre a conduta dos médicos e a morte
do menor configurado. Dever de indenizar reconhecido.
Sentença de parcial procedência mantida.
2. Responsabilidade do hospital configurada. Inexistência
de defeito na prestação do serviço não comprovada. Art.
14, § 3º do CDC. A responsabilidade dos hospitais, a partir da
vigência da Lei 8.078/90, passou a ser objetiva, pois na
qualidade de prestadores de serviços devem responder
independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou
posto à disposição do consumidor, responsabilidade que é
afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito ou
a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art.
14, § 3º do CDC. Hipótese em que o nosocômio demandado
não se desincumbiu do ônus de demonstrar que o serviço
hospitalar dispensado ao filho dos autores foi adequado. Dever
de fiscalizar a atuação de seus prepostos, não observado pela
instituição hospitalar. Responsabilidade objetiva. Condenação
mantida.
3. “Quantum” indenizatório. Redução. Na fixação da
reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador,
atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do
ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se
preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar,
contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais
critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto,
conduz à redução do montante indenizatório fixado na
sentença para R$ 70.000,00 (correspondentes a 200 saláriosmínimos atuais), a ser pago solidariamente pelos demandados
aos autores; e que será corrigido monetariamente, pelo IGP-M,
a partir da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e
acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano até a
vigência do Novo Código Civil e de 12% ao ano após, a contar
da citação (18.02.1999).
APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.
1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70014636039
COMARCA DE SÃO LEOPOLDO
ERICO BARTH
APELANTE/APELADO
ORLANDO QUADRA OLIVEIRA
APELANTE/APELADO
FUNDAÇÃO
CENTENÁRIO
APELANTE/APELADO
HOSPITAL
ADRIANO CARVALHO
LUCIA MARIA
SANTOS
APELADO
SANTANA
DOS
APELADO
MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO
INTERESSADO
ANTONIO CARLOS CAMPANI
INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em DAR PARCIAL
PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE E
REVISOR) E DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA.
Porto Alegre, 25 de maio de 2006.
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ,
Relator.
2
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
RELATÓRIO
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Adoto o relatório de fls. 543/550, aditando-o como segue:
A sentença foi de parcial procedência da demanda, com a
condenação dos réus Érico Barth, Orlando Quadra Oliveira e do Hospital
Centenário, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais
aos autores, arbitrados em 500 salários-mínimos, bem como das custas
processuais e de honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da
condenação. Condenou os autores ao pagamento das custas processuais
relativas ao demandado Antônio e à Clínica Materno Infantil de São Leopoldo;
e de honorários advocatícios aos seus patronos, fixados em R$ 1.500,00 para
cada, suspendendo a exigibilidade do pagamento em razão da AJG concedida.
Inconformados, os demandados apelaram.
O requerido Érico Barth, em suas razões, sustenta não ter agido
com culpa quando do atendimento ao filho dos autores, inexistindo relação
entre as ações por ele perpetradas e o infortúnio. Alega que o paciente foi
acometido por uma infecção de desenvolvimento rápido fulminante, não
havendo como responsabilizar o médico que realizou um único atendimento ao
menor. O quadro apresentado não condizia com uma emergência médica,
tendo sido apenas diminuída a dose de medicação, já prescrita pelo pediatra
da criança. Hector não apresentava alterações que sugerissem pneumonia ou
meningite, sendo que a baixa do menor no hospital não era recomendada, de
vez que o ambiente hospitalar é muito pouco salubre. Submeter um bebê
assintomático ao traumático exame de punção lombar não era recomendado, o
que poderia aumentar os riscos de agravamento da moléstia ou a instalação de
estado mórbido. Transcrevendo relatos de testemunhas, afirma que não lhe
poderia ser exigida outra conduta e que aplicou seus conhecimentos com a
melhor técnica, não constatando qualquer ato de negligência, imprudência ou
imperícia passível de responsabilização. Refere que a sentença teve como
3
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
base apenas o argumento de que foram menosprezados os sintomas relatados
pelos pais do paciente, devendo ser reformada, pois segundo o prontuário, o
exame clínico foi minucioso, sendo os pais recomendados a manter o menor
em observação e a buscarem outro atendimento, caso suas condições não
melhorassem. Assevera que as informações acerca da meningite utilizada pela
julgadora como base à condenação não indicam a fonte, inexistindo prova da
veracidade das citações, devendo ser desconsideradas. Argumenta ter pleno
conhecimento dos reais sintomas da meningite, tanto em adultos como em
crianças, o que restou evidenciado na instrução do processo. Os índices de
mortalidade por meningite são alarmantes, chegando a vitimar um terço dos
pacientes com menos de um ano de vida, sendo evidente a dificuldade de
diagnóstico. A causa da morte de Hector não foi meningite, mas infecção
generalizada que pode ter se instalado no organismo do paciente nas últimas
10 horas de vida, não se podendo presumir que, no momento do atendimento,
que se deu às 12:00 do dia anterior ao do falecimento, o paciente já
apresentasse quadro infeccioso grave. Alternativamente, insurge-se quanto à
condenação solidária, pugnando pela aplicação do art. 944 do CC, com a
efetiva valoração de sua participação no caso, bem como pela exclusão da
indenização por dano moral arbitrada ou pela sua redução. Por fim, pede o
provimento do apelo (fls. 563/581).
O demandado, Orlando Quadra de Oliveira, por sua vez, aduz que
a decisão não se coaduna com a prova produzida nos autos do processo,
inexistindo culpa no agir dos médicos que realizaram os atendimentos. Alega
que o menor não apresentava temperatura que indicasse processo infeccioso
grave, bem como que a avaliação realizada pelo pediatra de plantão no
hospital, naquele momento, concluiu que o quadro de sonolência era
decorrente do medicamento que havia sido prescrito nas consultas anteriores.
Assevera que quando a criança retornou ao hospital, 13 horas depois, o quadro
muito diferia daquele constatado no dia anterior. Os depoimentos das
4
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
testemunhas comprovam que as medias tomadas frente ao caso foram
adequadas, não apenas no que diz com a suspensão do medicamento, mas
também com relação à avaliação feita e às orientações passadas aos pais.
Ressalta que se houvesse indício de doença diferente ou mais grave,
subjacente, outros caminhos seriam seguidos, bem como que o paciente
jamais apresentou sintomas que indicassem a doença meningite. Diz ter agido
com todo o profissionalismo e cautelas necessárias para resguardar a vida e
saúde do paciente. A manutenção da criança nas dependências do hospital
para simples observação não é medida adequada, pois o ambiente hospitalar,
por si só, pode ser fator de agravamento das condições ou desenvolvimento de
novas patologias. Os conhecimentos médicos foram aplicados com a melhor
técnica, não se constatando qualquer negligência, imprudência ou imperícia por
parte do profissional, inexistindo dever de indenizar. Argumenta que a sentença
tomou como base apenas o argumento de que foram menosprezados os
sintomas relatados pelos pais do paciente, porém, a conduta médica foi
adequada, já que não havia alteração que sugerisse meningite ou outra
patologia grave. Alega que as informações acerca da meningite utilizada pela
julgadora como fundamento à condenação não indicam a fonte, inexistindo
prova da veracidade das citações, devendo ser desconsideradas, referindo ter
pleno conhecimento dos reais sintomas da meningite, tanto em adultos como
em crianças, o que restou evidenciado nos autos. Os bebês são incapazes de
explicar o que sentem, sendo evidente a dificuldade de diagnóstico, seja pela
atipicidade dos sintomas, seja por se tratar de menor com menos de um ano ou
porque a doença se confunde com outras no geral. A causa da morte de Hector
não foi meningite, mas infecção generalizada que pode ter se instalado no
organismo do paciente nas últimas 10 horas de vida, não se podendo presumir
que, no momento do atendimento, que se deu às 24 do dia anterior ao do
falecimento, o paciente já apresentasse quadro infeccioso grave, que exigisse
maior cuidado. Requer a exclusão da condenação por danos morais ou,
5
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
alternativamente, a redução do quantum indenizatório fixado, acostando
precedentes a amparar sua tese. Ao final, postula o provimento da apelação
(fls. 587/599).
A Fundação Hospital Centenário, por seu turno, alega que não
restou evidenciado nos autos nexo causal entre o atendimento prestado pelos
seus prepostos e a evolução para o óbito. O atendimento médico foi prestado
com cautela e correção, sendo adotados todos os tipos de procedimentos em
medicina disponíveis. Aduz que não houve culpa da organização hospitalar,
que utilizou todos os métodos em busca da recuperação do paciente.
Outrossim, pede a redução do montante indenizatório, dizendo que este não
pode servir de enriquecimento ou extrapolar os padrões hodiernos da
jurisprudência. Requer o provimento do recurso (fls. 613/616).
Sobrevieram as contra-razões (fls. 620/623, 628/641 e 642/654),
subindo os autos a esta Corte.
Aqui, o nobre Procurador de Justiça, Dr. José Barroco de
Vasconcellos, opinou pelo parcial provimento das apelações, com a
manutenção da indenização por danos morais em 500 salários-mínimos, e
modificação da sentença apenas para reconhecer a correção do quantum
fixado, pelo IGP-M, a contar da data da sessão, e a incidência de juros de
mora, desde o evento danoso, além da redução da verba honorária para 15%
sobre o valor da condenação (fls. 656/661).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Trata-se de apelações interpostas pelos médicos e pela fundação
hospitalar demandada, em face da sentença de parcial procedência prolatada
pela julgadora singular, que condenou solidariamente os réus ao pagamento de
6
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
500 salários-mínimos aos autores, a título de indenização por danos morais
decorrentes da morte de seu filho Hector, vítima de negligência, imprudência e
imperícia médica.
Considerando o teor dos recursos interpostos, as inconformidades
serão analisadas em conjunto.
A responsabilidade dos médicos demandados deve ser analisada
sob o prisma da responsabilidade subjetiva, levando-se em conta o disposto no
art. 186 do Código Civil, in verbis:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Da exegese do dispositivo legal supramencionado, pode-se
concluir que são pressupostos da responsabilidade subjetiva: a conduta
culposa do agente, o nexo causal e o dano, sendo que, a ausência de qualquer
destes elementos, afasta o dever de indenizar.
A respeito do assunto, ensina Sergio Cavalieri Filho, (in Programa
de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 39/40):
“Há primeiramente um elemento formal, que é a
violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um
elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um
elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de
causalidade.
[...]
Portanto, a partir do momento em que alguém,
mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe
dano, está diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável
dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil”.
7
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
Ao concreto, o contexto probatório coligido aos autos, não deixa
dúvidas quanto à culpa dos médicos demandados para o resultado danoso –
morte do filho dos autores.
Depreende-se dos documentos de fls. 367/387, extraídos dos
autos do processo ético-profissional que tramitou junto ao Conselho Regional
de Medicina do Estado, que os médicos demandados, devido à negligência,
imprudência e imperícia constatada no atendimento dispensado ao menor
Hector, foram condenados, por maioria de votos, nas sanções do art. 22, por
violação aos arts. 29 e 57 do Código de Ética Médica, conforme ementa que
segue:
“Médicos denunciados por não valorizar os sintomas
clínicos apresentados pelo paciente de 8 meses de idade. Negligentes
por não solicitarem exames complementares. Imprudentes por não
hospitalizarem
o
paciente.
Imperitos
por
não
solicitarem
o
acompanhamento por profissional especializado na pediatria e por
deixarem de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e
tratamento a seu alcance em favor do paciente. Infração aos artigos
29 e 57 do Código de Ética Médica. Condenação. Aplicada a pena
prevista na letra “c” do artigo 22 da Lei 3.203 de 30 de setembro de 1957
– “censura pública em publicação oficial”. (grifei)
Oportuna, outrossim, a transcrição de excerto dos fundamentos
que embasaram a condenação dos demandados pelo CREMERS, in verbis:
“A apreciação dos fatos relatados e a análise dos
documentos deste processo ético-profissional nos permitem uma série de
conclusões.
Inicialmente, apesar de inúmeras recomendações a
respeito do preenchimento dos documentos médicos (prontuários),
8
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
encontram-se
em
algumas
oportunidades
incompletos
quando
confrontados com as manifestações na defesa dos denunciados, o que,
ao invés de trazer subsídios para suas alegações, provoca dúvidas sobre
a sua veracidade. Refiro-me especificamente ao ponto da defesa do Dr.
Érico Barth que fala sobre exame neurológico normal e nada sobre
isto está descrito no boletim de atendimento (12h15min). Este traz
como motivo da consulta queixas de grande importância (suor
gelado, branco, tremedeira, febre, vômitos, não urina desde ontem) e
a descrição é de uma criança corada, bom estado geral, ativa e com
otite externa que é medicada e tem orientação de procurar o seu
pediatra. Estamos, aparentemente, diante de pacientes diferentes.
Em segundo lugar, com relação ao Dr. Orlando Quadra
de Oliveira, nos seus esclarecimentos informa exame neurológico
normal (fl. 144): responsivo a estímulos verbais, pupilas isocóricas
fotoreagentes e ausência de rigidez de nuca, o que é absolutamente
oposto ao que consta como motivo do atendimento (21h7min);
sonolência anormal, pouco responsivo a estímulos, refere uso de
Dimetapp 15 gotas, 3 vezes ao dia sendo a última tomada às
11h30min e como conduta Paracetamol 100mg 18 gotas. Ao lado da
informação Tax 37.2 está a sua assinatura, referendando o que está
escrito, mesmo que com letra diferente.
Parece que novamente lidamos com pacientes diferentes.
A evolução desde este último atendimento até o dia seguinte, com o
lamentável epílogo, nos mostra, mesmo que retrospectivamente, a
gravidade do caso e a maneira absolutamente inadequada de sua
condução. O resultado final poderia ser igual mesmo se medidas de
investigação e tratamento tivessem sido instituídas. Mas não o foram. E
este fato, a meu juízo, pesa e pesa muito, pois embora não fosse obtido o
fim, ter-se-iam utilizado os meios para tanto disponíveis.
Os depoimentos são fartos em dar conta da insistência
dos pais na busca de solução para o seu angustiante problema.
Poderia até haver exagero neste afã, mas a evolução mostrou que
9
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
isto não ocorreu. A imprudência, a imperícia e a negligência estiveram
presentes nas duas oportunidades (12h15min e 09h07min) pois já havia
elementos na história que justificassem uma atenção maior, não só
aquela dos pais, interessadíssimos mas leigos, mas sim de pessoal
técnico e atento para atuais pioras como acabou acontecendo.” (grifei)
De outra parte, o resultado da denúncia interposta pelo Ministério
Público não foi outro senão a condenação dos réus nas sanções do art. 121, §
3º do CPB – homicídio culposo – conforme se vê da sentença penal
condenatória de fls. 390/401.
Insta destacar, outrossim, que competia aos demandados Érico e
Orlando a adoção dos procedimentos necessários à averiguação do real
estado de saúde de Hector, especialmente diante do relato dos sintomas e
insistência dos pais do menor, medidas que, se adotadas, evidentemente
excluiriam suas responsabilidades, ainda que o resultado do tratamento fosse o
mesmo – morte da criança.
Todavia, ressalta da análise dos autos que os requeridos não se
preocuparam em solicitar sequer um exame de sangue suficiente à
constatação da infecção que, aos poucos, tomava conta do corpo do menino.
Aliás, segundo declarado pela testemunha Kerbe Cardoso Crespo, também
profissional da área de medicina, a medicação prescrita à Hector, pelos réus,
melhoraria em parte os sintomas, mas “não mascarariam a infecção”,
facilmente perceptível por meio de exame sangüíneo.
Portando, comprovado o nexo de causalidade entre a conduta dos
médicos requeridos, que foram negligentes, imperitos e imprudentes na
consecução do seu mister, e a morte do filho dos autores, resta evidente o
dever de indenizar.
E não se diga que o argumento de que pacientes de menos de
um ano de idade não sabem manifestar o que sentem, dificultando o
10
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
diagnóstico
médico,
tenha
o
condão
de
eximir
os
réus
de
suas
responsabilidades.
Isso porque, exatamente em face da dificuldade que crianças com
menos de um ano de idade têm de manifestar os seus sintomas, devem ser
levados em conta os relatos dos pais e realizados exames aptos a diagnosticar
a enfermidade, medidas que, ao concreto, foram desconsiderados pelos
demandados.
Tal circunstância, aliás, foi bem examinada pela nobre julgadora
singular que, no ato sentencial, destacou:
“Tão insistentes foram os autores na busca de um
tratamento mais intensivo à moléstia do filho, a ponto de merecer a
seguinte menção pelo demandado Orlando: ‘foi comunicado pela
portaria que os pais do menino pediam um atendimento de urgência
e o depoente determinou que fossem encaminhados com o paciente
para uma sala em que atende esses casos na emergência’, mas
consignou que ‘o único sinal que determinava que fosse de
urgência o atendimento era a ansiedade dos pais’”. (fl. 558).
Pelos
mesmos
motivos,
não
vinga
a
tese
de
que
os
conhecimentos médicos, no caso, foram aplicados com a melhor técnica, até
porque, se os requeridos tivessem empregado a “melhor técnica”, como
sustentado, a morte do menor poderia ter sido evitada, considerando a
insistência dos autores no pedido de internação de Hector e a descrição dos
sintomas apresentados pela vítima: febre, diarréia, sonolência, apatia, choro,
gemidos e vômito no caminho ao hospital.
Igualmente, não vinga a alegação de que as informações
colacionadas pela julgadora a quo, acerca da meningite, não podem ser
consideradas, pois desprovidas das respectivas fontes e de provas acerca da
11
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
veracidade de seu conteúdo, já que, ao pé de cada citação, consta o endereço
eletrônico do qual foram extraídas. Além do mais, não foi descartada, in casu, a
meningite como provável causa da morte do menor.
Destarte, tenho que a condenação dos médicos demandados era
medida que se impunha no presente, não merecendo reparos a sentença
hostilizada, neste aspecto.
No que pertine à responsabilidade da Fundação Hospital de
Clínicas de São Leopoldo, tenho que, igualmente, é de ser mantido o decisum.
A responsabilidade dos hospitais, a partir da vigência da Lei
8.078/90, passou a ser objetiva, levando em conta que são fornecedores de
serviços, devendo, assim, responder independente de culpa pelo serviço
defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor.
A respeito do tema, preleciona Sergio Cavalieri Filho, (in
Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 382):
“Os
fornecedores
de
estabelecimentos
serviços,
e,
como
hospitalares
tais,
são
respondem
objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes”.
[...]
É o que o Código chama de fato do serviço,
entendendo-se como tal o acontecimento externo, ocorrido no
mundo físico, que causa danos materiais
ou morais ao
consumidor, mas decorrente de um defeito do serviço.
Essa responsabilidade, como se constada do
próprio texto legal, tem por fundamento ou fato gerador o defeito
do serviço, que, fornecido ao mercado, vem dar causa a um
acidente de consumo. ‘O serviço é defeituoso, diz o § 1º do art.
14 do Código de Defesa do Consumidor, quando não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo
do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente
12
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
dele se esperam e a época em que foi fornecido’. Trata-se, como
se vê, de uma garantia de que o serviço será fornecido ao
consumidor sem defeito, de sorte que, ocorrido o acidente de
consumo, não se discute culpa; o fornecedor responde por ele
simplesmente porque lançou no mercado um serviço com
defeito”.
No entanto, tal responsabilidade é afastada sempre que
comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço ou a culpa
exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art. 14, § 3º do CDC. Nessa
vereda, trago à colação o seguinte precedente deste Órgão Fracionário:
“RESPONSABILIDADE
CIVIL.
HOSPITAL.
CDC.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEFEITUOSA. DANOS
MORAIS E DANOS MATERIAIS. CERCEAMENTO DE
DEFESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRELIMINARES NÃO
CONFIGURADAS. Nos termos do art. 14 do Código de
Defesa do Consumidor a responsabilidade civil do
hospital é objetiva, não competindo perquerir da culpa
de seus prepostos, somente podendo ser afastada,
consoante preceito contido no § 3º, I e II, do citado
artigo, ante a comprovação de inexistência de defeito no
serviço; culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
[...] APELO PARCIALMENTE PROVIDO. PRELIMINARES
AFASTADAS”. (Apelação Cível Nº 70009791773, Décima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary
Vessini de Lima, Julgado em 21/07/2005).
Ao concreto, o nosocômio demandado não se desincumbiu do
ônus de demonstrar que o serviço hospitalar dispensado a Hector, filho dos
autores, foi adequado, limitando-se, em suas razões de apelação, a defender a
correção nos procedimentos adotados pelo seu corpo médico, não se
insurgindo, especificamente, quanto à condenação que lhe foi imposta.
Assim, considerando que a responsabilidade dos hospitais pelos
danos causados ao consumidor é objetiva, bem como que competia à
instituição hospitalar requerida fiscalizar a atuação de seus prepostos – que
foram negligentes, imprudentes e imperitos no atendimento e tratamento
13
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
recomendado à vítima – contribuindo para o evento, não há dúvida quanto ao
dever de indenizar.
Não procede, portanto, a inconformidade manifestada pela
fundação hospitalar requerida, em suas razões de apelação.
Sobre o dano moral, propriamente dito, apenas consigno que
demonstrado o ilícito dos réus, que violaram o patrimônio moral dos autores, os
quais tiveram de suportar a perda de um filho, fato que poderia ter sido evitado
se não fosse a negligencia, imprudência e imperícia de terceiros, caracterizado
está o danum in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares
regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de
prejuízo concreto.
No ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho tem-se, igualmente, a
compreensão da desnecessidade de prova, quando se trata de dano moral
puro (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2ª tiragem, 2004, p. 100):
“...por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova
do dano moral não pode ser feita através dos mesmos
meios utilizados para a comprovação do dano material.
Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a
vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através
de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela
como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o
desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o
que acabaria por ensejar o retorno à fase da
irreparabilidade do dano moral em razão de fatores
instrumentais.
Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles
que entendem que o dano moral está ínsito na própria
ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em
outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva
inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal
modo que, provada a ofensa, ipso facto está
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção
natural, uma presunção hominis ou facti que decorre
das regras de experiência comum”.
14
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
Por todo o exposto, no que se refere ao mérito da quaestio,
mantenho a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Concernente ao quantum indenizatório fixado, contudo, tenho que
deva ser modificado o decisum.
É cediço que, a reparabilidade do dano moral, alçada ao plano
constitucional, no artigo 5º, incisos V e X da Carta Política, e expressamente
consagrada na lei substantiva civil, em seus artigos 186 combinado com 927,
exige que o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso
concreto, arbitre, pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial.
Neste mister, impõe-se que o magistrado atente às condições do
ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e
duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se
olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao patrimônio moral do
indivíduo deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados, sem
importar em enriquecimento sem causa da vítima.
A dúplice natureza da indenização por danos morais vem
ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho,
em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:
“Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito
Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão
conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição
ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima,
posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma
soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe
oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de
qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja
mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de
saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura
da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança” (in:
Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).
15
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
Diverso não é o entendimento do Colendo STJ, consoante se
verifica do seguinte precedente:
“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO
MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano
moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de
atender a sua dupla função: reparar o dano buscando
minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não
volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o
óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3.
Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de
acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso
especial parcialmente
provido”. (RESP 604801/RS, Rel.
Ministra
Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214)
Ao concreto, demonstrada a abusividade do ato praticado pelos
demandados, e levando em conta as condições econômicas e sociais dos
ofendidos, o autor, porteiro, cujos rendimentos não restaram esclarecidos
nos autos, e a autora, do lar; e dos agressores; a gravidade potencial da
falta
cometida
-
negligência,
imprudência
e
imperícia
médica
-
considerando principalmente o sofrimento suportado pelos autores com a
perda do filho Héctor, com apenas oito meses de vida, o qual, dias antes
dos fatos, apresentava-se saudável; o caráter coercitivo e pedagógico da
indenização; os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; tratando-se de
dano moral puro; e que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento
injustificado; impõe-se a redução do montante indenizatório fixado na
sentença para R$ 70.000,00 (equivalentes a 200 salários-mínimos atuais),
que deverá ser pago solidariamente pelos réus aos autores, a título de
reparação por danos morais; quantum que se revela suficiente e condizente
com as peculiaridades do caso e que se coaduna com os parâmetros
comumente adotados por este Órgão Fracionário, em situações análogas.
O montante da condenação deverá ser corrigido monetariamente,
pelo IGP-M, a contar da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e
16
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano, até a vigência do Novo
Código Civil, e de 12% ao ano após, desde a citação (18.02.1999).
Insta anotar, outrossim, que não prospera o pleito de exclusão da
solidariedade determinada na sentença, tendo em vista o disposto no art. 942,
caput do CC, in verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito
de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de
um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. (grifei)
Logo, não se há de falar em reforma da sentença, no ponto.
Por derradeiro, apenas consigno que o entendimento ora
esposado não implica ofensa a qualquer dispositivo, seja de ordem
constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles mencionados pelos
apelantes, nas peças recursais.
Por todo o exposto, o VOTO é no sentido de DAR PARCIAL
PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES, tão-somente, para efeito de reduzir o
quantum indenizatório a ser pago solidariamente pelos réus aos autores, a
título
de
reparação por danos morais, fixando-o em R$ 70.000,00
(correspondentes a 200 salários-mínimos atuais), corrigidos monetariamente,
pelo IGP-M, a contar da data desta sessão, até o efetivo pagamento, e
acrescido de juros de mora, à razão de 6% ao ano, até a vigência do Novo
Código Civil, e de 12% ao ano após, desde a citação (18.02.1999).
DES.
JORGE
ALBERTO
SCHREINER
PESTANA
(PRESIDENTE
E
REVISOR) - De acordo.
DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA - De acordo.
17
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70014636039
2006/CÍVEL
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação
Cível nº 70014636039, Comarca de São Leopoldo: "DERAM PARCIAL
PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES. UNÂNIME ."
Julgador(a) de 1º Grau: ISABEL FORTES BLAUTH
18
Download