ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ADOÇÃO FORMAL POR TIOS, APENAS PARA POSSIBILITAR O INGRESSO EM COLÉGIO INTERNO, DE RELIGIOSOS, EM ÉPOCA QUE NÃO SE ADMITIA A MATRÍCULA DE “FILHA DE MÃE SOLTEIRA”. ADOÇÃO SIMPLES QUE AUTORIZA A INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA, INCLUSIVE COM SEUS EFEITOS JURÍDICOS DAÍ DECORRENTES – ALTERAÇÃO DE REGISTRO E PARTICIPAÇÃO DA SUCESSÃO. RECURSO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70015055635 COMARCA DE PORTO ALEGRE E.D. . S.D.M.S.S.E.E.M.S. . L.M.P.S.E. . APELANTE APELADO INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.ª MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE E REVISORA) E DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL Porto Alegre, 20 de dezembro de 2006. DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL, Relator. RELATÓRIO DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – Trata-se de recurso de apelação interposto por E. D. contra a sentença (fls. 119-122) que julgou parcialmente procedente a ação declaratória de paternidade ajuizada em desfavor de L. M. P. S., para declarar que E. D. é filha biológica de L. M. P. S., deixando de comandar retificação do registro por faltar na espécie possibilidade jurídica. Restou condenado o demandado ao pagamento de 75% das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 4.500,00. Já a autora restou condenada ao pagamento de 25% das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00. Suspensa a exigibilidade do pagamento, por parte da autora, em razão da concessão do benefício da gratuidade judiciária. Em suas razões de apelação (fls. 124-128), a requerente sustenta que a adoção foi meramente formal jamais alterando a situação fática da autora, à época menor. Assevera que manteve todos os seus laços com sua mãe biológica, sendo criada e educada por esta, mantendo com seus pais adotivos a condição de sobrinha, exclusivamente. Refere que a adoção da autora deu-se unicamente para possibilitar que a mesma fosse admitida em colégio interno, os quais à época recusavam filhos não reconhecidos, de modo a propiciar-lhe uma boa 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL educação e evitar que a autora, enquanto filha de mãe solteira, sofresse os constrangimentos morais e discriminações existentes à época. Aduz que todos estes fatos não foram contestados nem pelo pai biológico, nem pelos primos da autora, citados nesta demanda na qualidade de sucessores dos pais adotivos já falecidos. Destaca que o fato de que a adoção foi fictícia, simbólica, se confirma, ainda, se observado que o nascimento da autora chegou a ser registrado pela mãe biológica sem a participação do pai, e também porque segundo se comprovou nos autos, a autora sequer participou da sucessão de seus pais adotivos. Portanto, sustenta que não se trata, a espécie, de revogação da adoção, mas sim da existência de vício que enseja a nulidade na origem da escritura pública respectiva, merecendo por decorrência, ser provido o pedido de retificação de registro de nascimento, fazendo constar a filiação biológica. Por fim, requer seja determinada, diante da nulidade da adoção, a anulação do registro de nascimento da autora, ou a retificação do registro de nascimento da mesma, para que conste seu pai biológico, reconhecido por sentença. Ante o exposto, clama pelo provimento do recurso, com a conseqüente reforma da decisão a quo, nos termos das razões apresentadas. O recurso foi recebido no duplo efeito. Contra-arrazoado o recurso (fls.131-135), pela Defensoria Pública, que foi nomeada curadora especial da SUCESSÃO DE D. M. S. E E. M. S., subiram os autos. Em parecer lançado nas folhas 144 a 152, o Ministério Público opina pelo conhecimento e, no mérito, pelo provimento do recurso. 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL Vieram-me os autos conclusos, para julgamento. Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, do CPC. É o relatório. VOTOS DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – A paternidade biológica foi reconhecida através de laudo de DNA, não sendo objeto de irresignação. O recurso, da parte da investigante, diz com a inadmissibilidade de alteração do registro e eventual participação na sucessão do demandado. Ao que se vê, porque não objeto de contestação por parte do requerido e herdeiros dos adotantes, a adoção da requerente pelos tios Décio e Erna (fl. 63), deu-se apenas no plano formal (adoção simples), ao efeito de permitir o ingresso daquela em escola interna, de religiosos, que não admitiam a matrícula à “filha de mãe solteira”. Não se observa, na espécie, a paternidade socioafetiva, mantido o relacionamento da adotanda com seus tios, como tal, continuando a ser criada e educada pela mãe biológica, situação que autoriza, a meu ver, a procedência da ação. A este propósito, porque absolutamente imelhoráveis, adoto, como razões de decidir, as razões formuladas pela Dra. Ângela Célia Paim Garrido, que bem apreciou a questão posta, nestes termos1: 1 A formatação original do texto foi alterada, mantida, entretanto, a literalidade do texto. 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL (...) “A questão posta no recurso é deveras complexa, porquanto a sentença declarou que o réu L. M. P. S. é o pai biológico da autora, sendo, contudo, mantido o registro de nascimento desta e, em consequência, afastados os efeitos jurídicos decorrentes da paternidade. “A possibilidade de o filho adotivo intentar ação de investigação de paternidade em face do pai biológico tem provocado muitas dúvidas em razão do disposto no artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, qual seja, a irrevogabilidade da adoção. “Embora os muitos entraves, a jurisprudência tem demonstrado ser possível a pretensão, todavia, apregoando que a adoção não precisa ser desconstituída, persistindo o parentesco civil, valendo dizer que o reconhecimento do vínculo biológico não gera conseqüências jurídicas. “Nesse sentido o julgamento do Recurso Especial N° 126.541 do Superior Tribunal de Justiça: “Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei n° 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA". “O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, adotando a mesma postura, confere ao filho adotivo a legitimidade para ingressar com a ação de investigação de paternidade, na medida em que "os deveres erigidos em garantia constitucional à criança e ao adolescente, na Carta de 1998, em seu artigo 227, se sobrepõem às regras formais de qualquer natureza e não poder ser relegados a um plano secundário, apenas por amor à suposta intangibilidade do instituto da adoção. Opor à justa pretensão do menor adotado, em ver reconhecida a paternidade biológica, com os embaraços expostos na sentença, é o mesmo que 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL entender que alguém, registrado em nome de um casal, seja impedido de investigar sua verdadeira paternidade, porque a filiação é tanto ou mais irrevogável do que a adoção. No entanto, a todo o momento, deparamos com pessoas registradas como filhos de terceiros, que obtêm o reconhecimento da verdadeira paternidade e têm, por conseqüência, anulado o registro anterior." (Acórdão do Tribunal do Rio Grande do Sul, 8a Câmara Cível. Relator Desembargador Eliseu Gomes Torres, em 09/11/1995 na RJTJRS 176/766). “O artigo 227, §6° da Constituição Federal de 1988 igualou os filhos independentemente de sua origem, vedando qualquer forma de discriminação, importando dizer que o filho adotivo também tem o direito de perquirir sua origem. Do mesmo modo, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente assegura a possibilidade de perquirir a ancestralidade, dispondo que o reconhecimento do estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição. Portanto, negar ao filho adotivo o direito de buscar sua filiação biológica é contrariar a própria Constituição Federal. “No caso concreto, o ponto nodal do recurso reside no fato de que a sentença prolatada é meramente declaratória, não gerando direitos ou obrigações. Permanecem hígidos os laços civis da autora com os pais adotivos, razão pela qual não foi desconstituído o registro civil e, em conseqüência, não pode gerar direitos. “A autora, todavia, não se conforma com o fato de a sentença não ter determinado a retificação de seu registro civil. “A autora foi adotada mediante escritura pública (f 1.63), consoante certidão de nascimento da fl. 07, tratando-se, portanto, de adoção simples. “Consoante entendimento do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a adoção simples não se converte em adoção plena: “Na minha compreensão, o advento do ECA não desconstituiu a adoção simples consumada no regime do Código Civil. Nos termos da Constituição Federal (art. 227, § 6°) os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, qualquer que seja o tipo, 'terão os mesmos 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação'. “Esse comando constitucional não tem o condão, a meu sentir, de modificar as condições presentes na adoção simples, assim a manutenção dos vínculos com a família biológica, e, por conseguinte, o direito de pedir alimentos do pai natural, nada obstando, contudo, que seja feita a transmudação judicial da adoção simples em adoção plena. E assim é porque são direitos incorporados ao patrimônio do adotado, constituem direitos adquiridos, que, portanto, não são atingidos pela lei nova. A adoção simples consumada não se converte com a lei nova em adoção plena. “Lembro, por último, que esta Corte, com a relatório do Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Resp. n° 26.834/RJ, DJ de 21/08/95), enfrentou as conseqüências do advento do ECA diante da adoção simples de menor impúbere, realizada sob a égide do revogado Código de Menores, aplicando os princípios tempus regit actum e da irretroatividade das leis, guardando a ementa os termos que se seguem: ‘DIREITO CIVIL ADOÇÃO SIMPLES CONCRETIZADA EM 1981. REVOGABILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IRRETROATIVIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90) não teve o condão de tornar irrevogável adoção simples de menor impúbere realizada sob a égide do revogado Código de Menores (Lei n...° 6.697/79). Aplicação dos princípios tempus regit actum e da irretroatividade das leis." “Diante disso, a viabilidade ou não do pedido estaria submetida ao tipo de adoção realizada sob a égide do Código de Menores. No caso em tela, restou bem claro que a adoção é simples. “Segundo a inicial, a apelante foi adotada por seus tios (irmão de sua mãe biológica e esposa), sendo dita adoção meramente formal, pois manteve todos os seus laços como a mãe biológica, sendo criada e educada por esta. Na verdade, argumenta que a adoção deu-se unicamente para possibilitar que a mesma fosse admitida no colégio interno (os quais à época recusavam filhos não reconhecidos), de modo a propiciar-lhe uma boa educação e evitar que a 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL autora sofresse o estigma de "filha de mãe solteira". Afirma a autora que esses fatos não foram contestados seja pelo pai biológico, seja pêlos primos da autora, citados nesta demanda na qualidade de sucessores dos pais adotivos, estes últimos já falecidos. “Consoante declaração da mãe biológica (fl.8), assim procedeu para viabilizar o ingresso de sua filha me colégio interno, em especial mantido por religiosos, e evitar os constrangimentos morais existentes na sociedade da época, em relação às filhas havidas fora do matrimônio"; “Como bem assinalado pela apelante, a adoção jamais correspondeu a realidade fática experimentada pela autora, tampouco houve qualquer vínculo socioafetivo entre a apelante e os pais adotivos. “Os artigos 368 a 378 do Código Civil de 1916 regulavam a adoção simples. Referida adoção se dava através de escritura pública, sem interferência judicial. ‘Como efeitos, o filho adotivo não rompia o vínculo com sua família biológica, podendo, inclusive, permanecer com o nome originário,bem como com os direitos e deveres alimentícios face aos pais consangüíneos. “A adoção simples não integrava o menor na nova família, o que se atingia só com a adoção plena. “Analisando a legislação revogada (Código de Menores), observa-se que o artigo 29, em similitude ao artigo 41 do ECA, apenas no caso da adoção plena previa o desligamento de qualquer vínculo do adotado com os pais ou parentes: “Art 29. A adoção plena atribuiu a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. “E os artigos 35 e 36 guardam semelhança com o artigo 47 do ECA, reforçando o sentido de que a adoção plena extinguia qualquer liame com os pais biológicos. “Art 35. A sentença concessiva da adoção plena terá efeito construtivo e será inscrita Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão. 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL “§ l* A inscrição consignará o nome dos país adotivos como país, bem como o nome de seus ascendentes. “§ 2° Os vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com a inscrição. “§ 3° O registro original do menor será cancelado por mandado, o qual será arquivado. “§ 4° Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato. “§ 5° A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para salvaguarda de direitos. “Art 36. A sentença conferirá ao menor o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome. “Por fim, o artigo 37 do Código de Menores já dispunha que a adoção plena era irrevogável, nos termos do atual artigo 48 do ECA: “Art 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, as quais estão equiparados os adotados, com os mesmos direitos e deveres. “Assim, como a autora foi adotada pela modalidade de adoção simples, entende-se que poderá pleitear a desconstituição do seu registro civil, para nele fazer constar os nomes dos pais biológicos.” (...) Assim, acolhida a investigatória, o corolário é a desconstituição do registro decorrente da adoção, prevalecendo o registro originalmente efetivado pela mãe biológica, com a inserção do nome do pai e avós paternos, conforme estipulado na sentença, arcando o requerido com a integralidade do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do procurador da requerente, fixados em R$ 5.000,00. Do exposto, dou provimento ao recurso. 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RRR Nº 70015055635 2006/CÍVEL DES.ª MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - De acordo. DES.ª MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Apelação Cível nº 70015055635, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: LUIZ MELLO GUIMARAES 10