RISCOS E POSSIBILIDADES DA CINESIOTERAPIA MOTORA NA DISTROFINOPATIA1 Denise Amanajás - FT ([email protected]) Benjamim A Ohanna – neurologista APDIM - Associação Paraense de Distrofia Muscular – Belém-PA As Distrofinopatias (Duchenne, Becker e formas intermediárias) pertencem ao grupo das miopatias geneticamente determinadas, cujo padrão de herança é recessivo ligado ao cromossomo X, sendo caracterizada por causar fraqueza, degeneração e atrofia em grupos de músculos esqueléticos específicos de caráter progressivo e irreversível e cujas alterações patológicas são secundárias a deficiência da proteína do sarcolema chamada “Distrofina" e independem do comprometimento orgânico ou funcional do sistema nervoso central ou periférico. As Distrofinopatias diferem entre si pela idade de início dos sinais e sintomas e pela gravidade de sua evolução clínica (Walton, J 1988; Levy, A 1989; Gallano, 1997; Adams e Victor, 1996 e Amanajás, 1999). Rowland (1997) cita que a incidência da distrofia muscular tipo Duchenne (DMD) é estimada em 1 a cada 3.500 nascimentos vivos do sexo masculino, não existindo variação geográfica nem étnica nesta população. Esta prevalência é menor no adulto (período de vida pequeno), cerca de 1 em 18.000 homens. Thompsom (1993) mostra que a freqüência de portadoras (sexo feminino) é estimada em 1 a cada 2.500 meninas. As formas variantes e o tipo Becker apresentam uma incidência menor, sendo que nesta a incidência é estimada em 1 em cada 20.000 nascimentos vivos (Reed, 1996). Sinais e Sintomas: As distrofias musculares apresentam um início gradual dos sinais e sintomas, havendo na maioria dos tipos, um período pré-clínico. Na DMD os primeiros sinais evidentes ocorrem geralmente por volta dos 3 aos 5 anos de vida, enquanto na DMB o início ocorre entre os 5 e 25 anos (Reed, 1996 e Rowland, 1997). Na DMB o comprometimento muscular e semelhante ao da DMD. A fraqueza muscular é primeiramente percebida nos músculos da cintura pélvica, evoluindo progressivamente para a cintura escapular, afetando os grupos musculares de forma 1 Trabalho apresentado do XV Congresso Brasileiro de Fisioterapia, I Congresso Brasileiro do Século XXI, VIII Congresso Paulista de Fisioterapia e IX Expo-Fisio Brasil, período 10 a 14/10/01 – Anhembi – São Paulo. 2 simétrica porém desigual entre agonistas e antagonistas, levando a uma desarmonia de força entre grupos musculares antagônicos. O indivíduo para se adaptar a estas mudanças e manter a postura vertical, adquire mecanismos compensatórios. A postura ereta típica é hiperlordótica com abdome protuso e aumento da base de sustentação (ver fig. 1), a marcha é do tipo anserina, pendular ou "de balanço" e para levantar-se do chão escalam o próprio corpo. Este sinal é conhecido como "sinal de Gowers" ou levantar miopático (ver fig. 2) (Leitão, A. in: Lianza, 1995; Rowland, 1997 e ABDIM, 1999). Figura 1- Notar a hiperlodose lombar, protusão do abdome, pseudo-hipertrofia das panturrilhas e aumento da base de sustentação FONTE: WALTON, J., 1988 P. 526 A B C Figura 2 – (A) Este paciente com DMD demonstra o clássico Sinal de Gowers. (B) Para levantar-se o menino fará uso das mãos escalando suas próprias pernas, (C) apoiado em si mesmo, empurra-se para alcançar a posição vertical. FONTE: SWAIMAN, K. e WRIGHT, F., 1979 p. 154 Para Reed (1996) a incapacidade para a deambulação independente na DMD ocorre geralmente ao redor dos 10 anos e na DMB após os 16 anos, geralmente entre a terceira e a quinta década ou em casos mais raros após os 60 anos de idade (Zatz, 1992). Dubowitz (1990) considera forma intermediária entre DMD e DMB quando a perda da marcha ocorre entre 13 e 16 anos. 3 As contraturas e deformidades esqueléticas se intensificam após o confinamento à cadeira de rodas (ver fig 3 e 4) e as causas mais freqüentes de óbito são as complicações respiratórias e cardíaca (Levy, 1989; Adams e Victor, 1996). Figura 3 - Portador de DMD, confinado à cadeira de rodas apresentando grande deformidade equinovaro. FONTE: WALTON, J. 1988 p. 742 Figura 4 - Portador de DMD com 16 anos. Apresenta escoliose grave e incapacidade para manter a postura sentada independente FONTE: WALTON, J., 1988 p. 741 Patogenia: A necrose das fibras musculares nas DMD e DMB (e formas intermediárias) são causadas pela perda da função de um gene, cerca de dez vezes maior que a maioria dos outros genes humanos, localizado no braço curto do cromossomo X e com alta taxa mutação (Zatz, 1992 ). A distrofina, proteína codificada por este gene, faz parte de uma família de proteínas que atuam na citoarquitetura do sarcolema (Vainzof, 1998). A ausência, diminuição ou anormalidade da distrofiana torna o sarcolema instável durante a contração e o relaxamento muscular, alterando a permeabilidade seletiva desta membrana, causando necrose segmentar, atrofia, degeneração ou regeneração da porção remanescente da fibra muscular (Werneck, 1994; Adsms e Victor 1996). Reed (1996) cita que a enzima creatina fosfoquinase (CPK) na fase pré-clínica está muito elevada e para Cambier, (1988) as manifestações clínicas tornam-se detectáveis somente quando a metade das fibras musculares tenham degenerado. As DMD e DMB são formas alélicas, para explicar a diferença na evolução clínica Zatz e Pavanello (1998) citam que na DMD a distrofina é produzida severamente truncada sendo rapidamente degradada pela fibra muscular, e que na DMB a distrofina é produzida parcialmente funcional, apresentando portanto evolução lenta e menos grave que na DMD. 4 Metodologia Em entrevista informal com famílias e portadores de distrofinopatias associados a APDIM foi observado a insatisfação de alguns pacientes com a fisioterapia, com queixa de piora da fraqueza muscular após o atendimento fisioterápico e aceleração da evolução clínica, ao contrário de outros que sentiam melhora com a fisioterapia. O fato observado levou a autora a investigar quais os recursos fisioterápicos que estavam sendo utilizados, constatando-se que os que se queixavam de piora tinham sido submetidos a exercícios ativos-livres e ativosresistidos. Para esclarecer o fato observado, foi realizado revisão bibliográfica (período de 10 anos), entrevistas com pais e portadores de distrofinopatia e profissionais da área e pesquisa em associações de Distrofia Muscular. O material coletado na revisão bibliográfica foi selecionado usando como critério os propósitos do projeto deste trabalho. O resultado foi comparando com os obtidos nas associações, nas entrevistas e experiência prática da autora integrando todos os dados coletados num conjunto organizado. Resultados e Discussão Com finalidade de prolongar as atividades funcionais, destacando-se a marcha, busca-se a manutenção e/ou ganho da amplitude articular, prevenindo retrações músculo-tendínea e deformidades, e a manutenção e/ou melhora da força e resistência muscular, sendo questionável a utilização da cinesioterapia motora para esta finalidade. Exercícios Ativos-Resistidos A alteração funcional da distrofina causa instabilidade do sarcolema, alterando a permeabilidade seletiva desta membrana, levando à sobrecarga de cálcio no seu interior e a necrose seletiva. A porção remanescente da fibra muscular pode regenerar-se dando origem a uma fibra muscular potencialmente mais fraca. Questiona-se se os exercícios ativos resistidos (resistência manual, pesos, halteres, caneleiras, saquinhos de areia), agravariam a evolução do quadro clínico das Distrofinopatias. Achamos que a não indicação de exercícios resistidos em nenhuma fase da DMD, mesmo a pré-clínica, é prudente, visto a escassez das pesquisas relacionando a fisiopatogenia a cinesiologia. Reed (1996) cita que a enzima creatina fosfoquinase (CPK) na fase pré-clínica está muito elevada, o que caracteriza o processo degenerativo em ascensão. As manifestações clínicas não surgem nesta fase devido ao fato dos músculos, primeiramente afetados, possuírem milhares de fibras musculares e, segundo Cambier, (1988), as manifestações clínicas tornam-se 5 detectáveis somente quando a metade das fibras musculares tenham desaparecido. Não temos dados quantitativos para determinar o que é resistência moderada para um músculo distrófico e se os exercícios que poderiam ser benéficos para as fibras ainda não afetadas não estariam antecipando seu processo degenerativo e lesando as fibras regeneradas. Exercícios Ativos-Livres Foi visto que a ausência da distrofina torna o sarcolema instável durante a contração e relaxamento muscular. Desta forma as contrações concêntricas e excêntricas, repetidas várias vezes, com intenção de melhorar a resistência muscular, aceleram o processo degenerativo. Mas exercícios ativos “moderados”, com poucas repetições e com intenção de manter a funcionalidade podem ser benéficos, nas fases iniciais, desde que o fisioterapeuta use o bom senso e respeite os limites impostos pela doença. Os pacientes devem ser incentivados a realizarem suas atividades da vida diária, levando em consideração a fase evolutiva e realizando descanso freqüente. As atividades recreativas em grupo são benéficas pois além de favorecerem a socialização, permitem moderar as atividades, ou seja, permitem que uns desenvolvam uma atividade enquanto os outros observam, favorecendo o descanso, evitando o desgaste muscular desnecessário e a fadiga. Nas fases mais avançadas podem ser realizadas atividades recreativas manuais, devendo ser lembrado que nas distrofinopatias o acometimento dos músculos da cintura pélvica é mais intenso do que na cintura escapular, e que muitas vezes o paciente pode mover ativamente um segmento corporal e não ser capaz de realizar o mesmo com outro. Quando o paciente não conseguir realizar o movimento ativo livre em grau 3 (contra a ação da gravidade), os movimentos devem ser realizados em posições que anulam a força da gravidade. Pierron e Leroy (1988) citam que a resistência gravitacional é anulada quando o eixo de rotação do movimento livre for vertical, e o deslocamento da alavanca óssea for realizado em um plano preferencialmente horizontal. Os exercícios ativos-livres vão sendo progressivamente substituídos pelos exercício ativo-assistido. Exercícios ativos-assistidos, Mobilização Passiva Global e Alongamento Musculotendíneo A maioria dos fisioterapeutas consideram que os exercícios ativos-assistidos são importantes nas fases em que a perda funcional é evidente. Inicialmente o fisioterapeuta auxilia o movimento no final de sua amplitude. Quando necessário, o peso do segmento corporal pode ser minimizado pelo fisioterapeuta que passa a auxiliar o movimento em toda a sua amplitude. Progressivamente os exercícios ativos-assistidos vão sendo substituídos pela mobilização passiva global. 6 Entre as modalidades da cinesioterapia passiva, os alongamentos músculotendíneos são descritos na literatura como um dos principais recursos para prevenir os encurtamentos musculares, porém, não deve ser realizado o estiramento das estruturas retraídas e os alongamentos devem ser precedidos de conduta termoterápica na modalidade calor superficial. Conclusão Devido os conhecimentos da patogênese das distrofinopatias serem recentes, são poucos os estudos relacionando a cinesiologia à fisiopatogenia, não estando bem esclarecida a técnica adequada para a manutenção da força e da resistência muscular nestes pacientes. Concluímos que os exercícios ativos-resistidos e ativos-livres, que impõem ao músculo um trabalho de contração concêntrica e excêntrica com aumento da carga e/ou do número de repetições, aceleram o processo degenerativo, porém concordamos que a total suspensão de atividade física iria causar, entre outras complicações, a atrofia muscular global por desuso, diminuição da capacidade vital, aumento das complicações respiratórias, obesidade, além de despertar problemas psicológicos no paciente. Para evitar a inatividade funcional e manter a força e resistência muscular os distrofinopatas devem ser incentivados a manterem suas atividades funcionais diárias, auxiliadas quando necessário, por órteses e acessórios. As atividades recreativas e funcionais próprias para a idade e fase evolutiva, devem ser equilibradas em quantidade e qualidade, respeitando os limites impostos pela doença e realizando descansos freqüentes, já o controle postual, os alongamentos músculo -tendineo e a mobilização passiva global são indicados em todas as fases, sendo que deve ser evitado o alongamento de estruturas retraídas. Com este trabalho, procuramos esclarecer os riscos e possibilidades da cinesioterapia para o portador de distrofinopatia. Esperamos abrir novas perspectivas estimulando a investigação científica de outros recursos fisioterápicos como por exemplo a terapia aquática, as órteses posturais, incentivadores inspiratórios, ventilação mecânica não invasiva e outros. 7 Referencia Bibliográfica ABDIM - Associação Brasileira de Distrofia Muscular. site ABDIM (24 fev 1999). URL: http:// www.sili.com.br/abdim/fisio.htm. consultado em 08/ 03/1999 ADAMS, R., VICTOR, M. Neurologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1996. 1003 p. AMANAJÁS, D.C. Intervenção Fisioterápica na Evolução da Distrofia Muscular Progressiva. Belém: UEPA, 1999. Monografia (Especialização em Reabilitação Neurológica) DOWNIE, P. Neurologia para Fisioterapeutas. 4 ed. São Paulo: Panamericana, 1987. 454 DUBOWITZ, V. Physical therapy in neuromuscular disorders. Jornal of the Neurological Sciences 98, (supp):29-30,1990. GALLANO, P et al. Genética de Las Distrofias Musculares Progressivas de tipo recessivo. Site: Societat Catalana de Neurologia: Primer Congreso Virtual Iberoamericano de Neurología (1997). URL: http: // www. scn es/ cursos/ MUSCULAR/ GENDIST/LCOLL.htm. Consultado em 22/05/1990. GILARRDEU, C., PAINDESTRE, Y. Bilan et prise en charge des sujets atteints d'une pathologie primitive de la fibre musculaire. Encycl. Méd. Chir. Elsevier, Paris France, Kinésithérapie. Médicine physique. Réadaptation, 26-475-A-10, 1992, 16 p. HOFFMEN, E.P., PEGORARO, E. Dystrophinopathies: Duchenne/ Becker muscular dystrophy. San Diego- CA: Neurobase32, 1998. 1 CD-ROM. LEITÃO, A., et al. Distrofia Muscular. In: LIANZA, S. Medicina de Reabilitação. 2. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. 383 - 394 p. LEITÃO, AVA. et al. Progressive muscular dystrophy - Duchenne type: Controversies of the Kinesitherapy treatment. Medical Journal/ Rer. Paulista de Med. São Paulo, 113 (5): 995 999, 1995. LEVY, J. Doenças Musculares: Estudo Clínico e Diagnóstico. 2 ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1989. 274 p. PAVANELLO, R. Distrofia muscular do tipo cintura (DMC): O que há de novo? Jornal da ABDIM. São Paulo. 5 (20) 1º trimestre, 4 - 5, 1995. REED, U. C. Miopatias. In: DIAMENT, A., CYPEL, S. Neurologia Infantil. 3 ed. São Paulo: Atheneu, 1996. 1103 - 1129 p ROWLAND, L. Distrofia Muscular Progressiva. In: ________. Tratado de Neurologia: Merritt. 9 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 606 - 615 p. VAINZOF, M. Distrofias musculares congênitas. Jornal da ABDIM. São Paulo, 8 (34): 4 5, 3º trimestre.1998. WERNECK, L. Perspectivas em Doenças Neuromusculares: Distrofia Muscular de Duchenne. Revista Brasileira de Neurologia. Rio de Janeiro, Instituto Deolindo Couto UFRJ, 30 (3): 33 - 35, mai/jun, 1994. ZATZ, M. et al. O Impacto da Biologia Molecular no Estudo das Miopatias Hereditárias. In: SIMPÓSIO ANUAL DA ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. n. 12, 1992, São Paulo. Anais da 12ª reunião anual da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. São Paulo: USP, 1992. 16 -23 p. __________, PAVANNELLO, R. Dez anos de convivência versus dez anos de pesquisa. Jornal da ABDIM. São Paulo, 9 (33): 4- 5, 2º trimestre. 1998