TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ap Cível/Reex Necessário Nº 1.0024.11.114141-2/001 <CABBCABCCBBACADDAAADCABADCABADCBAADAA DDADAAAD> DIREITO CONSTITUCIONAL – REEXAME NECESSÁRIO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – GRATUIDADE – RECUSA PELO ESTADO – NECESSIDADE E INCAPACIDADE DE CUSTEIO COMPROVADAS – PREVISÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO FUNDAMENTAL – SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO PREJUDICADO. - Se o cidadão comprova necessidade de determinado medicamento para tratamento de doença de que está acometida, prescrito por seu médico, e resta demonstrada sua incapacidade de custeio do tratamento, deve ser aplicado o preceito constitucional que obriga o Poder Público a prestar, gratuitamente, assistência à saúde da pessoa necessitada. AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO Nº 1.0024.11.114141-2/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REMETENTE: JD 6 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): TARCISIO CHRCANOVIC - INTERESSADO: MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em, EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMAR A SENTENÇA; PREJUDICADA A APELAÇÃO. DES. MOREIRA DINIZ RELATOR. Fl. 1/5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ap Cível/Reex Necessário Nº 1.0024.11.114141-2/001 DES. MOREIRA DINIZ (RELATOR) Cuida-se de reexame necessário, e de apelação contra sentença do MM. Juiz da 5ª. Vara da Fazenda Pública e Autarquias da comarca de Belo Horizonte, que julgou procedente a “ação ordinária de fornecimento de medicamento” ajuizada por Tarcisio Chrcanovic contra o Estado de Minas Gerais. A sentença determinou que o Estado forneça ao autor “o medicamento Ranibizumab (Lucentis), mediante renovação semestral da receita médica, no prazo de cinco dias, sob pena de multa por descumprimento, durante o período que for necessário para tratamento e controle da doença” (fl. 79). O Estado foi ainda condenado ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$600,00. O apelante alega que, nos termos da Portaria MS/GM 2.981/2009, “o medicamento Ranibizumabe (Lucentis®) não faz parte da relação dos medicamentos cujo fornecimento compete aos Estados Federados”; que o referido medicamento também não está incluído na tabela de procedimentos do SUS; que, para o combate da doença que acomete o autor, o tratamento disponibilizado é a fotocoagulação a laser e a injeção intravítrea; que “não há que se falar em obrigação do Poder Público em fornecer farmáco que sequer foi selecionado por profissionais técnicos da saúde”; que “o atendimento aos pacientes para tratamento oftalmológico no SUS vem sendo realizado pelos Municípios”, que “recebem recursos financeiros do Poder Público Federal, não havendo que se falar em responsabilidade do Estado de Minas Gerais no caso em tela”; que o acolhimento da pretensão do autor ocasionará a quebra do princípio da isonomia entre os usuários do SUS; que “os medicamentos não constantes dos protocolos elaborados pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde devem ser dispensados pela União Federal, através do Ministério da Saúde”; e que, se a sentença for mantida, o fornecimento do medicamento deve ser vinculado à apresentação da receita, não deve ser fixado multa para o caso de não cumprimento da obrigação, e os honorários advocatícios devem ser reduzidos. Passo ao reexame necessário. Ante o preceito constitucional que assegura ao cidadão necessitado o direito de procurar auxílio de saúde em Fl. 2/5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ap Cível/Reex Necessário Nº 1.0024.11.114141-2/001 qualquer das esferas de poder – Federal, Estadual ou Municipal, não se admite que seja imposto ao cidadão que procure apenas um ou outro ente, gerando dificuldade e demora de atendimento. SUS envolve União, Estados e Municípios, e qualquer desses entes pode ser acionado pelo cidadão, que tem direito ao tratamento. No mais, o direito à vida e à saúde é sagrado, e se sobrepõe a qualquer outro. E não será muito lembrar que é o Estado – aí compreendido na genericidade – quem existe em razão do cidadão, e não este em razão do Poder Público. A Constituição Federal assegura, a todos quantos comprovem necessidade, o direito a tratamento gratuito da saúde; o que deverá ser provido, seja pela União, seja pelo Estado, seja pelo Município. No caso, da análise dos autos, vê-se, nos documentos médicos de fls. 18 e 23/25, que o autor “é portador de degeneração macular (doença oftalmológica/CID H35-3)” em ambos os olhos, sendo-lhe prescrito o medicamento Ranibizumabe (Lucentis), aplicado por meio de injeções diretamente no olho, sendo que a demora no tratamento traz risco de cegueira. Assim, em razão de seu grave quadro de saúde, o autor se dirigiu à Secretaria de Saúde do Estado, e protocolizou pedido administrativo de fornecimento do medicamento, o qual foi indeferido, por não estar padronizado (fls. 20/21). Merece destaque o fato de que a questão envolve a saúde de uma pessoa idosa (fl. 13), portadora de doença grave, sendo inadmissível sua sujeição à boa vontade do administrador para tratar determinada doença, deixando outras de lado, como se a saúde e a vida humana pudessem ser classificadas de acordo com o tipo da enfermidade. Por outro lado, os elementos trazidos aos autos apontam a incapacidade econômica do autor arcar com o custeio do tratamento, justificando a requisição do medicamento e procedimentos ao Estado. Trata-se de um aposentado, que recebe do INSS, aproximadamente, R$976,00 mensais, conforme atesta o documento de fl. 15. Assim, restaram comprovadas a necessidade do medicamento prescrito e a incapacidade de custeio de sua aquisição; assim como a recusa de fornecimento gratuito pelo Poder Público. Fl. 3/5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ap Cível/Reex Necessário Nº 1.0024.11.114141-2/001 Há preceito constitucional que obriga o Poder Público a prestar assistência gratuita, na área de saúde, a todos os cidadãos que demonstrem disso necessitar, além da incapacidade financeira. O artigo 196 da Constituição Federal prescreve que: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Ainda se nota que o inciso II, do artigo 198, da Constituição, prevê que os serviços do Sistema Único de Saúde devem se valer do atendimento integral. Deve-se ressaltar que essa assistência não está condicionada a atendimento por médico público, ou a qualquer forma de participação do Poder Público na indicação do tratamento necessário, de forma que não se pode questionar eventual contratação de profissional particular. Além disso, o cidadão não pode ter seu direito restringido por listas elaboradas pelo Poder Público, o que corresponde a indevida interferência na sagrada relação médicopaciente. É também importante acrescentar que não se admite o questionamento, por parte do Poder Público, ou de quem quer que seja, do tratamento ministrado pelo profissional da medicina ao seu paciente. A relação médico-paciente é sagrada, como dito, sendo que são do médico de confiança do paciente a obrigação e o direito de identificar a doença e encontrar o melhor meio para um tratamento eficaz. Se o tratamento resultar infrutífero, ou se o medicamento não for adequado, é do médico a responsabilidade, e de ninguém mais. Quanto à questão das políticas públicas de saúde, não há dúvida de que a legislação infraconstitucional e demais atos normativos podem estabelecer diretrizes para racionalização da prestação dos serviços de saúde pelos entes estatais; mas não pode Fl. 4/5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Ap Cível/Reex Necessário Nº 1.0024.11.114141-2/001 haver limitação do direito à vida e à saúde, garantido pela Constituição Federal. A Constituição foi escrita em função e no interesse do povo, a ele está destinada e deve ser integralmente observada. Se assegura a assistência, o administrador público está obrigado a proporcionar os meios para que essa assistência se realize. Quanto aos honorários advocatícios, o montante fixado na sentença (R$600,00) não representa quantia elevada, e a sua redução representaria desprestígio ao trabalho do procurador da parte autora. Com tais apontamentos, em reexame necessário, confirmo a sentença; prejudicada a apelação. Custas, pelo Estado; isento, por força de lei. DES. DUARTE DE PAULA (REVISOR) - De acordo com o Relator. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De acordo com o Relator. SÚMULA: "EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA; PREJUDICADA A APELAÇÃO" Fl. 5/5